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Superando os desafios de viver um chamado ocupacional: um estudo com veterinários

Superar los retos de tener una vocación profesional: un estudio con veterinarios

Resumo

O objetivo deste estudo é compreender como indivíduos vivenciam os desafios de viver seu chamado ocupacional. Foi realizada uma pesquisa qualitativa, com o método grounded theory, por meio de entrevistas narrativas. Assim, desenvolvemos uma teoria substantiva que sustenta que um chamado ocupacional pode ser vivenciado sobre diferentes significados construídos pelos trabalhadores - no caso particular, os veterinários pesquisados -, que essas diferentes construções de sentido levam os trabalhadores a vivenciar diferentes emoções e desafios de curto e longo prazo no trabalho, bem como que esses diferentes desafios são superados por distintas estratégias de superação. Assim, este trabalho contribui para a literatura no sentido de romper com a visão tradicional de que ter um chamado ocupacional enseja um significado monolítico em si. Ao contrário, o estudo sugere que diferentes significados relativos a um chamado podem produzir efeitos díspares na trajetória de carreira dos sujeitos.

Palavras-chave:
Chamado ocupacional; Grounded theory; Veterinários; Carreira; Sentido do trabalho

Resumen

El objetivo de este estudio fue comprender cómo los individuos experimentan los desafíos de tener una vocación profesional. Se realizó una investigación cualitativa, utilizando el enfoque de teoría fundamentada, a través de entrevistas narrativas. Así, desarrollamos una teoría sustantiva que sostiene que: a) una vocación profesional puede ser experimentada sobre diferentes significados construidos por los trabajadores (en el caso particular, los veterinarios investigados); b) estas diferentes construcciones de significado llevan a los trabajadores a experimentar diferentes emociones y desafíos a corto y largo plazo en el trabajo; c) estos diferentes desafíos se vencen mediante diferentes estrategias de superación. Así, este trabajo contribuye a la literatura sobre vocación al romper con la visión tradicional de que tener una vocación profesional da lugar a un significado monolítico en sí. Por el contrario, el estudio sugiere que diferentes significados relacionados con una vocación pueden producir diferentes efectos en la trayectoria profesional de los sujetos.

Palabras clave:
Vocación profesional; Teoría fundamentada; Veterinarios; Carrera; Sentido del trabajo

Abstract

This study aims to understand how individuals experience the challenges of living their occupational calling. We performed qualitative research using the grounded theory approach through narrative interviews. We developed a substantive theory that argues that: a) workers, veterinarians in this study, can experience an occupational calling under different self-constructed meanings; b) these different self-constructed meanings lead workers to experience distinct short - and long-term emotions and challenges; c) workers apply a variety of strategies to overcome these challenges. Thus, this work contributes to the literature on callings by parting with the traditional view that having an occupational calling reflects a monolithic meaning itself. In contrast, the study suggests that different meanings related to a calling may produce different effects on the subjects’ career path.

Keywords:
Occupational calling; Grounded theory; Veterinarians; Career; Meaning of work

INTRODUÇÃO

O trabalho no mercado contemporâneo tem sido cada vez mais um cenário no qual pessoas buscam vivenciar uma carreira com significados que transcendem a mera busca por recompensas financeiras (Allan, Duffy, & Collisson, 2018Duffy, R. D., Dik, B. J., Douglass, R. P., England, J. W., & Velez, B. L. (2018). Work as a calling: a theoretical model. Journal of Counseling Psychology, 65(4), 423-439. Recuperado de https://doi.org/10.1037/cou0000276
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). Nesse contexto, vem sendo crescente o interesse por “chamados ocupacionais” (Duffy, Dik, Douglass, England, & Velez, 2018Duffy, R. D., Dik, B. J., Douglass, R. P., England, J. W., & Velez, B. L. (2018). Work as a calling: a theoretical model. Journal of Counseling Psychology, 65(4), 423-439. Recuperado de https://doi.org/10.1037/cou0000276
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), definidos como “uma abordagem em relação ao trabalho que reflete uma busca por um senso de propósito e significado usado para ajudar outras pessoas ou contribuir para um bem comum, motivada por demandas internas ou externas” (Duffy et al., 2018Duffy, R. D., Dik, B. J., Douglass, R. P., England, J. W., & Velez, B. L. (2018). Work as a calling: a theoretical model. Journal of Counseling Psychology, 65(4), 423-439. Recuperado de https://doi.org/10.1037/cou0000276
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, p. 426). Apesar da ênfase dominante nos aspectos positivos de ver o trabalho como um chamado, como maior satisfação com a vida e comprometimento com a carreira (H. S. Lee, E. S. Lee, & Shin, 2020Lee, H. S., Lee, E. S., & Shin, Y. J. (2020). The Role of Calling in a Social Cognitive Model of Well-Being. Journal of Career Assessment, 28(1), 59-75. Recuperado de https://doi.org/10.1177/1069072719825777
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), nem todos os estudos sobre o tema adotam esse olhar. Alguns têm explorado desafios de indivíduos ao buscarem vivenciar seus chamados (Lysova, Jansen, Khapova, Plomp, & Tims, 2018Lysova, E. I., Jansen, P. G., Khapova, S. N., Plomp, J., & Tims, M. (2018, fevereiro). Examining calling as a double-edged sword for employability. Journal of Vocational Behavior, 104, 261-272. Recuperado de https://doi.org/10.1016/j.jvb.2017.11.006
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; Silva, Felix, & Mainardes, 2021Silva, A. F. M. Filho, Felix, B., & Mainardes, E. W. (2021). Occupational callings: A double-edged sword for burnout and stress. Estudos de Psicologia (Natal), 26 (1), 45-55. Recuperado de http://dx.doi.org/10.22491/1678-4669.20210006
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), uma vez que alguns não conseguem construir uma carreira com essas características.

Mesmo, porém, entre os estudos que discutem chamados ocupacionais sob o ângulo dos desafios de vivenciá-los, em geral os indivíduos que os têm são apresentados como pessoas persistentes e vivenciadoras de um senso de destino (Duffy & Sedlacek, 2007Duffy, R. D., & Sedlacek, W. E. (2007). What is most important to students’ long-term career choices: analyzing 10-year trends and group differences. Journal of Career Development, 34(2), 149-163. Recuperado de https://doi.org/10.1177/0894845307307472
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; Hall & Chandler, 2005Hall, D. T., & Chandler, D. E. (2005, março). Psychological success: when the career is a calling. Journal of Organizational Behavior, 26(2), 155-176. Recuperado de https://doi.org/10.1002/job.301
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). Isso pode ser entendido como uma visão demasiadamente heroica e irrealista a respeito desses profissionais (Schabram & Maitlis, 2017Schabram, K., & Maitlis, S. (2017). Negotiating the challenges of a calling: emotion and enacted sensemaking in animal shelter work. Academy of Management Journal, 60(2), 584-609. Recuperado de https://doi.org/10.5465/amj.2013.0665
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). A despeito da contribuição dos citados estudos, é possível identificar algumas lacunas na literatura. Ainda que haja evidências de que indivíduos respondem de formas distintas a esses desafios ao longo do tempo (Ng, Feldman, & Lam, 2010Ng, T. W. H., Feldman, D. C., & Lam, S. S. K. (2010). Psychological contract breaches, organizational commitment, and innovation-related behaviors: a latent growth modeling approach. Journal of Applied Psychology, 95(4), 744-751. Recuperado de https://doi.org/10.1037/a0018804
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), faz-se necessário melhor compreender como eles buscam superar os desafios para viver um chamado ocupacional.

