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O FUNDEF no estado do Rio de Janeiro: a óptica dos perdedores

FUNDEF in the State of Rio de Janeiro: the losers' point of view

FUNDEF en el estado de Rio de Janeiro: la óptica de los perdedores

Resumos

No limiar do processo de implantação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) em todo o território nacional, uma questão impõe-se para aqueles que, como o autor desse estudo, estiveram relacionados de forma direta ao desenvolvimento do extinto Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF): afinal, o que representou, para as redes públicas educacionais, a implementação deste último nos cinco primeiros anos de sua vigência nacional? Tendo essa questão como norte, o presente artigo analisa os percursos de implantação e implemento do FUNDEF no contexto brasileiro e, com maior profundidade, no estado do Rio de Janeiro, privilegiando um recorte, até onde se percebeu, ainda pouco explorado, qual seja, a óptica dos municípios perdedores de recursos para o fundo, ou outsiders. Para tanto, parte-se do princípio de que o Estado brasileiro é, em sua essência, patrimonialista, estando comprometido, circunstancialmente, com a adoção de preceitos neoliberais a partir dos quais vem regulando a sociedade, por meio das políticas públicas, entre outros mecanismos. Tal combinação constituiria um dos fatores de seu posicionamento na periferia da ordem econômica globalizada, fazendo dele palco de acirradas contradições.

financiamento da educação; ensino fundamental; políticas públicas; avaliação de política educacional


With the imminence of the process of implanting the Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) in the whole country, a question remains for those who, as the author of this study, were directly involved in the development of the now extinct Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF). What, after all, did its implementation represent for the public education systems during its first five years of existence? With this question as our guide, this article analyses how FUNDEF was implemented in Brazil, and in greater detail, in the State of Rio de Janeiro, privileging a little explored focus, that of the point of view of the cities, or "outsiders", which conceded resources to the fund. To that end, the Brazilian State is conceived, in its essence, as patrimonial, committed, circumstantially, to the adoption of neoliberal precepts, through which it regulates society by means of public policies, among other mechanisms. Such combination would constitute one of the reasons for its locus on the periphery of the globalised economic order, making it a stage for deep contradictions.

financing of education; elementary education; public policies; evaluation of educational policy


En el umbral del proceso de implantación del Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) en todo el territorio brasileño, una cuestión se impone para aquellos que, como el autor de este estudio, estuvieron relacionados de forma directa al desarrollo del extinto Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF): ¿al final, lo qué representó, para las redes públicas de educación, la implementación de este último en los cinco primeros años de su vigencia nacional? Teniendo esta cuestión como norte, el actual artículo analiza los trayectos de implantación e implemento del FUNDEF en el contexto brasileño y, con mayor profundidad, en el estado de Rio de Janeiro, privilegiando un recorte, hasta donde se percibió, todavía poco explorado, cual sea, la óptica de los municipios perdedores de recursos para el fundo, o outsiders. Por tanto, se parte del principio que el Estado brasileño es, en su esencia, patrimonialista, estando comprometido, circunstancialmente, con la adopción de preceptos neoliberales, a partir de los cuales viene regulando la sociedad, por medio de las políticas públicas, entre otros mecanismos. Esta combinación constituiría uno de los factores de su posicionamiento en la periferia del orden económico globalizado, haciendo de él, el palco de incitadas contradicciones.

financiamiento de la educación; enseñanza fundamental; políticas públicas; evaluación de política educativa


ARTIGOS

O FUNDEF no estado do Rio de Janeiro: a óptica dos perdedores

FUNDEF in the State of Rio de Janeiro: the losers' point of view

FUNDEF en el estado de Rio de Janeiro: la óptica de los perdedores

Luiz Carlos Gil Esteves

Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Mestrado em Educação. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Departamento de Estudos de Políticas Públicas, Avaliação e Gestão da Educação

RESUMO

No limiar do processo de implantação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) em todo o território nacional, uma questão impõe-se para aqueles que, como o autor desse estudo, estiveram relacionados de forma direta ao desenvolvimento do extinto Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF): afinal, o que representou, para as redes públicas educacionais, a implementação deste último nos cinco primeiros anos de sua vigência nacional? Tendo essa questão como norte, o presente artigo analisa os percursos de implantação e implemento do FUNDEF no contexto brasileiro e, com maior profundidade, no estado do Rio de Janeiro, privilegiando um recorte, até onde se percebeu, ainda pouco explorado, qual seja, a óptica dos municípios perdedores de recursos para o fundo, ou outsiders. Para tanto, parte-se do princípio de que o Estado brasileiro é, em sua essência, patrimonialista, estando comprometido, circunstancialmente, com a adoção de preceitos neoliberais a partir dos quais vem regulando a sociedade, por meio das políticas públicas, entre outros mecanismos. Tal combinação constituiria um dos fatores de seu posicionamento na periferia da ordem econômica globalizada, fazendo dele palco de acirradas contradições.

Palavras-chave: financiamento da educação; ensino fundamental; políticas públicas; avaliação de política educacional

ABSTRACT

With the imminence of the process of implanting the Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) in the whole country, a question remains for those who, as the author of this study, were directly involved in the development of the now extinct Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF). What, after all, did its implementation represent for the public education systems during its first five years of existence? With this question as our guide, this article analyses how FUNDEF was implemented in Brazil, and in greater detail, in the State of Rio de Janeiro, privileging a little explored focus, that of the point of view of the cities, or "outsiders", which conceded resources to the fund. To that end, the Brazilian State is conceived, in its essence, as patrimonial, committed, circumstantially, to the adoption of neoliberal precepts, through which it regulates society by means of public policies, among other mechanisms. Such combination would constitute one of the reasons for its locus on the periphery of the globalised economic order, making it a stage for deep contradictions.

Key words: financing of education; elementary education; public policies; evaluation of educational policy

RESUMEN

En el umbral del proceso de implantación del Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) en todo el territorio brasileño, una cuestión se impone para aquellos que, como el autor de este estudio, estuvieron relacionados de forma directa al desarrollo del extinto Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF): ¿al final, lo qué representó, para las redes públicas de educación, la implementación de este último en los cinco primeros años de su vigencia nacional? Teniendo esta cuestión como norte, el actual artículo analiza los trayectos de implantación e implemento del FUNDEF en el contexto brasileño y, con mayor profundidad, en el estado de Rio de Janeiro, privilegiando un recorte, hasta donde se percibió, todavía poco explorado, cual sea, la óptica de los municipios perdedores de recursos para el fundo, o outsiders. Por tanto, se parte del principio que el Estado brasileño es, en su esencia, patrimonialista, estando comprometido, circunstancialmente, con la adopción de preceptos neoliberales, a partir de los cuales viene regulando la sociedad, por medio de las políticas públicas, entre otros mecanismos. Esta combinación constituiría uno de los factores de su posicionamiento en la periferia del orden económico globalizado, haciendo de él, el palco de incitadas contradicciones.

Palabras claves: financiamiento de la educación; enseñanza fundamental; políticas públicas; evaluación de política educativa

Introdução

No limiar do processo de implantação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) em todo o território nacional, uma questão impõe-se para aqueles que, como o autor deste estudo, estiveram relacionados, de forma direta, à implementação do extinto Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF): afinal, que efeitos práticos teve essa ação, na condição de principal medida do Governo Fernando Henrique Cardoso na área da educação, no bojo da política pública educacional? Com essa pergunta como norte, o presente artigo, extraído de tese de doutoramento de mesmo nome (Esteves, 2005), tem como mote analisar alguns dos efeitos decorrentes da implantação do FUNDEF tanto no contexto brasileiro quanto, mais detidamente, no Rio de Janeiro, tomando como ponto de partida a discussão de um de seus aspectos centrais, qual seja, o seu tão proclamado "impacto equalizador".

Como estratégia para o recolhimento e exame dos dados que fundamentam a análise, privilegia-se um recorte conhecido, mas silenciado e menos presente na literatura que vem sendo produzida sobre o tema: a óptica dos municípios perdedores. Tal óptica é aqui representada pelos efeitos práticos do fundo, em termos de recursos financeiros, junto aos municípios fluminenses que, de acordo com as regras estipuladas, são considerados "contribuintes". Isto é, que por apresentarem um baixo número de alunos matriculados no ensino fundamental – baixo número aqui entendido como insuficiente para o resgate total do montante de verbas constitucionalmente destinadas ao FUNDEF –, perdem recursos para outras municipalidades em condição oposta.

A opção por essa abordagem deu-se, primeiramente, pelo fato de se haver percebido, nos documentos oficiais sobre o FUNDEF, certa marginalização dos municípios "contribuintes" classificados, nas entrelinhas, como perdulários das verbas educacionais, quando comparados àqueles que receberam aportes adicionais. Por meio da imputação – velada ou expressa – da pecha de incompetentes e/ou descompromissadas com o desenvolvimento do ensino fundamental, procurou-se justificar a retirada de recursos de determinadas redes e seu conseqüente remanejamento para outras em virtude do cumprimento da chamada vocação equalizadora do fundo, vocação esta que, na prática, na maior parte dos estados – aí incluído o estado do Rio de Janeiro – não implicou verbas extras do governo federal para a educação. Em outros termos, explicou-se a adoção de tal mecanismo em função de um suposto efeito Robin Hood, ou seja, pretensamente capaz de desviar a verba de redes mais abastadas e transferi-la para outras mais pobres, quando, na realidade, em várias situações se constatou justamente o oposto, artifício este que também concorreu para camuflar a omissão financeira do estado brasileiro para com a educação – traço, aliás, historicamente recorrente na área e acentuado no contexto político-econômico dos anos de 1990.

