Prevenção da Neurocisticercose: Avaliação do Conhecimento do Tema entre Médicos e Estudantes de Medicina

Evaluation of Knowledge among Physicians and Medical Students Concerning the Prevention of Neurocysticercosis

Resumo:

Objetivo:

avaliar o conhecimento a respeito da prevenção da neurocisticercose (NCC) entre estudantes de Medicina, médicos-residentes e médicos.

Métodos:

no primeiro semestre de 2001, foram avaliados 384 estudantes de Medicina por meio das questões. “O que é neurocisticercose?” e “Como prevenir-se da doença?”. No segundo semestre, as mesmas questões foram aplicadas a 37 médicos residentes e 51 médicos com mais de quatro anos de formação.

Resultados:

a maioria dos alunos (95,8%) soube definir NCC, mas apenas 45% deram resposta acertada quanto à forma de se prevenir. Entre os médicos residentes o índice de acerto foi, respectivamente, de 97% e 43%, entre os médicos 88% e 41%.

Conclusão:

é alto o índice de erro tanto entre estudantes (55%), como entre médicos residentes (57%) e médicos (59%) na resposta à forma correta de se prevenir contra a NCC isto sugere, fortemente, a inadequação da forma como o tema é abordado na universidade.

Palavra-chave:
Neurocisticercose - prevenção & controle; Teniase - prevenção & controle; Estudantes de medicina; Corpo clínico hospitalar

Abstract:

Objective:

to evaluate knowledge among medical students, residents, and physicians concerning the prevention of neurocysticercosis (NCC).

Methods:

in the first semester of 2001, 384 medical students were interviewed, with the following questions: “What is neurocysticercosis?” and “How is the disease prevented?”. In the second semester of 2001, the same questions were applied to 37 residents and 51 physicians, the latter having graduated more than four years previously.

Results:

most students (95.8%) could define NCC. but only 45% provided the correct answer concerning its prevention. Among medical residents, the proportions of correct answers ware 97% and 43%, respectively, compared to 88% and 41% among physicians.

Conclusion:

a high proportion of medical students (55%), residents (57%), and physicians (59%) were unable to correctly identify the prevention of NCC. This strongly suggests that the approach to the topic during medical school is inadequate.

Key-words:
Neurocysticercosis, prevention and control; Taeniasis, prevention and control; Students, medical; Medical staff, hospital

INTRODUÇÃO

A neurocisticercose (NCC) é definida como uma infestação do sistema nervoso central (SNC) pelo estágio larval do verme intestinal Taenia solium. A contaminação ocorre pela ingestão dos ovos deste parasita, o que pode acontecer pela higiene inadequada ou utilização de água e alimentos contaminados ⁽¹. É considerada a mais frequente forma parasitária que acomete o SNC dos seres humanos e tem alta incidência em países em desenvolvimento situados na Ásia, África e, principalmente, na América Latina ^2),(3).

O indivíduo portador da forma adulta da Taenia solium (teníase ou solitária) no intestino não apresenta sintomas importantes, o que dificulta a identificação dos casos para possível tratamento e controle ⁽⁴. São eliminadas cerca de l,5 proglotes por dia, e cada uma carrega cerca de 40 mil ovos férteis, que são muito resistentes a condições adversas, permanecendo viáveis por mais de oito meses, principalmente quando ocupam áreas quentes e úmidas. Isto explica o alto potencial de infectividade do verme em desenvolver a fase larval no hospedeiro intermediário (porco) ou determinar NCC nos seres humanos^3),(5),(6).

A Força-Tarefa Internacional contra a cisticercose, do Centers for Disease Control and Prevention (1993)⁷, considerou a cisticercose como doença potencialmente erradicável. Foi praticamente eliminada na Europa após ter sido compreendida pela população a forma de contaminação, a necessidade da inspeção da carne e a orientação dos suinocultores para melhorar as condições de higiene no local de criação dos porcos.

O comitê de prevenção da NCC da Academia Brasileira de Neurologia vem desenvolvendo atividades desde 1988 na tentativa de erradicar a doença, tão comum em nosso meio ^8)-(10).

A Federação Mundial de Neurologia denuncia o descaso, dos governos no combate da NCC e, em outubro de 1991, no VIII Congresso Pan-Americano de Neurologia, redigiu a Declaração de Montevidéu, encaminhada à Organização Pan Americana de Saúde (Opas/OMS), na qual propunha as seguintes estratégias para o controle do complexo teníase/cisticercose^11-12).

Programas de Intervenção a Longo Prazo

• Legislação adequada para implantar a notificação compulsória do complexo teníase-cisticercose;

• Aprimoramento das condições de saneamento ambiental;

• Educação sanitária da população;

• Modernização da suinocultura;

• Eficácia na inspeção da carne.

Intervenção curto prazo

- Tratamento da teníase em massa da população.

