Acessibilidade / Reportar erro

Examinando elementos que possam influenciar a formulação de políticas em estudos que utilizaram indicadores compostos: o chão contra o cifrão

Examining issues that can influence policy in studies that used composite index: the floor against the dollar

Resumos

O artigo analisa quatro estudos que utilizaram metodologia de construção de indicadores compostos. Esses estudos tiveram como objetivo a identificação de diferenciais socioeconômicos e de saúde entre distritos urbanos de uma mesma cidade. Além disso, já na sua concepção, tinham o propósito de criar possibilidades de influenciar políticas públicas e favorecer a apropriação dos resultados pelos residentes das áreas mais desfavorecidas. Os quatro estudos foram sintetizados a partir de um roteiro padronizado que explicitou os elementos do processo de concepção, desenvolvimento e difusão dos estudos. Buscou-se apontar quais desses elementos estariam criando possibilidades concretas de influenciar políticas públicas. Os elementos analisados foram: 1) nível de participação de atores sociais no processo de elaboração da pesquisa; 2) estratégias de comunicação entre atores sociais envolvidos e pesquisadores; 3) clareza na definição dos objetivos; 4) visibilidade do processo de pesquisa e da disseminação dos resultados; 5) cumprimento de prazos e 6) alcance dos objetivos previamente estabelecidos. Esses elementos são o primeiro passo na tentativa de se buscar um modelo de análise da capacidade de pesquisas em influenciar políticas públicas.

Indicador Composto; Ação Intersetorial; Qualidade de Vida; Saúde Urbana


This article assesses four studies that employed methodological aspects of building composite index. These studies aimed at identifying socioeconomic and health differentials among urban districts in cities. Moreover, the studies attempt to create possibilities of influencing public policy formulation and facilitating data appropriation by the urban poor. The four studies were summarized with the help of a standardized checklist. Taking into consideration the elements of conception, development and dissemination processes, this article seeks to point out which of these elements are likely to influence policy formulation. The elements assessed are: 1) level of participation of social actors during the research; 2) communication strategies between social actors and researchers; 3) clear definition of objectives; 4) visibility of research process and of results dissemination; 5) deadlines met and 6) objectives accomplished. These elements are the first step to build a framework for assessing research ability to influence public policy.

Composite Index; Intersectorial Action; Quality of Life; Urban Health


ARTIGO

ARTICLE

Marco Akerman 1

Examinando elementos que possam influenciar a formulação de políticas em estudos que utilizaram indicadores compostos: "o chão contra o cifrão"

Examining issues that can influence policy in studies that used composite index: "the floor against the dollar"

1 Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (Cedec), Faculdade de Medicina do ABC, Rua XV de Novembro 228, 10o andar, 01013-000, São Paulo, SP, Brasil. akermanm@opus.com.br

Abstract This article assesses four studies that employed methodological aspects of building composite index. These studies aimed at identifying socioeconomic and health differentials among urban districts in cities. Moreover, the studies attempt to create possibilities of influencing public policy formulation and facilitating data appropriation by the urban poor. The four studies were summarized with the help of a standardized checklist. Taking into consideration the elements of conception, development and dissemination processes, this article seeks to point out which of these elements are likely to influence policy formulation. The elements assessed are: 1) level of participation of social actors during the research; 2) communication strategies between social actors and researchers; 3) clear definition of objectives; 4) visibility of research process and of results dissemination; 5) deadlines met and 6) objectives accomplished. These elements are the first step to build a framework for assessing research ability to influence public policy.