Um segundo e não menos importante motivo justifica a opção pelo enfoque adotado: longe de uma prática de "justiça social" entre as redes públicas fluminenses (como diversos estudos "oficiais" apontam, com base em dados das médias nacionais), o que se percebeu durante a implementação do programa foi o acirramento de uma série de contradições preexistentes. Isso porque o remanejamento de verbas promovido pelo FUNDEF penalizou, na maioria das vezes, ou as municipalidades mais pobres ou aquelas situadas nas regiões mais empobrecidas do Rio de Janeiro, cujas populações têm freqüentemente na escola pública a única forma de acesso ao saber sistematizado e/ou espaço de sociabilidade e interação (Abramovay et al., 2003; Esteves, Nunes & Farah Neto, 2005).

Por tais motivos, e com base no conceito formulado por Norbert Elias (2000), esses municípios "contribuintes" são aqui compreendidos como outsiders1 1 O conceito é utilizado na língua inglesa, pois, segundo Frederico Neiburg, em apresentação à edição brasileira da obra de Elias, tanto o termo outsiders quanto o termo establishment "são palavras rigorosamente intraduzíveis, pois descrevem uma forma 'tipicamente inglesa' de conceituar as relações de poder, de um modo abstrato ou puro, independente dos vários contextos concretos nos quais essas relações podem realizar-se" (Elias, 2000, p. 8). de um processo educacional consolidado que, se por um lado apresenta resultados expressivos em termos de quantidade – haja vista, entre outros indicadores, a cobertura praticamente universal do ensino fundamental na faixa de 7 a 14 anos –, por outro aponta resultados pífios no que tange à qualidade do ensino que vem sendo oferecido no país.

A situação das municipalidades perdedoras de recursos remeteu a uma outra importante questão: se, conforme afirmam alguns estudos, o FUNDEF, no âmbito geral, foi capaz de promover algum tipo de justiça, privilegiando municípios mais pobres por intermédio da realocação de recursos financeiros entre as redes, que fatores seriam responsáveis por seu efeito destoante no Rio de Janeiro? Na busca de uma maior compreensão das circunstâncias em que essa forma de exclusão fiscal se operou no estado, deparamo-nos com aquela modalidade que se mostrou a grande esquecida e quiçá a mais prejudicada pela política educacional, em virtude dos efeitos decorrentes da maioria dos programas implementados a partir da segunda metade da década de 1990, qual seja, a educação que se processa à margem dos grandes centros urbanos, notadamente nas chamadas escolas rurais. E tal fato ocorre justo num país como o Brasil que, como é amplamente sabido, urge por medidas voltadas para a sua interiorização, em decorrência da extensa série de transtornos provocados pela excessiva concentração populacional nas metrópoles.

Para responder aos desafios assumidos, tomou-se como referência a situação de dez municípios fluminenses escolhidos entre aqueles que mais perderam com o fundo, no período que compreende desde sua implantação automática no país, em 1º de janeiro de 1998, até o fim de seu quinto ano de implementação nacional, 31 de dezembro de 2002 (Brasil, Ministério da Fazenda, 2002), ano que também marca o término do segundo mandato do governo Cardoso.

O estudo efetivou-se, predominantemente, por meio da análise de dados secundários de diversas fontes. Assim, destaque especial foi dispensado àqueles provenientes do Departamento de Acompanhamento do FUNDEF no Ministério da Educação (DAF/MEC), da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), dos municípios-alvo da pesquisa, da extinta Delegacia do MEC no Rio de Janeiro, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre outros.

Os postulados que orientam esta abordagem demonstram que o Estado brasileiro, além de historicamente criar mecanismos que o desresponsabilizam de assegurar os recursos financeiros necessários a uma educação de qualidade (Monlevade, 1997), é, em sua essência, patrimonialista, estando hoje comprometido com a adoção de preceitos neoliberais, a partir dos quais vem regulando as diversas instâncias da vida social. Tal "vocação" patrimonialista, herdada desde o Brasil colônia, conjugada a um posicionamento periférico na chamada ordem mundial globalizada – aqui também compreendida como um dos principais mecanismos pelos quais o neoliberalismo dá concretude a seus preceitos – constituiriam os principais responsáveis pelos indicadores de desigualdade e injustiça social verificados no país, sujeitando-o à condição de palco persistente de profundas e acirradas contradições.

Políticas públicas: o cenário brasileiro dos últimos anos

Entende-se aqui que o capitalismo se orienta para a sua própria preservação e desenvolvimento, tendo o Brasil se integrado à chamada fase da globalização sobretudo na década de 1990. Entretanto, as mudanças econômicas não ocorrem no vazio social. Da mesma forma, não há como compreender políticas sociais, inclusive as educacionais, ignorando condicionantes e mediações envolvidos em sua formulação. Logo, analisar os resultados da implementação do FUNDEF em seus diversos níveis implica um aprofundamento da conjuntura mais ampla em que o fundo se insere, uma vez que, conforme bem adverte Cury (2002, p.72), qualquer que seja o exame sobre a política educacional deve-se sempre levar em conta os próprios fatores que a condicionam, entre os quais a conjuntura socioeconômica tem papel destacado.

Diante disso, em quais cenários foram e ainda são produzidas as transformações contemporâneas? Que projeto educativo poderia ser colocado a serviço desse determinado momento histórico? Que efeitos têm essas mudanças para as políticas educacionais e, particularmente, para o financiamento do ensino fundamental? É justamente sobre tais assuntos que procuramos tratar neste item.

Patrimonialismo + neoliberalismo globalizado: receita de Estado à brasileira

Uma canção bem conhecida, de autoria de Renato Russo, faz uma pergunta que se encaixa perfeitamente na preocupação que guia o início desta reflexão: que país é este? Na busca de fontes capazes de oferecer subsídios para responder a questão, encontramos obra de mesmo título, na qual, entre outros textos, Bocayuva e Veiga (1999) enumeram aquelas que se constituiriam as quatro principais características do modelo de desenvolvimento brasileiro, as quais, por seu turno, definiriam a natureza das relações estabelecidas em todas as esferas da sociedade: a apartação social, o desenvolvimento desigual e combinado, a periferia diferenciada e o Estado autoritário e patrimonial (p. 18).

Quanto ao último aspecto, não é raro encontrar na literatura centrada na análise do Estado brasileiro a afirmação de este possuir uma base predominantemente patrimonialista. Vianna (1999), em ensaio no qual analisa a contribuição do pensamento de Max Weber para a interpretação do Brasil, destaca o uso do conceito weberiano – originalmente empregado pelo autor no estudo das relações de poder e hierarquia do oriente clássico – como uma das formas mais correntes, nas ciências sociais, no sentido de dar conta do atraso brasileiro a partir de suas próprias raízes históricas. Por essa via, a situação atual do país é atribuída ao resultado tanto do tipo de colonização empregada pelos portugueses como dos efeitos decorrentes da transferência da Corte de Portugal para o solo brasileiro. Logo, um "vício de origem" (p. 35), reafirmado sucessivamente ao longo dos anos.

Assim como Bocayuva e Veiga (1999), entre as principais características do patrimonialismo atribuído ao Estado brasileiro Vianna (1999) destaca a existência de uma enorme autonomia deste em relação à sociedade civil, no qual o uso da coisa pública se dá, prioritariamente, em benefício dos interesses privados das classes dominantes, pela "afirmação da racionalidade burocrática em detrimento da racional-legal" e de um "sistema político de cooptação sobreposto ao de representação" (p. 35), entre outros mecanismos de controle social.

No entanto, conjugadas a essa forma "primitiva" de organização estatal, conviveriam outras marcas que imprimem ao capitalismo brasileiro caráter único. Entre elas, uma potente "vocação" industrial, resultante de alianças e acordos entre as oligarquias tradicionais com novas formas de acumulação do capital, que se constituiria uma de suas mais profundas contradições. Logo, uma modernização "sem prévia ruptura com o passado patrimonial, o qual, ademais, continuamente se reproduziria, na medida em que as elites identificadas com ele deteriam o controle político do processo de mudança social" (Vianna, 1999, p. 36). Exemplo de tal capacidade de adaptação a novos modelos de organização social, com vista à manutenção de condições que favoreçam a perpetuação dos interesses das classes dominantes brasileiras, constitui-se a aliança entre estas e o modelo neoliberal (Bourdieu, 1998; Chauí, 1999; Chesnais, 1999; Ianni, 2001; Leher, 1999, 2001; Oliveira, 1998, 1999; Peroni, 2000; Santos, 2001; Sella, 2002; Sousa Santos, 1995, 1997, 1999, entre outros).

Também marcante nessa fase é o "movimento transnacional promovido por forças transnacionais", em que os Estados nacionais, sobretudo os dos países localizados na periferia do sistema mundial, se apresentam como "uma caixa de ressonância de forças que o transcendem" (Sousa Santos, 1995, p. 5). Tal condição, no entanto, não implica a perda da força estatal, visto que a esse movimento interessa a manutenção de um Estado forte, capaz de promover as transformações necessárias ao desenvolvimento da lógica mercantil. Logo, não se deve pensar que o Estado se encontra hoje enfraquecido: na verdade, o que houve foi uma mudança no foco de sua força, pois "só um Estado forte pode produzir eficazmente sua fraqueza" (idem, ibidem).