Roman et at.³ acreditam, fortemente, que seja incorreta a crença de que os ovos de Taenia solium sejam transmitidos no ser humano pelo ar ou pela água. Estudos epidemiológicos demonstraram que os casos de NCC ocorrem em centros urbanos de alta densidade populacional, o que sugere que a infestação direta desempenhe um papel importante. Postulam que a NCC é uma infestação que se transmite de pessoa para pessoa, por via fecal-oral, a partir de portadores de teníase intestinal. Recomendam combater a ideia, comum entre os próprios médicos, de que a teníase ou solitária seja inofensiva e não necessite de tratamento. Os neurologistas, neurocirurgiões e médicos generalistas não podem deixar de supor que um paciente com NCC provavelmente se infectou com alguém próximo. Recomendam considerar a NCC como uma enfermidade infecciosa que tem como fonte de contágio o ser humano e, para o controle, seguir os mesmos princípios epidemiológicos utilizados habitualmente em outras doenças transmissíveis. O fundamental é declarar a NCC como enfermidade de notificação obrigatória e que todo caso novo receba uma intervenção epidemiológica para interromper a cadeia de transmissão, aplicando as seguintes medidas:

• Busca, tratamento e notificação de portadores de teníase em tomo do paciente;

• Busca e tratamento de outros possíveis contatos;

• Educação da população sobre os mecanismos de transmissão e como melhorar as condições de higiene e saneamento;

• Aplicação da inspeção das carnes e limitação do reservatório animal por meio do tratamento dos porcos.

O Ministério da Saúde considera a região do Vale do Paraíba, incluindo a cidade de Taubaté, como endêmica para NCC¹³. Mas os sistemas de saúde pública têm se mostrado inábeis em conseguir o controle do complexo teníase/ cisticercose¹⁴, pois os programas sugeridos pela Organização Pan Americana de Saúde, Organização Mundial de Saúde, Federação Mundial de Neurologia e Academia Brasileira de Neurologia não estão sendo aplicados, e o intuito de informar, controlar e erradicar a doença ainda está longe de ser concretizado.

Este estudo tem como objetivo avaliar o conhecimento de alunos da Faculdade de Medicina da Universidade de Taubaté (Unitau), médicos-residentes do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e médicos de diferentes especialidades, formados há mais de quatro anos, que atendem em consultórios domiciliados na cidade de Taubaté (SP), sobre a forma de prevenir-se contra a NCC.

MÉTODOS

No primeiro semestre de 2001, foram aplicados questionários aos alunos matriculados do primeiro ao sexto anos da Faculdade de Medicina da Universidade de Taubaté (Unitau), com as seguintes perguntas: O que é neurocisticercose? Como prevenir-se da doença?

Os alunos foram esclarecidos de que as respostas não seriam avaliadas de forma quantitativa, mas sim qualitativa, com o único intuito de determinar o conhecimento prévio do significado da doença e de sua prevenção.

O questionário foi aplicado a todos os alunos do primeiro ao quarto anos e a uma amostra aleatória de 25 alunos do quinto ano e 26 do sexto ano.

No segundo semestre de 2001, os autores desta pesquisa entrevistaram verbalmente 37 médicos matriculados nos cursos de residência médica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (escolhidos aleatoriamente e excluídos os da área neurológica) e 51 médicos formados há mais de quatro anos, de diferentes especialidades (escolhidos aleatoriamente e excluídos os da área neurológica), que prestam atendimento na cidade de Taubaté (SP).

Foram consideradas respostas certas os que continham pelo menos os seguintes enunciados: para a questão “O que é neurocisticercose?” - presença de cisticerco no sistema nervoso humano; para a questão "Como prevenir-se da doença?" adequada higiene pessoal e evitar alimentos crus e/ ou água contaminada com ovos de Taenia solium.

Ética: esta pesquisa foi avaliada e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Taubaté (Unitau) e considerada como sem risco e necessitando do consentimento pós-informado dos entrevistados.

Estatística: os resultados foram tabulados e submetidos a avaliação estatística com uso do teste de aderência ou qui quadrado para determinar sua significância.

RESULTADOS

De 384 questionários aplicados aos estudantes da Faculdade de Medicina da Universidade de Taubaté, 358 foram respondidos; do primeiro ano, 85; do segundo, 68; do terceiro, 73; do quarto, 81; do quinto, 25 e do sexto 26.

Entre as respostas da questão 1 (O que é neurocisticercose?), 343 estavam corretas (95,8%); o primeiro ano obteve 88,2% de acertos (75 em 85), o segundo ano 94,1% (64 em 68), o terceiro, o quarto e o quinto anos obtiveram 100% de acerto, e o sexto ano 96,1% (25 em 26) (Tabela 1).

Na questão 2 (Como prevenir-se? da doença?), 161 respostas (45%) estavam corretas; no primeiro ano, a porcentagem de respostas corretas foi de 44,7% (38 em 85), no segundo ano 70,5% (48 em 68), no terceiro ano 24,6% (18cm 73), no quarto ano 43,2% (35 em 81) no quinto ano 48% (12 em 25) e 38,5% (10 em 26) no sexto ano (Tabela 1).

Entre os médicos-residentes do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, a questão 1 foi respondida corretamente por 97% (36 em 37), e a questão dois por 43% (16 em 37) (Tabela 1).