Key words Composite Index; Intersectorial Action; Quality of Life; Urban Health

Resumo O artigo analisa quatro estudos que utilizaram metodologia de construção de indicadores compostos. Esses estudos tiveram como objetivo a identificação de diferenciais socioeconômicos e de saúde entre distritos urbanos de uma mesma cidade. Além disso, já na sua concepção, tinham o propósito de criar possibilidades de influenciar políticas públicas e favorecer a apropriação dos resultados pelos residentes das áreas mais desfavorecidas. Os quatro estudos foram sintetizados a partir de um roteiro padronizado que explicitou os elementos do processo de concepção, desenvolvimento e difusão dos estudos. Buscou-se apontar quais desses elementos estariam criando possibilidades concretas de influenciar políticas públicas. Os elementos analisados foram: 1) nível de participação de atores sociais no processo de elaboração da pesquisa; 2) estratégias de comunicação entre atores sociais envolvidos e pesquisadores; 3) clareza na definição dos objetivos; 4) visibilidade do processo de pesquisa e da disseminação dos resultados; 5) cumprimento de prazos e 6) alcance dos objetivos previamente estabelecidos. Esses elementos são o primeiro passo na tentativa de se buscar um modelo de análise da capacidade de pesquisas em influenciar políticas públicas.

Palavras-chave Indicador Composto; Ação Intersetorial; Qualidade de Vida; Saúde Urbana

Introdução

A expressão entre aspas, no título deste trabalho, é do eminente geógrafo e professor Milton Santos. Foi empregada em recente artigo publicado na Folha de S. Paulo (Santos, 1999), em que aborda e critica a forma como o Brasil decidiu participar do processo de globalização e a maneira pela qual o dinheiro funciona como motor e como ator, impondo sua lei e invadindo tudo, demonstrando a cegueira para com o resto da sociedade, desestruturando os demais subsistemas.

O chão, ou o território concreto, resultado de todas as relações entre a existência dos seres humanos e as suas bases físicas e sociais, é visto por Santos como um limite à ação cega da finança, um bastião de resistência ao dinheiro como o único pressuposto da vida nacional, enfatizando, assim, a noção de território nacional como limite a esta ação cega do mercado.

Nosso argumento é que a operacionalização dessa resistência através da recuperação da cidadania inicia-se no espaço concreto de vida das pessoas (Dowbor, 1995; Friedmann apud Dowbor, 1995). Em relação às cidades brasileiras, sabe-se que há diferenças importantes nas condições de vida entre os vários bairros em que moramos. Essas diferenças criam espaços segregados que mudam, cotidianamente, a vida nesses locais e, em conseqüência, transformam a vida da cidade como um todo (Caldeira, 1992). Estas diferenças precisam ser explicitadas, não apenas com o objetivo de apontar áreas onde o problema apresenta-se como de maior monta, mas para se buscar uma nova articulação entre espaços distintos.

A construção de indicadores compostos em grupos intersetoriais para medir condições de vida/qualidade de vida em espaços urbanos distintos, dentro de uma mesma cidade, tem sido propugnada como uma estratégia para explicitar diferenças entre esses espaços e para busca de soluções (Dodds, 1996; Akerman, 1997a; Akerman, 1997b; Akerman, 1998).

Indicadores compostos e ação intersetorial

Indicador composto é uma medida que associa diferentes variáveis socioeconômicas e de ambiente em um índice sintético, para analisar as características de grupos populacionais vivendo em determinadas áreas geográficas. (Para mais detalhes em relação à definição de indicador composto, limites e possibilidades no seu uso e exemplos de alguns indicadores compostos mencionados na literatura, ver Akerman, 1997a.)

Este indicador, por ser composto, permite a pluralidade de perspectivas na sua elaboração. Para isso, há autores que sugerem a formação de coalizões intersetoriais (Wing, 1994) em que alianças podem ser estabelecidas ou conflitos dirimidos. A literatura de língua inglesa tem denominado o procedimento de construção de indicadores locais (qualidade de vida/sustentabilidade) de forma coletiva entre atores com recursos de poder diferenciados como stakeholder approach to indicators (Dodds, 1996). A escolha de indicadores para medir problemas e avaliar resultados de forma pactuada se mostra como um caminho adequado para o envolvimento de atores sociais em estudos e projetos que pretendam influenciar a formulação de políticas públicas.