Quanto à tutoria desse processo, especialmente nos países capitalistas periféricos ou semiperiféricos, esta, de acordo com Frigotto e Ciavatta (2003), fica a cargo dos organismos internacionais e regionais diretamente subordinados aos "mecanismos de mercado e representantes encarregados, em última instância, de garantir a rentabilidade do sistema capital, das grandes corporações, das empresas transnacionais e das nações poderosas onde aquelas têm suas bases e matrizes" (p.96). Entre tais agentes, papel vital é conferido pelos autores às seguintes instituições: Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial (BM), Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

Moraes (2002) destaca que o neoliberalismo econômico valoriza a preeminência do mercado como verdadeiro "mecanismo de alocação de recursos, distribuição de bens, serviços e rendas, remunerador dos empenhos e engenhos, inclusive". Nesse contexto, apresenta-se como verdadeira "matriz da riqueza, da eficiência e da justiça" (p. 4). Em decorrência da reificação e progressiva ampliação de seus domínios, a lógica mercantil vem, paulatinamente, ocupando espaços em áreas da sociedade civil até então fora de sua "incivilidade", tais como:

[...] a cultura, a educação, a religião, a administração pública, a protecção social, a produção e gestão de sentimentos, atmosferas, emoções, ambientes, gostos, atracções, repulsas, impulsos. A mercantilização do modo de estar no mundo [converteu-se, portanto], no único modo racional de estar no mundo mercantil. (Sousa Santos, 1995, p. 7)

Milton Santos (2001, p. 44) aprofunda a análise sobre a ampliação dos domínios da racionalidade mercantil na contemporaneidade, relacionando-a ao conceito marxista de "loucura especulativa":

Nas condições atuais de economia internacional, o financeiro ganha uma espécie de autonomia. Por isso, a relação entre a finança e a produção, entre o que agora se chama economia real e o mundo da finança, dá lugar àquilo que Marx chamava de loucura especulativa, fundada no papel do dinheiro em estado puro. É o dinheiro como, simplesmente, dinheiro, recriando seu fetichismo pela ideologia. [...] E a finança move a economia e a deforma, levando seus tentáculos a todos os aspectos da vida. Por isso, é lícito falar de tirania do dinheiro.

Perry Anderson (apud Maccalóz, 1997, p. 22) sintetiza alguns dos principais postulados do neoliberalismo, ressaltando a semelhança que este, em sua intolerância com as diferenças, guarda com os movimentos comunistas totalitários do passado:

Tudo o que podemos dizer é que este é um movimento ideológico, em escala mundial, como o capitalismo jamais havia produzido no passado. Trata-se de um corpo de doutrina coerente, autoconsciente, militante, lucidamente decidido a transformar todo mundo à sua imagem, em sua ambição estrutural e sua extensão internacional. Eis aí algo muito mais parecido ao movimento comunista de ontem do que ao liberalismo eclético e distendido do século passado.

Sella (2002, p. 72) aguça ainda mais a crítica ao modelo neoliberal e, em conseqüência, ao processo de globalização, ao considerar que estes, além de deixarem no abandono os mais fracos e condenarem os mais pobres à exclusão social, negando-lhes a oportunidade de mudar de situação, reafirmam a ideologia do "inexorável", cuja origem remonta ao pensamento de Francis Fukuyama, mais precisamente em sua previsão de "fim da história".

No que diz respeito ao enaltecimento do processo de globalização no país, Leher (2001, p. 156) observa sua recorrência no discurso do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso travestido de uma conotação salvacionista, isto é, como o meio possível de livrar os países considerados "atrasados" dessa condição:

Ademais, o uso da noção de globalização corrobora o revigoramento das ideologias salvídicas. Com efeito, como Fernando Henrique Cardoso vem reiterando em diversas ocasiões, existem dois grupos de nações, aquelas que estão encaminhando os ajustes necessários para fazer parte da globalização e aquelas que estão resistentes ao processo: às primeiras, associa noções como progresso, bem-estar e prosperidade, às segundas, associa pobreza, atraso e arcaísmo.

É, portanto, nessas bases que Perry Anderson (apud Frigotto & Ciavatta, 2003, p. 103) sintetiza a linha ideológica adotada pelo Governo Cardoso, ao mesmo tempo em que aponta aquelas que seriam suas principais conseqüências para a vida nacional:

A característica que define o governo FHC tem sido o neoliberalismo light do tipo que predominou nos anos 90 [...]. A dinâmica fundamental do neoliberalismo se ergue sobre dois princípios: a desregulamentação dos mercados e a privatização dos serviços. [...] Fernando Henrique Cardoso leiloou a maior parte do setor estatal e abriu a economia completamente, apostando na entrada de um fluxo maciço de capital externo para modernizar o país. Após oito anos, os resultados estão aí, evidentes: estagnação crescente, salários reais em queda, desemprego em nível nunca antes visto e uma dívida estrondosa. O regime foi condenado aos seus próprios termos.

De fato, ao serem considerados alguns dos indicadores da atual conjuntura socioeconômica brasileira – representada por altas e crescentes taxas de desemprego, privatização em larga escala de empresas públicas visando atender a interesses privados, enfraquecimento da força sindical, encolhimento e desmantelamento do Estado nacional, concentração da renda, aumento dos índices de exclusão social, incremento da participação do capital financeiro na economia nacional, entre uma infinidade de outros2 2 Conforme atentam, entre outros, os estudos: IBGE (2004, 2003a, 2003b, 2003c) e INEP (2003). – não há como negar que vivemos, hoje, notadamente a partir da gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso, sob os efeitos de uma ordem político-econômica cuja conjugação do patrimonialismo histórico do Estado brasileiro aos princípios neoliberais se apresenta como um de seus principais sustentáculos.

Pelos motivos até então apresentados é que se concebe ter sido por um prisma marcadamente neoliberal e patrimonialista – elementos que, por seu turno, vão caracterizar o Brasil como país alinhado na periferia de uma ordem mundial globalizada e excludente – que tiveram lugar algumas das mais profundas e amplas reformas já realizadas, nos últimos anos, na área da educação, cuja magnitude, segundo Camargo et al. (2002), condicionará o debate ainda por um longo período de tempo.

A política pública educacional brasileira num contexto neoliberal, patrimonialista e globalizado

Como sublinhado, a partir da segunda metade dos anos de 1990, após a eleição do até então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, para a presidência do Brasil, dá-se largada a uma série de medidas inéditas na área da educação, ao mesmo tempo em que também é colocado em marcha um processo de descentralização de políticas sociais sem precedente na história brasileira. Tal processo é creditado, de acordo com Arretche (2002), à força do governo recém-empossado, no sentido de implementar as reformas que julgava convenientes para o país, ainda que estas implicassem a adoção de novos modelos de gestão, sobretudo para a esfera municipal.

Após a curta e fracassada passagem de Collor de Mello na Presidência da República, em vista de sua incapacidade de "afirmar um projeto de ajuste da sociedade brasileira à nova (des)ordem mundial sob o signo da mundialização do capital e dos setores internos a ela associados", a eleição de Fernando Henrique passa a representar para a burguesia brasileira "a liderança capaz de construir seu projeto hegemônico de longo prazo, ao mesmo tempo associado e subordinado à nova (des)ordem da mundialização do capital", depois de uma sucessão de ditaduras e golpes institucionais (Frigotto & Ciavatta, 2003, p. 105). Quanto ao conjunto de medidas adotado por aquele governo na área da educação, este encontra uma melhor compreensão "quando articulado com o projeto de ajuste da sociedade brasileira às demandas do grande capital". Por esta via, "as demandas da sociedade organizada são substituídas por medidas produzidas por especialistas, tecnocratas e técnicos que definem as políticas de cima para baixo e de acordo com os princípios do ajuste" (idem, p. 106-107).

Antes do corpo social, os principais beneficiados pelas mudanças introduzidas no campo da educação seriam, de acordo com Frigotto e Ciavatta (2003), os grupos "articulados historicamente com o metabolismo do capital dos centros hegemônicos neste novo contexto de sua mundialização". Assim, e pela primeira vez na história republicana, aquela administração federal foi capaz de transformar "o ideário empresarial e mercantil de educação escolar em política unidimensional do Estado", cujo resultado foi, entre outros, a diluição do sentido de público, num contexto em que o Estado se investe, predominantemente, de "uma função privada". Por essa via, na área educacional brasileira passa-se "das leis do arbítrio da ditadura civil-militar para a ditadura da ideologia do mercado" (p. 107).

A prioridade absoluta largamente proclamada por aquele governo em relação ao ensino fundamental foi alvo de muitas e severas críticas. Peroni (2000) e Cury (2000, 2002) exemplificam uma parte expressiva delas quando, ao analisarem a emenda constitucional n.14/96, que propõe a criação do FUNDEF, avaliam que ela concorre para aprofundar ainda mais a cisão promovida por aquela administração nos segmentos e modalidades que, a partir das novas Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, lei n. 9.394/96), passam a compor a educação básica, tais como a educação infantil, o ensino médio e a educação de jovens e adultos, que, entre outras conseqüências, ficaram "órfãos" de uma fonte clara de financiamento.

