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Ensino de Nutrição Clínica nas Escolas Médicas de Minas Gerais: Estado Atual

RESUMO:

O médico deve capacitar-se na educação nutricional de pacientes e no tratamento de problemas nutricionais.

Objetivo:

verificar a existênci,1 de cursos de Nutrição Clínica (nutrologia) no currículo de graduação das dez escolas médicas de Minas Gerais.

Métodos:

informações padronizadas sobre o ensino de nutrolagia foram solicitadas aos coordenadores de graduação em março de 1996 e janeiro de 1997.

Resultados:

apenas uma EM não informou; sete referiram inexistência do curso. Na UFMG, há curso regular, optativo; em Uberaba, o curso é obrigatório, tem carga de 40 horas totais, com 15 horas de teoria. No internato em clínica médica, os alunos realizam avaliação nutricional e discutem casos clínicos de adultos hospitalizados.

Conclusões:

na maioria das EM mineiras, não há treinamento para diagnóstico e tratamento das doenças nutricionais durante a graduação. A falta de professores e de identidade da nutrologia no contexto da Clínica Médica é uma possível explicação para esta deficiência do ensino médico.

Descritores:
Nutrição - educação; Educação médica; Escolas médicas

Summary:

Physicians often have to face nutritional problems, including obesity and malnutrition, in addition to rising public demand for nutrition advice about their eating habits. Our aim was to verify whether nutrition instruction is carried on a regular basis at Medical Schools (MS) of Minas Gerais state.

Methods:

on March 1996, questions were sent to all (n=10) MS, asking about their Clinical Nutrition teaching.

Results:

all but one MS answered the questions. Only two Medical Schools regularly taught nutrition to their students: Uberaba Medical School, which have full time nutrition teachers giving regular and obligatory practical and theoretical Nutrition course, and Medical School of Minas Gerais University, which offers an optative Pediatric Nutrition course. All the other MS teach nutrition as fag-ends of biochemistry, endocrinology and pediatrics.

Conclusions:

lack of Clinical Nutrition identity and of nutrition trained teachers in university hospitals may explain the inadequate medical student training in nutrition's field.

Keywords:
Nutrition - education; Medical education; Medical Schools

INTRODUÇÃO

Na prática cotidiana, os médicos com frequência deparam com problemas nutricionais, incluindo-se aqueles relacionados com obesidade, hipercolesterolemia, doença cardiovascular, diabetes mellitus, subnutrição, trauma, cirurgia e insuficiência de órgãos44. GOVAERTS, F. Advice on healthy food as given by Flemish general practitioners. Am J Clin Nutr 1997; 65:1951S-1952S.. Além disso, muitas vezes, esse profissional é instado a receitar ou opinar sobre "nutrição alternativa", "nutrição ortomolecular", nutrientes antioxidantes, etc. Dessa forma, médicos de diversas especialidades, inclusive clínicos gerais, devem capacitar-se em terapia nutricional e na orientação de seus pacientes com informações mais técnicas do que meros conselhos de bom senso ou com informação nutricional assimilada sem o devido senso crítico77. LUPO, A. Nutrition in general practice in Italy. Am J Clin Nutr 1997; 65:19635-19665..

Apesar das mudanças curriculares ocorridas nas escolas médicas, com reflexos na prática da Medicina, muitas vezes priorizando exames sofisticados em detrimento de abordagens mais simples e de menores custos, houve pouca mudança na práxis da educação médica atual33. FELDMAN, E. B. Networks for medical nutrition education - a review of the US experience and future prospects. Am J Clin Nutr 1995; 62(3):512-517.. Áreas importantes da formação médica, como medicina preventiva, ética médica e nutrição, têm sido negligenciadas nos currículos de escolas médicas (EM) dos Estados Unidos33. FELDMAN, E. B. Networks for medical nutrition education - a review of the US experience and future prospects. Am J Clin Nutr 1995; 62(3):512-517., Europa99. SLAVIN, S. J.; WILKES, M. S.; USATINE, R. Doctoring III: innovations in education in the clinical years. Acad Med. 1995; 70:1091-1095. e Austrália1010. WARDEN, R. A.; LETTOOF,A. L.; WALLIS, B. J.; PORTEOU5, J. E. Feed us nutrition: final year medical students' perceptions of nutrition medical education. Aust N Z J Med 1996; 26:640-645.. Componente essencial da educação médica durante a graduação, residência e cursos de educação continuada, o ensino de nutrição para médicos permanece inadequado na maioria dos países, incluindo os Estados Unidos33. FELDMAN, E. B. Networks for medical nutrition education - a review of the US experience and future prospects. Am J Clin Nutr 1995; 62(3):512-517. e Europa44. GOVAERTS, F. Advice on healthy food as given by Flemish general practitioners. Am J Clin Nutr 1997; 65:1951S-1952S.),(77. LUPO, A. Nutrition in general practice in Italy. Am J Clin Nutr 1997; 65:19635-19665..

