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Comparação da aquisição de /k/ e /g/ e das sequências fonéticas [kw] e [gw] no pb - variáveis intervenientes e status fonológico

Resumos

OBJETIVO:

analisar e comparar a aquisição das sequências fonéticas [kw] e [gw] e das plosivas /k/ e /g/ em crianças com desenvolvimento típico de fala, considerando variáveis intervenientes linguísticas e extralinguísticas.

MÉTODOS:

analisou-se 3193 palavras, a partir de 213 entrevistas de crianças com desenvolvimento fonológico típico. Utilizou-se a Avaliação Fonológica da Criança, sendo selecionadas todas as palavras contendo as sequências fonéticas [kw] e [gw] e os fonemas /k/ e /g/. As variáveis dependentes analisadas foram: produção correta e produção incorreta dos segmentos referidos. As variáveis intervenientes: sexo, idade, tonicidade, número de sílabas na palavra, contexto silábico precedente, contexto silábico seguinte, posição na palavra, sonoridade e complexidade do segmento. Utilizou-se o pacote computacional VARBRUL, com nível de significância de 5%.

RESULTADOS:

as variáveis selecionadas para a produção correta de [kw] e [gw] foram a idade e a posição na palavra. Para /k/ e /g/ foram o sexo, a idade, contexto silábico precedente, contexto silábico seguinte e sonoridade. Ao analisar todas as palavras que compuseram o corpus dessa pesquisa, o programa selecionou a complexidade do segmento como relevante na aquisição dos segmentos analisados, sendo maior probabilidade de produção correta para os fonemas /k/ e /g/.

CONCLUSÃO:

o fato de variáveis distintas serem significantes à aquisição de /k, g/ e ao [kw, gw] mostrou um tratamento fonológico diferenciado das crianças frente a esses sons. Parece que as sequências [kw] e [gw] podem ser consideradas segmentos complexos do PB, uma vez que a complexidade do segmento foi selecionada como estatisticamente significante no corpus estudado.

Desenvolvimento da Linguagem; Fala; Linguística; Comportamento Verbal; Criança


PURPOSE:

to analyze and to compare the acquisition of the phonetic sequences [kw] and [gw] and of the plosives /k/ and /g/ by children with typical speech development, considering the intervening linguistic and extralinguistic variables.

METHODS:

the amount of analyzed words was 3193, after 213 interviews with children who present typical phonological development. The Phonological Assessment of Child was used and all words which contain the phonetic sequences [kw] e [gw] and the phonemes /k/ e /g/ were selected. The analyzed dependent variables were: correct and incorrect production of the referred phonemes. The intervening variables were: sex, age, tonicity, number of syllables in the word, preceding syllabic context, following syllabic context, position in the word, sonority and segment complexity. The statistical program VARBRUL was used with significance level of 5%.

RESULTS:

the selected variables for the correct production of [kw] e [gw] were age and position in the word. To the production of /k/ and /g/, the variables were sex, age, preceding syllabic context, following syllabic context and sonority. In the analysis of all words which were the corpus of this research, the statistic program selected the complexity of the segment as relevant in the acquisition of the analyzed segments. The highest probability of correct production was found for the phonemes /k/ and /g/.

CONCLUSION:

the fact that different variables are significant for the acquisition of /k,g/ and of [kw, gw] showed a reason for different children’s phonological therapy organization, regarding the mentioned sounds. It seems that the sequences [kw] and [gw] may be considered as complex segments of Brazilian Portuguese, because the complexity of the segment was selected as statistically significant in the studied corpus.

Language Development; Speech; Linguistics; Verbal Behavior; Child


Introdução

A aquisição fonológica de uma língua ocorre de forma gradual, até aproximadamente os sete anos de idade. Essa aquisição inclui o estabelecimento do inventário fonético e fonológico e o domínio das regras fonológicas da língua que a criança tem contato. No período de 1:6 e 4:0 ocorre a fase de maior expansão do sistema fonológico, havendo um aumento do inventário fonético usado nas estruturas silábicas mais complexas e de palavras polissílabas11. Wertzner HF. Fonologia: desenvolvimento e alterações. In: Ferreira LP, Befi-Lopes DM, Limongi SCO. (Org.). Tratado de Fonoaudiologia. São Paulo: Rocca, 2004..

A aquisição e a expansão do sistema fonológico de uma determinada língua podem ser analisadas e explicadas por meio da Fonologia Autossegmental. Essa teoria pressupõe que existem três tipos distintos de segmentos a serem adquiridos nos inventários das distintas línguas: segmentos simples, segmentos complexos e segmentos de contorno. Os segmentos simples são aqueles que apresentam apenas um nó de raiz, caracterizados por um único traço de articulação oral (ex.: [p] - labial e [t] - coronal). Segmentos complexos são aqueles que apresentam um nó de raiz e são caracterizados por, no mínimo, dois traços de articulação (ex.: [ɫ] - lateral velarizada - caracterizada pelos pontos coronal e dorsal). Já os segmentos de contorno apresentam efeitos de borda, quer dizer, bordas que se opõem pela presença e ausência de um mesmo traço no mesmo segmento (ex.: [tʃ] e [dƷ] - consoantes africadas com bordas [+-contínuo]) 22. Bisol L (Org.). Introdução a estudos de fonologia do português brasileiro. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2010. , 33. Neto ACFS. Realizações palatalizadas de /t/ e de /d/: Segmentos de contorno ou segmentos Complexos? O caso se Sergipe. Interdisciplinas. 2010;(10):141-9..