Leher (2001) aprofunda ainda mais a crítica à focalização do Governo Fernando Henrique Cardoso naquele segmento, denunciando o seu cunho compensatório e de baixa qualidade, voltado, prioritariamente, para a garantia da governabilidade necessária à efetivação das políticas neoliberais. Acusa ainda o processo de descentralização então promovido de fomentar a desconcentração participativa, viabilizada, sobretudo, pelo envolvimento do chamado "terceiro setor" (p. 165-166).

Por seu turno, Frigotto e Ciavatta (2003) discordam da tese de que essa modalidade de ensino tenha representado, de fato, uma prioridade para aquele governo, uma vez que, embora no discurso tal priorização tenha sido amplamente alardeada, na verdade prevaleceu, antes de tudo, a opção pelo não comprometimento do ajuste fiscal, do que os baixos índices de qualidade do ensino seriam prova evidente.

Vazquez (2002) corrobora tais pressupostos quando, ao analisar a evolução do montante de recursos provenientes do governo federal "oferecido" como complementação aos estados que não conseguiram atingir os valores mínimos estabelecidos anualmente a título de gasto aluno/ano no ensino fundamental, detecta uma flagrante diminuição deles ao longo dos anos, o que, por sua vez, denunciaria a farsa do princípio equalizador atribuído ao FUNDEF. Ainda segundo o autor, a principal causa de tal restrição orçamentária, avessa às próprias regras formuladas pela União, como veremos adiante, estaria na necessidade "de se obter um superávit primário (programa de ajuste fiscal) para o pagamento dos encargos com os altos juros, não permitindo a alocação dos recursos necessários para a complementação do FUNDEF, entre outros cortes nas políticas sociais" (p. 70).

De acordo com Leher (1999), a opção intransigente do Governo Fernando Henrique Cardoso pelo ensino fundamental também estaria em consonância com o lugar e o papel a ser respectivamente ocupado e desempenhado por um país periférico como o Brasil, num contexto marcado pela globalização neoliberal. Tal situação se evidenciaria pelo oferecimento de uma formação voltada para um determinado tipo de trabalho – subalterno e barato –, cujo resultado redundaria no estabelecimento de um "verdadeiro apartheid educacional" (p. 27).

Com base na exposição e no confronto de idéias até aqui conduzidos, fica evidente que a suposta priorização do ensino fundamental por aquele grupo político teve na realidade o objetivo principal de atender à formação de uma mão-de-obra minimamente qualificada e, portanto, parcamente remunerada, porém capaz de responder – de forma preferencialmente acrítica, logo, não-cidad㠖 às demandas do capital financeiro.

Por conta disso, e tomando mais uma vez como exemplos as contribuições de Frigotto e Ciavatta (2003), Leher (1999, 2001) e Vazquez (2002), entre outros, um dos principais eixos deste estudo é o de que tais políticas não foram, simplesmente, frutos "naturais" das diversas transformações ocorridas no país durante o período em tela, quando a redefinição do papel do Estado assumiu centralidade. Na verdade, entende-se que elas são parte intrínseca – orgânica – de um conjunto coeso de mudanças impostas pelo Governo Fernando Henrique Cardoso à sociedade. Assim, condicionam e são condicionadas por circunstâncias específicas, cujo quadro geral encontra melhor sentido quando analisado à luz do projeto de globalização neoliberal formulado pelos países centrais e executado pelos organismos internacionais incumbidos da defesa intransigente de seus interesses nas nações do chamado Terceiro Mundo.

É por essa óptica, portanto, que se interpreta o papel desempenhado pelo FUNDEF na condição de principal medida educacional daquele contexto, capaz de arrebanhar um enorme contingente populacional para dentro das escolas, mas descomprometer-se com o oferecimento das condições mínimas necessárias a uma educação emancipatória e de qualidade.

Os municípios contribuintes do FUNDEF como outsiders

Conforme já assinalado, o foco de nossa atenção está voltado para as dez municipalidades do estado do Rio de Janeiro que, no período entre 1998 e 2002, mais perderam verbas educacionais para o FUNDEF, em função do critério de redistribuição de recursos por ele preconizado.

Uma análise mais detalhada de alguns dos indicadores socioeconômicos dos municípios que se enquadram nessa situação demonstra que se trata, em sua maioria, das municipalidades mais pobres do estado. Algumas delas, como as do noroeste fluminense, ainda que localizadas em uma das mais ricas do país, ostentam uma situação de penúria comparável à de alguns dos municípios mais miseráveis do Nordeste brasileiro (Otávio, 2003).

Quando se volta a atenção para as declarações de representantes do Governo Fernando Henrique Cardoso (Souza, 2000; Castro, 1999; Semeghini, 1999, 2001) a propósito das expectativas e constatações em torno da implementação do FUNDEF, observa-se que estas se calcam num suposto poder justiceiro do fundo. Desse modo, e a exemplo do personagem Robin Hood, o fundo seria capaz de retirar verbas dos municípios mais ricos, ou "descomprometidos" com a educação, e realocá-las naqueles mais pobres, promovendo automaticamente a tão esperada "eqüidade". Assim, fica clara a sugestão de que, até o implemento do FUNDEF, a verba educacional teria sido repartida de forma desigual, estando sua aplicação sujeita ao desvio ou mau uso – quando não apropriada de forma particular e desonesta – por parte dos administradores públicos das redes estaduais e municipais de educação.

Essa maneira agressiva de aquele governo federal fazer o marketing de seus programas, arranjando sempre algo ou alguém para servir de bode expiatório caso algo não funcionasse de acordo com as regras ou perspectivas estabelecidas como metas, não repercutiu apenas em relação ao FUNDEF. Para quase todas as iniciativas do MEC, durante a gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso, sempre se engendrava uma situação que, ao enaltecer as ações governamentais, estigmatizava a priori aqueles que, de algum modo, fossem afetados negativamente por elas, imputando-lhes a culpa pelos percalços a que eram submetidos.3 3 Exemplos dessa conduta são relatados no documento Do discurso à realidade: situação dos programas do MEC no Rio de Janeiro (Esteves et al., 1996), no qual é abordada especificamente a situação dos programas TV Escola, Comunidade Solidária e Dinheiro Direto na Escola, além dos Parâmetros Curriculares Nacionais.

A constatação de uma situação dicotômica no contexto de implementação do FUNDEF no Rio de Janeiro – representada, por um lado, pela marginalização contumaz a que os municípios "contribuintes" foram compulsoriamente relegados e, por outro, pela constante afirmação das "virtudes" e benefícios das municipalidades ganhadoras de receita adicional – remeteu diretamente aos conceitos de outsiders e "estabelecidos" (tradução do termo inglês established), formulados por Norbert Elias (2000).

Ainda que na obra em tela os conceitos enunciados sejam aplicados para classificar as relações instituídas entre diferentes grupos sociais de um mesmo espaço geográfico, o sentido que orientou a formulação de tais categorias por Elias aproxima-se – e muito – daquele que foi apreendido no contexto de implementação do FUNDEF no estado do Rio de Janeiro. Por essa razão, considera-se pertinente a analogia de tais conceitos com a realidade observada no estado, uma vez que eles têm sua base assentada na mesma amálgama que caracterizou as relações de poder instituídas entre os municípios do estado após o início do FUNDEF,4 4 Passa longe de nossa intenção afirmar que somente a partir da implementação do FUNDEF é que foram estabelecidas relações de poder entre as municipalidades do Rio de Janeiro. Estas, obviamente, existem muito antes desse marco temporal. Portanto, vale sempre destacar que o objeto de nosso interesse é pontual, sendo que as observações estão restritas ao tempo e à conjuntura específicos do recorte adotado. evidenciada pelo estabelecimento de dois blocos: o de "ganhadores" (estabelecidos) e o de "perdedores" (outsiders) da educação.

Além disso, ainda que a base original de tais conceitos tenha sido a compreensão das relações de poder praticadas entre diferentes grupos sociais, e não entre abstrações político-geográficas, tais como a idéia acerca de município evoca, como bem pontua Italo Calvino (1998), as cidades só adquirem sentido se em seu interior forem estabelecidas relações entre os diferentes grupos sociais que interagem em um mesmo sistema produtivo. Ou seja: só têm concretude se em seu seio também existirem seres humanos interagindo sob a égide de determinados princípios e normas, o que, por sua vez, converge para a mesma noção que guiou Norbert Elias quando da formulação de tais conceitos.

Realizadas as considerações anteriores sobre o contexto mais geral de formulação e implementação do FUNDEF, passa-se, a seguir, a uma breve descrição de algumas de suas características gerais, bem como à apresentação e análise de alguns dos impactos causados por ele nas esferas nacional e local, no período que compreende os cinco primeiros anos de sua implantação em todo o país.

O FUNDEF e seus números gerais

O FUNDEF foi implantado nacionalmente, no âmbito de cada unidade federada, em 1º de janeiro de 1998, por força da lei n. 9.424/96. De natureza con-tábil, a distribuição de seus recursos realizava-se automaticamente, com base no número de alunos matriculados da 1ª à 8ª séries regulares do ensino fundamental das redes públicas, informado pelo censo escolar do ano anterior.

Era constituído por 15% dos seguintes recursos:

a) Fundo de Participação dos estados e do Distrito Federal (FPE);

b) Fundo de Participação dos Municípios (FPM);

c) parcela do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) devida aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios (Constituição Federal de 1988), aí incluído o montante de recursos financeiros transferidos, em moeda, pela União a eles, a título de compensação financeira pela perda de receitas decorrentes da desoneração das exportações, nos termos da lei complementar n. 87, de 13 de setembro de 1996;

d) parcela do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) devida ao Distrito Federal e aos estados (Constituição Federal 1988; lei complementar n. 61, de 26 de dezembro de 1989).

