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Perspectivas de longo prazo da economia brasileira: uma análise exploratória* * O autor agradece os comentários e sugestões dos participantes e também os de Marcos Lisboa e Samuel Pessôa, fazendo a ressalva de que qualquer erro remanescente é de inteira responsabilidade sua. O autor agradece também o financiamento do CNPq.

Long-term perspectives of Brazilian economy: an exploratory analysis

RESUMO

Este artigo utiliza a estrutura da Teoria do Crescimento Endógeno para examinar as perspectivas de longo prazo da economia brasileira. Estudamos o comportamento dessas variáveis identificadas pela teoria como centrais para o desenvolvimento. O artigo argumenta que o desempenho do sistema educacional brasileiro é ruim, mesmo para os padrões da América Latina. Ainda existem muitas restrições de mercado e outras barreiras ao comércio e à adoção de tecnologia. Os serviços e investimentos em infraestrutura são deficientes e o sistema tributário muito concentrado e distorcido. Portanto, embora esses fatores persistam, não é provável que o país cresça a taxas sustentáveis comparáveis às experimentadas duas décadas atrás. No entanto, a privatização dos setores de infraestrutura pode estimular um boom temporário à medida que o investimento aumenta para satisfazer a demanda reprimida.

PALAVRAS-CHAVE:
Modelo de crescimento endógeno; capital humano; desenvolvimento econômico; investimento

ABSTRACT

This article uses Endogenous Growth Theory framework to examine long term prospects of Brazilian economy. We study the behavior of those variables identified by theory as central for development. The article argues that Brazil’s educational system performance is poor even by Latin America standards. There are still too many market restrictions and other barriers to trade and technology adoption. Infrastructure services and investments are deficient and the tax system too concentrated and distorcive. Hence, while these factors persist, it is not likely that the country will grow at sustainable rates comparable to those experienced two decades ago. However, privatization of infrastructure sectors may spur a temporary boom as investment increases to satisfy repressed demand.

KEYWORDS:
Endogenous growth mode; human capital; economic development; investment

1. INTRODUÇÃO

Este trabalho busca examinar as perspectivas de longo prazo da economia brasileira à luz dos ensinamentos da teoria econômica moderna tomando como referência principal, mas não única, a chamada Teoria do Crescimento Endógeno. Dessa forma, estudaremos a situação daquelas variáveis no Brasil onde já há algum consenso de sua importância para o processo de desenvolvimento. O trabalho é basicamente descritivo, com algumas pequenas incursões empíricas e teóricas. O que se propõe a fazer é, portanto, uma vez estabelecida a importância teórica de determinado fator, buscar esgotar todas as evidências sobre sua situação atual e desempenho recente que nos ajude a inferir seu impacto futuro sobre o crescimento do país. Isto é, o que pretendemos aqui é simplesmente responder às seguintes perguntas: dado que a teoria aponta a variável X como fundamental para o processo de crescimento dos países, qual sua situação no Brasil? O que isso nos diz sobre o crescimento da produtividade e produto no futuro? Da resposta a essas perguntas tentaremos tirar insights de política econômica.

Nunca é demais ressaltar a importância do tema. Quem acompanha economia pelos noticiários de jornais ou mesmo pelos debates de conjuntura que foram a tônica da academia brasileira nos últimos anos pode estar inclinado a pensar que, uma vez dominada a inflação, a grande questão que devemos nos concentrar é a das flutuações do emprego e do produto, e que o combate às recessões é a tarefa mais importante de política econômica. Essa análise é reforçada pela percepção de que com estabilidade de preços o país voltará a crescer a taxas anuais semelhantes as da década de 70.

Essas duas ideias, entretanto, estão muito distantes da verdade. Flutuações cíclicas de curto prazo têm pouca importância para o bem-estar coletivo quando comparadas à questão do crescimento. Políticas de curto prazo podem e devem ser implementadas para combater problemas localizados e aumentar o bem-estar de grupos específicos de cidadãos. Entretanto, o que determinará a capacidade de consumo - e, portanto, o bem-estar - de longo prazo de um país é o crescimento da produtividade. Entre 1950 e 1987 o produto per capita do país cresceu a uma taxa de 5% ao ano (em dólares de 1980). Isso significa que o PIB dobrou a cada quinze anos nesse período e que o brasileiro médio de 1987 consumia 3,2 vezes mais que o brasileiro médio de 1950. Não há comparação, portanto, entre políticas que permitam o país voltar a essa trajetória de crescimento e políticas anticíclicas que busquem, por exemplo, reduzir o desemprego de 7% para 5%. Principalmente se estas últimas implicarem medidas que acabem por prejudicar o potencial de crescimento do país, como por exemplo, barreiras à adoção tecnológica, reservas de mercado e aumento de tarifas de importação.

Por outro lado, estabilidade de preços está longe de garantir altas taxas de crescimento de longo prazo. Se é verdade que não existe precedente histórico de crescimento rápido com inflação anual acima de 30%, também é verdade que vários países de crescimento lento nunca enfrentaram problemas de descontrole de preços. Por exemplo, Maddison (1989MADDISON, A. (1989). “The world economy in the twentieth century: performance and policy in Asia, Latin America, URSS and OECD countries”. OECD.) calcula que entre 1900 e 1987 o PIB per capita indiano cresceu 0,6% ao ano (1,7% entre 1950 e 1987) e, entretanto, não se tem notícia de episódios inflacionários nesse país. De fato, a inflação entre 70 e 88 foi inferior a 9% ao ano.

Se estabilidade por si só não garante crescimento, reforça-se o ponto de vista de que o debate no país deveria estar voltado, portanto, mais para políticas de crescimento e menos para políticas de curto prazo. Deveríamos estar discutindo e estudando primordialmente questões ligadas a educação, inovação ou adoção de tecnologias, infraestrutura e instituições públicas etc.

A discussão de política econômica ganha grande importância na nova teoria do crescimento econômico que se desenvolve a partir dos artigos de Romer (1986ROMER, P. (1986). “Increasing returns and long run growth”. Journal of Political Economy, 94, pp. 1002-37.) e Lucas (1988LUCAS, R. (1988). “On the mechanics of economic development”. Journal of Monetary Economics, 22, pp. 3-42.). As teorias tradicionais tratavam como exógenos fatores responsáveis pelo crescimento de longo prazo - progresso tecnológico, acumulação de capital humano e crescimento populacional. Dessa forma, políticas distorcivas não possuíam impacto de longo prazo sobre a taxa de crescimento, apenas efeitos transitórios. Os novos modelos, ao contrário, enfatizam a ideia de que fatores que afetem os incentivos dos agentes a investir e reduzir seu retorno podem ter efeitos permanentes sobre a taxa de crescimento. Entre esses fatores destacam-se barreiras ao comércio internacional, políticas tributárias excessivamente distorcivas, reservas de mercado, sistema educacional ineficiente, insuficiente proteção intelectual e de patentes, investimentos escassos em infraestrutura etc.

Várias das políticas citadas acima ou estiveram em vigor até muito recentemente ou ainda são adotadas no Brasil, comprometendo em parte nossas perspectivas de crescimento de longo prazo. Uma das mensagens deste artigo é, portanto, que é pouco provável que o país volte a crescer - ao menos de forma sustentável e duradoura - a taxas próximas daquelas dos anos 50 a meados de 80. Isso enquanto possuirmos um dos piores sistemas educacionais da América Latina, reserva de informática (de fato ou tarifária) e outras barreiras ao comércio internacional, infraestrutura insuficiente e cara, sistema tributário distorcivo e concentrado, e isso tudo, ainda mais, associado a um programa de estabilização que parece não conseguir resolver o grave problema fiscal do governo. Crescimento requer, portanto, além de estabilização correção destas distorções.

Note, entretanto, que, dada a enorme demanda reprimida por infraestrutura, a extensão do programa de desestatização a esses setores pode significar enorme aporte de investimentos no curto e médio prazo em telecomunicações, ferrovias, portos, estradas e energia. Dessa forma, não seria inteiramente inesperado um surto temporário de crescimento provocado pelo aumento dos investimentos em capital físico, semelhante em espírito a nossa experiência dos anos 50 a 80, mas agora sem uma participação marcante do Estado. Este seria, entretanto, um movimento temporário, de transição, que diminuiria de ritmo uma vez satisfeita a demanda reprimida.