Os estudos citados não exploraram de forma mais ampla as diferentes reações que distintos indivíduos com um mesmo chamado ocupacional podem adotar para buscar vivenciá-lo. Não obstante pesquisas anteriores citarem a influência de valores pessoais, emoções e significados do trabalho na maneira como indivíduos buscam superar os citados desafios (Schabram & Maitlis, 2017Schabram, K., & Maitlis, S. (2017). Negotiating the challenges of a calling: emotion and enacted sensemaking in animal shelter work. Academy of Management Journal, 60(2), 584-609. Recuperado de https://doi.org/10.5465/amj.2013.0665
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), esses aspectos ainda precisam ser mais bem explorados no contexto de chamados ocupacionais, que tendem a amplificá-los (Duffy & Dik, 2013Duffy, R. D., & Dik, B. J. (2013, dezembro). Research on calling: what have we learned and where are we going? Journal of Vocational Behavior, 83(3), 428-436. Recuperado de https://doi.org/10.1016/j.jvb.2013.06.006
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). Além disso, apresentam uma visão monolítica a respeito de chamados ao explorarem somente a ligação do indivíduo com dada ocupação, mas não as funções que essa ligação visa cumprir para o indivíduo (Felix & Cavazotte, 2019Felix, B., & Cavazotte, F. (2019, setembro). When a calling goes unanswered: exploring the role of workplace personalizations as calling enactments. Frontiers in Psychology, 10, 1-14. Recuperado de https://doi.org/10.3389/fpsyg.2019.01940
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; Obodaru, 2017Obodaru, O. (2017). Forgone, but not forgotten: toward a theory of forgone professional identities. Academy of Management Journal, 60(2), 523-553. Recuperado de https://doi.org/10.5465/amj.2013.0432
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).

Diante dessa lacuna, o objetivo deste trabalho é compreender como indivíduos vivenciam os desafios de viver seu chamado ocupacional. Para isso, foi realizado um estudo com veterinários brasileiros. De forma a melhor alcançar esse objetivo, procedeu-se a uma pesquisa qualitativa, baseada no método da grounded theory, por meio de entrevistas narrativas em profundidade e de uma análise indutiva delas.

Esta análise oferece duas contribuições centrais para a literatura sobre chamados ocupacionais. Primeiro, adota uma visão multifacetada, e não unitária, sobre a busca por fundamentar o trabalho num sentido de chamado, explorando as diferentes dinâmicas que indivíduos podem vivenciar nesse processo. Segundo, busca superar a discussão dicotomizada a respeito dos efeitos positivos e negativos de viver um chamado ocupacional (Lysova et al., 2018Lysova, E. I., Jansen, P. G., Khapova, S. N., Plomp, J., & Tims, M. (2018, fevereiro). Examining calling as a double-edged sword for employability. Journal of Vocational Behavior, 104, 261-272. Recuperado de https://doi.org/10.1016/j.jvb.2017.11.006
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). Em vez disso, exploramos as circunstâncias e as razões pelas quais ambos os efeitos se manifestam.

REFERENCIAL TEÓRICO

Desafios no trabalho: o que sabemos até agora?

A literatura tem mostrado evidências robustas de que a maneira como indivíduos interpretam seus desafios de carreira, em geral, traz consequências para suas emoções e, num segundo momento, para o trabalho que realizam. Estudos mostram que, quando profissionais interpretam desafios no trabalho como algo que os afasta de seus objetivos pessoais e de trabalho, isso tende a afetá-los emocionalmente, levando à raiva, ao medo e à ansiedade (Dong, Seo, & Bartol, 2014Dong, Y., Seo, M. G., & Bartol, K. M. (2014). No pain, no gain: an affect-based model of developmental job experience and the buffering effects of emotional intelligence. Academy of Management Journal, 57(4), 1056-1077. Recuperado de https://doi.org/10.5465/amj.2011.0687
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; Felix & Blulm, 2020Felix, B., & Blulm, L. F. M. (2020). Comparando os impactos da percepção do chamado ocupacional na vida pessoal, profissional e na saúde dos funcionários públicos. Desenvolvimento em Questão, 18(51), 281-296. Recuperado de https://doi.org/10.21527/2237-6453.2020.51.281-296
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). Tais emoções negativas produzem efeitos indesejáveis para o trabalho, como desengajamento moral, comportamentos contraproducentes (Bauer & Spector, 2015Bauer, J. A., & Spector, P. E. (2015). Discrete negative emotions and counterproductive work behavior. Human Performance, 28(4), 307-331. Recuperado de https://doi.org/10.1080/08959285.2015.1021040
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), falta de pontualidade, sabotagem de equipamentos e comportamentos abusivos com outros funcionários.

Assim como acontece com as emoções, há também estudos que sinalizam que desafios podem afetar a atitude de funcionários, que, por sua vez, tendem também a diminuir os resultados produtivos no trabalho. Por exemplo, trabalhar em organizações vistas como arenas políticas e com líderes narcisistas (Lavoie-Tremblay, Fernet, Lavigne, & Austin, 2016Lavoie-Tremblay, M., Fernet, C., Lavigne, G. L., & Austin, S. (2016, março). Transformational and abusive leadership practices: impacts on novice nurses, quality of care and intention to leave. Journal of Advanced Nursing, 72(3), 582-592. Recuperado de https://doi.org/10.1111/jan.12860
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) ou tóxicos (Lam & Xu, 2019Lam, L. W., & Xu, A. J. (2019, julho). Power imbalance and employee silence: the role of abusive leadership, power distance orientation, and perceived organisational politics. Applied Psychology, 68(3), 513-546. Recuperado de https://doi.org/10.1111/apps.12170
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) tende a reduzir a satisfação no trabalho e a aumentar as chances de rotatividade. Esses processos são considerados adoecedores e podem ser percebidos por um processo de sensemaking, ou por um evento que leva o indivíduo a perceber a condição desfavorável na qual se encontra (T. W. Lee & Mitchell, 1994Lee, T. W., & Mitchell, T. R. (1994). An alternative approach: the unfolding model of voluntary employee turnover. Academy of Management Review, 19(1), 51-89. Recuperado de https://doi.org/10.2307/258835
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).

Apesar da predominante ênfase da literatura nas consequências negativas dos desafios vivenciados no ambiente laboral, todavia, nem todas as pessoas lidam com desafios profissionais de forma negativa. Há uma corrente de estudos que direcionam a atenção para as estratégias de coping, ou seja, para como as pessoas lidam com tais desafios, de forma a reduzi-los ou eliminá-los. Estudos sobre voz e silêncio no trabalho, por exemplo, têm indicado que expressar insatisfações ou pontos de vista relacionados a desafios no ambiente de trabalho de forma construtiva tende a gerar consequências mais positivas para o indivíduo e seu trabalho do que silenciar (Felix, Mello, & von Borell, 2018Felix, B., Mello, A., & von Borell, D. (2018). Voices unspoken? Understanding how gay employees co-construct a climate of voice/silence in organisations. The International Journal of Human Resource Management, 29(5), 805-828. Recuperado de https://doi.org/10.1080/09585192.2016.1255987
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). Outras pesquisas sobre job crafting, negociação de identidades e adaptabilidade de carreira (Bardon, Brown, & Pezé, 2017Bardon, T., Brown, A., & Pezé, S. (2017). Identity regulation, identity work and phronesis. Human Relations, 70(8), 940-965. Recuperado de https://doi.org/10.1177/0018726716680724
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) também apontam que essas características podem ajudar indivíduos, por diferentes mecanismos, a superar os desafios encontrados no âmbito do trabalho.