Entre os médicos formados há mais de quatro anos (média de 11,4 anos, com limites de 4 e 30 anos de profissão) e prestando atendimento na cidade de Taubaté (SP), o índice de acerto paro a questão 1 foi de 88% (47 em 51) e para a questão 2 foi de 41% (21 em 51) (Tabela 1).

TABELA 1
Respostas corretas às questões "O que é neurocisticercose?" e "Como prevenir-se?" Entre os alunos do primeiro ao sexto anos da Faculdade de Medicina da Universidade de Taubaté (SP), residentes do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e médicos de diferentes especialidades que trabalham na cidade de Taubaté (SP)

População Estudada	Número de Entrevistados	O que é Neurocisticercose? (% de Acerto)	Como Prevenir-se? (% de Acerto)
Primeiro ano	85	88% (75 em 85)	45% (38 em 85)
Segundo ano	68	94%(64 em 68)	71% (48 em 58)
Terceiro ano	73	100%	25% (18 em 73)
Quarto ano	81	100%	43% (35 em 81)
Quinto ano	25	100%	48% (12 em 25)
Sexto ano	26	96% (25 em 26)	39% (10 em 26)
Total de alunos	358	96% (343 em 358)	45% (161 em 358)
Residentes do HC-FMUSP	37	97% (36 e 37)	43% (16 em 37)
Médicos com mais de 4 anos de formados	51	88% (45 em 51)	41% (21 em 51)

• HC-FMUSP= Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

DISCUSSÃO

A maioria dos estudantes da Faculdade de Medicina da Universidade de Taubaté avaliados (95,8%), dos médicos-residentes do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (97%) e dos médicos de diferentes especialidades (88%) sabe o que é NCC. No entanto, grande parte não sabe como evitar esta doença (55%, 57% e 59%, respectivamente).

Os alunos do segundo ano obtiveram maior acerto na questão "Como prevenir-se da doença" (70,5%, nível significante no teste do qui-quadrado), provavelmente porque o assunto teníase/cisticercose foi ministrado duas semanas antes da aplicação do questionário.

Os alunos do terceiro ano foram os que obtiveram os piores índices de acertos na questão de como prevenir-se (25%), dado significante pela avaliação estatística e que não conseguimos justificar.

Os alunos do primeiro ano, que representam a porção com grau de conhecimento mais próximo ao da população, obtiveram índice de acerto de 44,7%. Este valor não é diferente dos obtidos pelos alunos do quarto (43,2%), quinto (48,0%) e sexto ano (38,0%), médicos-residentes (43%) e médicos especialistas (41%), cujas diferenças percentuais não se mostraram significantes na avaliação pelo qui-quadrado.

O principal erro cometido pelos alunos, residentes e médicos foi confundir a prevenção da teníase, que se dá por meio da não ingestão de carne de porco mal cozida, com a prevenção da cisticercose, que é obtida quando se evita a ingestão de água e alimentos crus mal higienizados, contaminados com o ovo da Taenia solium e por melhores hábitos de higiene pessoal. Um número significativo misturou as estratégias de prevenção da teníase e da cisticercose, como se ambas fossem a mesma doença. Assim, como praticamente a metade dos estudantes de Medicina, médicos-residentes e médicos formados há mais de quatro anos não sabem como se prevenir da NCC, pode-se inferir que é pouco provável que os cidadãos comuns estejam tendo acesso a esta informação.

Os resultados observados nesta pesquisa foram muito semelhantes ao estudo realizado por Yanez et al¹⁵, no México, onde foram avaliados 422 alunos do segundo ano da Faculdade de Medicina da Universidade Nacional do México (Unam) por meio de questionário com 15 perguntas a respeito do complexo teníase / cisticercose. No aspecto de prevenção, encontraram uma porcentagem de acerto ao redor de 53%, valor não muito diferente do encontrado na presente pesquisa.

Se entre os médicos, que deveriam ter informações mais precisas, observa-se porcentagem tão baixa de acerto na forma correta de evitar a NCC, pode-se inferir que existem falhas nos programas médicos das universidades no aspecto de medicina preventiva e/ ou parasitologia e nos políticos de prevenção sugeridas pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), Organização Mundial de Saúde (OMS) e Academia Brasileira de Neurologia (ABN). É imprescindível uma estruturação universitária, governamental e médica para melhor formação epidemiológica e preventiva, além da veiculação de campanhas de esclarecimento do complexo teníase/cisticercose através dos meios de comunicação em massa.

CONCLUSÃO

O conhecimento dos estudantes da Faculdade de Medicina da Universidade de Taubaté/ SP (Unitau), médicos matriculados na residência médica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e médicos de diferentes especialidades que trabalham na cidade de Taubaté sobre o complexo teníase/ cisticercose é inadequado, o que é estarrecedor para um segmento da população responsável pela difusão de informações a esse respeito.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  Takayanagui OM. Programa de controle da cisticercose em Ribeirão Preto/SP. In: Reimão R, Gagliardi RJ, Spina-França A. Temas de neurologia. São Paulo: Frôntis-Editorial ; 1999. p.225-32.
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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  21 Maio 2021
• Data do Fascículo
  May-Aug 2003

Histórico

• Recebido
  31 Jul 2002
• Aceito
  24 Jun 2003