Um ponto positivo é que parte das políticas necessárias para o crescimento sustentável ajudarão a corrigir outros problemas econômicos e sociais graves, como por exemplo o perfil de concentração de renda do país. Esse seria o caso de uma política educacional que efetivamente consiga aumentar a escolaridade média no país - das mais baixas da América Latina - e reduzir a desigualdade educacional, que é a mais alta do mundo segundo Barros e Mendonça (1995BARROS, R.P. & MENDONÇA, R. (1995). “Os determinantes da desigualdade no Brasil”. IPEA: Texto para Discussão nº 337.). Tal política, se bem-sucedida, terá não só impacto sobre crescimento econômico via aumento do capital humano e capacidade alocativa da mão-de-obra, mas ajudará a reduzir a desigualdade de renda do país, hoje a mais elevada do mundo. A desigualdade cairia, uma vez que a educação é o principal determinante da renda dos indivíduos. Isso, por sua vez, terá também impacto sobre crescimento já que a evidência internacional (e.g., Alessina e Rodrik, 1992ALESINA, A. & RODICK, D. (1992). “Distribution, political conflict and economic growth: a simple theory and some empirical evidence”, In CUKIERMAN, A., HERCOWITZ, Z. & LEIDERMAN, L. (orgs.). Political economy, growth and business cycle. Cambridge, MA: MIT Press.) mostra que países com renda mais bem distribuída crescem a taxas mais elevadas.

Além desta introdução, este artigo está organizado da seguinte forma. Na próxima seção tentamos identificar aquelas variáveis apontadas pela teoria como responsáveis pelo crescimento das nações. Estas serão agrupadas em quatro blocos que serão organizados assim: na seção 3 a questão da educação é examinada, na 4 discutem-se variáveis macroeconômicas - com ênfase na acumulação de capital físico e abertura comercial - e inovação tecnológica; enquanto na seção 5 o papel do governo, com ênfase sendo dada à infraestrutura, é discutido. Na seção 6 as conclusões do trabalho são apresentadas.

2. OS DETERMINANTES DO CRESCIMENTO

Em seu artigo clássicoSOLOW, R.M. (1957). “Technical change and the aggregate production function”. Review of Economics and Statistics, v. 39, pp. 312-20. de 1957, Robert Solow propõe medir a contribuição de capital e trabalho para o crescimento do produto dos Estados Unidos. Seu exercício começa com uma função de produção com retornos constantes a estes insumos

Y t = e x p ( A t ) K t α L t 1 - α

onde Yt é produto, Kt estoque de capital, Lt é o número de horas trabalhadas e At o nível tecnológico. Após a aplicação de logaritmos e primeiras diferenças essa expressão se transforma em:

Δ Y t = Δ A t + α Δ L n K t + ( l - α ) L n L t

Essa equação foi então estimada por métodos econométricos simples. O fato surpreendente desse exercício de contabilidade de crescimento foi que todos os insumos combinados explicavam muito pouco o crescimento econômico, cerca de 20% somente. Os restantes 80% são explicados por At, o resíduo. Solow associa essa variável à inovação tecnológica, mas como o modelo não explica seu comportamento, isso nada mais é do que um rótulo, usando uma expressão popular, para a medida da nossa ignorância dos determinantes do crescimento.

O artigo de Solow gerou uma enorme literatura onde se buscava explicar o comportamento do resíduo e/ou refinar as técnicas econométricas. Neste sentido, uma linha de pesquisa privilegiada foi adicionar novos insumos a função de produção. A história da teoria do crescimento em seus primeiros momentos é, portanto, a história do resíduo. Enquanto o próprio Solow propõe uma equação do tipo At=(1+g)At-1 para explicar o resíduo, onde g é a taxa de crescimento (exógena), outros economistas propõem hipóteses alternativas para descrever o comportamento do resíduo. O candidato mais óbvio é o capital humano, a quantidade de investimento em educação - formal ou informal - incorporado aos agentes. Assim, a função de produção se transforma em expAtKta1Hta2Lta1a2, onde H é o estoque de capital humano, e a equação correspondente de contabilidade de crescimento passa a ser

Δ L n Y t = Δ A t + α Δ L n K t 1 + α 2 Δ L n H t 1 + ( l α 1 α 2 ) Δ L n L t

Outra explicação alternativa busca, a partir de investimentos em pesquisa, construir uma variável de estoque de P&D e incluí-lo como fator de produção. Essa é uma linha perseguida por Griliches (1986GRILICHES, Z. (1986) “Productivity, R&D, and basic research at the firm level in the 1970s”. American Economic Review, 76 (1), pp. 141-54.), entre outros. Uma terceira alternativa (Denison, 1967DENISON, E.F. (1967). “Sources of post-war growth in nine western countries”. American Economic Review, v. 54(2), pp. 325-32.) buscou refinar as medidas de capital físico e incluir também medidas do grau de utilização desse estoque.

No front teórico o modelo de crescimento de Solow (1956SOLOW, R.M. (1956). “A contribution to the theory of economic growth”. Quarterly Journal of Economics, fev., pp. 65-94.) será enriquecido por Cass (1965CASS, D. (1965). “Optimum growth in an aggregative model of capital accumulation”. Review of Economic Studies, 32, pp. 233-40.) e Koopmans (1965KOOPMANS, T. C. (1965). “On the concept of optimal economic growth”. In The econometric approach to development planning. Amsterdã: North Holland.) que endogenizam a decisão de poupança dos agentes. Nestes modelos a taxa de crescimento1 1 Veja Ferreira e Ellery (1996) para uma explicação mais detalhada dos modelos de Solow (1956), Cass (1965) e Koopmans (1965). é dada por

Δ K t = β [ A r t + ( l - δ ) ] 1 l / σ

onde β é a taxa de desconto intertemporal, (β está entre zero e um), δ é a taxa de depreciação do capital físico, l/σ a elasticidade de substituição intertemporal e r, é a taxa de retorno do capital, que em equilíbrio é idêntica à produtividade marginal desse insumo. Como a produtividade marginal do capital cai quando o estoque de capital aumenta devido à hipótese de rendimentos marginais decrescentes, esta taxa de crescimento tenderá a cair ao longo do tempo. Da mesma forma que no modelo de Solow (a menos que se suponha crescimento exógeno em “A”) o modelo só apresenta crescimento positivo na trajetória de transição, isto é, para estoques de capital menores que k* tal que β[Af(k*)+(1-δ)]=1. Portanto, para haver crescimento sustentável retornamos às hipóteses utilizadas para o modelo de Solow: A cresce a uma taxa exógena gt, A cresce com o acúmulo de capital humano ou com o acúmulo de capital de pesquisa. Note também que, como essas variáveis não são explicadas pelo modelo, temos um resultado extremamente negativo: as taxas de crescimento das economias são independentes da ação de seus governos, já que g, capital humano e P&D são dados ou seguem trajetórias dadas.

A chamada Teoria do Crescimento Endógeno, que surge a partir dos artigos seminais de Romer (1986ROMER, P. (1986). “Increasing returns and long run growth”. Journal of Political Economy, 94, pp. 1002-37.) e Lucas (1988LUCAS, R. (1988). “On the mechanics of economic development”. Journal of Monetary Economics, 22, pp. 3-42.), introduz incentivos para agentes e/ou firmas não só desenvolverem negócios e investirem em capital físico, como já ocorria nos modelos tradicionais, mas também investirem em capital humano e criar, investir ou adotar novas tecnologias. (Além é claro de darem soluções teóricas para problemas que por décadas impediram a evolução desse campo de pesquisa.) No primeiro caso, referências fundamentais seriam Lucas (1988LUCAS, R. (1988). “On the mechanics of economic development”. Journal of Monetary Economics, 22, pp. 3-42.) e Benhabid e Spiegel (1993BENHABIB, J & SPIEGEL, M. (1994). “The role of human capital in economic development: evidence from aggregate cross-country data”. Journal of Monetary Economics, nº 34, pp. 143-73.). No segundo caso, Romer (1990ROMER, P. (1990). “Endogenous technological change”, Journal of Political Economy, 98, pp. S71-Sl02.), Grossman e Helpman (1989), e Aghion e Howitt (1992AGHION, P & HOWITT, P. (1990). “A model of growth through creative destruction”. Econometrica, 60, pp. 323-52.) estudam em modelos de concorrência monopolista o processo de inovação e adoção tecnológica. Ao mesmo tempo, modelos “híbridos” com forte inspiração em Solow-Cass-Koopmans, como por exemplo Barro, Mankin e Sala-i-Martin (1995BARRO, R. MANKIN, G. & SALA-I-MARTIN, X. (1995). “Capital mobility in neoclassical models of growth”. American Economic Review, v. 85 (1), pp. 103-15.), e Jones (1995JONES, C. (1995). “R&D-based models of economic growth”. Journal of Political Economy, v. 103(4), pp. 759-84.), preservaram a importância do processo de acumulação de capital (capital deeping) para o crescimento, junto com os novos fatores endógenos.