Como os profissionais de saúde são parte dessas coalizões, estaríamos, então, retomando práticas eficazes do século XIX, em que cientistas políticos usavam estatísticas de saúde e profissionais de saúde clamavam por justiça social. O patologista Rudolph Virchow (1821-1902) foi um exemplo marcante deste tipo de prática (Stephens, 1998).

Parece transparecer que a construção de indicadores compostos em coalizões intersetoriais não tem apenas o objetivo de retratar, pura e simplesmente, as diferenças entre espaços geográficos distintos como um achado científico. Importa também construir condições para buscar, no âmbito da cidade, caminhos para equacionar as diferenças apontadas. Voltando ao título deste artigo, quer-se buscar as condições para munir o chão, o campo das necessidades sociais, na sua batalha contra o cifrão, a lógica do mercado.

Foco do estudo

Este artigo analisa quatro estudos que utilizaram metodologia de construção de indicadores compostos intersetoriais: 1) Environment and health in developing countries: an analysis of intra-urban differentials using existing data - the São Paulo case study (Stephens et al., 1994); 2) Mapa da exclusão/inclusão social da cidade de São Paulo (Sposati, 1996); 3) Observatório de qualidade de vida da cidade de Campinas (Prefeitura Municipal de Campinas, 1996) e 4) Mapa de risco de violência da cidade de São Paulo (Cedec, 1996). Esses estudos, que tiveram no Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (Cedec) o foro irradiador, buscaram identificar diferenciais socioeconômicos e de saúde entre distritos urbanos de uma mesma cidade. Além disso, essas pesquisas, já na sua concepção, tinham o propósito de criar possibilidades de influenciar políticas públicas e favorecer a apropriação dos resultados pelos residentes das áreas mais desfavorecidas.

Tomando como categoria analítica os elementos do processo de concepção, desenvolvimento e difusão desses estudos, buscou-se apontar quais desses elementos estariam criando possibilidades concretas de influenciar políticas públicas.

Os artigos A critical dialogue in evaluation: how can the interaction between evaluation and politics be tackled? (Karlsson, 1997) e Intra-urban differentials in São Paulo: creating opportunities for crossing traditional research boundaries (Akerman, 1996) contribuíram para a elaboração do roteiro padronizado que sintetizou os quatro estudos (ver Apêndice Apêndice ).

Karlsson (1996) e Akerman (1996) afirmam que pesquisas com o objetivo de influenciar políticas têm de apresentar necessariamente os seguintes critérios: participação de atores sociais, comunicação contínua entre atores sociais e pesquisadores, definição clara de objetivos, visibilidade do processo de pesquisa, cumprimento de prazos e objetivos preestabelecidos. Tendo como referência esses critérios, organizou-se um quadro sintético de elementos que serviu de roteiro para consulta às principais publicações das pesquisas analisadas. Levaram-se em conta: 1) fonte de financiamento; 2) responsáveis pela execução; 3) objetivo geral; 4) fontes de dados; 5) formas de envolvimento de atores sociais no desenvolvimento da pesquisa; 6) produtos; 7) presença na imprensa; 8) apresentações públicas e 9) indicações de influência em políticas ou em novas pesquisa e projetos.

A questão que se quer realçar é de que forma uma pesquisa, que tenha como objetivo estudar a desigualdade/exclusão social/qualidade de vida, não se transforma em apenas um instrumento de diagnóstico, mas de ação. Ademais, que, ao não se restringir ao papel tradicional de contemplação da ciência, embuta no delineamento do projeto mecanismos que possam oferecer bases tecnológicas para a ação.

A seguir a síntese padronizada dos quatro estudos que serviu como subsídio para o último tópico deste artigo e que ressalta os elementos constituintes do processo de concepção, desenvolvimento e difusão das pesquisas que podem ser apontados como possíveis catalisadores de estratégias para influenciar políticas públicas ou capazes de influenciar novas pesquisas e projetos.

Síntese dos quatro estudos a partir do roteiro padronizado

Estudo 1

Environment and health in developing countries: an analysis of intra-urban differentials using existing data - the São Paulo case study.