No Brasil, aparentemente poucas EM, como, por exemplo, a FM-USP-Ribeirão Preto, incluem o ensino de nutrição clínica no currículo. As causas apontadas22. DUTRA DE OLIVEIRA, J. E. & MARCHTNT, J. S. Clinical nutrition for MDs: reappraisal and identity. Am J Clin Nutr. 1995; 62:1289-1290. incluem a identidade precária da nutrologia no contexto da clínica médica e a falta de infraestrutura para o ensino de nutrição nos hospitais universitários, incluindo a falta de médicos treinados na área.

O objetivo deste estudo foi verificar a existência do ensino regular de nutrição clínica, dirigido a alunos de graduação, nas escolas médicas de Minas Gerais (MG).

MÉTODOS

Em março de 1996, encaminhou-se correspondência ao Coordenador de Graduação em Medicina (denominado Dire­tor de Graduação ou Assessor Pedagógico em algumas Faculdades) de cada uma das dez EM de MG, solicitando informações sobre a existência e a natureza do ensino de Nutrição Clínica ou disciplinas afins. Além da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro (Uberaba), as EM das seguintes cidades mineiras foram incluídas: Alfenas, Barbacena, Belo Horizonte (UFMG e FCMMG), Itajubá, Juiz de Fora, Montes Claros, Pouso Alegre e Uberlândia. Nova correspondência foi enviada em fevereiro de 1997 para as quatro EM que não haviam respondido à primeira.

As respostas obtidas foram agrupadas nas seguintes categorias: 1) ausência de ensino de nutrição; 2) o conhecimento sobre nutrição clínica é obtido de forma dispersa nos cursos de pediatria, bioquímica, fisiologia ou endocrinologia; 3) o curso de nutrição é formalmente ministrado de forma regular por professores cuja identificação com a nutrição clínica é bem clara.

RESULTADOS

Não se obteve informação de apenas uma EM (FM de Barbacena). Os Coordenadores de Graduação de sete EM informaram sobre a inexistência curricular de nutrição clínica ou nutrologia (quatro casos); os outros três referiram estar o conteúdo programático distribuído em outras disciplinas, com destaque para bioquímica e pediatria. Apenas duas EM de MG referiram cursos de nutrição durante a graduação em Medicina: o Grupo de Nutrição Pediátrica da FM-UFMG, que minis­tra um curso teórico, optativo para alunos de Medicina, e o da FMTM de Uberaba, onde o curso de nutrição clínica é obrigatório para alunos do 7° período.

O curso ministrado na FM-UFMG é basicamente teórico e seu programa engloba aspectos da nutrição em pediatria (aleitamento materno, reidratação oral, etc.). O curso é concentrado em um mês de aulas, toda semana, com duração de duas horas/aula. Como parte da avaliação, os alunos fazem prova teórica e monografia em grupo. Os docentes do curso são nutricionistas e pediatras titulados na área.. Um curso similar de nutrição também é oferecido em nível de pós-graduação.