Com a endogenização das decisões que geram crescimento, passa a ter importância nesses modelos a ação do governo, que pode agora afetar os incentivos a investir dos agentes. O governo pode ter uma ação negativa sobre crescimento ao afetar o retorno, através de taxação, dos investimentos, como em Rebelo (1991REBELO, S. (1991). “Long run policy analysis and long run growth”. Journal of Political Economy, 99, pp. 500-21.). Por outro lado, podem existir instâncias onde a ação pública aumenta a taxa de crescimento, como em Barro (1990BARRO, R. (1990). “Government spending in a simple model of endogenous growth”. Journal of Political Economy.), quando as receitas tributárias distorcivas financiam infraestrutura. Neste modelo, infraestrutura pública é mais um fator de produção, de forma que seu efeito positivo sobre produtividade contrabalança para algum intervalo de alíquotas o efeito negativo sobre os retornos causados pela tributação. Outras políticas distorcivas com impacto negativo de longo prazo seriam barreiras comerciais, falta ou ineficiente proteção intelectual, obstáculos à intermediação financeira etc.

Em suma: as diferenças nas taxas de crescimento dos países passam a ser explicadas não só pela acumulação de insumos relevantes como capital físico, capital humano, infraestrutura, pelo grau de inovação e adoção tecnológica e pela ação do governo, mas também pelos incentivos dados a agentes e firmas para investirem nestes fatores. Assim, qualquer ação pública que afete esses incentivos ou os retornos dos investimentos, afeta a taxa de crescimento dos países.

Ganha enorme importância também o fluxo internacional de ideias e de técnicas de organização da produção (Romer, 1993ROMER, P. (1993). “Idea gaps and object gaps in economic development”. Journal of Monetary Economics, 1993, v. 32 (3), pp. 543-73.). Assim, por exemplo, economias fechadas e reservas de mercado que dificultem a adoção tecnológica podem encarecer bens de capital e interromper o fluxo de importação de tecnologias. De maneira oposta, investimentos diretos do exterior no país significam não só entrada de dólares ou máquinas, mas de tecnologia e ideias.

Nas próximas seções analisaremos o desempenho passado do Brasil e principalmente suas perspectivas de crescimento à luz do que acabamos de discutir. Isto é, dada as variáveis que a teoria aponta como fundamentais para o crescimento, veremos qual é a situação dessas séries em nosso país. Para isso, privilegiaremos comparações internacionais com o grupo dos vinte países de crescimento mais rápido, os vinte mais lentos e cinco países asiáticos de crescimento rápido (Japão, Coréia do Sul, Cingapura, Hong-Kong e Taiwan. PACR de agora em diante). Na seção 3, discute-se capital humano, principalmente educação. Na seção 4 discute-se o desempenho de variáveis macroeconômicas como investimento em capital físico e também inovação tecnológica. Na seção 5 discute-se a ação do governo concentrando-se principalmente em infraestrutura. Na seção 6 apresentamos as conclusões finais do trabalho.

3. EDUCAÇÃO

A tabela 1 abaixo apresenta uma comparação de estatísticas educacionais no período 1960-90 entre os países de crescimento rápido e lento, e os PACR.

Tabela 1
Dados de Educação

Como se poderia esperar, essas estatísticas são significativamente superiores nos países de crescimento rápido. O número de anos médios de escolaridade completos é mais que o dobro nesses do que nos países de crescimento lento, onde em média os indivíduos acima de dezoito anos de idade não chegam a completar dois anos e meio de estudo. A taxa de alfabetização já era, em 1960, três vezes superior nos países que posteriormente cresceram mais rápido que naqueles que tiveram a pior performance. Da mesma forma, em 1960 o ensino primário já estava universalizado nos PACR, praticamente universalizado no primeiro grupo e, no entanto, só atingia 38% dos alunos em idade correspondente nos países que cresceram mais lentamente. Finalmente, a taxa de matrícula no ensino secundário nos países de crescimento rápido era ainda baixa em 1960 - somente um terço dos alunos entre doze e dezessete anos estava na escola - mas nos países de crescimento lento a taxa média é muito inferior ainda, 5,5%. Note-se que em 1985 os países de crescimento lento ainda não haviam alcançado as taxas de matrícula que os países avançados possuíam em 1960, tanto no primário como no secundário, o que demonstra a enorme desigualdade educacional entre os países e o grande atraso relativo desse grupo.

As estatísticas correspondentes para o Brasil se encontram na tabela 2 abaixo.

Tabela 2
Dados de Educação para o Brasil (1950-90)

Enquanto a taxa de alfabetização e de matrícula no primário em 1960 estavam nos níveis dos vinte que mais cresceram, outras estatísticas apontam para um enorme atraso do país na área educacional. Notadamente, o número de anos de escolaridade completos no país é apenas 3,9 anos enquanto os PACR, por exemplos, essa média era 7,07 em 1985. O outro indicador de atraso é a matrícula no secundário. Em 1960, essa era de somente 11 % no Brasil contra 31 % dos vinte países que cresceram mais rápido e 36,4 dos PACR (28% sem o Japão). Este atraso não foi recuperado: a média dos países de crescimento rápido passou para 65% em 1985 e o Brasil passou para 35%.

De fato, Behrman (1995BEHRMAN, J. (1995). “Investing in human resources”. In The impact of human resources investment, pp. 187-255.) mostra que em termos de frequência o Brasil está muito próximo da norma internacional tanto no ensino primário como terciário (basicamente universitário), mas cerca de 15% abaixo da norma internacional no ensino secundário o que é, para os vinte países da América Latina que examina, a pior performance. De fato, em 1960 tanto os PACR como o Brasil já tinham praticamente universalizado a educação primária. Em 1985 todos tinham cerca de 100% da taxa de matrícula no primário. Já o ensino secundário, com exceção do Japão, estava muito atrasado em 1960 para todos esses países. É verdade que a situação brasileira era a pior de todas: 11% contra 24% da Coréia, por exemplo, mas 24% de taxa de matrícula não é muito melhor quando comparada com as da Finlândia ou Alemanha - dois países europeus entre os vinte que mais cresceram -, que já em 1960 tinham taxas de matrícula de 74% e 53%, respectivamente. Entretanto, enquanto nesses 25 anos a Coréia do Sul e Japão lograram universalizar o ensino secundário, o Brasil passou para uma taxa de matrícula de somente 35%, metade do mais baixo dos PACR. Isto é, enquanto esses países centraram no ensino secundário, este foi claramente negligenciado no Brasil, entre 60 e 853 3 Os números para 1992 não são muito melhores, como se poderia esperar: a taxa de matrícula no secundário alcança 39% para o Brasil, mas 45%, em média, para América Latina e Caribe. .

As causas do mau desempenho do sistema educacional brasileiro devem ser buscadas em outra dimensão que a falta de recursos. O problema é, primordialmente, de eficiência dos gastos. A tabela 3 abaixo mostra que os gastos públicos com educação como proporção do PIB no Brasil estão na mesma ordem de grandeza que Chile, Argentina e México, países onde o desempenho do sistema educacional é marcantemente superior. Também nessa ordem de grandeza estão os gastos em educação da Coréia, onde educação foi um dos pilares do “milagre” econômico do país.

Tabela 3
Gastos Públicos em Educação

O problema no Brasil é de qualidade do sistema educacional, e não de quantidade, bem como de distribuição de recursos. Por anos privilegiou-se o investimento em estruturas, quando é duvidoso que haja falta de vagas nas escolas dada a redução da taxa de natalidade no país. Adicionalmente, a divisão de recursos entre primário, secundário e terciário não segue a proporção dos alunos com uma forte assimetria que favorece o terciário e penaliza o secundário. De fato, dados do IBGE mostram que o ensino terciário com apenas 3% dos alunos recebe 39% dos recursos, enquanto o primário com 88% dos alunos recebe 52%, somente. Gasta-se, portanto, 22 vezes mais em um aluno universitário que em um aluno no primário e 11,5 mais que em um aluno do secundário. Embora aquele seja um ensino mais caro devido aos gastos em pesquisa e a maior qualificação dos professores, isso obviamente não justifica uma assimetria dessa ordem de grandeza.