Diferentemente dessas perspectivas que focam num olhar temporal transversal para o fenômeno, outras duas correntes de pesquisa se dedicam a discutir os desafios profissionais em perspectiva de longo prazo. De um lado, o conceito de burnout, uma condição cumulativa conhecida como “síndrome psicológica resultante de estressores crônicos no trabalho” (Maslach, Schaufeli, & Leiter, 2001Maslach, C., Schaufeli, W. B., & Leiter, M. P. (2001, fevereiro). Job burnout. Annual Review of Psychology, 52(1), 397-422. Recuperado de https://doi.org/10.1146/annurev.psych.52.1.397
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, p. 397), revela os efeitos negativos. Estudos sobre esse tema apontam que indivíduos vivenciam uma evolução gradual da exaustão para o cinismo, o empobrecimento das relações no trabalho e a queda no desempenho (Maslach & Leiter, 2016Maslach, C., Schaufeli, W. B., & Leiter, M. P. (2001, fevereiro). Job burnout. Annual Review of Psychology, 52(1), 397-422. Recuperado de https://doi.org/10.1146/annurev.psych.52.1.397
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). De outro, o thriving, resposta construtiva a desafios que leva indivíduos a alcançarem maior senso de vitalidade e aprendizagem (Spreitzer, Sutcliffe, Dutton, Sonenshein, & Grant, 2005Spreitzer, G., Sutcliffe, K., Dutton, J., Sonenshein, S., & Grant, A. M. (2005). A socially embedded model of thriving at work. Organization Science, 16(5), 537-549. Recuperado dehttps://doi.org/10.1287/orsc.1050.0153
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), tem sido explorado como uma consequência positiva de longo prazo para desafios no trabalho.

De forma geral, esses estudos mostram que a maneira como indivíduos interpretam os desafios encontrados no trabalho tende a conduzi-los a diferentes respostas a tais desafios, que as respostas a tais desafios trazem consequências para os efeitos que se produzem para indivíduos e organizações, bem como que, em longo prazo, os efeitos dessas reações positivas e negativas tendem a ser ampliados em consequências respectivamente positivas e negativas. Tal revisão, no entanto, se refere a desafios profissionais mais amplos. Assim, no tópico seguinte, adentramos as especificidades dos desafios profissionais quando se busca vivenciar um chamado ocupacional.

Como indivíduos respondem a desafios na busca por viver chamados ocupacionais?

Chamado ocupacional é um conceito relativamente novo na literatura de carreiras, havendo distintas abordagens para o estudo do tema. O termo tem sido estudado sob duas orientações dominantes: a neoclássica e a moderna. De acordo com a primeira, chamados são vistos como um impulso em direção a alguma designação proveniente de um senso de destino ou de uma origem divina que convida o indivíduo a performar um trabalho que visa ao benefício de outras pessoas na carreira (Baumeister, 1991Baumeister, R. F. (1991). Meanings of life. New York, NY: Guilford Press.). Por sua vez, a definição moderna enfatiza um direcionamento interno que promove nos indivíduos um desejo por encontrar autorrealização e sentido no contexto do trabalho. Segundo essa abordagem, que foi a escolhida para orientar o presente estudo, um chamado ocupacional pode ser entendido como “um senso que faz com que indivíduos (a) se sintam chamados por algo externo, para além de si, em direção a alguma carreira em particular, de forma que (b) tal chamado seja a fonte da expressão do sentido de vida mais amplo de uma pessoa e que (c) veja a necessidade ou o benefício de outros como fonte motivadora” (Duffy, Dik, & Steger, 2011Duffy, R. D., Dik, B. J., & Steger, M. F. (2011, abril). Calling and work-related outcomes: career commitment as a mediator. Journal of Vocational Behavior, 78(2), 210-218. Recuperado de https://doi.org/10.1016/j.jvb.2010.09.013
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, p. 211).

A despeito de a literatura sobre chamados ocupacionais geralmente enfatizar os aspectos positivos de viver um chamado ocupacional, há também evidências de que eles trazem desafios relevantes. Possuidores de chamados para o trabalho tendem a apresentar maior engajamento, comprometimento (Duffy et al., 2011Duffy, R. D., Dik, B. J., & Steger, M. F. (2011, abril). Calling and work-related outcomes: career commitment as a mediator. Journal of Vocational Behavior, 78(2), 210-218. Recuperado de https://doi.org/10.1016/j.jvb.2010.09.013
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) e satisfação com a vida (Duffy, Allan, & Bott, 2012Duffy, R. D., Allan, B. A., & Bott, E. M. (2012). Calling and life satisfaction among undergraduate students: investigating mediators and moderators. Journal of Happiness Studies, 13(3), 469-479. Recuperado de https://doi.org/10.1007/s10902-011-9274-6
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). No entanto, nem tudo são flores. Há também indícios de que perceber e viver chamados ocupacionais está associado a efeitos indesejados, como vício no trabalho, menor qualidade do sono e vigor matinal, empregabilidade (Lysova et al., 2018Lysova, E. I., Jansen, P. G., Khapova, S. N., Plomp, J., & Tims, M. (2018, fevereiro). Examining calling as a double-edged sword for employability. Journal of Vocational Behavior, 104, 261-272. Recuperado de https://doi.org/10.1016/j.jvb.2017.11.006
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) e exploração organizacional (Duffy, Douglass, Autin, England, & Dik, 2016Dik, B. J., Eldridge, B. M., Steger, M. F., & Duffy, R. D. (2012). Development and validation of the calling and vocation questionnaire (CVQ) and brief calling scale (BCS). Journal of Career Assessment, 20(3), 242-263. Recuperado de https://doi.org/10.1177/1069072711434410
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). Assim, chamados são vistos como uma faca de dois gumes em termos de suas consequências (Felix & Papaleo, 2021Felix, B., & Papaleo, J. A. B. (2021). Interpretar o trabalho como um chamado contribui para a empregabilidade ou a atrapalha? Desenvolvimento em Questão, 19(55), 172-188. Recuperado de https://doi.org/10.21527/2237-6453.2021.55.11031
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; Lysova et al., 2018Lysova, E. I., Jansen, P. G., Khapova, S. N., Plomp, J., & Tims, M. (2018, fevereiro). Examining calling as a double-edged sword for employability. Journal of Vocational Behavior, 104, 261-272. Recuperado de https://doi.org/10.1016/j.jvb.2017.11.006
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), e faz-se necessário melhor compreender como indivíduos lidam com os desafios de vivenciá-los.

Ainda que não tenham sido encontrados estudos que explorem como indivíduos vivenciam e superam os desafios de viver chamados organizacionais, três literaturas apontam caminhos que podem ser vistos como sensibilizadores.

Conceitos sensibilizadores: a literatura de sensemaking

Tais desafios parecem ser influenciados pela forma como as pessoas interpretam as situações que se apresentam em suas trajetórias. Esse aspecto pode ser explorado por meio do conceito de sensemaking, o qual se refere ao processo pelo qual pessoas constroem sentido diante de eventos ou temas surpreendentes, ao indagarem sobre o que está acontecendo ou qual é a história por trás dos fatos (Weick, Sutcliffe, & Obstfeld, 2005Weick, K. E., Sutcliffe, K. M., & Obstfeld, D. (2005). Organizing and the process of sensemaking. Organization Science, 16(4), 327-451. Recuperado de https://doi.org/10.1287/orsc.1050.0133
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). Indivíduos realizam tal construção de sentido por meio de processos cíclicos de interpretação e ação, que os levam à criação de interpretações subjetivas verossímeis e relativamente sustentáveis (Maitlis, 2009Maitlis, S. (2009). Who am I now? Sensemaking and identity in posttraumatic growth. In L. M. Roberts, & J. E. Dutton (Eds.), Exploring Positive Identities and Organizations: Building a Theoretical and Research Foundation. East Sussex, UK: Psychology Press.). Como os desafios experimentados ao perceber e viver um chamado ocupacional são construídos na interface entre valores pessoais e nos fatos que se apresentam em si (Obodaru, 2017Obodaru, O. (2017). Forgone, but not forgotten: toward a theory of forgone professional identities. Academy of Management Journal, 60(2), 523-553. Recuperado de https://doi.org/10.5465/amj.2013.0432
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), entendemos como razoável a ideia de que o sensemaking tenha um potencial explicativo na forma como indivíduos lidam com os chamados ocupacionais.