Neste estudo, foi investigado especificamente a aquisição das sequências fonéticas [kw] e [gw], consideradas, por alguns autores, como segmentos complexos com articulação secundária labial44. Bisol L . A sílaba e seus constituintes. In: Neves MH. (Org.). Gramática do Português Falado. Campinas: Editora da Unicamp, 1999. e dos fonemas plosivos dorsais (/k/ e /g/). No que concerne à aquisição das plosivas dorsais, diversos estudos mostraram que sua aquisição ocorre entre dois e três anos de idade no Português Brasileiro (PB) 11. Wertzner HF. Fonologia: desenvolvimento e alterações. In: Ferreira LP, Befi-Lopes DM, Limongi SCO. (Org.). Tratado de Fonoaudiologia. São Paulo: Rocca, 2004. , 55. Mota H. Aquisição segmental do Português: uma modelo implicacional de complexidade de traços. Letras de Hoje. 1997;32(4):23-47.

6. Ferrante C, Borsel JV, Pereira MMB. Aquisição fonológica de crianças de classe sócio econômica alta. CEFAC. 2008;10(4):452-60.

7. Galea DES. Percurso da aquisição dos encontros consonantais, fonemas e estruturas silábicas em crianças de 2:1 a 3:0 anos de idade. 2009. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2009;14(1):151.
- 88. Toreti G, Ribas LP. Aquisição fonológica: descrição longitudinal dos dados de fala de uma criança com desenvolvimento típico. Letrônica. 2010;3(1)42-61..

Ainda que as plosivas dorsais sejam adquiridas depois das plosivas coronais (/t/ e /d/) e das plosivas labiais (/p/ e /b/), tais segmentos podem ser considerados de aquisição precoce no PB99. Lamprecht RR, Bonilha GFG. A aquisição de [kw] e [gw] sob o enfoque de restrições. In:, Bonilha GFG Keske-Soares M. Estudos em Aquisição Fonológica. Volume I. Santa Maria: UFSM, PPGL-Editores, 2007.. Palavras como gato ['gatu] e casa ['kaza], produzidas de acordo com a forma alvo, podem ser observadas em estágios iniciais da aquisição fonológica88. Toreti G, Ribas LP. Aquisição fonológica: descrição longitudinal dos dados de fala de uma criança com desenvolvimento típico. Letrônica. 2010;3(1)42-61. , 99. Lamprecht RR, Bonilha GFG. A aquisição de [kw] e [gw] sob o enfoque de restrições. In:, Bonilha GFG Keske-Soares M. Estudos em Aquisição Fonológica. Volume I. Santa Maria: UFSM, PPGL-Editores, 2007.. Por outro lado, as sequências [kw] e [gw], que ocorrem em palavras como 'quatro' e 'água' são comumente produzidas como ['katu] e ['aga] 9, evidenciando sua complexidade fonológica, repercutindo em uma aquisição mais tardia do que o /k/ e /g/.

Em um estudo do Português Europeu (PE) sobre a natureza fonológica - segmental e silábica - das estruturas fonéticas CGV (consoante-glide-vogal), observou-se que as crianças portuguesas processam as sequências [kw] e [gw] como /kw/ e /gw/. Conforme a autora, o statussegmental dessa estrutura fonética é de consoantes complexas (velares labializadas, com articulação secundária labial), já o status silábico é de Ataques não ramificados1010. Freitas MJ. Sons de ataque: segmentos complexos, grupos segmentais e representações fonológicas na aquisição do português europeu. Letras de Hoje. 2001;36;(3):67-83..

Três hipóteses foram levantadas e discutidas pela autora antes de analisar os dados do PE. A primeira delas considera que as sequências [kw] e [gw] constituem um núcleo ramificado (Figura, 1a), a segunda prevê o posicionamento do glide em onset complexo (Figura 1b) e a terceira, e observada pela autora, atribui as sequências em questão, o status de segmento complexo (Figura 1c) 1010. Freitas MJ. Sons de ataque: segmentos complexos, grupos segmentais e representações fonológicas na aquisição do português europeu. Letras de Hoje. 2001;36;(3):67-83..

Figura 1:
Hipóteses para as sequências [kw] e [gw] analisadas no PE: a. núcleo ramificado; b. glide em onset complexo e c. segmento complexo (BONILHA, 2007)

Em dados do PB, a possibilidade de as sequências [kw] e [gw] serem consideradas segmentos complexos, ou seja, consoantes dorsais labializadas, também foi apontada44. Bisol L . A sílaba e seus constituintes. In: Neves MH. (Org.). Gramática do Português Falado. Campinas: Editora da Unicamp, 1999., como anteriormente referido. Por outro lado, quando analisadas à luz da Teoria da Otimidade, essas sequências foram vistas como dois segmentos simples /ku/ e /gu/ no input, realizados em onset complexo, e não como segmentos complexos (Figura 1b) 99. Lamprecht RR, Bonilha GFG. A aquisição de [kw] e [gw] sob o enfoque de restrições. In:, Bonilha GFG Keske-Soares M. Estudos em Aquisição Fonológica. Volume I. Santa Maria: UFSM, PPGL-Editores, 2007..