A essa assimetria de recursos some-se o problema, mais grave, de qualidade do ensino. Em uma série de artigos, Costa Ribeiro (por exemplo, 1993COSTA RIBEIRO, S. (1993). “Educação e a crise moderna”. Conjuntura Econômica, mai., pp. 41-3.) demostra que não há essencialmente um problema de evasão ou, em suas próprias palavras, que “[...] as taxas reais de evasão são bem menores do que se supunha e mostram que, ao contrário dos mitos, o brasileiro faz um esforço sobre-humano para permanecer na escola”. O problema é qualidade, que se concretiza de forma mais gritante nas enormes taxas de repetência dos alunos brasileiros. Seus cálculos mostram que a taxa de repetência na primeira série do primeiro grau é superior a 50%, uniformemente distribuídos entre as faixas de renda, mas com uma pequena concentração entre os mais pobres, que chegam a taxas de 70% no caso do decil mais pobre. A evasão aqui é de apenas 2% e é consequência de sucessivas repetências. Apenas 3% dos alunos conseguem terminar a primeira série (antigo primário) sem qualquer repetência e somente 34% dos que entram conseguem terminá-la (repetindo em média quatro vezes). Os alunos permanecem em média oito anos na escola para completarem, como vimos, somente 3,9 anos. Por trás desse triste quadro está o descaso oficial, que nunca encarou educação competente como relevante, o centralismo e uso político do sistema educacional - que nunca deu poder de decisão para a escola e o professor -, a baixa remuneração dos docentes e sua formação deficiente, a total ausência de avaliação das escolas, professores e alunos, bem como de discussão curricular e pedagógica. Neste quadro, nossos alunos disputam com Moçambique, entre vinte países, o pior desempenho em matemática e ciência em recente pesquisa internacional (Costa Ribeiro, 1993COSTA RIBEIRO, S. (1993). “Educação e a crise moderna”. Conjuntura Econômica, mai., pp. 41-3.) e nossos indicadores de desempenho estão bem abaixo da média dos países latino americanos, como revela a tabela abaixo:

Tabela 4
Indicadores de Desempenho do Sistema Educacional

Além das questões de cidadania e outros aspectos políticos que fogem do objetivo deste artigo, a situação atual da educação no Brasil tem implicações graves para as perspectivas de crescimento da economia. Educação é fundamental não só porque capital humano é um insumo do processo produtivo que aumentaria a produtividade dos demais fatores, mas por vários outras razões: 1) uma mão-de-obra mais educada tem condições de se adaptar mais rapidamente a mudanças tecnológicas; 2) com a sofisticação crescente dos processos de produção há a necessidade de que também a mão-de-obra se sofistique; 3) capital humano é sem dúvida o insumo que mais gera externalidades, isto é, a produtividade de um dado trabalhador depende não só de seu nível de educação e treinamento mas também do nível dos trabalhadores que o cercam. O Brasil pode estar caminhando - ou mesmo já ter alcançado - um equilíbrio ruim, dado que a média de escolaridade é baixa e o retorno social da educação também, o que reduz o retorno individual e consequentemente o investimento em capital humano de cada pessoa, fechando um ciclo vicioso cujo resultado é o baixo estoque de capital humano do país. Dessa forma, além de afetar o crescimento através do efeito direto de suas baixas taxas de crescimento, deficiências na acumulação de capital humano podem impor limites ao ritmo de acumulação de capital físico e principalmente de inovação e adoção tecnológicas dada a baixa capacidade alocativa e de aprendizagem da mão-de-obra do país.

A relação de longo prazo entre educação e produto de longo prazo no Brasil foi estudada por Gonzaga, Issler e Marone (1995GONZAGA, G., ISSLER, J.V & MARONE, G. (1995). “Educação e investimentos externos como determinantes do crescimento a longo prazo”. Ensaios Econômicos, n. 274, EPGE/FGV). Nesse estudo usam-se técnicas de séries temporais para se construir uma série para tendência do PIB e posteriormente estimar sua elasticidade em relação a escolaridade e taxa de analfabetismo. A figura abaixo, retirada deste estudo, ilustra a relação entre a tendência do PIB e escolaridade:

Figura 1
Escolaridade e Tendência do Produto

Fica clara a existência de uma relação de longo prazo entre as duas séries. A elasticidade estimada é de 0,5 para escolaridade média e -0,25 para taxa de analfabetismo. Para se ter uma ideia da magnitude desses números, se o Brasil atingisse a média de escolaridade da América Latina a estimativa da elasticidade neste caso nos diz que o produto privado (produto total menos gastos públicos) de longo prazo do país se elevaria em 40%, conforme calculam os autores.

O impacto sobre a taxa de crescimento não é o único problema causado pelas deficiências do sistema educacional. O Brasil possui a pior distribuição de renda do mundo (Barros e Mendonça, 1995BARROS, R.P. & MENDONÇA, R. (1995). “Os determinantes da desigualdade no Brasil”. IPEA: Texto para Discussão nº 337.) e hoje é incontroverso que sua causa principal é o fato de o país apresentar a maior desigualdade educacional entre todos os países e que o principal fator determinante da renda de um indivíduo é sua educação. Em outras palavras, o mercado de trabalho não cria desigualdades - embora exista certo grau de discriminação entre sexos e raça -, mas somente revela desigualdades criadas anteriormente no sistema educacional. De fato, Ramos (1991RAMOS, Lauro (1991). “Educação, desigualdade de renda e ciclo econômico no Brasil”. Pesquisa e Planejamento Econômico, v. 21 (3), 423-48.) mostra que em 1985 um trabalhador com primário completo ganhava 70% a mais que um trabalhador sem instrução e um trabalhador com diploma universitário ganhava 2,42 vezes mais que um que possuía somente o diploma de segundo grau.

Tomando como medida de desigualdade a razão entre a parcela da renda apropriada pelos 10% mais ricos e a parcela apropriada pelos 40% mais pobres, a média para os países de crescimento rápido é 2,06 e para os PACR 1,53. Neste último caso, portanto, um indivíduo entre os 10% mais ricos ganha em média seis vezes mais que um entre os 40% mais pobres. A média para todos os países que dispomos de dados é de 2,52. Já para o Brasil este número é 7,23 o que significa que a diferença de renda entre os 10% mais ricos e os 40% mais pobres é de 29 vezes. Além, é claro, da grave questão social que esse perfil de distribuição implica também existem consequências para o crescimento econômico. Tanto os países de crescimento rápido como os PACR possuem e possuíam em 1960 renda relativamente bem distribuída. Existe hoje forte evidência empírica (Alessina e Rodrick, 1994, Birdsall, 1995BIRDSALL, N. (1995). “A desigualdade como limitação ao crescimento na América Latina”. Revista de Administração Pública, v. 29 (4), pp. 260-95.) de uma relação inversa entre distribuição de renda e crescimento, isto é, quanto pior a distribuição de renda em uma data qualquer menor a taxa de crescimento do PIB posterior. De fato, Rodrick (1994) afirma que o único fator que os PACR tinham em comum em 1960 e que os diferenciava de países com níveis semelhantes de renda, era um excelente perfil de distribuição de renda e de riqueza e altos níveis de capital humano. A tabela abaixo retirada desse artigo deixa esse fato bem claro:

Tabela 5
Indicadores de Distribuição de Renda e Riqueza: Países Asiáticos e Países Comparáveis (1960)

Em 1960 tanto a distribuição de renda como de riqueza (medida pela concentração de terras) era melhor nesses países. Enquanto a média do coeficiente de Gini para renda era 0,39 nos PACR, ela era 0,50 para o outro grupo de países comparáveis, e a diferença entre o Gini de concentração de riqueza é ainda maior. O Gini da renda de Taiwan era 0,31 contra 0,53 do Brasil.

Com esse perfil de distribuição os PACR puderam e podem concentrar esforços políticos no crescimento. Já no outro grupo de países o conflito distributivo é muito mais agudo. Nesse caso existe sempre a possibilidade de políticas predatórias sobre o capital ou renda que ao reduzirem o retorno do investimento provocam uma queda na poupança e investimento, e consequentemente na renda de longo prazo. Isto é, tentativas de expropriação ou taxação excessivamente distorcivas - sobre a poupança, sobre o capital etc. - acabam por prejudicar exatamente àqueles que buscavam beneficiar, uma vez que o produto crescerá a taxas mais baixas. A mensagem pessimista aqui é que no curto prazo não há solução, somente medidas paliativas e de emergência, como por exemplo um programa de renda mínima que garanta a sobrevivência dos mais miseráveis. Nesse caso a situação é tão dramática que é preciso primeiro garantir a sobrevivência dos indivíduos. Entretanto a solução para o problema de distribuição de renda é de longo prazo.

A mensagem otimista é que a solução para desigualdade de renda envolve fatores que influenciarão o crescimento de longo prazo, o mais importante deles sendo educação. Isto é, uma política de distribuição de renda é também uma política de crescimento. Tanto num caso como no outro busca-se a redução das desigualdades educacionais do país, investimento em qualidade, descentralização e constante avaliação do sistema educacional, busca-se também mais investimentos - em termos relativos e absolutos - no primário e universalização do ensino secundário.