Na FMTM, Uberaba, a disciplina de nutrologia (nutrição clínica), do Departamento de Clínica Médica, é obrigatória para alunos de graduação em Medicina e tem carga de 40 horas, distribuídas em 15 horas de aulas teóricas e o restante teórico­práticas, com pacientes, nas enfermarias do Hospital Escola (HE). No internato, do 10° ao 12° períodos, os alunos passam quatro meses no estágio de clínica médica, com atividades regulares nas enfermarias do HE. Sua atividade na nutrologia consiste na avaliação do estado nutricional dos pacientes sob sua responsabilidade, na prescrição de dietoterapia e suporte nutricional, além da presença obrigatória em discussão sema­nal de casos clínicos, perfazendo, no mínimo, 16 horas adicionais. Os docentes da nutrologia são médicos com Residência e pós-graduação em clínica médica, área de nutrição clínica e, junto com nutricionista, enfermeira e farmacêutico, compõem a Equipe de Suporte Metabólico-Nutricional do HE, responsável pela terapia nutricional de adultos hospitalizados. Um curso sobre "Fisiopatologia da Desnutrição" também é oferecido, em nível de pós-graduação.

DISCUSSÃO

Autores como Dutra de Oliveira & Marchini22. DUTRA DE OLIVEIRA, J. E. & MARCHTNT, J. S. Clinical nutrition for MDs: reappraisal and identity. Am J Clin Nutr. 1995; 62:1289-1290. propõem o ensino da nutrologia como especialidade médica envolvida no estudo da fisiopatologia, diagnóstico e tratamento de doenças nutricionais, menos afeita às doenças nutricionais clássicas, raramente diagnosticadas na atualidade, como o escorbuto ou a carência primária de vitamina B12, e mais preocupada com problemas nutricionais que afetam mais de 50% dos pacientes internados nas enfermarias gerais dos hospitais universitários88. McWHTRTER, J. P. & PENNJNGTON, C. R. Incidence and recognition of malnutrition in hospital. BMJ 1994; 308:945-948., como a subnutrição energética crônica (marasmo) ou a subnutrição proteica aguda (kwashiorkor). Entretanto, a maioria dos alunos das EM mineiras não tem treinamento teórico­prático regular que os capacite para o diagnóstico e tratamento das doenças nutricionais.

Apenas duas das dez EM de Minas Gerais ministram curso regular de nutrição clínica; na maioria das EM, as informações sobre nutrição vêm associadas com os conceitos básicos de bioquímica, pediatria e outras disciplinas, e aparentemente pouco se ensina durante o tempo de internato e residência médica. Esses números estão próximos aos dos Estados Unidos, nos anos 1987-88, em que apenas 27% das EM ministra­vam curso de nutrição; a maioria ensinava tópicos de nutrição no contexto de outros cursos, como bioquímica, fisiologia e patologia66. KUSHNER, R. F.; THORP, F. K.; EDWARDS, J.; WEINSIER, R. L.; BROOKS, C. M. Implementing nutrition into the medical curriculum: a user's guide. Am J Clin Nutr 1990; 52:401-403.. Além disso, embora a carga horária recomendada para os cursos fosse33. FELDMAN, E. B. Networks for medical nutrition education - a review of the US experience and future prospects. Am J Clin Nutr 1995; 62(3):512-517. 20 horas, a maioria ministrava uma carga menor que 20 horas66. KUSHNER, R. F.; THORP, F. K.; EDWARDS, J.; WEINSIER, R. L.; BROOKS, C. M. Implementing nutrition into the medical curriculum: a user's guide. Am J Clin Nutr 1990; 52:401-403.. Embora não disponhamos da taxa de matrícula no curso de nutrição da FM-UFMC, um problema importante nos Estados Unidos é que um número expressivo de alunos das EM (> 94%) não se matricula em cursos opcionais de nutrição1111. WEINSIER, R. L.; BOKER, J. R.; FELDMAN, E. B.; READ, M. 5.; BROOKS, C. M. Nutrition knowledge of senior medical students: a collaborative study of southeastem medical school. Am J Clin Nutr 1986; 43:959-968..