As verbas do fundo deveriam ser gastas da seguinte forma: pelo menos 60% no pagamento tanto dos profissionais com atividades de docência quanto dos que ofereciam suporte pedagógico direto a elas; e, no máximo, 40% na manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental, conforme disposto no artigo 70 da lei n. 9.394/1996.5 5 Informações mais aprofundadas sobre a mecânica de funcionamento do FUNDEF podem ser obtidas no sítio www.mec.gov.br.

Com base nesses esclarecimentos preliminares, visando traçar um panorama mais abrangente da implementação do FUNDEF, serão apresentados alguns dos indicadores numéricos relacionados ao seu financiamento em nível nacional.

A Tabela 1 apresenta os totais disponibilizados pelas fontes de recursos do fundo no período de 1998 a 2002. Como pode ser visto, a soma de todas as contribuições no qüinqüênio chegou a R$89 bilhões, o que aponta um investimento médio anual de cerca de R$17,8 bilhões. Desagregados, esses números atestam um incremento médio de aproximadamente 15% ao ano. Comparando os valores disponibilizados em 1998 e 2002, observa-se um aumento de 73%, para uma inflação de 42,1%, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IPCA) do IBGE, e uma elevação do Produto Interno Bruto (PIB) em 46% no período.

Os três principais meios de aporte financeiro (ICMS, FPM e FPE) alcançam juntos o percentual de 93% de toda a verba repassada, apresentando uma evolução progressiva ano após ano, o que atesta um substancial incremento na arrecadação de impostos ocorrido nessa temporada.6 6 Em virtude do aumento progressivo da arrecadação no período, o valor do gasto médio por aluno no país também experimentou crescimento significativo: R$432,7 em 1998; R$474 em 1999; R$537,2 em 2000; R$613,7 em 2001 e R$715,1 em 2002, acumulando um incremento de 65,3% entre 1998 e 2002.

Os números disponibilizados também evidenciam a importância do ICMS para a efetivação das políticas públicas, especialmente as de cunho social. Assim, o imposto abarca, sozinho, 2/3 da soma de todas as outras contribuições do fundo, porcentagem esta que, nos estados onde sua arrecadação é alta, chega a representar cerca de 90% do geral. Os FPEs e os FPMs respondem, cada um, por 13% da verba, situando em mais de 1/4 o peso, para o FUNDEF, das transferências realizadas pela União com base na cota-parte dos estados e municípios do imposto de renda (IR) e do IPI.

Outro indicativo bastante evidente na Tabela 1 diz respeito à complementação de verbas efetuada pela União. Conforme se observa, o aporte financeiro federal, situado em torno de R$2.540 bilhões, foi a segunda menor fonte de receitas do fundo no qüinqüênio, ficando à frente apenas do montante repassado à guisa de IPI Exportação, situação que confirma as inúmeras denúncias a propósito do baixo volume de verbas federais repassadas para o ensino fundamental, num contexto em que tal segmento foi proclamado como "prioridade absoluta". Isso porque, de acordo com a regra ditada pelo próprio governo federal, o cálculo do gasto mínimo por aluno desse segmento deveria realizar-se tendo por base a projeção, para o ano seguinte, do recolhimento nacional de 15% dos impostos e transferências que compõem o FUNDEF, dividida pelo número de alunos matriculados na rede pública regular aferido no censo escolar do ano anterior, acrescido da previsão de novas matrículas.

Segundo o documento FUNDEF – Relatório sobre a fixação do valor mínimo nacional por aluno/ano – 2003 (Brasil, Ministério da Educação, 2003), caso a lei fosse observada, o valor da complementação devida pelo governo federal aos estados chegaria, no período de 1998 a 2002, a cerca de R$15,2 bilhões. Entretanto, o efetivamente investido não chegou a R$2,4 bilhões (apenas 15,6% do devido), o que faz com que a soma total dos calotes da União para com o ensino fundamental gire em torno de R$12,8 bilhões.

Para uma idéia do que esse calote representou para a educação, ele supera em mais de R$670 milhões a soma de todo o dinheiro repassado ao FUNDEF dos nove estados da Região Nordeste nos anos de 1999, 2000 e 2001, valor este já acrescido com a complementação paga pela União a sete unidades federadas daquela região (Brasil, Ministério da Fazenda, 2002). Ao confrontar o valor total do calote com a quantia efetivamente repassada ao fundo entre os anos de 1998 e 2002 (conforme ilustrado na Tabela 1), vemos que o montante que deixou de ser aplicado no ensino fundamental representou nada menos do que 14,4% do valor total de R$89 bilhões repassados no período, dados estes que confirmam a tese do descomprometimento, de fato, daquele governo para com a educação.

Os números do FUNDEF no Rio de Janeiro

A Tabela 2 mostra o total de verbas que foram direcionadas ao FUNDEF no estado do Rio de Janeiro entre 1998 e 2002. Como se vê, o montante disponibilizado foi de R$6.894 bilhões (7,7% do total do país, no período), resultado de uma trajetória de crescimento superior a 10% ao ano. Repetindo o observado no cômputo nacional, o ICMS foi a principal fonte de arrecadação no estado do Rio de Janeiro, só que, no caso, o imposto atingiu uma porcentagem bem mais expressiva: 90%. Em decorrência, o FPE e o FPM do estado do Rio de Janeiro apresentam um decréscimo em relação ao montante geral, representando, respectivamente, apenas 2% e 5% do total das verbas do estado.7 7 Embora acumulando um percentual menor de crescimento no período em relação ao nacional (39,2% contra 63,3%), o valor médio aluno/ano estado do Rio de Janeiro também aumentou: R$618,3 em 1998; R$635,5 em 1999; R$682 em 2000; R$771,7 em 2001; e R$860,5 em 2002.

FUNDEF no Rio de Janeiro: a situação dos municípios

Por não envolver o repasse de verbas adicionais da União, já que o valor disponível para o gasto aluno/ano no estado do Rio de Janeiro esteve sempre acima do mínimo fixado nacionalmente, a implementação do FUNDEF no estado efetivou-se a partir de um montante que já deveria ser obrigatoriamente destinado à educação, mas não necessariamente ao ensino fundamental, caso o fundo não existisse. A diferença é que, por conta das regras estabelecidas desde 1° de janeiro de 1998, tais verbas foram distribuídas com base na matrícula no ensino fundamental regular. Assim, apesar de a porcentagem (15%) de retenção na fonte ter sido a mesma tanto para o governo estadual quanto para os municípios, o valor "automaticamente" recebido por cada rede pôde tanto permanecer igual quanto variar para mais ou para menos, independentemente da "contribuição" inicial.

Entretanto, no Rio de Janeiro, pode-se dizer que tal matemática foi a responsável por um processo de transferência de verbas perverso, que operou sérias reviravoltas nas contas de um expressivo número de municípios. Isso porque houve situações em que alguns obtiveram quase 400% de ganho de verbas do fundo, ao passo que outros, os aqui considerados outsiders, amargaram perdas anuais de cerca de 76%.8 8 A relação a seguir, elaborada a partir de estimativas divulgadas pelo DAF/MEC para o qüinqüênio 1998-2002, foi listada, primeiramente, em porcentagens de ganho decrescente; a seguir, os 28 municípios outsiders encontram-se com as porcentagens de perda crescente assinaladas entre parênteses. Por ter sido criado posteriormente, os números do município de Mesquita correspondem aos anos de 2001 e 2002. Ganhadores: Japeri: 394,2; Araruama: 350,6; São Gonçalo: 349,9; Belford Roxo: 332,4; Itaboraí: 325,9; Nova Iguaçu: 263,8; Petrópolis: 252,5; Magé: 252,2; Teresópolis: 249,8; Seropédica: 224,9; Saquarema: 220,4; Rio de Janeiro: 216,5; São João de Meriti: 185,1; Nilópolis: 159,1; São Pedro da Aldeia: 156,8; Rio Bonito: 152,6; Queimados: 151,1; Barra Mansa: 148,2; Mangaratiba: 145,7; Maricá: 133,4; Armação de Búzios: 127,6; Cabo Frio: 116,8; Guapimirim: 115,0; Itaguaí: 103,7; Paracambi: 93,3; Três Rios: 83,2; Pinheiral: 82,8; Parati: 82,3; Duque de Caxias: 74,9; Valença: 73,0; Nova Friburgo: 71,8; Arraial do Cabo: 68,5; Rio das Ostras: 66,6; Macaé: 65,4; Tanguá: 62,7; Paraíba do Sul: 61,5; Paty do Alferes: 55,9; Itaperuna: 54,4; Itatiaia: 54,3; Volta Redonda: 53,4; São José do Vale do Rio Preto: 45,3; Silva Jardim: 43,9; Campos dos Goytacazes: 36,7; Quatis: 35,6; São Fidélis: 34,8; Resende: 34,6; Cardoso Moreira: 30,5; Cachoeiras de Macacu: 30,2; Miguel Pereira: 27,8; Angra dos Reis: 27,6; Porto Real: 26,6; Mesquita: 23,1; Areal: 18,8; Niterói: 17,8; Varre-e-Sai: 17,6; Vassouras: 15,4; Iguaba Grande: 14,7; Barra do Piraí: 13,9; Bom Jesus do Itabapoana: 11,1; Natividade: 10,6; Casimiro de Abreu: 5,3; São Francisco de Itabapoana: 3,4; Porciúncula: 1,3; Santo Antônio de Pádua: 1,3. Perdedores: Italva: 2,8; Sumidouro: 7,4; Comendador Levy Gasparian: 7,9; Engenheiro Paulo de Frontin: 10,2; Rio Claro: 11,0; Piraí: 11,7; Miracema: 11,9; Rio das Flores: 15,1; Sapucaia: 19,0; Bom Jardim: 21,5; Itaocara: 25,9; Conceição de Macabu: 27,1; Aperibé: 28,0; São João da Barra: 30,1; Quissamã: 33,3; Carapebus: 40,1; Laje do Muriaé: 42,3; Mendes: 45,6; Cordeiro: 47,1; Duas Barras: 48,1; Cantagalo: 55,1; Cambuci: 57,0; Macuco: 58,5; Carmo: 63,0; Trajano de Morais: 70,0; Santa Maria Madalena: 72,6; São José de Ubá: 75,3; São Sebastião do Alto: 75,9.