4. DESEMPENHO MACROECONÔMICO E ADOÇÃO TECNOLÓGICA

A tabela abaixo apresenta o desempenho de três grupos de países em relação a seis estatísticas macroeconômicas relevantes para o crescimento.

Tabela 6
Dados Econômicos

Embora a taxa média de inflação entre 1970-90 dos países asiáticos de crescimento rápido seja quase a metade da taxa dos países de crescimento lento, esta última, embora ainda superior, está muito próxima da média inflacionária dos países de crescimento rápido. Isso ilustra o fato de que baixa inflação e estabilidade de preços é condição necessária, mas não suficiente para o crescimento. A média inflacionária da Índia para esse período foi de 8% e o crescimento do produto per capita somente 1,73%.

Onde existe marcante diferença entre os grupos é na taxa de investimento em capital físico. Esta é mais que duas vezes superior ao grupo de crescimento rápido do que no grupo de crescimento lento e confirma um dos resultados dos modelos teóricos: países podem acelerar seu crescimento, mesmo que temporariamente, intensificando a acumulação de capital físico -estruturas, máquinas, equipamentos etc. - per capita. Urna grande parcela do crescimento recente dos PACR pode ser explicada por investimento em capital físico, como demonstra Young (1995YOUNG, A. (1995). “The tyranny of numbers: confronting the statistical realities of the East Asian growth experience”. Quarterly Journal of Economics, v. 110 (3), pp. 641-80.). Da mesma forma, a União Soviética no pós-guerra cresceu basicamente apoiada em maciços investimentos na indústria pesada.

Consumo do governo, por sua vez, pode ser pensado como um indicador de desperdício público, embora parte dos gastos em educação possam estar contidos nessa conta.

Nesse caso, as distorções criadas pelo sistema tributário não seriam contrabalançadas por gastos produtivos, mas por gastos em material, pessoal e transferência de renda. Como se poderia esperar, países cuja razão de consumo do governo sobre o PIB é mais alta cresceram a taxas menores: a média para os países de crescimento lento é cerca de 50% superior à média do grupo de crescimento rápido.

Os países de crescimento rápido são em média relativamente mais abertos que os países de crescimento lento, já que a razão entre a soma das exportações e importações sobre o PIB dos primeiros é 80,8% enquanto é somente 59% no segundo grupo. A altíssima taxa de abertura dos países asiáticos de crescimento rápido deve ser analisada com cuidado, pois países pequenos como Hong-Kong e Cingapura importam quase um PIB em insumos intermediários todo ano e exportam outro PIB com produtos finais que utilizam esses insumos importados. A relação entre abertura e crescimento será discutida com mais detalhes posteriormente.

A última estatística da tabela 6 é o prêmio do mercado paralelo de câmbio que vem a ser a diferença entre a cotação oficial do dólar e a cotação no mercado paralelo. Essa estatística pode ser pensada como uma proxy para distorções na política cambial e tarifária e como se vê pelos dados da tabela as distorções nos países que crescem mais lentamente são marcantemente superiores à dos países de crescimento rápido. Estes últimos intervêm menos, ou mais eficientemente no mercado cambial.

A tabela abaixo apresenta as mesmas estatísticas para o Brasil:

Tabela 7
Dados Econômicos para o Brasil

O Brasil cresceu em média, entre 1950 e 1990, 2,71 % (taxa de crescimento do PIB em PPP) e esse resultado foi muito prejudicado por um desempenho pífio na década de 80, quando o país praticamente não cresceu: a média anual do crescimento do PIB per capita entre 80 e 90 foi de menos de 0,2%. Uma das razões para esse péssimo resultado foi a alta taxa de inflação média do período (veja a primeira linha da tabela 7). Conforme já comentamos, estabilidade de preços não garante crescimento, mas, por outro lado, não há precedente histórico de países que cresceram a taxas altas com inflação acima de 30% ao ano. Se o controle do processo inflacionário em si não garante tudo, ele permite um ambiente mais estável que, junto com outras medidas que veremos a seguir, dará algumas condições necessárias para o crescimento. Entretanto, existe alguma evidência empírica (Ramey e Ramey, 1995RAMEY, G. & RAMEY, V. (1995). “Cross-country evidence on the links between volatility and growth”, American Economic Review, 85(5), pp. 1002-37.) de uma relação negativa entre volatilidade do produto e taxa de crescimento do PIB. Como as inúmeras políticas de estabilização dos anos 80 e 90 afetaram não só o nível, mas principalmente a volatilidade da taxa de crescimento do PIB - que passa de 5% entre 1960 e 1980, para 7,5 nos anos 80 - a atual estabilidade de preços, se duradoura, pode afetar marginalmente para cima a taxa de crescimento do produto ao reduzir sua volatilidade.

A taxa de investimento do país entre 1950 e 1990 está em linha com a dos países de crescimento rápido: cerca de 21%. Essa é, entretanto, uma medida enganosa, já que essa taxa vem caindo desde meados da década de 70. Ela é somente 14,83% em média entre 90-4. A tabela 8 mostra com mais detalhes o comportamento dos investimentos entre 1970 e 1994 em valores constantes.

Tabela 8
Formação Bruta de Capital Fixo como Proporção do PIB 1970-91 (Preços Constantes de 1980)

A relação investimento/PIB que já vinha crescendo desde a década de 60 atinge seu pico em 1975-6, quando se situa acima de 25%. Pode-se inclusive inferir que a acumulação de capital foi a causa principal do crescimento acelerado do país até fins de 80, uma vez que os investimentos totais crescerem entre 1960 e 1980 8,9% ao ano e os investimentos públicos cresceram 6,6% ao ano. Até 1981 a taxa de investimento ainda se mantém em um patamar acima de 20% e desse ponto em diante cai continuamente até o mínimo de 13,7% em 1992, quando começa a se recuperar lentamente. No que tange à acumulação de capital, portanto, as perspectivas para o crescimento são ruins - lembre-se que a média para os países de crescimento rápido foi de 25% ao ano - a menos que ocorra uma recuperação bem mais acelerada do que a que se vem observando. Note também que um importante componente da formação bruta de capital das décadas passadas - investimento público - está descartado como propulsor do crescimento, dada a gravíssima situação financeira do setor. Em 1976 os investimentos públicos - total das administrações e empresas estatais - representavam 30% dos investimentos totais e cerca de 9% do PIB, e hoje mal ultrapassam 3% do PIB.

A situação é mais preocupante ainda se olharmos a segunda coluna que mostra a razão entre investimentos em máquinas e equipamentos e PIB. A importância dessa variável para o crescimento é confirmada nos estudos de De Long e L. Summers (1993DE LONG, J. BRADFORD & SUMMERS, L. (1993). “How strong do developing economies benefit from equipment investment?”. Journal of Monetary Economics, v. 32 (3), pp. 395-415.). No caso brasileiro, essa razão era quase 10% do PIB em 1975 para cair continuamente até bem menos da metade desse valor em 92 (3,70%), quando começa a se recuperar lentamente.

Um outro motivo para nos preocuparmos com investimentos em máquinas e equipamentos é que esse tipo de gasto não só afeta crescimento diretamente como também funciona como um indicador de adoção e inovação tecnológica. Ao comprar uma máquina a firma está não só comprando o bem em si mas também a tecnologia embutida nessa máquina e, pelo menos no caso das máquinas e equipamentos importados, podemos pensar que a firma está adquirindo tecnologia de ponta. Entretanto, como proporção do PIB, os equipamentos importados são hoje cerca de um terço de seu pico de 1975 - 0,83% contra 2,42% -, o que indica uma drástica queda no ritmo de adoção de tecnologia de ponta.

Uma medida mais direta de adoção tecnológica no país seria o número de licenciamento de patentes internacionais, que vem a ser contratos de compra e uso de tecnologia já existentes. Calcula-se que 96% dos gastos de pesquisa e desenvolvimento no mundo são feitos no mundo desenvolvido (Coe, Helpman e Hoffmaister, 1995COE, D.T., HELPMAN, E., & HOFFMAISTER, A. (1995). “North-South R&D spillovers”. NBER Working Paper, n. 5048.), de modo que existem enormes possibilidades de ganho através da compra de tecnologia. Compra que é em geral um processo muito mais barato que a duplicação no país dos gastos em tempo e dinheiro para reinventar essa tecnologia, reproduzi-la ou imitá-la. E isso mesmo levando em conta que ainda haja gastos de adaptação e treinamento - e parte desses seriam incorridos de qualquer forma - além dos custos da compra de licença que nesse caso seriam complementares e não substitutos da tecnologia importada.