Fontes de financiamento: Overseas Development Administration UK/Urban Development Division of the World Bank.

Responsáveis pela execução: London School of Hygiene and Tropical Medicine/Fundação SEADE.

Período de execução: abril de 1993 a abril de 1994.

Objetivo geral: demonstrar a possibilidade de apontar diferenciais intra-urbanos de saúde em cidades de países em desenvolvimento através do uso de dados existentes nos bancos de dados dos órgão públicos.

Fontes de dados: censos sociodemográficos, dados de mortalidade e pesquisas socioeconômicas amostrais.

Formas de envolvimento de atores sociais no desenvolvimento da pesquisa: membros de organizações municipais, estaduais e federais (governamentais, não-governamentais e acadêmicas) foram convidados a participar de seminários ao longo de toda a pesquisa. Coube a estes atores sociais a definição de indicadores socioeconômicos para elaborar o indicador composto de carência social que serviu para a determinação das zonas homogêneas da pesquisa.

Principais resultados obtidos: diferenças significativas em termos socioeconômicos entre as zonas homogêneas com reflexos marcantes nos padrões de mortalidade por idade, sexo, causas e regiões da cidade.

Produtos (até 1995):

1 relatório de pesquisa (editado graficamente)

2 artigos em revista nacional

1 artigo em revista internacional

1 capítulo no livro Urban Health Research in Developing Countries (Akerman,1996)

1 brochura, "Urban differentials in a third world industrialized city: the case of São Paulo, Brazil", 1994. World Bank, Washington, 25 pp.

1 coleção de fotos, "Diferenciais intra-urbanos em São Paulo: um retrato jornalístico da cidade", 1993, 73 pp.

Presença na imprensa (até 1995):

5 reportagens em jornais

3 participações em telejornais

3 participações em programas de rádio

Apresentações públicas (até 1995):

10 apresentações em encontros no Brasil

7 apresentações em encontros fora do Brasil

Indicações de influência em políticas ou em novas pesquisas e projetos (até 1995): (1) não há evidências de que este projeto tenha influenciado a formulação de políticas na cidade de São Paulo, apesar de muitos dos atores sociais que participaram dos seminários de pesquisa terem informado que os resultados e métodos utilizados foram apresentados e discutidos em reuniões internas, como por exemplo na Companhia de Água e Esgoto de São Paulo (Sabesp); (2) a metodologia aplicada nesta pesquisa foi utilizada nas duas pesquisas que serão descritas a seguir; (3) os resultados da pesquisa e os seus métodos têm sido usados como material didático em cursos de epidemiologia e (4) algumas dissertações de mestrado usaram a divisão em zonas homogêneas da cidade de São Paulo propostas pela pesquisa no delineamento de seus projetos.

Estudo 2

Mapa da exclusão/inclusão social da cidade de São Paulo.

Fontes de financiamento: Núcleo de Seguridade e Assistência Social do Programa de Estudos de Pós-Graduação em Serviço Social da PUC-SP/Conselho Regional de Economistas de São Paulo.

Responsáveis pela execução: Núcleo de Seguridade e Assistência Social do Programa de Estudos de Pós-Graduação em Serviço Social da PUC-SP/Gabinete da vereadora Aldaíza Sposati, Cedec, Arquidiocese de São Paulo.

Período de execução: dezembro de 1994 a novembro de 1995 (fase quantitativa), previsão inicial de conclusão - abril de 1995.

Objetivo geral: construir indicadores de exclusão social e de discrepância entre os distritos da cidade de São Paulo que possam favorecer a ampliação da discussão da exclusão para o cotidiano e para o bairro. Com isso, espera-se que a população possa instrumentalizar-se na luta pela representação de seus interesses e na construção de suas opções, de modo a influenciar o orçamento público.

Fontes de dados: censos sociodemográficos, recenseamentos da cidade (população de rua, por exemplo), dados de mortalidade e pesquisas socioeconômicas amostrais, análises especiais elaboradas exclusivamente para o projeto (APVP, taxas de lançamento imobiliário, taxa de emprego), pesquisas qualitativas desenvolvidas por equipes diocesanas.