Conceitos sensibilizadores: a literatura de emoções no trabalho

Como citado, a literatura sobre emoções no trabalho sugere que elas tendem a influenciar a maneira como pessoas lidam com desafios no trabalho (Bauer & Spector, 2015Bauer, J. A., & Spector, P. E. (2015). Discrete negative emotions and counterproductive work behavior. Human Performance, 28(4), 307-331. Recuperado de https://doi.org/10.1080/08959285.2015.1021040
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; Dong et al., 2014Dong, Y., Seo, M. G., & Bartol, K. M. (2014). No pain, no gain: an affect-based model of developmental job experience and the buffering effects of emotional intelligence. Academy of Management Journal, 57(4), 1056-1077. Recuperado de https://doi.org/10.5465/amj.2011.0687
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). Assim, é esperado que esses efeitos também estejam presentes, talvez de forma acentuada, em desafios ocorridos no contexto de chamados, uma abordagem de alto engajamento e expectativas em relação ao trabalho (Duffy et al., 2018Duffy, R. D., Dik, B. J., Douglass, R. P., England, J. W., & Velez, B. L. (2018). Work as a calling: a theoretical model. Journal of Counseling Psychology, 65(4), 423-439. Recuperado de https://doi.org/10.1037/cou0000276
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). Como a busca por viver chamados tende a despertar sentimentos de esperança por uma vida e um trabalho dotados de sentido (Felix & Cavazotte, 2019Felix, B., & Cavazotte, F. (2019, setembro). When a calling goes unanswered: exploring the role of workplace personalizations as calling enactments. Frontiers in Psychology, 10, 1-14. Recuperado de https://doi.org/10.3389/fpsyg.2019.01940
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; Obodaru, 2017Obodaru, O. (2017). Forgone, but not forgotten: toward a theory of forgone professional identities. Academy of Management Journal, 60(2), 523-553. Recuperado de https://doi.org/10.5465/amj.2013.0432
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) ao mesmo tempo que pode gerar sentimentos de raiva e ansiedade em casos de desafios, pode-se destacar esse aspecto como potencial influenciador nesse processo.

Conceitos sensibilizadores: a perspectiva temporal na literatura de desafios no trabalho

Os citados estudos que adotam uma perspectiva temporal de longo prazo sobre desafios no trabalho por meio de conceitos como burnout (Maslach & Leiter, 2016Maslach, C., & Leiter, M. P. (2016). Burnout. In G. Fink (Ed.), Stress: Concepts, Cognition, Emotion, and Behavior (Handbook of Stress Series, Vol. 1, pp. 351-357). Cambridge, UK: Academic Press.) e thriving (Spreitzer et al., 2005Spreitzer, G., Sutcliffe, K., Dutton, J., Sonenshein, S., & Grant, A. M. (2005). A socially embedded model of thriving at work. Organization Science, 16(5), 537-549. Recuperado dehttps://doi.org/10.1287/orsc.1050.0153
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) parecem ser especialmente relevantes no caso de chamados ocupacionais. É razoável sugerir que, num contexto de uma abordagem para o trabalho em que ele é visto como altamente significativo e gerador de propósito, como no caso de chamados ocupacionais (Duffy et al., 2018Duffy, R. D., Dik, B. J., Douglass, R. P., England, J. W., & Velez, B. L. (2018). Work as a calling: a theoretical model. Journal of Counseling Psychology, 65(4), 423-439. Recuperado de https://doi.org/10.1037/cou0000276
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), os efeitos negativos manifestados no burnout e os mecanismos positivos de adaptação expressos por meio do thriving sejam amplificados (Schabram & Maitlis, 2017Schabram, K., & Maitlis, S. (2017). Negotiating the challenges of a calling: emotion and enacted sensemaking in animal shelter work. Academy of Management Journal, 60(2), 584-609. Recuperado de https://doi.org/10.5465/amj.2013.0665
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). Ou seja, tende a haver um esgotamento do profissional com o passar do tempo, quando ele enxerga o trabalho como dotado de significado (Duffy et al., 2018Duffy, R. D., Dik, B. J., Douglass, R. P., England, J. W., & Velez, B. L. (2018). Work as a calling: a theoretical model. Journal of Counseling Psychology, 65(4), 423-439. Recuperado de https://doi.org/10.1037/cou0000276
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).

Por um lado, pode ser torturante a frustração após investir por um longo prazo num chamado que não apresenta os resultados pessoais esperados (Berg et al., 2010Berg, J. M., Grant, A. M., & Johnson, V. (2010). When callings are calling: crafting work and leisure in pursuit of unanswered occupational callings. Organization Science, 21(5), 973-994. Recuperado de https://doi.org/10.1287/orsc.1090.0497
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), sem que o indivíduo tenha percebido a tempo que estava alocando recursos que não gerariam retorno. Por outro, a intensidade e a persistência características da busca por viver um chamado podem levar indivíduos a se tornarem mais focados e resilientes diante de dificuldades (Carver, 1998Carver, C. S. (1998). Resilience and thriving: issues, models, and linkages. Journal of Social Issues, 54(2), 245-266. Recuperado de https://doi.org/10.1111/0022-4537.641998064
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). Assim, uma perspectiva temporal pode ser especialmente relevante como olhar sensibilizador para esta pesquisa.

METODOLOGIA

O objetivo do presente estudo é compreender como indivíduos vivenciam os desafios que enfrentam na busca por vivenciar um chamado ocupacional. Para isso, foi desenvolvida uma teoria fundamentada nos dados (TFD) (grounded theory), baseada na vertente de Charmaz (2009Charmaz, K. (2009). A construção da teoria fundamentada: guia prático para análise qualitativa. Porto Alegre, RS: Artmed.), conhecida como construtivista. A TFD é um método de pesquisa qualitativa que fornece a possibilidade de desenvolver uma teoria (Charmaz, 2009Charmaz, K. (2009). A construção da teoria fundamentada: guia prático para análise qualitativa. Porto Alegre, RS: Artmed.) alicerçada nos dados coletados e que se mostra adequada para situações nas quais não haja uma teoria prévia para o estudo do tema em questão, o que é o caso do presente artigo.

A população objeto de análise da pesquisa foram médicos veterinários em estados do Nordeste e do Sudeste em exercício profissional. Como o estudo visa identificar de que modo pessoas vivenciam os desafios de viver um chamado profissional, contou apenas com a participação de sujeitos que declararam ter um chamado profissional ativo. Assim, precisávamos identificar se os indivíduos que seriam convidados de fato o tinham. Para isso, replicamos o procedimento utilizado nas pesquisas qualitativas de Berg et al. (2010Berg, J. M., Grant, A. M., & Johnson, V. (2010). When callings are calling: crafting work and leisure in pursuit of unanswered occupational callings. Organization Science, 21(5), 973-994. Recuperado de https://doi.org/10.1287/orsc.1090.0497
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) e Felix e Cavazotte (2019Felix, B., & Cavazotte, F. (2019, setembro). When a calling goes unanswered: exploring the role of workplace personalizations as calling enactments. Frontiers in Psychology, 10, 1-14. Recuperado de https://doi.org/10.3389/fpsyg.2019.01940
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) para selecionar participantes. Esse procedimento, de natureza quantitativa, pode ser realizado mesmo em pesquisa qualitativa, pois está apenas sendo empregado para a seleção dos participantes. Os indivíduos que foram convidados a participar do estudo responderam a uma escala de quatro itens de percepção de chamado ocupacional de Dik, Eldridge, Steger, e Duffy (2012Duffy, R. D., Allan, B. A., & Bott, E. M. (2012). Calling and life satisfaction among undergraduate students: investigating mediators and moderators. Journal of Happiness Studies, 13(3), 469-479. Recuperado de https://doi.org/10.1007/s10902-011-9274-6
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), com uma escala Likert de 5 pontos e opções de respostas variando de 1 (“Não é verdadeiro para mim”) a 5 (“Totalmente verdadeiro para mim”). As questões incluem frases descritivas como “Tenho um chamado para um tipo particular de trabalho” e “Na minha carreira, entendo que tenho um chamado”. Foram convidados para realizar entrevistas os participantes que responderam com as opções 4 (“Predominantemente verdadeiro para mim”) ou 5 (“Totalmente verdadeiro para mim”).