A incorporação da nutrição clínica nas EM tem sido lenta e difícil11. CASANUEVA, E. & VALDES, R. El conocimiento nutriológico de médicos residentes. Rev Invest Clin 1991; 43:211-214.; a alimentação de doentes é considerada um dos serviços do hospital e não da assistência médica. No entanto, os médicos têm que conhecer nutrição para entender a fisiopatologia de afecções tão distintas quanto hipertensão arterial sistêmica, osteoporose, obesidade, diabetes mellitus, alcoolismo, insuficiência cardíaca e outras, além de subnutrição primária e secundária11. CASANUEVA, E. & VALDES, R. El conocimiento nutriológico de médicos residentes. Rev Invest Clin 1991; 43:211-214..

As EM devem capacitar seus graduandos e pós-graduandos na área de alimentos e nutrição. Os médicos, especialmente os de família, devem ser treinados a reconhecer e tratar doenças nutricionais, bem como atuar na profilaxia de doenças relacionadas ao hábito alimentar44. GOVAERTS, F. Advice on healthy food as given by Flemish general practitioners. Am J Clin Nutr 1997; 65:1951S-1952S.. Uma forma de implementar o ensino de nutrição para médicos seria incluir questões sobre nutrição nas provas para admissão à residência médica ou na avaliação das EM em exames como os do Cinaen. Nos Estados Unidos, cerca de 10% da prova aplicada pelo National Board of Medical Examiners exige conhecimentos sobre nutrição básica ou clínica55. HARK, L. A., Iwamoto C, Melnick DE, Young EA, Morgan SL, Kushner R, Hensrud DD. Nutrition coverage on medical Licensing examinations in the United States. Am J Clin Nutr 1997; 65:568-571.. A falta de professores de nutrição para médicos ou a identidade precária da nutrologia no contexto da clínica médica são possíveis explicações para esta deficiência do ensino médico. Outro problema a ser equacionado seria a definição do conteúdo programático desses cursos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • 1
    CASANUEVA, E. & VALDES, R. El conocimiento nutriológico de médicos residentes. Rev Invest Clin 1991; 43:211-214.
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    DUTRA DE OLIVEIRA, J. E. & MARCHTNT, J. S. Clinical nutrition for MDs: reappraisal and identity. Am J Clin Nutr. 1995; 62:1289-1290.
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    FELDMAN, E. B. Networks for medical nutrition education - a review of the US experience and future prospects. Am J Clin Nutr 1995; 62(3):512-517.
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    GOVAERTS, F. Advice on healthy food as given by Flemish general practitioners. Am J Clin Nutr 1997; 65:1951S-1952S.
  • 5
    HARK, L. A., Iwamoto C, Melnick DE, Young EA, Morgan SL, Kushner R, Hensrud DD. Nutrition coverage on medical Licensing examinations in the United States. Am J Clin Nutr 1997; 65:568-571.
  • 6
    KUSHNER, R. F.; THORP, F. K.; EDWARDS, J.; WEINSIER, R. L.; BROOKS, C. M. Implementing nutrition into the medical curriculum: a user's guide. Am J Clin Nutr 1990; 52:401-403.
  • 7
    LUPO, A. Nutrition in general practice in Italy. Am J Clin Nutr 1997; 65:19635-19665.
  • 8
    McWHTRTER, J. P. & PENNJNGTON, C. R. Incidence and recognition of malnutrition in hospital. BMJ 1994; 308:945-948.
  • 9
    SLAVIN, S. J.; WILKES, M. S.; USATINE, R. Doctoring III: innovations in education in the clinical years. Acad Med. 1995; 70:1091-1095.
  • 10
    WARDEN, R. A.; LETTOOF,A. L.; WALLIS, B. J.; PORTEOU5, J. E. Feed us nutrition: final year medical students' perceptions of nutrition medical education. Aust N Z J Med 1996; 26:640-645.
  • 11
    WEINSIER, R. L.; BOKER, J. R.; FELDMAN, E. B.; READ, M. 5.; BROOKS, C. M. Nutrition knowledge of senior medical students: a collaborative study of southeastem medical school. Am J Clin Nutr 1986; 43:959-968.
  • 1
    Trabalho realizado na Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro, Uberaba.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 1999
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