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Por uma Bancada no Congresso Nacional

No Brasil das últimas décadas, a forma de governo, especialmente a relação entre os poderes executivo e legislativo, tem sido marcada por um arranjo chamado de presidencialismo de coalizão, evidenciando quão essencial é a negociação, a aliança, o pacto, para se governar e alcançar a aprovação de projetos. Geralmente, os que participam desse jogo político são eleitos defendendo o ideário republicano, a coisa pública: educação, saúde, segurança, lazer… públicos e de qualidade, enfim, o bem comum. No entanto, poucos perseguem suas promessas de campanha. Os parlamentares buscam formar grupos suprapartidários, chamados de bancada, que representam e defendem, a despeito de tal ideário e de possíveis ideologias partidárias, segmentos da sociedade que financiaram suas campanhas e manifestam interesses comuns. Assim, temos a bancada ruralista, as bancadas da bala e da bola, a bancada evangélica, entre outras, organizadas e sustentadas pelo poder econômico dos que delas participam. Em vista disso, não temos a bancada da escola pública, a bancada da ciência e a bancada dos professores do ensino superior, por exemplo. Os sembancada certamente perdem no presidencialismo de coalizão!

Outro efeito desse arranjo de governo é o sucateamento da coisa pública, de modo que os sem-bancada passaram a sonhar em conquistar a independência dos serviços públicos, tal qual os com-bancada, reforçando seu abandono e o individualismo. Buscam, com razão, mais “qualidade de vida”: transporte próprio, lazer e segurança privados, planos de saúde, previdência privada e educação básica privada para seus filhos. Entretanto, ainda não toma parte desse sonho o ensino superior privado, dada a excelência da maioria das universidades públicas brasileiras, mas a marcha para a sua deterioração ganha velocidade. Por exemplo, com a recomendação do Banco Mundial de cobrança de mensalidades e privatização das universidades públicas, em um relatório que se restringe a analisar o sistema educacional sob o viés econômico e, por isso, vê os repasses do governo para o setor educacional como gasto, não como investimento (BANCO MUNDIAL, 2017BANCO MUNDIAL. Um Ajuste Justo: Análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil. Volume 1: Síntese. 2017. Disponível em: <http://documents.worldbank.org/curated/en/884871511196609355/Volume-I-síntese>. Acesso em: 18 dez. 2017.
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). Interessados em acabar com a gratuidade no ensino superior encontram nesse relatório diversos números e gráficos que conferem a seus argumentos o status de correto e racional, pois essa visão equivocada da matemática, de imparcialidade, aprende-se desde cedo na escola, sendo usada como instrumento de manipulação e injustiça social (SKOVSMOSE, 2014SKOVSMOSE, O. Critique as uncertainty. Charlotte: Information Age Publishing, 2014.).

O argumento de que muitos alunos das universidades públicas poderiam pagar pelo ensino que recebem defende uma suposta justiça social, ainda que isso implique alterar drasticamente um sistema que vem apresentando bons resultados. Muito mais eficaz, contudo, seria alterar o regressivo sistema tributário brasileiro, que arrecada proporcionalmente mais dos pobres e beneficia os mais ricos ao isentá-los de pagar impostos sobre lucros, dividendos e propriedades. No jogo político de coalizão, mudanças como essa são rechaçadas pelos combancada, que buscam alternativas em medidas como as recomendadas pelo Banco Mundial, deixando a universidade pública vulnerável aos interesses puramente econômicos e privados. Da mesma forma, questões cruciais para a sociedade brasileira, como a BNCC (Base Nacional Comum Curricular) dos ensinos infantil e fundamental e a reforma do ensino médio, são construídas e aprovadas sem a necessária participação social, até mesmo por meio de medida provisória; formas incompatíveis de encaminhamento de temas dessa envergadura, que evidenciam a ausência de uma bancada de parlamentares preocupada com a educação pública.

Apesar da manifesta desvantagem do presidencialismo de coalizão para a maioria dos brasileiros, há poucas chances de mudanças na forma de governo nos próximos anos, pois os políticos tendem a se perpetuar no poder com seus descendentes e apadrinhados (a propósito, a bancada dos parentes é a maior da atual câmara dos deputados – https://goo.gl/e79pnX) e, portanto, os pactos de conciliação com o inconciliável objetivando a manutenção do statu quo devem continuar. Entretanto, o momento é propício a uma renovação expressiva do congresso nacional e as comunidades vinculadas ao ensino e/ou à ciência deveriam participar com a candidatura e votação em pessoas com histórico e compromisso com o ensino público, visando à formação futura de uma bancada que possa trabalhar pelo bem comum, especialmente no que tange o ensino superior público de qualidade e o desenvolvimento científico. As diversas sociedades científicas brasileiras poderiam liderar movimentos neste sentido, mobilizando candidaturas, além de outras estratégias de organização.

Referências

  • BANCO MUNDIAL. Um Ajuste Justo: Análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil. Volume 1: Síntese. 2017. Disponível em: <http://documents.worldbank.org/curated/en/884871511196609355/Volume-I-síntese>. Acesso em: 18 dez. 2017.
    » http://documents.worldbank.org/curated/en/884871511196609355/Volume-I-síntese
  • SKOVSMOSE, O. Critique as uncertainty Charlotte: Information Age Publishing, 2014.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Abr 2018
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