Formas de envolvimento de atores sociais no desenvolvimento da pesquisa: para a etapa quantitativa, houve intenso contato com atores sociais vinculados aos departamentos governamentais na obtenção de dados, entretanto, o desenvolvimento técnico do projeto desenvolveu-se a partir de um núcleo restrito. Resultados preliminares foram comunicados a grupos ampliados de técnicos, movimentos sociais e, no decorrer do trabalho, consultas foram feitas a especialistas da área de economia, sociologia e desenvolvimento social. Na etapa qualitativa houve uma participação mais abrangente dos movimentos sociais, chamados a contribuir desde o início do trabalho.

Principais resultados obtidos: do ponto de vista qualitativo, o mapa apontou os distritos da cidade com os maiores índices de exclusão social e as intensas discrepâncias existentes entre esses distritos e aqueles com os menores índices de exclusão. Em relação à 'cartografia qualitativa', apesar de incompleta - 64% dos distritos -, o trabalho foi suficiente para retratar o significado da exclusão social para os agentes populares que participaram do levantamento.

Produtos (até 1996):

2 livros

1 jornal de lançamento do projeto

1 manual para agentes populares - roteiro para a fase qualitativa

1 cartilha da cidade

11 cartilhas regionais

1 vídeo

2 boletins informativos

1 data-show

1 conjunto de disquetes com os dados quantitativos

1 atlas distrital (a ser editado)

Presença na imprensa (até 1996):

13 reportagens em jornais

3 participações em programas de televisão

2 participações em programas de rádio

Apresentações públicas (até 1996):

40 apresentações em encontros no Brasil

3 apresentações em encontros fora do Brasil

Indicações de influência em políticas ou em novas pesquisas e projetos (até 1996): (1) o fórum da assistência social que discute a implementação da Lei Ordinária da Assistência Social utilizou em vários encontros resultados produzidos pelo Mapa; (2) há solicitações de cinco cidades para que a metodologia do Mapa seja utilizada na elaboração de seus mapas de exclusão e (3) há um projeto sendo desenvolvido em um distrito da cidade de São Paulo que utiliza os dados do Mapa nos seus encontros comunitários.

Estudo 3

Observatório de qualidade de vida da cidade de Campinas.

Fonte de financiamento: OPAS e Prefeitura Municipal de Campinas.

Responsáveis pela execução: OPAS/Cedec/ Secretaria Municipal de Governo/Secretaria Municipal de Transportes/Secretaria Municipal de Planejamento e Meio Ambiente.

Período de execução: julho de 1995 a dezembro de 1996, previsão inicial para a conclusão - dezembro 1995.

Objetivo geral: introduzir a concepção intersetorial da qualidade de vida através da construção de um indicador composto de qualidade de vida para unidades territoriais distintas.

Fontes de dados: censos sociodemográficos, dados de mortalidade e estudos especiais sobre grau de periculosidade em acidentes de trânsitos, elaborados com exclusividade para a pesquisa.

Formas de envolvimento de atores sociais no desenvolvimento da pesquisa: formação de um grupo intersetorial ampliado, composto de 25 pessoas, representando 14 secretarias municipais, 1 autarquia e 3 sociedades de economia mista para participar de uma série de quatro encontros para (1) decisão da base territorial do projeto; (2) apresentação de lista de variáveis existentes nos bancos de dados do município compatíveis com a base geográfica decidida e (3) seleção das variáveis a serem incluídas no indicador composto. O grupo foi convidado a participar de duas reuniões subseqüentes onde foram apresentados os resultados preliminares e finais do projeto.

Principais resultados obtidos: (1) diferenciais socioeconômicos e de saúde importantes entre as quatro áreas regionais da cidade; (2) desenvolvimento de uma percepção clara quanto à necessidade de produção de uma base cartográfica digitalizada para a cidade; (3) estreitamento da relação entre as secretarias municipais e (4) reconhecimento concreto da necessidade de criação de um sistema municipal de informações de meio ambiente.