Passar a entender e considerar as sequências [kw] e [gw] como segmentos complexos no PB, hipótese defendida pelos autores deste estudo, implica no aumento do inventário fonológico da língua, e em uma aquisição mais tardia dos mesmos devido a sua complexidade fonológica. Além das plosivas dorsais /k/ e /g/ o sistema contaria com as dorsais labializadas /kw/ e /gw/ 99. Lamprecht RR, Bonilha GFG. A aquisição de [kw] e [gw] sob o enfoque de restrições. In:, Bonilha GFG Keske-Soares M. Estudos em Aquisição Fonológica. Volume I. Santa Maria: UFSM, PPGL-Editores, 2007.. Como se pode observar, a literatura traz alguns dados que discutem essa questão, entretanto, não há um consenso sobre esse tema por parte dos autores.

No intuito de contribuir com essa discussão teórica, este estudo analisou os dados de fala de 213 entrevistas de diferentes crianças, em coleta transversal, fazendo uma análise criteriosa da aquisição das sequências [kw] e [gw], comparada a aquisição dos fonemas plosivos /k/ e /g/. Tal análise pode contribuir para um olhar mais sofisticado sobre os dados do inventário fonológico do PB, bem como subsidiar a clínica fonoaudiológica com informações que podem ser relevantes no entendimento da aquisição fonológica e, consequentemente, no tratamento dos desvios de fala.

Com isso, o objetivo desse estudo foi analisar e comparar a aquisição das sequências fonéticas [kw] e [gw] e das plosivas /k/ e /g/ em crianças com desenvolvimento típico de fala, considerando variáveis linguísticas e extralinguísticas intervenientes nesse processo.

Métodos

O corpus de palavras analisado nesse estudo faz parte do Banco de Dados formado por meio da execução de um projeto de pesquisa aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da IES de origem, sob o número 064/2004.

Esta pesquisa foi realizada de forma transversal, exploratória e quantitativa. O corpus desse estudo foi composto de 3193 palavras, selecionadas a partir de amostras de fala de 213 entrevistas de distintas crianças, com desenvolvimento fonológico típico, falantes monolíngues do PB.

Esses sujeitos compõem um Banco de Dados do Centro de Estudos de Linguagem e Fala de uma Instituição de Ensino Superior (IES). Para que fizessem parte desse banco, eles não poderiam estar recebendo ou ter recebido atendimento fonoaudiológico prévio e nem apresentar alterações evidentes de ordem neurológica, psicológica e/ou cognitiva. Todos eles frequentavam a creche da IES de origem. O desenvolvimento fonológico típico foi confirmado mediante avaliação observacional da linguagem e da fala, utilizando figuras e brinquedos, e comparação com a literatura que define os perfis de aquisição fonológica típica no dialeto em questão 11. Wertzner HF. Fonologia: desenvolvimento e alterações. In: Ferreira LP, Befi-Lopes DM, Limongi SCO. (Org.). Tratado de Fonoaudiologia. São Paulo: Rocca, 2004. , 66. Ferrante C, Borsel JV, Pereira MMB. Aquisição fonológica de crianças de classe sócio econômica alta. CEFAC. 2008;10(4):452-60.

7. Galea DES. Percurso da aquisição dos encontros consonantais, fonemas e estruturas silábicas em crianças de 2:1 a 3:0 anos de idade. 2009. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2009;14(1):151.
- 88. Toreti G, Ribas LP. Aquisição fonológica: descrição longitudinal dos dados de fala de uma criança com desenvolvimento típico. Letrônica. 2010;3(1)42-61. , 1111. Lamprecht RR . A aquisição da fonologia do Português na faixa etária dos 2:9 - 5:5. Letras de Hoje. 1993;28(2):107-17..

Para a formação do Banco de Dados referido foram realizadas entrevistas quinzenais com diferentes crianças com idades entre 1:0 a 4:11;29, por um período de seis meses, tendo como instrumento de coleta as figuras da Avaliação Fonológica da Criança - AFC1212. Yavas M, Hernandorena CLM, Lamprecht RR . Avaliação fonológica da criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 2001.. Com essa avaliação é possível obter a nomeação espontânea de 125 palavras representadas por meio de cinco desenhos temáticos. O instrumento foi reproduzido em brinquedos neste estudo para as crianças mais novas, que não se interessaram pelas figuras. A gravação da amostra de fala de cada criança foi transcrita (transcrição fonética restrita) pela entrevistadora e revisada por dois julgadores, bolsistas de iniciação cientifica do curso de Fonoaudiologia da IES onde a pesquisa foi realizada.