FUNDEF no Rio de Janeiro: a situação dos perdedores

De acordo com os números disponibilizados, entre 1998 e 2002, além do governo do estado do Rio de Janeiro (que perdeu vultuosos recursos financeiros por conta da implementação do fundo, com percentuais que variaram de 50,9%, em 1998, a 54,9%, em 2002, numa perda média de 52,1% no qüinqüênio), 28 municipalidades fluminenses também foram dotadas, na média, de recursos menores quando comparados à sua "contribuição" inicial ao FUNDEF. Desses 28 municípios, 24 são os aqui chamados "perdedores contumazes", por terem perdido verbas invariavelmente em todos os anos do qüinqüênio. Quanto às suas características populacionais, todos os perdedores são municípios de pequeno ou de médio portes, possuindo ou até 10 mil ou de 10 mil a 50 mil habitantes.

O mapa a seguir localiza geograficamente toda e qualquer perda de verbas para o FUNDEF no Rio de Janeiro no período. O que fica imediatamente visível é a ausência de perda de recursos por parte dos municípios localizados ou na zona metropolitana ou em suas circunvizinhanças. Não por acaso, essas são municipalidades que possuem, via de regra, uma alta concentração populacional, muitas delas também desempenhando a função de cidades-dormitório de grande parte dos trabalhadores do município do Rio de Janeiro. Também compondo o quadro representado pelo ganho de recursos educacionais, percebe-se um significativo espaço no norte e noroeste fluminenses, ocupado pelos municípios de Campos dos Goytacazes, São Fidélis e Cardoso Moreira (Figura 1).


No que diz respeito aos municípios que apresentaram perda constante ou parcial de recursos para o FUNDEF no período, estes, de modo geral, fazem parte da bacia do médio e do baixo rio Paraíba do Sul. De acordo com Farah Neto (2005), essa região caracteriza-se, na atualidade, por apresentar um quadro de acentuada decadência socioeconômica. Tal processo teve início no final do século XVII, com o término do chamado ciclo do ouro, afetando principalmente as municipalidades localizadas no lado esquerdo do mapa, as quais eram utilizadas como passagem para o escoamento do metal extraído do estado de Minas Gerais e que seguia em direção às cidades-porto do estado do Rio de Janeiro. O ouro, portando, "caminhava levantando cidades e, com sua exaustão, derrubando-as", instaurando um estado de coisas que Farah Neto (2005) classifica como a "primeira morte daquela região".

Nos passos da revolução industrial, verifica-se, no início do século XX, a introdução da cultura do café tanto em áreas ocupadas pelo ciclo do ouro quanto na região serrana do estado do Rio de Janeiro, que oferecia clima apropriado ao cultivo da planta, muito valorizada no mundo capitalista da época por incrementar a produtividade dos trabalhadores. Com a crise mundial vivida na primeira metade daquele século, e conseqüente derrocada do ciclo do café no Brasil, toda aquela região, outrora próspera, experimenta a sua "segunda morte", situação que perdura até hoje, exceto em alguns pontos isolados da parte oeste do mapa, por conta dos municípios que se industrializaram em virtude da expansão da área industrial do estado de São Paulo (Farah Neto, 2005).

A maior e mais significativa concentração de perdedores, entretanto, pode ser percebida do lado direito do mapa, justamente na área que faz limites com o sudoeste de Minas Gerais. É lá que também se encontra (mais precisamente, no coração da região serrana) a grande mancha vermelha que aglutina oito dos dez maiores perdedores de recursos para o FUNDEF no estado. Os outros dois maiores perdedores estão localizados na região noroeste, que, como já ressaltado, é a mais pobre do estado. São, portanto, esses dez municípios campeões da perda de recursos para o Fundo – ou outsiders – que serão priorizados na análise a seguir.

FUNDEF no Rio de Janeiro: retrato preliminar dos outsiders

Os dez maiores perdedores do fundo são municípios relativamente pequenos, com até 20 mil habitantes, sendo que em alguns deles houve, entre 1990 e 2000, pequena redução na população total. Entre eles, Macuco era, em 2000, segundo o IBGE, o de menor população, com 4.886 habitantes.

A Tabela 3 mostra que um dos pontos comuns entre essas municipalidades é que, com exceção de Cordeiro, que possui o índice mais elevado do grupo, todas tinham o IDH inferior aos melhores índices do estado do Rio de Janeiro. São José do Ubá e Duas Barras, entre todos, são os municípios que, em 2001, se encontravam em situação mais precária, integrando também o grupo dos dez municípios com pior IDH do estado.

Outro indicador que une os outsiders é o fato de possuírem índice de pobreza em torno de 30% da população. Nesses municípios, a renda per capita situava-se, em 2001, entre 171,4 e 275,4, bem abaixo dos melhores patamares de renda fluminense, como o de Niterói, por exemplo, equivalente a 809,2.

Excetuando-se o município de Cordeiro, onde a urbanização foi expressiva entre 1990 e 2000, todos os demais registraram baixas taxas de urbanização em relação aos demais municípios do estado. De acordo com o IBGE, em 2000, cerca de 2/3 da população de municípios como São José do Ubá e São Sebastião do Alto moravam nas áreas rurais.

Ainda que não se possa dimensionar, de forma precisa, a magnitude do impacto dessa perda, algumas indicações parecem oportunas, a fim de melhor compreender os possíveis efeitos da implementação da lógica do FUNDEF no Rio de Janeiro. Uma primeira e importante sinalização sobre a situação educacional desses municípios diz respeito à inexistência, até 2002, de matrículas na rede municipal de ensino fundamental na modalidade de educação de jovens e adultos, à exceção de Trajano de Morais, que mantinha uma modesta oferta de 39 vagas em 2002. Nos demais municípios que integram os dez maiores outsiders do FUNDEF, somente a rede estadual oferecia essa modalidade. Convém destacar que Trajano de Morais, assim como Cambuci, apresentaram, entre 1990 e 2000, uma discreta redução na população total.

Uma segunda indicação refere-se ao atendimento em educação infantil. Trajano de Morais, por exemplo, viu decrescer, entre 1999 e 2002, o seu atendimento municipal nesse segmento. Se em 1999 eram oferecidas 102 vagas, em 2002 tal oferta caiu para 95 matrículas.9 9 O mesmo processo ocorreu na rede estadual desse município, visto que em 1999 eram 300 as matrículas na educação infantil, e em 2002, apenas 192. Ainda que se considere a discreta redução populacional ocorrida nesse município, deve-se lembrar que em Trajano de Morais, em 2001, 53,7% das crianças integravam famílias com renda mensal inferior a meio salário mínimo, para quem a educação infantil pública e de qualidade seria necessidade imperiosa. Além de Trajano de Morais, Macuco teve redução progressiva na oferta de educação infantil municipal entre 1999 e 2002, conforme o censo escolar do período. Nos demais municípios perdedores, a matrícula em educação infantil no período é crescente nas redes municipais, o que significa que, mesmo perdendo expressivos recursos, essas municipalidades assumiram a sua responsabilidade legal.

Conforme indicam os dados da Tabela 4, entre 1999 e 2002 oito dos dez maiores perdedores possuíam a maior parte de suas escolas na zona rural; Cordeiro apresentava número igual entre ambas as áreas, e apenas Macuco mudou discretamente sua situação. Cantagalo, Trajano de Morais, Carmo e São José do Ubá ampliaram o número de escolas existentes na zona rural, assim como Cambuci e Santa Maria Madalena diminuíram o número de escolas da rede municipal. Duas Barras, Macuco, São Sebastião do Alto e Cordeiro, por sua vez, mantiveram o mesmo número de unidades escolares no período.

Em 2002, conforme o censo escolar, em todos esses municípios, à exceção de Cordeiro e São Sebastião do Alto, as redes municipais com freqüência valiam-se de espaços cedidos às prefeituras para o funcionamento das escolas de ensino fundamental. Em Trajano de Morais, por exemplo, o número de prédios escolares cedidos chegava a 22 naquele ano, sinalizando investimento menor na construção de suas próprias unidades. Em Santa Maria Madalena, eram 11 os prédios cedidos à rede municipal. Em Duas Barras, por sua vez, uma das escolas funcionava em galpão, e em Cambuci uma das unidades estava instalada na casa de um professor.