Produtos (até 1996):

1 relatório de pesquisa editado graficamente

Presença na imprensa (até 1996):

não houve presença do projeto na imprensa local

Apresentações públicas (até 1996):

4 apresentações em encontros no Brasil.

Indicações de influência em políticas ou em novas pesquisas e projetos (até 1996): (1) não há ainda evidências de influências concretas da pesquisa em políticas, apesar do processo de pesquisa ter claramente demonstrado, para funcionários da Secretaria de Planejamento e da área de informática da Prefeitura Municipal, a necessidade de implantar o mapeamento digitalizado da cidade e (2) atores sociais envolvidos na pesquisa já sugeriram processo semelhante em outras cidades médias do Estado de São Paulo.

Estudo 4

Mapa de risco de violência da cidade de São Paulo.

Fonte de financiamento: Ministério da Justiça.

Responsáveis pela execução: Cedec e NEV.

Período de execução: abril e maio de 1997.

Objetivo geral: em vista de experiência já acumulada em análises que visam aprofundar os diferenciais intra-urbanos na cidade de São Paulo, o Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (Cedec) foi convidado pelo Ministério da Justiça a elaborar Mapas de Risco de Violência nos municípios de São Paulo, Curitiba, Salvador e Rio de Janeiro. Esse convite veio a propósito da elaboração do Programa Nacional de Direitos Humanos, que tem como um dos seus objetivos "eleger prioridades e apresentar propostas concretas de caráter administrativo que busquem solucionar problemas relacionados à área dos direitos humanos no Brasil". O Ministério da Justiça entendeu que determinar o risco territorial de violência consiste em importante estratégia para a indicação de prioridades públicas e de desenvolvimento de projetos para ação local.

Fontes de dados: para a construção do indicador composto foram usados dados do censo do IBGE/1991 e do Mapa da exclusão social da cidade de São Paulo. Os dados de mortalidade foram obtidos através do Proaim da Prefeitura Municipal de São Paulo e os dados de ocorrências policiais foram cedidos pelo Deplan da Polícia Civil do Estado de São Paulo. Para a elaboração dos indicadores efetivos policiais/habitantes e viaturas/habitantes, utilizaram-se dados fornecidos pelas Polícias Militar e Civil do Estado de São Paulo.

Formas de envolvimento de atores sociais no desenvolvimento da pesquisa: reuniões com o secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo e equipe, comandos militares e civis das polícias estaduais para detalhamento do projeto e obtenção dos dados.

Principais resultados obtidos: (1) importantes diferenças entre centro e periferia da cidade no que tange às condições socioeconômicas e ao risco de violência (homicídios). Apenas para citar alguns exemplos, o Jardim Paulista, Moema, Alto de Pinheiros, Pinheiros e Perdizes foram caracterizados como distritos com as melhores condições socioeconômicas, respectivamente com as notas 8,44, 7,92, 7,20, 7,10 e 7,00, ao passo que Marsilac, Iguatemi, Anhanguera, Parelheiros e Jardim Ângela obtiveram as notas mais baixas, respectivamente, 0,87, 1,57, 1,61, 1,97 e 2,02. As taxas de homicídio (/100.000 hab.), classificadas em ordem decrescente, permitem observar, grosso modo, uma associação entre menores notas socioeconômicas/maiores taxas de homicídios e maiores notas/menores taxas; (2) diferentemente do que ocorre com as taxas de homicídio, existe uma relação inversa entre os furtos e os roubos e as condições socioeconômicas das áreas abrangidas pelas seccionais de polícia. Isto é, as seccionais com as melhores notas socioeconômicas apresentam maiores índices de furtos e roubos e maiores riscos para lesões corporais e acidentes de trânsito, ganhando destaque neste último caso a região central da cidade, devido, provavelmente, à sua população flutuante, muito maior do que a população residente; (3) a análise geral dos dados em relação aos recursos de segurança pública (efetivos policiais - militares e civis - e viaturas efetivamente funcionando - militares e civis), no município de São Paulo, mostrou que estes se concentram nas seccionais onde os furtos apresentam maiores índices e se distribuem de uma forma mais esparsa nas seccionais onde os maiores riscos de violência são atribuídos ao homicídio, e não aos crimes contra o patrimônio. Os resultados obtidos a partir desta análise evidenciam as prioridades adotadas pelos órgãos de segurança pública no município que visam combater, antes de tudo, o crime contra o patrimônio nas áreas com as melhores condições socioeconômicas.