Para esta pesquisa realizou-se um levantamento de todas as palavras que apresentassem as sequências [kw] e [gw] e os fonemas /k/ e /g/ nas posições de onset inicial e onset medial, em todas as entrevistas que compunham o banco de dados. O corpus ficou composto de 3067 palavras contendo os fonemas /k/ e /g/ e 126 palavras contendo [kw] e [gw]. Após o levantamento dessas palavras, elas foram codificadas conforme a sua produção: produção correta (faca = ['faka], gato = ['gatu], quatro = ['kwatſu], água = ['agwa]) ou produção incorreta (porco = ['potu], gurias = [ku'ſias], quatro = ['katu], água = ['aga]). Como variáveis intervenientes na produção dos fonemas e das sequências fonéticas referidas consideraram-se variáveis extralinguísticas, sexo e idade, e variáveis linguísticas, tonicidade, número de sílabas na palavra, contexto silábico precedente, contexto silábico seguinte, posição na palavra e sonoridade.

No que se refere à variável idade, tanto para os dados com [kw] e [gw] como para os dados com /k/ e /g/ foram consideradas dezoito faixas etárias, com idades entre 1:1 a 4:11;29. Quanto ao sexo, participaram 107 meninos e 106 meninas.

Quanto às variáveis linguísticas intervenientes, considerou-se:

  • tonicidade: pré-tônica (ex: abacaxi, galinha, quadrado, guardar); tônica (ex.: aqui, fogão, igual, quatro) e pós-tônica (ex.: bico, fogo, água, gap da língua).

  • número de sílabas: monossílabas (ex.: cor, gol, qual, gap da língua); dissílabas (ex.: suco, pegou, quadro, língua); trissílabas (ex.: panqueca, garagem, guardado, quadrado) e polissílabas (ex.: bonequinha, tartaruga, quadradinho, aguardando).

  • contexto silábico precedente: zero/nulo (ex.:0cabelo, 0galinha, 0quatro, 0guaraná); vogal coronal (ex.: boneca, carregar, equador, igual); vogal dorsal (ex.: aqui, agora, água, aquário); vogal labial (ex.: boca, fogo, gap da língua, Uruguai) e consoante (ex.: arco, bergamota, língua, enquanto).

  • contexto silábico seguinte: vogal coronal (ex.: aqui, foguete, sequência, aguinha); vogal dorsal (ex.: café, garrafa, quando, guarda) e vogal labial (ex.: banco, agora, aquoso, aguou).

  • posição na palavra: onset inicial (ex: cabelo, gato, quarto, guaraná) e onset medial (ex.: xícara, fogo, enquanto, igual).

  • Sonoridade: sonoras (gato, guardar) e surdas (cola, quase).

Depois de analisadas essas variáveis, realizou-se uma análise de todo o corpus de palavras deste estudo, a fim de verificar a influência da complexidade do segmento. Para isso, categorizou-se como segmentos simples, o /k/ e o /g/ e como segmentos complexos e as sequências [kw] e [gw], conforme a hipótese deste estudo.

Para a análise dos dados de fala utilizou-se o Pacote Computacional VARBRUL1313. Cedergren HJ, Sankoff, D. Variable rules: performance as a statistical reflexion of competence. Language. 1974;50(2):332-55. em ambiente Windows (Varbwin). Esse programa fornece frequências e probabilidades sobre fenômenos investigados, por isso, é amplamente utilizado em estudos da sociolinguística e da aquisição da linguagem.

A análise probabilística realizada pelo programa é na forma binária, ou seja, atribuindo pesos relativos (probabilidades) às variantes das variáveis independentes, com relação às duas variantes1313. Cedergren HJ, Sankoff, D. Variable rules: performance as a statistical reflexion of competence. Language. 1974;50(2):332-55.. Neste estudo, as variáveis dependentes foram a produção correta e a produção incorreta dos fonemas e sequências analisados. O Varbwin atribui valores de significância às variáveis linguísticas por meio da interação entre elas como, por exemplo, sexo versus idade; sonoridade versus número de sílabas. Com isso, o programa não atribui valor de significância (valor de p) às variantes contidas dentro das variáveis, mas determina pesos relativos, isto é, a probabilidade maior ou menor de interferência das variantes no fenômeno investigado.

Neste software, os pesos relativos ou probabilidades são retirados da interação estatística que contem todas as variáveis selecionadas como significantes. Para este estudo, valores de peso relativo abaixo de .50 foram considerados desfavorecedores para a produção correta dos fonemas e das sequências estudadas. Já para probabilidades de .50 a .59 foram considerados neutros. Por fim, valores iguais ou acima de .60, foram favorecedores da produção correta dos fonemas /k/ e /g/ e das sequências [kw] e [gw].

Os dados foram inicialmente submetidos à análise estatística em dois arquivos separados (/k/ com /g/ e [kw] com [gw]). Após os resultados obtidos para as rodadas isoladas analisou-se os dados em um corpus único, englobando todos os dados (com /k/, /g/, [kw], [gw]) a fim de investigar o papel da variável complexidade do segmento.

Resultados

No que se refere à aquisição dos fonemas /k/ e /g/, o programa estatístico selecionou como relevantes na produção correta desses segmentos, em ordem crescente de significância, as variáveis: contexto silábico seguinte, sonoridade, contexto silábico precedente, idade e sexo (Tabela 1).