De forma geral, as escolas municipais dos outsiders nem sempre apresentavam condições de funcionamento adequado. Em Cordeiro, Santa Maria Madalena e Trajano de Morais várias unidades não dispunham de energia elétrica. Em Cambuci, uma das escolas não tinha sanitário, e quatro escolas de Carmo não eram servidas por esgoto. Quando se observam os equipamentos existentes nessas escolas nos anos de 1999 e de 2002, conclui-se que em alguns municípios houve acentuadas perdas para a população. Em outros, manteve-se a situação de precariedade.

Entre os vários outros indicadores da precariedade que se manteve ou se agravou ao longo do período estudado nos municípios perdedores, dois deles chamam especialmente a atenção. O primeiro é a formação inadequada dos professores que atuam nas escolas municipais de ensino fundamental, sempre aquém da formação dos docentes que atuam na rede estadual dos mesmos municípios. Conforme dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas em Educação Anísio Teixeira (INEP, 2003), a pior situação em relação à qualificação docente estava nos municípios de São Sebastião do Alto e de Trajano de Morais, nos quais nenhuma das funções docentes tinha ensino superior. A situação também era crítica em Cambuci, São José de Ubá, Duas Barras, Macuco e Santa Maria Madalena, onde o percentual de professores de escolas municipais do ensino fundamental com diploma superior não chegava a 10%.

O segundo indicador observado em vários municípios do estado, e também em diversos perdedores do FUNDEF, que contribui decisivamente para deteriorar as condições da oferta educacional de ensino fundamental, é a existência de uma maior carga horária diária na rede estadual quando comparada à das redes municipais. Entre os perdedores, as maiores diferenças foram observadas em Cambuci, onde a média diária de horas-aula era equivalente a 5,3 na rede estadual e 4,2 horas na municipal, e em Carmo, onde tais médias representam, de acordo com dados de 2002 do INEP, 5,4 e 4,1, respectivamente.

FUNDEF no Rio de Janeiro x FPM: aprofundando distorções

Entretanto, ao atentar-se para a magnitude dos efeitos decorrentes da perda de recursos educacionais sofrida pelos outsiders, a situação mostra uma de suas faces mais graves quando se foca a atenção na dimensão desse prejuízo em relação às verbas do FPM a que estes fariam jus, caso o FUNDEF não existisse. Ou seja, se não lhes houvessem "seqüestrado" os 15% do FPM subvinculados a ele.

A Tabela 5 foi elaborada com dados de oito dos dez municípios campeões de perda em 2002, agrupados do maior para o menor perdedor.10 10 Pela ausência de parte dos dados necessários à elaboração da Tabela 5, não foram incluídas informações sobre os municípios de Cambuci e Cantagalo. Nela são encontradas as seguintes informações:

a) cota total de FPM que esses municípios receberiam caso o FUNDEF não vigorasse;

b) dedução de 15 % do FPM devidos ao fundo;

c) dedução total das verbas devidas ao FUNDEF (FPM + ICMS + LC n. 87/96 + IPI Exportação);

d) valor efetivamente recebido a título do fundo;

e) montante das verbas perdidas para o fundo.

Como evidenciado, sete dos oito municípios acumulam prejuízos que ultrapassam, em números absolutos, o valor da parcela que lhes foi deduzida, na fonte, do FPM para o FUNDEF, numa variação que vai de 113,3% para Duas Barras, passando por São Sebastião do Alto, com 291,7%, até Santa Maria Madalena, que registra uma perda estupenda de 364,5%. Cordeiro escapa por muito pouco dessa situação, já que recupera uma parcela ínfima de sua dedução do FPM, isto é, de apenas 0,4%.

Ao comparar a perda de recursos ocasionada pelo FUNDEF nesses municípios com o valor total da cota do FPM que lhes seria de direito antes do fundo, a porcentagem varia desde o mínimo de 14,9%, em Cordeiro, passando por 39,4%, em São Sebastião do Alto, até alcançar o pico de 54,7%, em Santa Maria Madalena.

Em se tratando da participação da cota de FPM que foi deduzida na fonte para o FUNDEF, no ano de 2002, em relação ao valor total subtraído para o fundo em cada uma deles, obtêm-se as seguintes porcentagens: São Sebastião do Alto: 25,3%; São José de Ubá: 25,4%; Santa Maria Madalena: 20,4%; Trajano de Morais: 20,3%; Carmo: 26,2%; Macuco: 25,2%; Duas Barras: 25,6%; e Cordeiro: 39,3%. Entretanto, o município do Rio de Janeiro, detentor da maior população do estado, naquele ano comprometeu apenas 6,3% de seus recursos provenientes do FPM para o FUNDEF. A porcentagem de comprometimento do FPM dos municípios perdedores fica ainda mais expressiva quando comparada àquela relativa ao montante médio das verbas destinadas ao fundo no Rio de Janeiro entre 1998 e 2002, que, como vimos na Tabela 2, é de apenas 5%.

A lógica que fundamenta o FPM é claramente redistributiva, ou seja, tem por finalidade beneficiar, por meio da dotação de mais recursos, aquelas municipalidades com menores índices populacionais. Isso porque, em sua maioria, tais municípios apresentam uma base econômica predominantemente rural. Dessa forma, pelo FPM são repassadas cotas de impostos cuja origem é eminentemente urbana, visto ser ele composto por 22,5% dos valores arrecadados pelo IR e pelo IPI.

Dados divulgados pelo IBGE (2004) na pesquisa Perfil dos municípios brasileiros: finanças públicas, realizada a partir da análise das receitas e despesas de todos os municípios do país nos anos de 1998, 1999 e 2000, provam que, de fato, quanto menor a participação da população, maior a incidência de FPM. Outro importante achado de estudo refere-se à grande dependência que a maioria dos municípios brasileiros (59,8%) possui em relação aos recursos que lhes são repassados pela União e pelos estados, recursos estes fundamentais para a sua sobrevivência.

Quanto à situação dos municípios fluminenses, 25 dos 92 atualmente existentes no estado possuem, pelo menos, 80% de suas receitas provenientes dessas transferências (Dariano, 2004). Entre as dez municipalidades consideradas, em níveis percentuais, como mais dependentes no Rio de Janeiro, quatro delas encontram-se na situação de perdedoras contumazes para o FUNDEF: Engenheiro Paulo de Frontin (92,7%), Comendador Levy Gasparian (92,1%), Mendes (92%) e Rio Claro (87,7%).

Com base nos dados antes explanados, o que fica imediatamente patente é o flagrante despropósito da própria lei que regulamentou o FUNDEF, quando especifica as fontes das verbas que constituirão o fundo. Tal equívoco é representado pelo comprometimento ao inverso de um mecanismo de transferência de verbas, o FPM, que, pela regra do fundo, tem um expressivo percentual repassado injustamente para municipalidades mais populosas. Diante disso, não há como discordar de Bremaeker (2003), quando este acusa o mecanismo de arrecadação das receitas do FUNDEF de contrariar a lógica social, gerando mais e mais distorções nas magras finanças dos municípios de pequeno porte.

Por fim...

Não obstante se compreenda a conjuntura de criação e implemento do FUNDEF como fator condicionante e condicionado pelo movimento de satisfação das necessidades do capital financeirizado internacional (movimento este intrinsecamente relacionado ao modelo de desenvolvimento neoliberal projetado para países periféricos, como o Brasil), isto não significa que tal processo se tenha dado de forma unívoca, isenta de contradições e tensões. Assim, embora o fundo esteja, em sua origem, intimamente relacionado a tal conjuntura, sua implementação também propiciou, em seu bojo, o resgate ou a colocação em marcha de diversos aspectos considerados fundamentais para a luta em prol da educação democrática e de qualidade, mesmo a despeito de alguns deles ainda se encontrarem insuficientemente desenvolvidos ou incorporados pela sociedade. Entre tais aspectos destacam-se: a ampliação do debate a propósito do financiamento da educação, em sentido mais amplo; a importância da vinculação de recursos para os diversos segmentos e modalidades educacionais; a necessidade da participação da sociedade no controle dessas verbas, por meio, entre outros mecanismos, de conselhos de acompanhamento e fiscalização; a importância de as prestações de contas tornarem-se públicas e transparentes; a necessidade premente de valorizar condignamente os profissionais da educação, entre uma série de outros fatores.

No entanto, também não se pode esquecer que, se o extinto FUNDEF contribuiu para a viabilização de algumas mudanças positivas no contexto educacional, estas, via de regra, de caráter quantitativo, acarretaram desequilíbrios evidentes em outros segmentos e modalidades de ensino. Prova disso é, entre outros exemplos, o gargalo que se verifica hoje no ensino médio, vítima de uma gestão sem planejamento e descompromissada com a sua qualidade (Autran, 2007).

Nesse panorama, um dos fatores que certamente colaborou para a difusão da imagem ufanista criada pelo Governo Fernando Henrique Cardoso acerca do FUNDEF foi, sem dúvida, o predomínio de análises oficiais bastante parciais. Estas, ao enaltecerem os números apresentados, muitas vezes acompanhados por interpretações duvidosas ou até questionáveis, denunciam que, para aquele governo, o sentido de democratização educacional residia unicamente na colocação de "toda criança na escola". Ainda assim, mesmo o amplo acesso ao ensino fundamental verificado a partir da criação do fundo não pode ser considerado, de fato, democrático, uma vez que as condições do ensino atestam uma qualidade persistentemente precária, incompatível com os requisitos mínimos de uma educação cidadã.