Os veterinários foram contatados a partir de listas obtidas em sindicatos da categoria e por meio de contatos pessoais. Foram convidados a participar do estudo 12.892 profissionais por meio de um e-mail convite. Desses, 743 responderam à escala e 208 foram considerados pessoas que veem a veterinária como um chamado ocupacional. No entanto, como 62 deles não exercem a profissão, obteve-se um total de 146 veterinários que a veem como um chamado. Tendo em vista que o fenômeno estudado demandava que o entrevistado tivesse vivenciado sua profissão de forma mais ampla, optou-se por selecionar aqueles que exercessem a função há pelo menos 10 anos. Assim, obteve-se uma lista válida de 97 veterinários.

A coleta de dados foi desenvolvida mediante entrevista narrativa em profundidade, executada a partir de um roteiro semiestruturado com questões abertas. Esse roteiro foi elaborado com base nos conceitos sensibilizadores apresentados na revisão da literatura e aprimoradas ao longo do desenvolvimento da pesquisa, de acordo com os princípios da amostragem teórica (Charmaz, 2009Charmaz, K. (2009). A construção da teoria fundamentada: guia prático para análise qualitativa. Porto Alegre, RS: Artmed.). Também foram coletados os dados demográficos como idade, tempo de exercício da profissão, gênero, condição financeira, subárea de atuação e existência de envolvimento com o voluntariado.

O roteiro final que orientou as entrevistas incluía itens como de que forma o indivíduo chegou à conclusão de que tinha um chamado, suas metas gerais, os sentidos, as emoções, os desafios e as formas de superação deles no contexto do trabalho. Além disso, construímos também um entendimento a respeito do contexto específico de cada entrevistado, por meio de perguntas sobre sua idade, área específica em que atua na veterinária, hobbies e atividades paralelas, por exemplo.

Inicialmente, foram entrevistados 5 veterinários de uma lista de 97 profissionais antes citada. A partir das entrevistas com eles, códigos de primeira ordem, diretamente associados aos dados, foram construídos e novas perguntas surgiram. Novas ondas de idas ao campo ocorreram, e a escolha dos novos entrevistados entre a lista dos 92 remanescentes se deu por critérios demográficos que pudessem levar à formação de novas categorias. As entrevistas foram realizadas até que as idas ao campo não mais levassem à formação de novas categorias (saturação teórica). Esse ponto ocorreu após 55 entrevistas.

A análise de dados seguiu os processos iterativos sugeridos pela grounded theory. Primeiramente, foi feita uma codificação inicial, nas quais sintetizamos os significados das falas dos entrevistados em códigos de primeira ordem - exemplos: “Sentindo-se bem consigo por meio do chamado” e “Sentindo-se triste por não viver seu chamado como gostaria”. À medida que as ondas de entrevistas e análise se desenvolviam, alguns códigos de primeira ordem, usados para sintetizar o significado de trechos das entrevistas, foram agrupados ou redesignados em outros de segunda ordem, mais abstratos e de maior alcance teórico. Alguns exemplos seriam “Geração de autovalor” e “Tristeza existencial” (ver Quadro 1). Finalmente, os últimos originaram as dimensões agregadas que se caracterizaram como as 3 categorias centrais da teoria fundamentada apresentada (“Ser”, “Fazer” e “Contribuir”, ver Quadro 1).

Quadro 1
Um modelo sobre desafios na vivência de um chamado ocupacional

O processo de análise foi intercalado com novas idas ao campo para coletar dados que pudessem ser úteis para refinar os achados obtidos até então. Como explicado, a primeira onda de coleta de dados foi composta por 5 entrevistados. As ondas seguintes contaram com 7, 13, 10, 9 e 11. Eles tinham uma média de 42 anos, com mai ou menos 16 anos de exercício na profissão, eram majoritariamente homens (52%) e tinham renda pessoal média em torno de 7 mil reais. Os profissionais entrevistados atuam nas áreas clínica e cirúrgica (74%), reprodução animal (12%), patologia (6%), inspeção de produtos de origem animal (4%) e saúde pública (4%).

RESULTADOS

Neste tópico, é apresentada a teoria fundamentada nos dados proposta neste estudo. O processo de análise levou à criação de um número de códigos de primeira ordem, que depois foram selecionados de acordo com a relevância para o entendimento do fenômeno em questão e reelaborados na forma de códigos de segunda ordem. Estes, mais abstratos e de maior alcance teórico, foram também agrupados em dimensões agregadas que caracterizam as categorias centrais do estudo. Essas categorias se referem a 3 formas de vivenciar o chamado: ser veterinário com o objetivo de “ser” (identidade), “fazer” (atividades) e “contribuir” (entrega). Essas 3 categorias não são excludentes. Em algum grau, indivíduos apresentaram mais de 1 dessas motivações para a vivência de seu chamado. Assim, a classificação que aqui se faz não objetiva categorizar indivíduos, e sim descrever categorias centrais explicativas. Na figura 1, é apresentado o mapa de construção das categorias derivadas nesta grounded theory.

Figura 1
Mapa de construção de códigos e dimensões agregadas

Essas categorias foram organizadas de forma que possibilitassem responder ao objetivo de compreender como indivíduos vivenciam os desafios que enfrentam na busca por vivenciar um chamado ocupacional. No Quadro 1, apresenta-se a estrutura em torno da qual as categorias foram estruturadas. Os códigos de segunda ordem agrupados sob a mesma letra (a, b, c e d) foram postos sob critérios similares (a - significados do chamado; b - emoções desafiadoras comumente vivenciadas; c - consequências negativas de longo prazo; d - estratégias de superação), o que é explorado em mais detalhes na apresentação da teoria.

Nos subtópicos subsequentes, apresentamos a teoria passo a passo, assim como exemplos de evidências que fundamentaram as categorias que a compõem.

O significado do chamado

O primeiro dos critérios designados para explicar a diferença entre as 3 formas de vivenciar o chamado foi o significado. Quando identificamos indivíduos com um “chamado a ser” veterinário, o significado associado quase sempre era o de algo que codificamos como “geração de autovalor”, ou seja, a criação de uma identidade que possibilitasse ao indivíduo se ver de maneira positiva. Nesse caso, as pessoas entenderam que “ser” veterinário significava “ser vista” como alguém que desempenha um trabalho digno de admiração e também aderir à constituição simbólica - por exemplo, por meio de vestimentas típicas de um profissional da área. A seguinte evidência ilustra uma construção do sentido do chamado alicerçado nesse entendimento.

Para mim, ser veterinário sempre foi algo que me ajudou a cumprir um desejo que eu tinha de estar ali, de jaleco, de ser vista como alguém que ajuda os animais. Sempre me senti bem comigo mesma sendo vista pelos outros dessa forma [...]. Pelos outros e por mim (E7, mulher; área: clínica e cirúrgica).

Em alguns outros casos, o “chamado a ser” um veterinário se manifestou por algo que codificamos como “distintividade pessoal”. Esse conceito se refere ao intuito de exercer essa profissão para se tornar alguém diferente de outras pessoas, o que também é um componente identitário relevante.

Já no caso dos indivíduos classificados como tendo um “chamado a fazer”, notou-se um sensemaking a respeito do chamado que reside mais nas atividades desempenhadas por um veterinário do que na identidade ocupacional propriamente dita. Nesses casos, os indivíduos relataram que perceberam em algum momento um chamado para performar tarefas - por exemplo, procedimentos cirúrgicos e clínicos que levavam o animal à cura de uma doença, a criação de animais em larga escala com menores custos e mais saúde ou a supervisão de estabelecimentos com o intuito de promover a saúde pública. Usamos o código “prazer laboral” para sintetizar relatos como o da entrevistada a seguir, que afirmou ser chamada a “colocar a mão na massa”.