Tabela 1:
Variáveis estatisticamente significantes à produção correta dos fonemas /k/, /g/ e das sequências fonéticas [kw] , [gw] **

As duas variáveis extralinguísticas foram selecionadas pelo programa como estatisticamente significantes para a produção correta dos fonemas /k/ e /g/. Os resultados mostraram que a probabilidade de produção correta desses fonemas ocorreu em faixas etárias intermediárias e finais, sendo que a maior probabilidade de produção correta ocorreu na faixa de 3:9 - 3:10;29. Em relação ao sexo, as meninas obtiveram maior probabilidade de produção correta dos fonemas analisados, comparado aos meninos.

Há uma probabilidade maior de produção correta de /k/ e /g/ quando são seguidos de vogal dorsal (ex.: café, galo). A variante surda (ex.: cola) apresentou maior probabilidade de produção correta em relação ao seu par sonoro (e.: gola). Além dessas variantes, quando precedidos por vogais coronais e dorsais (ex.: boneca, aqui, carregou e agora), houve uma probabilidade maior de produção correta para /k/ e /g/.

As variáveis tonicidade, número de sílabas e posição na palavra não foram selecionadas pelo programa como significantes para produção correta dos segmentos /k/ e /g/ (Figura 2). Mas notou-se que a produção correta desses segmentos ocorreu em maior frequência em sílaba pós-tônica (ex.: xícara, fogo - 92%), em monossílabas (ex.: cai, gol - 93%) e na posição de onset medial (ex.: porco, tartaruga - 92%). Apesar de terem ocorrido em porcentagens elevadas, não houve significância comparado às outras variantes, de cada uma das variáveis selecionadas.

Figura 2:
Frequência de produção correta dos fonemas /k/ e /g/ das variáveis não significantes estatisticamente

Para as sequências [kw] e [gw], foram selecionadas como estatisticamente significantes as variáveis posição na palavra e idade. Observou-se que essas sequências fonéticas são produzidas com maior probabilidade em faixas etárias intermediárias e finais e também, quando em posição de onset medial (e.: água). Destaca-se que nas faixas etárias 2:3 - 2:4;29 e 2:5 - 2:6;29, a probabilidade de produção correta foi maior (Tabela 1).

Para as sequências [kw] e [gw], analisadas nesse estudo, as variáveis sexo, tonicidade, número de sílabas, contexto silábico precedente, contexto silábico seguinte e sonoridade não foram relevantes para as suas produções, uma vez que não foram selecionadas pelo programa estatístico (Figura 3). Os resultados revelaram que as maiores frequências de produção ocorreram por parte das meninas (91%). Quanto às variáveis linguísticas, as maiores frequências de produções corretas verificadas foram em sílaba pós-tônica (ex.: água - 96%), em palavras dissílabas (ex.: quatro, guarda - 88%), quando a vogal seguinte é coronal (e.: aguinha - 100%), quando a plosiva da sequência foi sonora (ex.: igual - 91%) e quando precedidas por vogal dorsal (ex.: água - 96%).

Figura 3:
Frequência de produção correta das sequências fonéticas [kw] e [gw] das variáveis não significantes estatisticamente

Ao analisar o corpus de palavras deste estudo na sua totalidade, analisando as palavras com /k/, /g/ e [kw] [gw], o programa estatístico selecionou a variável complexidade do segmento como relevante estatisticamente para a produção correta dos fonemas /k/ e /g/ comparado as sequências [kw], [gw] (Figura 4). Os resultados obtidos mostraram que as sequências [kw] e [gw] apresentam menor probabilidade de produção correta quando comparados aos /k/ e /g/. Quanto à porcentagem, eles foram produzidos efetivamente em 87% das possibilidades, enquanto os fonemas /k/ e /g/ foram produzidos em 90% dos casos.

Figura 4:
Probabilidade de produção correta considerando a variável complexidade do segmento**

Discussão

Apesar de poucas faixas etárias terem mostrado alta probabilidade para a produção correta dos fonemas /k/ e /g/ e para as sequências [kw] e [gw], notou-se claramente uma não linearidade no fenômeno estudado. As frequências de produção evidenciaram que há momentos de maior produção correta desses elementos seguidos de uma diminuição dessa produção e posterior melhora. Esse comportamento, chamado "Curva em U", durante a aquisição de determinado fonema foi observado em diversos estudos do PB 1414. Forrest K, Weismer G, Elbert M, Dinnsen D. Spectral Analysis of Target-appropriate /t/ and /k/ Produced by Phonologically disordered and Normally Articulating Children. Clin Linguist Phon. 1994;8(4):267-81.

15. Keske-Soares M, Pagliarin KC, Ghisleni MRL. Aquisição não-linear durante o processo terapêutico. Letras de Hoje. 2008;43(3):22-6.

16. Guimarães DMLO. Aquisição segmental do português: uma abordagem Dinâmica. Fórum Linguístico. 2008;5(1):29-46.

17. Athayde ML, Baesso JS, Dias RF, Giacchini V, Mezzomo CL. O papel das variáveis extralinguísticas idade e sexo no desenvolvimento da coda silábica. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2009;14(3):293-9.