Produtos (até 1997):

1 relatório de pesquisa (editado graficamente)

Presença na imprensa (até 1997):

8 reportagens em jornais

4 participações em telejornais

2 participações em programas de rádio

Apresentações públicas (até 1997):

7 apresentações em encontros no Brasil

2 apresentações em encontros fora do Brasil

Indicações de influência em políticas ou em novas pesquisas e projetos (até 1997): (1) interesse do Ministério da Justiça em elaborar mapas em outras cidades; (2) convite por parte de ONGs para discussão do mapa com comandantes da Polícia Militar e em encontros nacionais para elaboração de uma política nacional de segurança pública; (3) relatório do secretário nacional de Segurança Pública destacando o pioneirismo e a relevância do trabalho e (4) polêmica, em cartas publicadas em jornal, com o secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo discutindo a pesquisa.

Conclusão

Com base nos critérios apontados por Karlsson (1996) e Akerman (1996), eis os principais elementos dos estudos que criaram possibilidades para influenciar políticas ou novas pesquisas e projetos: 1) participação de atores sociais; 2) comunicação contínua entre atores sociais e pesquisadores; 3) definição clara de objetivos; 4) visibilidade do processo de pesquisa e da disseminação de resultados; 5) cumprimento de prazos e 6) cumprimento de objetivos preestabelecidos. No Quadro 1 tem-se uma síntese dos quatro estudos. Indica-se a presença do critério com a letra S e a ausência com a N, e em relação ao critério (4) classifica-se o nível de visibilidade com os sinais + e -.


De forma geral, pode-se afirmar que os estudos analisados exerceram algum nível de influência sobre políticas, no entanto, com especificidades e intensidades distintas. Há, porém, indicações mais claras de que os quatro estudos tenham influenciado, em alguma medida, a elaboração de novos projetos. Há dados mais consistentes de reprodução das metodologias dos estudos 1, 2 e 4. Observa-se, no quadro, que as pesquisas 2, 4, 1 (nesta ordem) são as que tiveram níveis de visibilidade mais acentuados, atestando, talvez, a importância desse critério para o desdobramento de novos projetos e conferindo-lhe, portanto, maior potencialidade para influenciar políticas.

O estudo 4 foi o que gerou maior polêmica pública. Devido a problemas durante a sua elaboração, este estudo não pôde ser realizado de forma compartilhada com atores da área de segurança pública, o que poderia conferir-lhe maior potencial para influenciar políticas. Entretanto, após a sua publicação, o governo do Estado de São Paulo iniciou campanha publicitária que aponta esforços em reverter a relação desigual na alocação de recursos de segurança pública entre o centro e a região sul da cidade, como havia apontado o estudo, indicando, assim, algum nível de influência na formulação de uma política pública.

Vale a pena mencionar que o estudo 1 cumpriu todos os critérios estabelecidos, mas não teve influência efetiva nas políticas locais. Mas, devido ao seu caráter internacional e a repetidas presenças em fóruns internacionais, exerceu influência importante no financiamento de novas pesquisas em outros países, que adotaram metodologias semelhantes às utilizadas neste estudo.

Em relação ao estudo 2, que apresentou a maior relação de produtos, entende-se que ainda possui um grande potencial de influência, já que continua 'ativo', com presença ainda importante na imprensa e em eventos públicos, científicos e populares.