Minha relação com a veterinária está, sem dúvida, mais no fato de que gosto de estar com o animal na minha frente, de interferir naquele ser e vê-lo saudável. Sempre gostei de abrir animais mortos na infância, de entender os corpos; amava as aulas de biologia. Então, sinto que sou chamada a colocar a mão na massa (E23, mulher; área: cínica e cirúrgica).

Por fim, também classificamos alguns entrevistados como os que têm um “chamado a contribuir”. Eles atribuíram ao ofício de veterinários o objetivo e o sentido de transformar a realidade que se apresenta relativa aos animais. Para os entrevistados classificados nessa categoria, o significado do chamado foi codificado como um “senso de contribuição existencial”, o que quer dizer que os indivíduos se sentiram chamados a realizar uma mudança no cenário existente que seja tão significativa a ponto de poder funcionar como um sentido para sua vida. No relato a seguir, o entrevistado conta que ser veterinário representa contribuir para a criação de um “legado”, na forma de um mundo mais atencioso ao cuidado com os animais.

Nasci para ser veterinário, para fazer o mundo um pouco mais consciente de que não somos superiores a eles, que somos iguais; precisamos de cuidados parecidos [...]. Quero ter, no fim da vida, a certeza de que deixei meu legado (E48, homem; área: clínica e cirúrgica).

Emoções desafiadoras comumente vivenciadas

A segunda categoria de análise derivada no desenvolvimento dessa grounded theory foi a das emoções desafiadoras comumente vivenciadas. Entre os veterinários classificados com “chamado a ser”, a emoção mais recorrente foi codificada como “irritação por não se destacar suficientemente”. Como a meta central dos profissionais com essa forma de chamado envolve a construção de uma identidade que proveja autoestima diante de desafios para a consecução desse objetivo, a emoção mais reportada foi a de irritação por um desapontamento diante da percepção de que tal construção não se dava como esperado. O relato a seguir de uma entrevistada ilustra esse entendimento.

O difícil para mim é que o tempo foi passando e fui percebendo que, sim, sou veterinária. Não tenho do que reclamar, mas achei que seria mais. Achei que eu seria aquela pessoa diferente, que se destaca. E acabei tendo que me prostituir profissionalmente para sobreviver, fazer coisas que me tornaram comum; nada demais, diferente do que eu imaginava (E30, mulher; área: reprodução animal).

Por sua vez, veterinários que perceberam um “chamado a fazer” mostraram ter um objetivo central de alcançar um prazer ao executar as atividades inerentes à sua função. Dois códigos foram derivados para sintetizar as emoções vivenciadas por eles diante dos desafios ocupacionais: tédio por falta de desafios e estresse por excesso de desafios. No primeiro caso, encontram-se veterinários que vivenciam um “chamado a fazer”, mas que não encontram em sua ocupação atual um cenário no qual possam exercer suas habilidades. Já no segundo foram classificados aqueles que atuam num cenário em que há certa falta de estrutura, o que faz com que os desafios estejam além de suas possibilidades de execução. A seguir, são apresentados 2 relatos que ilustram, respectivamente, as 2 emoções retratadas (tédio e estresse).

Idealizei muito; achava que fosse fazer e acontecer, mas 99% do meu tempo é fazendo as mesmas coisas, aquilo que dá dinheiro. As atividades que me dão mais prazer não são tão lucrativas para meu negócio, dá muita dor de cabeça com o dono. Então, me sinto entediado porque tudo fica fácil e sem desafio (E31, homem; área: clínica).

Eu me sinto estressada quando vou vendo as dificuldades do meu trabalho. Gosto do desafio, de ter que estudar sobre enfermidades, sobre questões sanitárias, leis; me empolgo, sempre acho que devo dedicar mais tempo ao trabalho, por ser essa coisa meio apaixonada. Mas, quando vejo, não consigo tirar férias, descansar; sei que atrapalha meu casamento. Meu marido reclama muito, e com razão, né? (E3, mulher; área: saúde pública).

Já aqueles que veem a ocupação de veterinário como um “chamado a contribuir” apresentaram uma meta de transformar a realidade que se apresenta relativa aos cuidados com animais. Com o passar do tempo, no entanto, alguns notaram que tal objetivo não estava sendo cumprido. Diante disso, as emoções mais recorrentes foram codificadas como “tristeza/vazio existencial”. Ao perceberem que, apesar de sua atuação e dedicação ao longo de anos, a indústria que envolve a exploração, o consumo e a venda de animais permanece e até se expande, muitos relataram não estarem vivendo sua missão de vida. Diante disso, a emoção mais relatada foi a de uma tristeza, associada a uma sensação de que sua existência como um todo representava um vazio, conforme o relato a seguir.

Dá tristeza, porque, por mais que eu me dedique, a consciência das pessoas demora a mudar. Leva tempo. Tenho essa coisa de querer mudar o mundo, e ser veterinário foi isso. Quando cai a ficha, me dá uma sensação de nadar e morrer na beira da praia. Tanto esforço para nada. A indústria dos pets, da alimentação... Canibaliza. Acabo tendo que atender pets com os quais nem concordo com a venda. Aí sinto um vazio grande, uma sensação de não estar vivendo minha missão (E26, mulher; área: clínica).

Consequências negativas de longo prazo

Quais são as consequências de longo prazo de vivenciar as emoções descritas antes em cada um dos significados atribuídos aos chamados? Durante as entrevistas, a atenção foi direcionada a essa questão, e também foram identificados padrões distintos de respostas. Para aqueles classificados como “chamados a ser”, a irritação por não se destacar suficientemente acabou produzindo a percepção do que codificamos como “baixa autoestima”. A não realização do ideal identitário de veterinário produziu uma irritação inicial e, posteriormente, uma visão negativa a respeito de si. A seguir, apresenta-se um exemplo de uma veterinária que, nesse contexto, alegou não se admirar como profissional e perceber problema em sua visão de si.

Por não ser a veterinária que eu gostaria de ter me tornado, eu me sinto muitas vezes um zero à esquerda, uma pessoa que não é digna de admiração. Não me admiro como profissional. Como pessoa, sim. Mas, profissionalmente, minha autoestima vai no pé (E29, mulher; área: clínica e cirúrgica).

Essa consequência, no entanto, diferiu daquela encontrada para indivíduos com um “chamado a fazer”. Como já explicado, os veterinários entrevistados que se sentiram chamados a executar diariamente as tarefas dessa ocupação muitas vezes sentiam tédio pela falta ou estresse pelo excesso de desafios. Em longo prazo, a busca recorrente por ocasiões em que pudessem exercer as atividades relacionadas com a profissão de veterinário produziu uma “sobrecarga de trabalho”. Foi comum encontrar depoimentos que sugeriram que esses profissionais vivenciavam certa culpa quando se sentiam inclinados a se negar a fazer um trabalho em razão de cansaço. Alguns relataram que essa sobrecarga de trabalho se apresentava não só no exercício da função para a qual eram remunerados, mas também no tempo de lazer. O relato a seguir ilustra esse código.

Em longo prazo, minha incapacidade de dizer não, a culpa que sinto quando não abro mão de novo... Tudo isso está me ferrando. Não consigo respirar por causa do excesso de trabalho [...]. Quando não é lá na clínica, é no meu tempo vago, vizinho com cachorro... Não consigo dizer não (E8, mulher; área: clínica e cirúrgica).