18. Mezzomo CL, Quintas VG, Savoldi A, Bruno LB. Aquisição da coda: um estudo comparativo entre dados transversais e longitudinais. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2010;15(3):401-7.
- 1919. Sosa AV, Stoel-Gammon C. Lexical and Phonological Effects in Early Word Production. J Speech Lang Hear Res. 2012;55:596-608..

Durante o desenvolvimento fonológico da criança, tal comportamento pode ser consequência da reorganização do conhecimento linguístico caracterizado pela aquisição de elementos mais complexos da gramática como, por exemplo, a semântica, a sintaxe e a morfologia1212. Yavas M, Hernandorena CLM, Lamprecht RR . Avaliação fonológica da criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 2001. , 1414. Forrest K, Weismer G, Elbert M, Dinnsen D. Spectral Analysis of Target-appropriate /t/ and /k/ Produced by Phonologically disordered and Normally Articulating Children. Clin Linguist Phon. 1994;8(4):267-81.. Além da não linearidade, notou-se que não há produção das sequências [kw] e [gw] nas primeiras faixas etárias estudadas. Por outro lado, há uma produção inicial de /k/ e /g/ expressiva seguido de uma redução, o que leva a crer em uma possível reorganização do sistema fonológico.

A variável extralinguística sexo, foi selecionada apenas para a produção correta dos fonemas /k/ e /g/. A influência da variável extralinguística sexo em habilidades verbais foi amplamente investigada na literatura 66. Ferrante C, Borsel JV, Pereira MMB. Aquisição fonológica de crianças de classe sócio econômica alta. CEFAC. 2008;10(4):452-60. , 1717. Athayde ML, Baesso JS, Dias RF, Giacchini V, Mezzomo CL. O papel das variáveis extralinguísticas idade e sexo no desenvolvimento da coda silábica. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2009;14(3):293-9. , 2020. Meneses MS, Lozi GP, Souza LR, Assencio-Ferreira VJ. Consciência fonológica: diferenças entre meninos e meninas. Rev. CEFAC. 2004; 6(3):242-6.

21. Andreazza-Balestrin C, Cielo CA, Lazzarotto C. Relação entre desempenho em consciência fonológica e a variável sexo: um estudo com crianças pré-escolares. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2008;13(2):154-60.

22. Moura SRS, Mezzomo CL, Cielo CA . Estimulação em consciência fonêmica e seus efeitos em relação à variável sexo. Pró-Fono. 2009;21(1):51-6.

23. Dias RF, Melo RM, Mezzomo CL, Mota HB. Variáveis extralinguísticas, sexo e idade, na consciência do próprio desvio de fala. Pró-Fono. 2010;22(4):439-44.
- 2424. Mezzomo CL, Vargas DZ, Cuti LC, Lopes SG. As variáveis intervenientes na produção do onset complexo mediante uma análise silábica.. CEFAC No prelo. 2012.. Na grande maioria desses estudos, os resultados revelaram que as meninas são mais perspicazes que os meninos nestas habilidades, apresentando melhor desempenho. Da mesma forma, neste estudo, as meninas apresentaram significantemente maior probabilidade de produção correta dos fonemas /k/ e /g/. Para as sequências [kw] e [gw], a variável sexo não foi selecionada, entretanto, as frequências de produção correta também foram maiores nas meninas.

Os fatores linguísticos mais favoráveis para a aquisição de determinados fonemas tem sido investigado em dados típicos e atípicos do PB, sendo atestada a importância dessa informação, sobretudo para a fonologia clínica 2525. Keske-Soares M, Pagliarin KC, Ceron MI. Terapia fonológica considerando as variáveis linguísticas.. Rev Soc Bras Fonoaudiol 2009;14(2):261-6.

26. Checalin MA, Ghisleni MRL, Ferreira-Gonçalves G, Keske-Soares M, Mota HB. A regressão observada no tratamento do desvio fonológico.. Pró-Fono. 2010;22(3):363-6.

27. Wiethan FW, Mota HB. Ambientes favoráveis para a produção de /z/, /ʃ/ e /Ʒ/: análise e comparação das mudanças ocorridas no sistema fonológico. CEFAC. 2012. (ahead of print).
- 2828. Brancalioni AR, Bonini JB, Gubiani MB, Keske-Soares M . Ambientes favorecedores para produção dos fonemas plosivos /k/ e /g/. Distúrb Comum. 2012;24(1):101-7..

Neste estudo, o programa selecionou como variáveis linguísticas favorecedoras para a produção correta dos fonemas /k/ e /g/ os contextos fonológicos precedente e seguinte, bem como a sonoridade.