Quanto à apropriação dos resultados por comunidades ou movimentos sociais, os dados obtidos não permitem emitir pareceres conclusivos, apenas inferir que a disseminação de resultados em apresentações para associações de moradores ou em formato de publicações, como, por exemplo, cartilhas, podem ser vista como estratégia facilitadora desta apropriação.

Os critérios apresentados no Quadro 1 são, apenas, uma aproximação inicial para se avaliar os elementos constituintes de pesquisas que se propõem a influenciar políticas. Outros elementos favorecedores podem não ter sido identificados. Estudos que explorem estas questões são bem-vindos, assim como a definição mais clara de indicadores que permitam atestar a associação entre estes elementos e influência de política públicas.

Para finalizar, a ênfase deste artigo está no fato de que, caso haja 'vontade científica' genuína de pesquisadores em influenciar políticas através de seus trabalhos, há que, de forma explícita e direta, embutir no delineamento da pesquisa, 'ingredientes' (os apontados neste artigo e/ou outros) que sirvam como elementos potenciais para influenciar a formulação de políticas públicas.

  • Akerman M 1996. Intra-urban differentials in São Paulo: creating opportunities for crossing traditional research boundaries, pp. 175-185. In S Atikinson, J Songsore & E Werna (orgs.). Urban Health Research in Developing Countries: implications for policy. Cab International, Wallingford/Oxon.
  • Akerman M 1997a. Metodologia de construção de indicadores compostos: um exercício de negociação intersetorial, pp. 95-113. In RB Barata (org.). Condições de Vida e Situação de Saúde Abrasco, Rio de Janeiro.
  • Akerman M et al. 1997b. A concepção de um projeto de observatório de qualidade de vida: relato de uma experiência realizada em Campinas. Saúde e Sociedade 6(2):83-100.
  • Akerman M 1998. A construção de indicadores compostos para os projetos de cidades saudáveis: um convite ao pacto transetorial, pp. 319-335. In EV Mendes (org.). A Organização da Saúde no Nível Local. Hucitec, São Paulo.
  • Caldeira TPR 1992. City of Walls: crime, segregation and citizenship in São Paulo Tese defendida na Universidade da Califórnia. 320pp.
  • Cedec 1996. Mapa de risco da violência da cidade de São Paulo Cedec/Ministério da Justiça, São Paulo, 12 pp.
  • Dodds F 1996. Promoting a stakeholder approach to indicators UNDP Mamaris Roundtable "Cities for People in a Globalizing World", Office of Development Studies, PNUD. (Mimeo).
  • Dowbor L 1995. Da globalização ao poder local: a nova hierarquia dos espaços. São Paulo em Perspectiva 9(3):3-10.
  • Karlsson O 1997. A critical dialogue in evaluation: how can the interaction between evaluation and politics be tackled. Evaluation 2(4):405-416.
  • Prefeitura Municipal de Campinas 1996. Observatório de Qualidade de Vida Prefeitura Municipal de Campinas/Secretaria de Governo, Campinas. 21pp.
  • Santos M 1999. O chão contra o cifrão. Folha de S. Paulo, Caderno Mais!, 28 de fevereiro, p. 5.
  • Sposati A (org.) 1996. Mapa da Exclusão/Inclusão Social da Cidade de São Paulo EDUC, São Paulo.
  • Stephens C 1998. What's health got to do with it? Using environmental health to guide priority-setting towards equitable environment management in cities. WHO, Genebra, 17pp. (Mimeo).
  • Stephens C et al. 1994 Environment and Health in Developing Countries: an Analysis of Intra-urban Differentials Using Existing Data London School of Hygiene and Tropical Medicine, Londres, 147 pp.
  • Wing S 1994. Limits of epidemiology. Medicine and Global Survival 12:74-86.

Apêndice

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Out 2004
  • Data do Fascículo
    2000
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Av. Brasil, 4036 - sala 700 Manguinhos, 21040-361 Rio de Janeiro RJ - Brazil, Tel.: +55 21 3882-9153 / 3882-9151 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cienciasaudecoletiva@fiocruz.br