Johnson (1996JOHNSON, D. (1996). “R&D and technology licensing in Brazil”. Yale University. Mimeo.) estuda a evolução de licenciamento de tecnologia (89% importação) no Brasi1 entre 1972 e 199 5. Esse estudo mostra que o número de licenciamento se mantém num patamar relativamente alto entre 1973 e 1982. A partir desse ponto, e após uma abrupta queda em 1984 e posterior recuperação em 1987, o número de contratos de licenciamento de tecnologias vem caindo continuamente até que em 1994 caem a quase a metade do número de 1980. Esse quadro, portanto, da mesma forma que os números de importação de máquinas e equipamentos, indica uma substancial redução do ritmo de investimento em tecnologia que poderá ter sérios impactos, se não for revertida, para o crescimento da produtividade no longo prazo4 4 Entretanto, deve-se tomar alguns cuidados com estes números, pois ainda não foram criticados. .

Voltando nossas atenções para a tabela 8 salta aos olhos o fato de que o grau médio de abertura da economia brasileira ser quase quatro vezes menor que a média dos países de crescimento lento e 5,2 vezes menor que a dos países crescimento rápido. Isso revela o fato, há muito sabido, de que a economia brasileira é extremamente fechada. Entretanto poder-se-ia argumentar, olhando a figura 2 a seguir, que esse é um fato irrelevante, já que não haveria qualquer relação entre crescimento e abertura.

Figura 2
Abertura e Crescimento

Entretanto, quando corrigimos a amostra por tamanho do país - seja medido por população média, seja medido pelo PIB - surge uma relação positiva entre abertura e crescimento. Isso pode ser visto pela regressão a seguir, que utilizou dados da base de dados de Summers e Heston (1991SUMMERS, R. & HESTON, A. (1991). “The Penn World Table, version V”. Quarterly Journal of Economics, 106, pp. 1-45.) para os países, e onde o coeficiente de abertura é positivo e significativo.

Em outras palavras, comparando-se países de tamanhos semelhantes, aqueles mais abertos ao comércio exterior cresceram mais rápido. Esse controle é obviamente necessário, porque um país como a Índia ou os EUA possui enormes mercados consumidores locais, o que coloca limites à razão exportação/PIB, enquanto-países pequenos como Hong-Kong podem exportar e importar, como já dissemos, praticamente um PIB.

Existem várias razões para que comércio internacional afete positivamente o crescimento econômico. Grossman e Helpman (1991GROSSMAN, G. & HELPMAN, E. (1991). “Quality ladders in the theory of growth”. Review of Economic Studies, 58, pp. 43-61.) apontam quatro delas, todas ligadas à inovação tecnológica: 1) aumenta o número e a variedade de bens intermediários que, sendo complementares (ou de melhor qualidade) em relação aos insumos domésticos, aumenta a produtividade dos recursos locais; 2) estimula o aprendizado de métodos de produção, design, organização e condições de mercado; 3) aumenta contatos internacionais, o que leva a uma aceleração da imitação, adoção e adaptação de tecnologias externas; 4) aumenta a produtividade no desenvolvimento de novas tecnologias e na imitação. O item número um estaria ligado a antiga ideia clássica de Adam Smith de ganhos de produtividade através da maior divisão do trabalho, enquanto os itens 2 e 3 expressam a ideia de que o comércio internacional reduz a resistência à adoção de novas tecnologias. Os ganhos são tão maiores quanto mais avançados forem os parceiros comerciais, uma vez que são esses os que mais investem em pesquisa e desenvolvimento. Dessa forma, a teoria econômica subverte a máxima “exportar é o que importa” para, mais do que “importar é o que importa”, “de quem você importa é o que importa!”.

Coe, Helpman e Hoffmaister (1995COE, D.T., HELPMAN, E., & HOFFMAISTER, A. (1995). “North-South R&D spillovers”. NBER Working Paper, n. 5048.) tentam mensurar esse efeito. Eles buscam quantificar o impacto sobre o crescimento da produtividade total dos fatores (PTF, de agora em diante) dos países em desenvolvimento dos investimentos e/ou do estoque P&D dos países avançados. Constroem para isso duas séries que chamam de “capital estrangeiro de P&D (Sit) e “participação das importações dos países desenvolvidos no PIB”(Mit) que são dadas pelas seguintes fórmulas:

S i t = k - 1 22 ψ i k S k = c a p i t a l e s t r a n g e i r o d e P & D

  • onde: Ψik = participação bilateral nas importações e Sk = capital de P&D do país

  • Mit = participação das importações dos países desenvolvidos no PIB: k-122Mik/Yi

A série Sit é portanto a soma do capital de P&D dos países desenvolvidos ponderados pela participação das importações oriundas deste país nas importações totais. A tabela abaixo apresenta alguns valores escolhidos dessas variáveis.

Tabela 9
Estatísticas Relevantes

O crescimento da PTF no Brasil para o período 70-80 esteve acima da média dos países em desenvolvimento, mas consideravelmente abaixo que o de Taiwan e Coréia5 5 Young (1995) qualifica o aumento da produtividade total dos fatores nos Tigres Asiáticos. Ele mostra que após a contabilizar corretamente o crescimento dos insumos relevantes, capital físico, mão-de-obra - computando tanto crescimento da PEA como migração campo-cidade, que aumenta produtividade do trabalho - e capital humano, o aumento da PTF nesses países está em linha com o do resto do mundo. , enquanto o crescimento de Sit também está um pouco abaixo que o desses dois países mas a performance do país foi razoável de qualquer forma. A grande discrepância está na participação das importações vinda dos países desenvolvidos no PIB. Enquanto a Coréia e Taiwan importam 21% e 27% do PIB dos países avançados, o Brasil importa 4% somente, cinco vezes menos que a média dos países em desenvolvimento, e a segunda menor entre todas as taxas. Isto é, o Brasil não só importa pouco mas importa mal.

A principal estimativa do trabalho de Coe, Helpman e Hoffmaister está apresentada abaixo. Note que uma variável adicional de controle, “sec” (taxa de matrícula no secundário), foi utilizada:

Δ log T F P = 0.360 ( 0.065 ) Δ M + 0.431 ( 0.143 ) Δ ( M . log S ) + 0.322 ( 0.095 ) Δ sec

Tanto o crescimento da participação das importações vinda dos países desenvolvidos (ΔM) como a variação de “M logs”, uma variável que capta a interrelação entre M e o capital estrangeiro de P&D afetam positivamente o crescimento da produtividade nos países em desenvolvimento. No caso de M.log S isso é uma evidência que não só existe externalidade da pesquisa dos países avançados para o terceiro mundo, mas que ela é transmitida através de sua interrelação com as importações. É mais uma evidência ou confirmação de que nosso país só tem a ganhar com comércio externo e principalmente com o comércio externo com os centros tecnologicamente mais avançados. Isso fica mais evidente ainda com a elasticidade da PTF em relação ao estoque de P&D dos países desenvolvidos calculadas pelos autores para diversos países a partir da equação acima. Enquanto a média para todos os países é de 0,071, a elasticidade para o Brasil é de 0,286. Fica claro, portanto, o enorme potencial de crescimento para o país do comércio externo e as perdas potenciais que barreiras comerciais podem representar e já representaram ao longo de nossa história recente.

5. INFRA-ESTRUTURA E POLÍTICA FISCAL6 6 Esta seção está parcialmente baseada em Ferreira (1996).

Aqui não nos alongaremos na discussão da estrutura tributária brasileira, pois essa vem sendo exaustivamente debatida nos últimos anos. Basta notar que o total relativo de impostos arrecadados no país - cerca de 30% do PIB nos dois últimos anos - não é elevado para padrões internacionais. O problema é que nossa estrutura tributária é extremamente distorciva o que desestimula o investimento. A base tributária do país é pequena e poucos indivíduos e firmas, as mais produtivas, pagam muito imposto. Dessa forma, a alíquota marginal - a que importa para decisões de gasto e produção - é muito superior à alíquota média. Existe um excessivo número de tributos, alguns deles em cascata (IPMF/CPMF, sendo o exemplo mais gritante), outros sobre faturamento bruto ou sobre poupança, excesso de taxação sobre a folha salarial e enorme dependência de impostos indiretos. Essa estrutura tributária desestimula os gastos econômicos e investimento em capital físico e tecnologia. Uma reforma tributária se faz urgente e certamente estimulará, se bem-feita, a atividade econômica.