Os ambientes favorecedores para a aquisição das plosivas dorsais foi investigado em um grupo de crianças com desvio fonológico, sendo selecionada a faixa etária e a tonicidade para o fonema /k/ e o contexto precedente, a gravidade do desvio e a faixa etária para /g/ 2828. Brancalioni AR, Bonini JB, Gubiani MB, Keske-Soares M . Ambientes favorecedores para produção dos fonemas plosivos /k/ e /g/. Distúrb Comum. 2012;24(1):101-7.. Com isso, notou-se que o contexto precedente parece exercer influência na produção das plosivas dorsais tanto em dados típicos quanto atípicos. No presente estudo os contextos silábicos, precedente e seguinte, mostraram que a probabilidade de produção correta dos fonemas /k/ e /g/ aumenta quando há a presença da vogal dorsal /a/. Esse achado parece confirmar a hipótese de que quando fonemas adjacentes envolvem o mesmo movimento do articulador ativo (neste caso o dorso da língua), a probabilidade de produção correta dos mesmos é maior 1717. Athayde ML, Baesso JS, Dias RF, Giacchini V, Mezzomo CL. O papel das variáveis extralinguísticas idade e sexo no desenvolvimento da coda silábica. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2009;14(3):293-9..

No que se refere à sonoridade, a ocorrência de produção correta para o fonema /k/ também foi maior comparado ao fonema /g/ em dados atípicos de fala 2828. Brancalioni AR, Bonini JB, Gubiani MB, Keske-Soares M . Ambientes favorecedores para produção dos fonemas plosivos /k/ e /g/. Distúrb Comum. 2012;24(1):101-7. , 2929. Berticelli A, Mota HB. Ocorrência das estratégias de reparo para os fonemas plosivos, considerando o grau do desvio fonológico. CEFAC. 2012. (ahead of print)., sendo tal constatação também comprovada com os resultados obtidos neste estudo. Aquisição do fonema /g/ depois do fonema /k/ foi evidenciado em estudos sobre aquisição fonológica 55. Mota H. Aquisição segmental do Português: uma modelo implicacional de complexidade de traços. Letras de Hoje. 1997;32(4):23-47. , 88. Toreti G, Ribas LP. Aquisição fonológica: descrição longitudinal dos dados de fala de uma criança com desenvolvimento típico. Letrônica. 2010;3(1)42-61. e o fato de o traço sonoro para as plosivas ser mais marcado, ou seja, mais complexo, pode justificar os resultados que foram obtidos nesses estudos 29.

Quanto à tonicidade, apesar de não ter sido selecionada para este estudo, observou-se que a posição pós-tônica na palavra apresentou maior frequência de produção correta para /k/ e /g/, o que também foi constatado para dados desviantes em relação ao fonema /k/ 2828. Brancalioni AR, Bonini JB, Gubiani MB, Keske-Soares M . Ambientes favorecedores para produção dos fonemas plosivos /k/ e /g/. Distúrb Comum. 2012;24(1):101-7.. A posição pós-tônica é atestada como a segunda sílaba mais precisa na produção fonêmica, por se tratar da parte fraca do pé métrico. Normalmente, o cabeça do pé métrico (sílaba tônica) é o que confere maior precisão fonêmica 1111. Lamprecht RR . A aquisição da fonologia do Português na faixa etária dos 2:9 - 5:5. Letras de Hoje. 1993;28(2):107-17. , 3030. Rechia IC, Souza APR, Mezzomo CL . Processos de apagamento na fala de sujeitos com dispraxia verbal. 2010. CEFAC;12(3):421-6. e a sílaba pré-tônica (fora do pé) é a mais vulnerável e suscetível às estratégias de reparo. Na palavra "boneca", por exemplo, seriam identificadas inicialmente e mais cuidadas na sua produção as sílabas "ne" e "ca", já que estão respectivamente em posição tônica e pós-tônica e exercem um peso na identificação da palavra, pela saliência perceptual.

O número de sílabas e a posição na palavra também não foram selecionadas pelo programa para o /k/ e /g/, contudo, as monossílabas e a posição de onset medial apresentaram as maiores frequências para produção correta desses fonemas. Esses resultados, embora não tenham poder estatístico, podem ser confrontados com achados de outros estudos em que se constatou que quanto menor o número de sílabas, maior a probabilidade de produção correta 1717. Athayde ML, Baesso JS, Dias RF, Giacchini V, Mezzomo CL. O papel das variáveis extralinguísticas idade e sexo no desenvolvimento da coda silábica. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2009;14(3):293-9. , 3030. Rechia IC, Souza APR, Mezzomo CL . Processos de apagamento na fala de sujeitos com dispraxia verbal. 2010. CEFAC;12(3):421-6.. Além disso, ao contrário dos achados apresentados, a posição de onset inicial parece favorecer a aquisição de determinadas estruturas do PB em detrimento a posição de onsetmedial 1111. Lamprecht RR . A aquisição da fonologia do Português na faixa etária dos 2:9 - 5:5. Letras de Hoje. 1993;28(2):107-17. , 30. Contudo, parece que a posição na sílaba, comparado ao ponto e modo articulatório dos fonemas que compõem determinada língua, possui pouca influência na aquisição fonológica 11.

Para as sequências [kw] e [gw], além do fator idade, comentado anteriormente, o programa selecionou a posição na palavra como significante, sendo a posição de onset medial a que apresentou maior probabilidade para a produção correta desses elementos. Esse resultado concorda com o que se observou para os fonemas /k/ e /g/ e, como referido anteriormente, indo de encontro ao que foi constatado em outros estudos do PB 1111. Lamprecht RR . A aquisição da fonologia do Português na faixa etária dos 2:9 - 5:5. Letras de Hoje. 1993;28(2):107-17. , 3030. Rechia IC, Souza APR, Mezzomo CL . Processos de apagamento na fala de sujeitos com dispraxia verbal. 2010. CEFAC;12(3):421-6..