No que concerne à sua tão proclamada vocação "equalizadora", com base nos dados apresentados pode-se dizer que esta, de fato, nunca ocorreu nas bases propostas. Isso porque, entre outros indicadores, os municípios com maior poder fiscal sempre tiveram mais verbas para aplicar na educação, em virtude de uma maior capacidade de arrecadação própria. Logo, constitui uma falácia afirmar que, pelo FUNDEF, se promoveu, em uma dada região, o gasto equânime por estudante, em função de o montante disponibilizado por cada aluno do ensino fundamental ter sido o mesmo, não importa onde ele estivesse...

Outro aspecto que colaborou, e muito, para o acirramento das diferenças promovidas pelo fundo entre as municipalidades (entre as quais as fluminenses são exemplo lapidar) foi o fato de ele incidir, de forma indiscriminada e linear, no FPM, transferência fundamental para a sobrevivência de inúmeros municípios de pequeno porte, e que são maioria no país. Desse modo, também aí se observa a dimensão de "rolo compressor" atribuída ao FUNDEF– e que, infelizmente, parece se repetir no atual FUNDEF – por conta do desvio indiscriminado de significativas somas de recursos, originariamente destinadas aos municípios mais pobres, para outros em melhor situação, num movimento inverso ao tão proclamado efeito Robin Hood.

A característica anterior encontra-se intimamente relacionada àquele que, no decorrer da investigação, revelou-se um dos pontos nevrálgicos do estudo, qual seja, a constatação do grande descaso a que vem sendo sistematicamente relegada, no âmbito das políticas públicas, a educação que se processa fora dos centros urbanos, no interior das chamadas escolas rurais. Logo, não será exagero afirmar que esta se constitui, de longe, a área mais prejudicada, não apenas pelo FUNDEF, mas pela grande maioria dos programas educacionais implementados na área da educação.

Dessa forma, ouso dizer que, caso a realidade do campo não se constitua, de fato e no mais breve espaço de tempo, parâmetro determinante na formulação e implemento de políticas públicas comprometidas com a reversão de um quadro marcado pelo abandono e pauperização, reforçado, ao longo dos anos, pelos efeitos de programas autoritários e inadequados como o FUNDEF, se estaria sumariamente condenando uma parte expressiva do país à paralisia, e, pior, roubando-lhe qualquer possibilidade de luta por seu próprio renascimento.

Recebido em outubro de 2006

Aprovado em fevereiro de 2007

LUIZ CARLOS GIL ESTEVES, doutor em educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é professor no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), assim como da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e da Universidade Estácio de Sá (UNESA). Durante os anos de 1990, trabalhou no Ministério da Educação (MEC), colaborando na formulação, implementação e avaliação da política pública educacional. Últimas publicações, todas em co-autoria: Fazendo a diferença: Projeto Escola Aberta para a Cidadania no Estado do Rio Grande do Sul (Brasília: UNESCO, 2006); Estar no papel: cartas dos jovens do ensino médio (Brasília: UNESCO, 2005); Escolas inovadoras: experiências bem-sucedidas em escolas públicas (Brasília: UNESCO/MEC, 2004); Schools of Peace (Brasília: UNESCO/Government of the State of Rio de Janeiro/State Secretariat of Education/University of Rio de Janeiro, 2001); Juventudes: outros olhares sobre a diversidade (Brasília: UNESCO/MEC, 2007. No prelo). Linha de pesquisa atual: "Avaliação processual do Programa Projovem". E-mail: luizesteves@yahoo.com.br

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  • 1
    O conceito é utilizado na língua inglesa, pois, segundo Frederico Neiburg, em apresentação à edição brasileira da obra de Elias, tanto o termo
    outsiders quanto o termo
    establishment "são palavras rigorosamente intraduzíveis, pois descrevem uma forma 'tipicamente inglesa' de conceituar as relações de poder, de um modo abstrato ou puro, independente dos vários contextos concretos nos quais essas relações podem realizar-se" (Elias, 2000, p. 8).
  • 2
    Conforme atentam, entre outros, os estudos: IBGE (2004, 2003a, 2003b, 2003c) e INEP (2003).
  • 3
    Exemplos dessa conduta são relatados no documento
    Do discurso à realidade: situação dos programas do MEC no Rio de Janeiro (Esteves
    et al., 1996), no qual é abordada especificamente a situação dos programas TV Escola, Comunidade Solidária e Dinheiro Direto na Escola, além dos Parâmetros Curriculares Nacionais.
  • 4
    Passa longe de nossa intenção afirmar que somente a partir da implementação do FUNDEF é que foram estabelecidas relações de poder entre as municipalidades do Rio de Janeiro. Estas, obviamente, existem muito antes desse marco temporal. Portanto, vale sempre destacar que o objeto de nosso interesse é pontual, sendo que as observações estão restritas ao tempo e à conjuntura específicos do recorte adotado.
  • 5
    Informações mais aprofundadas sobre a mecânica de funcionamento do FUNDEF podem ser obtidas no sítio
  • 6
    Em virtude do aumento progressivo da arrecadação no período, o valor do gasto médio por aluno no país também experimentou crescimento significativo: R$432,7 em 1998; R$474 em 1999; R$537,2 em 2000; R$613,7 em 2001 e R$715,1 em 2002, acumulando um incremento de 65,3% entre 1998 e 2002.
  • 7
    Embora acumulando um percentual menor de crescimento no período em relação ao nacional (39,2% contra 63,3%), o valor médio aluno/ano estado do Rio de Janeiro também aumentou: R$618,3 em 1998; R$635,5 em 1999; R$682 em 2000; R$771,7 em 2001; e R$860,5 em 2002.
  • 8
    A relação a seguir, elaborada a partir de estimativas divulgadas pelo DAF/MEC para o qüinqüênio 1998-2002, foi listada, primeiramente, em porcentagens de ganho decrescente; a seguir, os 28 municípios
    outsiders encontram-se com as porcentagens de perda crescente assinaladas entre parênteses. Por ter sido criado posteriormente, os números do município de Mesquita correspondem aos anos de 2001 e 2002. Ganhadores: Japeri: 394,2; Araruama: 350,6; São Gonçalo: 349,9; Belford Roxo: 332,4; Itaboraí: 325,9; Nova Iguaçu: 263,8; Petrópolis: 252,5; Magé: 252,2; Teresópolis: 249,8; Seropédica: 224,9; Saquarema: 220,4; Rio de Janeiro: 216,5; São João de Meriti: 185,1; Nilópolis: 159,1; São Pedro da Aldeia: 156,8; Rio Bonito: 152,6; Queimados: 151,1; Barra Mansa: 148,2; Mangaratiba: 145,7; Maricá: 133,4; Armação de Búzios: 127,6; Cabo Frio: 116,8; Guapimirim: 115,0; Itaguaí: 103,7; Paracambi: 93,3; Três Rios: 83,2; Pinheiral: 82,8; Parati: 82,3; Duque de Caxias: 74,9; Valença: 73,0; Nova Friburgo: 71,8; Arraial do Cabo: 68,5; Rio das Ostras: 66,6; Macaé: 65,4; Tanguá: 62,7; Paraíba do Sul: 61,5; Paty do Alferes: 55,9; Itaperuna: 54,4; Itatiaia: 54,3; Volta Redonda: 53,4; São José do Vale do Rio Preto: 45,3; Silva Jardim: 43,9; Campos dos Goytacazes: 36,7; Quatis: 35,6; São Fidélis: 34,8; Resende: 34,6; Cardoso Moreira: 30,5; Cachoeiras de Macacu: 30,2; Miguel Pereira: 27,8; Angra dos Reis: 27,6; Porto Real: 26,6; Mesquita: 23,1; Areal: 18,8; Niterói: 17,8; Varre-e-Sai: 17,6; Vassouras: 15,4; Iguaba Grande: 14,7; Barra do Piraí: 13,9; Bom Jesus do Itabapoana: 11,1; Natividade: 10,6; Casimiro de Abreu: 5,3; São Francisco de Itabapoana: 3,4; Porciúncula: 1,3; Santo Antônio de Pádua: 1,3. Perdedores: Italva: 2,8; Sumidouro: 7,4; Comendador Levy Gasparian: 7,9; Engenheiro Paulo de Frontin: 10,2; Rio Claro: 11,0; Piraí: 11,7; Miracema: 11,9; Rio das Flores: 15,1; Sapucaia: 19,0; Bom Jardim: 21,5; Itaocara: 25,9; Conceição de Macabu: 27,1; Aperibé: 28,0; São João da Barra: 30,1; Quissamã: 33,3; Carapebus: 40,1; Laje do Muriaé: 42,3; Mendes: 45,6; Cordeiro: 47,1; Duas Barras: 48,1; Cantagalo: 55,1; Cambuci: 57,0; Macuco: 58,5; Carmo: 63,0; Trajano de Morais: 70,0; Santa Maria Madalena: 72,6; São José de Ubá: 75,3; São Sebastião do Alto: 75,9.
  • 9
    O mesmo processo ocorreu na rede estadual desse município, visto que em 1999 eram 300 as matrículas na educação infantil, e em 2002, apenas 192.
  • 10
    Pela ausência de parte dos dados necessários à elaboração da
    Tabela 5, não foram incluídas informações sobre os municípios de Cambuci e Cantagalo.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Set 2007
    • Data do Fascículo
      Ago 2007

    Histórico

    • Recebido
      Out 2006
    • Aceito
      Fev 2007
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