Também foi identificado um padrão distinto nas consequências de longo prazo para os que se sentiram “chamados a contribuir”. A tristeza e o vazio existencial sentidos diante de desafios ao proporcionar uma mudança na forma com que as pessoas lidam com animais produzem efeitos de longo prazo que foram codificados de duas formas: “Fomo” e “pensamentos contrafactuais”. Fomo é uma sigla criada na língua inglesa para expressar o conceito de medo de estar perdendo algo (fear of missing out). Vários entrevistados relataram sentir que a “vida está voando”, “não estou vivendo o que deveria viver”. Já os pensamentos contrafactuais se referem ao ato de se dedicar tempo imaginando como as coisas poderiam ou deveriam ser numa realidade alternativa à que se vivencia. Por não conseguirem produzir a contribuição desejada, entrevistados relataram que se pegam refletindo sobre as possibilidades que poderiam ser exploradas no passado, num presente alternativo ou no futuro. Ambos os códigos - Fomo e pensamentos contrafactuais, são evidenciados, respectivamente, no fragmento de entrevista apresentado a seguir.

Vivo com a sensação de que a vida está voando e não estou fazendo a diferença. Tenho um medo imenso de estar vendo a vida passar, escorrendo pelas mãos. Dói pensar que não vou mudar nada neste mundo em que a gente vive, nesse jeito como os animais são vistos, como são tratados. Quer dizer, maltratados, né? (E10, homem; área: clínica e cirúrgica).

Estratégias de superação

A quarta e última categoria de análise que permitiu diferenciar as experiências que os veterinários entrevistados tiveram ao superar os desafios de seus chamados ocupacionais foi a de estratégias de superação. Entre os entrevistados que veem a veterinária como um “chamado a ser”, a baixa autoestima é combatida por meio de um processo de gerenciamento de impressão social. Ao não se tornaram o profissional que desejavam ser, diversos participantes relataram que buscaram superar essa frustração ao influenciar a forma como outras pessoas os viam. Tal processo foi reportado como sendo vivenciado em interações pessoais, mas também em redes sociais. A expressão “marketing pessoal” foi usada por um número elevado de entrevistados, com o significado de “um produto que não reflete bem a embalagem” (E42). Assim, a despeito de não terem se tornado os veterinários que gostariam de ser e sentirem sua autoestima afetada, foi recorrente o entendimento de que era necessário não deixar que essa impressão encontrasse eco na interpretação de outros significantes. Isso pode ser observado no fragmento a seguir.

Não sou ainda o veterinário que gostaria de ser, mas acho que não preciso que ninguém saiba. Se eu falar que não vinguei, aí que não vingo mesmo. Então, uso muito as redes sociais para mostrar que sou bom, que tenho potencial, fazer o marketing pessoal. Se não é verdade, pelo menos tem que agir como se fosse, para os outros verem assim. É o primeiro passo para mudar (E42, homem; área: clínica e cirúrgica).

Uma segunda estratégia foi também utilizada pelos indivíduos desse grupo, a qual foi codificada como “ativação vicária” - processo de vivenciar uma identidade renunciada por meio de outras pessoas. O caso mais recorrente foi o de realizar-se identitariamente como veterinário por meio de filhos, netos ou sobrinhos que decidiram seguir a profissão.

Por sua vez, aqueles se sentiam “chamados a fazer”, diante da sobrecarga de trabalho que enfrentavam em razão da dificuldade de negar atividades para as quais se sentiam motivadas, adotaram duas estratégias de superação centrais: job crafting e leisure crafting. Enquanto o primeiro se refere a buscar aumentar o prazer no trabalho ao inserir atividades mais prazerosas em sua rotina laboral, o segundo envolve desempenhar atividades laborais que causem prazer no seu tempo livre, sem que seja uma fonte de renda relevante. Alguns veterinários entrevistados relataram que atuam em determinados ramos da veterinária, mas que se sentem chamados a atuar em outros segmentos da profissão. Assim, eles buscam adequar sua rotina usando as duas citadas táticas de maneira a aliviar a carga emocional do volume de trabalho que desempenham. A citação do veterinário apresentada a seguir serve como ilustração dessas estratégias.

Meu ramo na medicina veterinária é o de inspeção. Acabo não me envolvendo com aquilo que lá atrás me motivou mesmo, que era a clínica, o processo mesmo de cuidar, de operar, diagnosticar. Então, hoje, às vezes toco projetos aqui no trabalho em que eu e outros veterinários com a mesma frustração ajudamos animais de outros funcionários [...]. Também dou uma força para amigos que precisam informalmente (E46, homem; área: inspeção de produtos de origem animal).

Finalmente, aqueles que se sentiram “chamados a contribuir” buscaram superar o Fomo e os pensamentos contrafactuais por meio da atividade do ativismo social. Ao não encontrarem sucesso no processo de contribuir por meio de seu trabalho para uma mudança na maneira como as pessoas lidam com os animais, diversos entrevistados classificados nesse grupo indicaram que encontram no envolvimento em causas como adoção de animais, ambientalismo, veganismo, vegetarianismo e feminismo um espaço para poder se manifestar de forma mais assertiva e independente das preocupações com a vida financeira. Alguns, como a entrevistada apresentada a seguir, relataram que evitam misturar o ativismo com seu trabalho remunerado para não haver prejuízos financeiros. Por exemplo, ela relatou ser contra a venda de animais, mas atende em sua clínica diversos animais nessa condição.

Lá na clínica não dá para fazer caridade, senão todo mundo acha que a gente tem que trabalhar de graça. Bem complicado, isso. Então, não dá para misturar as coisas; acabo sendo mais capitalista mesmo no meu trabalho. Mas aí fica aquele buraco, né? O que faço com aquilo que me apaixonou? Lá na cidade dos meus pais, lidero uma ONG com meus filhos. Lá, coloco para fora esse lado mais ativista, de cuidadora mesmo, faço um trabalho mais intenso sobre cuidado animal, veganismo (E14, mulher; área: clínica e cirúrgica).

DISCUSSÃO

Os resultados apresentados mostram que, dependendo da maneira como uma pessoa percebe seu chamado como veterinário (“a ser”, “a fazer” ou “a contribuir”), as metas associadas ao chamado, as emoções vivenciadas, os efeitos de longo prazo e as estratégias de superação tendem a ser distintas. Dessa forma, este estudo permite sustentar a ideia de que a noção de buscar entender apenas se uma pessoa tem ou não um chamado é limitada para entender o fenômeno. Perceber um chamado não é um fenômeno monolítico e unidimensional, como sugerido na literatura (Nunes & Felix, 2019Nunes, F. A. T., & Felix, B. (2019). Viver um chamado ocupacional por meio do empreendedorismo leva à satisfação no trabalho? Revista Pensamento Contemporâneo em Administração, 13(4), 100-115. Recuperado de https://doi.org/10.12712/rpca.v13i4.29004
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); ele tem nuances relevantes para que se possa melhor compreender tal fenômeno, que é de fundamental importância para um desenvolvimento teórico mais completo sobre o tema. A seguir, apresentam-se 4 aspectos centrais que este estudo acrescenta à literatura sobre chamados ocupacionais.