As variáveis linguísticas não selecionadas para essas sequências foram tonicidade, número de sílabas, contexto silábico precedente, contexto silábico seguinte e sonoridade. O fato de cinco, das seis variáveis linguísticas consideradas neste estudo, não terem sido selecionadas pode ser atribuído às características e restrições fonotáticas da própria língua. Essas características também foram apontadas em estudos sobre as sequências [kw] e [gw] para o PB 44. Bisol L . A sílaba e seus constituintes. In: Neves MH. (Org.). Gramática do Português Falado. Campinas: Editora da Unicamp, 1999. , 99. Lamprecht RR, Bonilha GFG. A aquisição de [kw] e [gw] sob o enfoque de restrições. In:, Bonilha GFG Keske-Soares M. Estudos em Aquisição Fonológica. Volume I. Santa Maria: UFSM, PPGL-Editores, 2007.. No que se refere ao contexto silábico seguinte, foi constatado que a vogal /a/ ocupa essa posição para grande maioria das palavras que contem a sequência [gw]. Embora em porcentagem menor, muitas das palavras com a sequência [kw] também são seguidas pela vogal dorsal 4, 9. No entanto, neste estudo notou-se que a vogal dorsal obteve frequência maior somente para o contexto precedente, sendo o contexto seguinte preenchido pelas vogais coronais em maior porcentagem.

Ainda que não tenham sido selecionadas, ressalta-se que as maiores frequências de produção correta de [kw] e [gw] para as variáveis tonicidade e sonoridade ocorreram nas variantes pós-tônica e surda, que também se destacaram para os fonemas /k/ e /g/. Já as palavras dissílabas favoreceram a produção correta dessas sequências, o que se deve também a restrições do PB, uma vez que existem pouquíssimas palavras monossílabas contendo [kw] e [gw].

Ao rodar o programa estatístico com o corpus total de palavras (com /k/, /g/, [kw] e [gw]) foi selecionada como significante a variável complexidade do segmento. A probabilidade de produção correta dos elementos analisados foi maior para os segmentos simples (/k/ e /g/) comparado as sequências complexas [kw] e [gw], confirmando a principal hipótese deste trabalho. Esse achado reforça a hipótese de que [kw] e [gw] podem ser considerados segmentos complexos - /kw/ e /gw/ 44. Bisol L . A sílaba e seus constituintes. In: Neves MH. (Org.). Gramática do Português Falado. Campinas: Editora da Unicamp, 1999. , 1010. Freitas MJ. Sons de ataque: segmentos complexos, grupos segmentais e representações fonológicas na aquisição do português europeu. Letras de Hoje. 2001;36;(3):67-83.. Com isso, a discussão sobre a inclusão desses segmentos no inventário fonológico do PB é um aspecto a ser considerado, pois poderá resultar em valiosas contribuições na compreensão da aquisição fonológica típica e atípica, bem como na fonologia clínica.

Conclusão

O estudo da aquisição das sequências fonéticas [kw] e [gw] comparado a aquisição das plosivas dorsais /k/ e /g/, evidenciou a possibilidade de tais sequências serem consideradas segmentos complexos no PB - /kw/ e /gw/ em onset simples uma vez que a complexidade do segmento foi estatisticamente significante.

Além disso, a única variável em comum selecionada pelo programa estatístico para a produção correta dos elementos estudados foi a idade. Para os fonemas /k/ e /g/ foram selecionados contexto silábico seguinte, sonoridade, contexto silábico precedente, idade e sexo, já para as sequências [kw] e [gw] foram idade e posição na palavra. Assim, o fato de variáveis distintas serem significantes à aquisição de /k, g/ e ao [kw, gw] mostrou um tratamento fonológico diferenciado das crianças frente a esses sons.

Não foi selecionada pelo programa as variáveis tonicidade, número de sílabas e posição na palavra para os fonemas /k/ e /g/ e, sexo, tonicidade, número de sílabas, contexto silábico precedente, contexto silábico seguinte e sonoridade para as sequências [kw] e [gw]. Contudo, as frequências de produção correta das variantes dessas variáveis estão de acordo com a literatura.

Os fatores intervenientes na produção dos fonemas do PB têm sido amplamente investigado, instrumentalizando o fonoaudiólogo clínico na avaliação e escolha dos alvos linguísticos a serem trabalhados na terapia dos desvios de fala. Nesse sentido, os dados obtidos neste estudo devem contribuir, sobretudo com a fonologia clínica.

Agradecimento

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo auxílio na modalidade de bolsa de Iniciação Científica, ao Fundo de Incentivo a pesquisa (FIPE) e ao Fundo de Incentivo à Extensão (FIEX).

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  • Fonte de auxílio à pesquisa: Bolsa CAPES/CNPq

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2014

Histórico

  • Recebido
    11 Jul 2012
  • Aceito
    09 Nov 2012
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