Quando olhamos a estrutura de gastos públicos veremos que ela também não ajuda o crescimento de longo prazo. Nos últimos anos os investimentos públicos despencaram e os investimentos em infraestrutura estão hoje provavelmente abaixo da depreciação do capital, isto é, o estoque de infraestrutura está diminuindo. Os gastos com formação bruta de capital das estatais do setor de infraestrutura - energia, transporte e comunicação - que chegaram a 3% do PIB em 1976, caíram para menos de O,7% do PIB. O total de gastos com equipamentos também caiu, enquanto o total de investimentos públicos passou de 9% do PIB para menos de 5% do PIB em 1993. Ainda assim, grande parte destes investimentos se devem aos municípios (42% dos investimentos das administrações) que não investem nos setores de infraestrutura, com maior impacto sobre crescimento. Em relação às empresas estatais, em termos absolutos somente os gastos em telecomunicações não se reduziram em relação a década de 70, como mostra a tabela 10.

Tabela 10
Investimento em Infraestrutura das Estatais Federais (US$ milhões)

Observe que os investimentos totais nos três setores foi em 1993 somente 43% dos investimentos de 1980. Essa queda se dá de forma assimétrica. Por um lado, no setor de transporte - portos, transporte ferroviário e transporte marítimo - os gastos em formação bruta de capital fixo caem para menos de 10%, em média, do que eram em 1980, do mesmo modo que os investimentos do setor energético também foram drasticamente reduzidos. Por outro lado, os investimentos do setor de telecomunicação se mantêm em valores relativamente altos na década de 80 e passam para um patamar mais elevado ainda a partir de 1991.

A situação dramática do setor de energia elétrica fica bem clara pela figura abaixo, que mostra as tendências do consumo e investimento em energia elétrica.

Figura 3
Investimento (CR$ bilhões de 1980) e Consumo de Energia Elétrica (MhZ)

Após 1983, os investimentos caem continuamente enquanto o consumo para todo o período cresce a uma taxa de 5,5% ao ano, ainda que entre 88 e 93 essa taxa caia para 3,5%. Embora a capacidade de geração do sistema não tenha parado de crescer no período, essa defasagem entre investimento e consumo foi mitigado pela entrada em operação dos grandes projetos hidrelétricos dos anos 70 e pela recessão enfrentada pelo país durante os anos 80, que conteve parcialmente a expansão da demanda industrial e comercial de energia elétrica. Entretanto já existem problemas localizados de fornecimento de energia elétrica, notadamente na região Norte e Centro-Oeste, onde certas áreas já convivem há algum tempo com racionamentos.

Os investimentos totais no setor de transporte em 1993 mal superam 10% do valor dos mesmos investimentos em 1980. A queda é geral em todos os subsetores, sendo especialmente acentuada no ferroviário, onde os investimentos eram 11% do total dos investimentos das estatais em 80 - que caíram aceleradamente no período - e passaram para 3,8% em 1993. Hoje em termos reais são somente 11% do valor de 1980. Esse quadro deve ser revertido com as privatizações ora em curso no setor. Os investimentos na área portuária seguem o mesmo movimento de queda que vimos até agora para os setores de transporte ferroviário: enquanto a média desses gastos para os anos de 1980-4 foi de 341 milhões de dólares e para os anos de 1991-3 ela foi de somente 66 milhões de dólares, isto é, menos que 20% da média de 80 a 84. A figura abaixo apresenta o comportamento desses gastos e do comércio internacional do país (exportações e importações) entre 1980 e 1992.

Figura 4
Investimento das Estatais em Portos (CR$ milhões 1980) X Comércio Internacional (1.000t)

Se os investimentos nos portos são hoje somente 20% do que eram no início dos anos 80, o volume do comércio internacional, majoritariamente embarcado, é cerca de 25% superior hoje ao que era, em média, no início dos anos 80. Mais ainda: o movimento total de carga transportada (longo curso, cabotagem e outros) em 1991, 350 milhões de toneladas úteis, é cerca de 39% superior ao de 1980, 242 milhões, sendo que na cabotagem o aumento foi de 65%. Entretanto, talvez um problema tão ou mais grave ainda sejam as relações trabalhistas arcaicas que regem o setor e que implicam alto custo e baixa eficiência da operação. Por conta dessas ineficiências e do atraso tecnológico do setor, o desembarque de um container hoje no porto do Rio custa 70% a mais que em Nova York e cerca de três vezes mais que em Roterdã, o porto mais eficiente do mundo.

Os investimentos no setor de telecomunicação, após estagnação e queda na década de 80, se recuperam a partir de 1989. Entretanto, como proporção do PIB, permanecem muito próximo de onde estavam no começo dos 80, 0,53% contra 0,49%. Os indicadores de qualidade mostram que talvez esses investimentos não tenham sido suficientes para acompanhar às necessidades da economia e muito menos para fazer frente a um crescimento econômico a taxas mais elevadas. Basta ver o preço de uma linha telefônica nas principais cidades do país, as filas de espera dos planos de expansão - dois indicadores de escassez de oferta - o preço das ligações internacionais. Observe também o número de troncos telefônicos por mil habitantes, apresentado na tabela abaixo, que mostra indicadores de desempenho para outros setores de infraestrutura:

Tabela 11
Dados de Infra-estrutura 1992

Enquanto nos países de crescimento rápido existem quase trezentos telefones por mil habitantes em média, no Brasil existem somente 71. Em regiões como o Nordeste esse número cai para trinta em países como os EUA este número chega a seiscentos. Há, portanto, uma enorme escassez de linhas no país e esse gargalo pode vir a comprometer o crescimento da produtividade dos insumos complementares. Esse é mais um setor onde o aumento dos investimentos é urgente e onde provavelmente isso só se dará via privatização.

Os outros indicadores de desempenho na tabela acima, com exceção de água encanada, mostram que o Brasil está muito mais próximo da situação dos países de crescimento lento que daqueles que mais cresceram. Tanto o número de estradas pavimentadas como o de estradas em boas condições estão abaixo dos números correspondentes para os países de crescimento lento. A quantidade de Kwt por pessoa no Brasil é metade da média dos países de crescimento rápido (e oito vezes menor que a média dos 25 países mais ricos!) e as perdas percentual do sistema é igual à média dos países lentos e três vezes mais que dos PACR, o que mostra que o problema no setor não é só de investimentos, mas também de operação. O percentual de locomotivas em uso sobre o total de locomotivas no Brasil - o indicador de desempenho do sistema ferroviário mais usado - é inferior à média dos países pobres e marcadamente inferior a dos países de crescimento rápido.

A ligação entre infraestrutura e crescimento já está bem estabelecida na literatura especializada, sendo inclusive o tema do “World Development Report” do Banco Mundial em 19947 7 Veja World Bank (1994) e Ferreira (1994) para uma resenha sobre resultados empíricos ligando crescimento e infraestrutura. . O capital em infraestrutura afeta o retorno dos insumos privados e dessa forma estimula investimento privado e trabalho. O mecanismo de transmissão é simples. Para uma dada quantidade de fatores privados, melhores estradas, energia e comunicação abundantes e baratas elevam o produto final e, consequentemente, implicam maior produtividade dos fatores privados e reduzem o custo por unidade de insumo. A maior produtividade, por sua vez, se traduz em elevação da remuneração dos fatores o que estimula o investimento e o emprego. Infraestrutura pode também provocar um crowding in na medida em que dá condições para o investimento privado se instalar.

Existe farta evidência empírica para Europa e Estados Unidos de uma relação positiva entre infraestrutura e produto, mas poucos estudos para o país. A figura abaixo mostra a relação entre capital instalado em infraestrutura e PIB entre 1970 e 1993.

Figura 5
Estoque de Infra-estrutura e PIB

A figura acima indica a existência de uma relação de longo prazo entre as duas séries, pois os movimentos de uma acompanham os da outra, embora a série de estoque de infraestrutura seja bem mais suave, como se deveria esperar. Ferreira (1996FERREIRA, P.C. (1996). “Infraestrutura no Brasil: fatos estilizados e relações de longo prazo”. (A ser publicado em Pesquisa e Planejamento Econômico.)) estima a elasticidade de longo prazo do produto em relação ao estoque de capital em infraestrutura - que foi construída usando séries alternativas de investimento e diferentes taxas de depreciação - utilizando técnicas de co-integração. Todas suas estimativas são significativas a 5% e o valor estimado da elasticidade é bastante alto, entre 0,6 e um, dependendo da série utilizada. Esse resultado confirma nossa intuição anterior de que a redução dos investimentos em infraestrutura desde fins da década de 70 teve - e continua tendo - forte impacto negativo sobre crescimento. Dessa forma, a retomada destes gastos - seja através do setor público ou via gastos privados que acompanhariam o programa de privatização - é essencial para as perspectivas de longo prazo da economia brasileira.