Em primeiro lugar, os resultados permitem ampliar a discussão sobre os significados de um chamado. Diversos estudos têm sido realizados de forma a permitir melhor compreensão a respeito dos significados que uma pessoa pode atribuir à atividade laboral (Allan et al., 2018Allan, B. A., Duffy, R. D., & Collisson, B. (2018). Helping others increases meaningful work: evidence from three experiments. Journal of Counseling Psychology, 65(2), 155-165. Recuperado de https://doi.org/10.1037/cou0000228.
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), e um deles é o do trabalho como um chamado (Duffy, Allan, Autin, & Bott, 2013Duffy, R. D., Allan, B. A., Autin, K. L., & Bott, E. M. (2013). Calling and life satisfaction: it’s not about having it, it’s about living it. Journal of Counseling Psychology, 60(1), 42-52. Recuperado de https://doi.org/10.1037/a0030635
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). Contudo, interpretar o trabalho - no caso deste estudo, o de veterinário - como um chamado é um fenômeno com nuances que precisam ser mais bem exploradas. Se o significado das atividades laborais em geral desperta determinadas emoções, desafios de curto e longo prazo, além de demandar ações de coping (Duffy et al., 2011Duffy, R. D., Allan, B. A., & Bott, E. M. (2012). Calling and life satisfaction among undergraduate students: investigating mediators and moderators. Journal of Happiness Studies, 13(3), 469-479. Recuperado de https://doi.org/10.1007/s10902-011-9274-6
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), é preciso entender se o ato de interpretar o trabalho como um chamado seria algo unidimensional, ou seja, que levaria a consequentes similares, sem subdivisões entre tipos ou formas de viver um chamado. De fato, os resultados mostram o oposto: o próprio chamado pode ter vários significados, o que desencadeia diferentes emoções, desafios e estratégias de superação. Assim, o presente estudo contribui para o estado atual da literatura ao posicionar o significado de chamados como um fenômeno multidimensional, em que há diversas formas de construir sentido a seu respeito, diferentemente do encontrado até então (Duffy et al., 2018Duffy, R. D., Allan, B. A., & Bott, E. M. (2012). Calling and life satisfaction among undergraduate students: investigating mediators and moderators. Journal of Happiness Studies, 13(3), 469-479. Recuperado de https://doi.org/10.1007/s10902-011-9274-6
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).

Em segundo lugar, o estudo também permite ampliar a conexão entre as literaturas de chamados ocupacionais e emoções. Tradicionalmente, literatura sobre emoções no trabalho sugere que elas influenciam a maneira como pessoas lidam com desafios laborais (Dong et al., 2014Dong, Y., Seo, M. G., & Bartol, K. M. (2014). No pain, no gain: an affect-based model of developmental job experience and the buffering effects of emotional intelligence. Academy of Management Journal, 57(4), 1056-1077. Recuperado de https://doi.org/10.5465/amj.2011.0687
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). Quando esse tema é explorado no contexto de chamados ocupacionais, quase sempre se destacam emoções associadas à vitalidade e à felicidade pelo lado positivo (Duffy et al., 2018Duffy, R. D., Dik, B. J., Douglass, R. P., England, J. W., & Velez, B. L. (2018). Work as a calling: a theoretical model. Journal of Counseling Psychology, 65(4), 423-439. Recuperado de https://doi.org/10.1037/cou0000276
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), bem como ao estresse pelo acúmulo de atividades, dado o grau de conexão emocional (Schabram & Maitlis, 2017Schabram, K., & Maitlis, S. (2017). Negotiating the challenges of a calling: emotion and enacted sensemaking in animal shelter work. Academy of Management Journal, 60(2), 584-609. Recuperado de https://doi.org/10.5465/amj.2013.0665
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). Assim, neste artigo, encontramos evidências de que profissionais que se sentem chamados para uma mesma profissão apresentam diferentes emoções diante de desafios, o que é explicado pelos distintos significados que conferem ao trabalho. Desse modo, abre-se espaço para uma gama mais ampla de emoções a serem discutidas no contexto da literatura de chamados.

Por último, os achados da pesquisa também permitem um entendimento mais aprofundado a respeito dos desafios vivenciados por trabalhadores que veem o trabalho como um chamado. Se, na literatura tradicional sobre o tema, alguns conceitos, como burnout (Maslach & Leiter, 2016Maslach, C., & Leiter, M. P. (2016). Burnout. In G. Fink (Ed.), Stress: Concepts, Cognition, Emotion, and Behavior (Handbook of Stress Series, Vol. 1, pp. 351-357). Cambridge, UK: Academic Press.; Spreitzer et al., 2005Spreitzer, G., Sutcliffe, K., Dutton, J., Sonenshein, S., & Grant, A. M. (2005). A socially embedded model of thriving at work. Organization Science, 16(5), 537-549. Recuperado dehttps://doi.org/10.1287/orsc.1050.0153
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) e o thriving, costumam ser apontados como desafios de longo prazo para o trabalho como um chamado, neste estudo a discussão é expandida. Por exemplo, embora tradicionalmente se diga que um chamado ocupacional tende a exercer uma influência positiva na autoestima de uma pessoa (Duffy et al., 2018Duffy, R. D., Dik, B. J., Douglass, R. P., England, J. W., & Velez, B. L. (2018). Work as a calling: a theoretical model. Journal of Counseling Psychology, 65(4), 423-439. Recuperado de https://doi.org/10.1037/cou0000276
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), esta pesquisa mostra que, nos casos em que o indivíduo vivencia um “chamado a ser” veterinário, o efeito pode ser o oposto. Já o efeito da sobrecarga de trabalho, muitas vezes generalizado como um possível efeito sombrio de ter um chamado (Duffy et al., 2013, Schabram & Maitlis, 2017Schabram, K., & Maitlis, S. (2017). Negotiating the challenges of a calling: emotion and enacted sensemaking in animal shelter work. Academy of Management Journal, 60(2), 584-609. Recuperado de https://doi.org/10.5465/amj.2013.0665
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), parece ser mais recorrente entre aqueles que vivenciam um “chamado a fazer”. Além disso, pensamentos contrafactuais e Fomo (Felix & Cavazotte, 2019Felix, B., & Cavazotte, F. (2019, setembro). When a calling goes unanswered: exploring the role of workplace personalizations as calling enactments. Frontiers in Psychology, 10, 1-14. Recuperado de https://doi.org/10.3389/fpsyg.2019.01940
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) podem ser mais vivenciados por quem tem um “chamado a contribuir”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo apresentou algumas limitações que geram oportunidades de futuras pesquisas. Em primeiro lugar, de forma similar a Schabram e Maitlis (2017Schabram, K., & Maitlis, S. (2017). Negotiating the challenges of a calling: emotion and enacted sensemaking in animal shelter work. Academy of Management Journal, 60(2), 584-609. Recuperado de https://doi.org/10.5465/amj.2013.0665
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), foram encontrados 3 significados para o chamado de veterinário, mas essa foi a única ocupação estudada. Futuros textos podem ser escritos com profissionais de outras ocupações, de forma a buscar entender que outros significados podem ser atribuídos a chamados, uma vez que a lista apresentada não é exaustiva. Em segundo lugar, a delimitação qualitativa do estudo não permitiu testar estatisticamente as categorias de significados do chamado como antecedentes de emoções, desafios e táticas de superação. Assim, recomenda-se um estudo futuro, quantitativo, no sentido de criar uma escala de significados de chamados ocupacionais. Em terceiro lugar, apesar de serem apresentadas teoricamente como 3 categorias independentes, os significados do chamado encontrados na pesquisa não são excludentes. Em outras palavras, uma pessoa pode apresentar mais de 1 interpretação quanto a seu chamado - por exemplo, sentir-se “chamado a ser” e “chamado a fazer”). Assim, estudos subsequentes podem buscar compreender o efeito combinado de diferentes estratégias nas emoções, nos desafios de curto e longo prazos e nas estratégias de superação adotadas.

A teoria substantiva apresentada também tem implicações práticas. Para profissionais com um chamado ocupacional, o estudo permite que os indivíduos tenham melhor compreensão a respeito das razões pelas quais vivenciam determinadas emoções e desafios. Além disso, possibilita melhor compreensão sobre as táticas de superação a serem adotadas em função dos significados atribuídos ao chamado. Para aconselhadores de carreira, o estudo permite um ferramental analítico que transcende os estereótipos únicos acerca de como se desenvolve a carreira de um profissional que se sente chamado a uma ocupação. As categorias “chamado a ser”, “chamado a fazer” e “chamado a contribuir” podem ser usadas para possibilitar um entendimento mais claro a respeito da construção de significados realizadas por profissionais.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Oct 2022

Histórico

  • Recebido
    02 Jul 2021
  • Aceito
    10 Maio 2022
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