Finalmente, no que se refere aos gastos públicos, note-se que enquanto os investimentos em geral e nos setores de transporte e energia caíam, cresciam os gastos em pessoal e os gastos da Previdência. Estes últimos estão hoje em torno de 45% do total de gastos do governo central, com clara tendência a aumentar. Embora possua função social óbvia, sustentar os aposentados, a maneira que todo o sistema previdenciário está organizado - sistema de repartição, aposentadoria por tempo de serviço, em vários casos com 25 anos, aposentadoria integral para funcionários públicos etc. - é insustentável a longo prazo. Isso, é claro, prejudicará mais ainda os investimentos produtivos e gastos, por exemplo, em educação e saúde.

6. CONCLUSÕES: PARA ONDE VAMOS NO MÉDIO E LONGO PRAZOS?

À primeira vista poder-se-ia concluir, por tudo que vimos até agora, que as perspectivas de longo prazo do país são negras. Afinal, a situação da educação aqui é muito ruim, o investimento em capital físico é hoje cerca de 40% inferior aos níveis dos anos 70, os indicadores de desempenho do setor de infraestrutura são ruins e nosso grau de abertura e indicadores informais de inovação tecnológica também se encontram em situação que mais prejudicam que ajudam o crescimento. Por mais paradoxal que seja, a situação é grave, mas longe de catastrófica ou mesmo desanimadora.

Embora fechado para padrões internacionais e mesmo com toda a instabilidade e idas e vindas do processo de abertura comercial, é inegável que a política comercial do país está caminhando na direção correta, e isso também afetará os investimentos. Entretanto, esse processo de abertura se dá ainda de forma lenta, se pensamos somente seus efeitos sob o crescimento. Se é verdade que até pouco tempo não se podia importar equipamentos de informática, agora podemos, mas a tarifas altas. É um avanço, mas ainda se impõe um custo pesado a adoção de tecnologia via importação.

Por outro lado, outro canal de importação de tecnologia que não ressaltamos no texto, investimentos diretos, vem apresentando comportamento espetacular. Gonzaga, Issler e Marone mostram a existência de uma relação de longo prazo positiva entre PIB e investimentos externos para o Brasil e calculam ser alta e significativa a elasticidade nesse caso. Investimentos diretos afetam a taxa de crescimento por que significam acumulação de capital mas também fluxos de ideias, técnicas de organização da produção, know how etc. Romer (1993ROMER, P. (1993). “Idea gaps and object gaps in economic development”. Journal of Monetary Economics, 1993, v. 32 (3), pp. 543-73.) considera ser esse o principal fator por trás do espetacular crescimento da pequena Mauritius, dada a grande migração de capitais e capitalistas de Honk Kong para essa ilha desde meados de 80. No Brasil, no primeiro semestre de 1996, quase 4,5 bilhões de dólares entraram como investimento direto, um recorde histórico.

O comportamento catastrófico da infraestrutura desde o começo dos anos 80 já prejudicou bastante e continua prejudicando o país, através de altos custos, da escassez de serviços, da má qualidade da operação etc. Existe uma enorme demanda no país por serviços de telefonia, por energia elétrica, por estradas. É patente a incapacidade do setor público de fazer frente a todos esses gastos de forma que a aparente mudança de determinação do governo federal em relação a privatização do setor pode significar enorme aporte de investimentos no curto e médio prazos. Tanto no setor ferroviário como no elétrico o processo de desestatização já foi iniciado e no início do segundo semestre de 1996 teve início o processo de abertura do setor de telecomunicações à iniciativa privada. Neste último caso a previsão oficial para o setor de telefonia celular, por exemplo, é de US$ 5 bilhões de investimentos e 15 milhões de linhas nos próximos quatro anos. A privatização das concessionárias estaduais, as “Teles”, até pouco tempo descartada, já está sendo estudada e tudo indica que se dará ainda no presente governo, da mesma forma que os principais portos do país já foram oficialmente incluídos no programa de privatização.

Quanto ao sistema educacional, muito pouco tem sido feito além de iniciativas isoladas. Duas delas se dão nos estados de Minas Gerais e no Ceará, onde mudanças na política oficial para o setor nos últimos governos já produziram melhoria no desempenho dos alunos. O quadro geral, entretanto, é muito ruim como vimos na seção 4 e o único ponto positivo é que já há uma mudança oficial de diagnóstico para o setor. Enfatiza-se cada vez menos evasão, um problema localizado, e cada vez mais a questão da qualidade e da repetência. Isso já é um importante primeiro passo, mas só o primeiro dentre vários outros necessários para melhorar a situação do setor.

Dessa forma pode-se imaginar crescimento no médio prazo para o Brasil a taxas bem superiores às dos últimos anos. Nesse horizonte, o crescimento da taxa de investimento privado, junto com investimento externos diretos e a gestão privada de importantes setores de infraestrutura - que também implicará maiores investimentos além de desempenho e produtividade superiores -podem levar o país a um período de crescimento semelhante em espírito ao dos anos 50 a 70. Em espírito porque centrado na acumulação de capitais físicos com ênfase relativo no setor de infraestrutura. Porém, um ponto que nos coloca em posição privilegiada em relação àquele período é o fim - ou pelo menos formas mais amenas - das políticas de reserva de mercado e a abertura comercial. Entretanto, uma vez esgotadas as possibilidades de investimento atuais mais óbvias, esse processo pode bater em limitações fortes e mesmo intransponíveis no longo prazo, devido à baixa qualificação da mão-de-obra brasileira. Com a sofisticação crescente dos processos produtivos, com automatização e informatização não só da indústria, mas também dos serviços, crescerá continuamente a demanda por mão-de-obra qualificada que uma população com menos de quatro anos de escolaridade em média não poderá suprir indefinidamente. Os efeitos sobre o crescimento da produtividade podem ser sérios e gerar ou manter setores sem condições de competir internacionalmente, ou mesmo internamente se for mantida a política de abertura comercial.

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  • YOUNG, A. (1995). “The tyranny of numbers: confronting the statistical realities of the East Asian growth experience”. Quarterly Journal of Economics, v. 110 (3), pp. 641-80.
  • 1
    Veja Ferreira e Ellery (1996FERREIRA, P.C. & ELLERY JR., R. (1995). “Crescimento econômico, retornos crescentes e concorrência monopolista”. Revista de Economia Política, vol. 16, nº 62, abr/jun., pp. 86-104.) para uma explicação mais detalhada dos modelos de Solow (1956SOLOW, R.M. (1956). “A contribution to the theory of economic growth”. Quarterly Journal of Economics, fev., pp. 65-94.), Cass (1965CASS, D. (1965). “Optimum growth in an aggregative model of capital accumulation”. Review of Economic Studies, 32, pp. 233-40.) e Koopmans (1965KOOPMANS, T. C. (1965). “On the concept of optimal economic growth”. In The econometric approach to development planning. Amsterdã: North Holland.).
  • 2
    Uma taxa de matrícula maior que 100% significa que, além de todos ou quase todos alunos na idade correspondente a determinado grau, alguns alunos fora dessa idade também estão cursando esse grau. Uma explicação possível seria a repetência.
  • 3
    Os números para 1992 não são muito melhores, como se poderia esperar: a taxa de matrícula no secundário alcança 39% para o Brasil, mas 45%, em média, para América Latina e Caribe.
  • 4
    Entretanto, deve-se tomar alguns cuidados com estes números, pois ainda não foram criticados.
  • 5
    Young (1995YOUNG, A. (1995). “The tyranny of numbers: confronting the statistical realities of the East Asian growth experience”. Quarterly Journal of Economics, v. 110 (3), pp. 641-80.) qualifica o aumento da produtividade total dos fatores nos Tigres Asiáticos. Ele mostra que após a contabilizar corretamente o crescimento dos insumos relevantes, capital físico, mão-de-obra - computando tanto crescimento da PEA como migração campo-cidade, que aumenta produtividade do trabalho - e capital humano, o aumento da PTF nesses países está em linha com o do resto do mundo.
  • 6
    Esta seção está parcialmente baseada em Ferreira (1996FERREIRA, P.C. (1996). “Infraestrutura no Brasil: fatos estilizados e relações de longo prazo”. (A ser publicado em Pesquisa e Planejamento Econômico.)).
  • 7
    Veja World Bank (1994WORLD BANK (1994). World Development Report 1994. Oxford University Press.) e Ferreira (1994FERREIRA, P.C. (1994). “Infraestrutura pública, produtividade e crescimento”. Pesquisa e Planejamento Econômico, v. 24, agosto, pp. 187-203.) para uma resenha sobre resultados empíricos ligando crescimento e infraestrutura.
  • *
    O autor agradece os comentários e sugestões dos participantes e também os de Marcos Lisboa e Samuel Pessôa, fazendo a ressalva de que qualquer erro remanescente é de inteira responsabilidade sua. O autor agradece também o financiamento do CNPq.
  • 8
    JEL Classification: O41; E22.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 1998
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