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PÓS-GRADUAÇÃO EM PATOLOGIA HUMANA NA FACULDADE DE MEDICINA DE RIBEIRÃO PRETO: EXPERIÊNCIA E PERSPECTIVAS

Resumo:

Após breve revisão da legislação brasileira referente à pós-graduação na área médica, o autor descreve a adaptação dessa legislação aos programas de Mestrado e Doutorado em Patologia Humana da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, bem como a experiência acumulada nos últimos 6 anos e as perspectivas desses programas.

Summary:

Principles of postgraduate study in the razilian legislation as applied to Medicine are reviewed. Adaptation of those principles in Postgraduate programs (“Mestrado” and “Doutorado”) of Human Pathology in the Medical School of Ribeirão Preto, the institutional experience in the last 6 years, as well as the perspective of progress in this field are reported.

Introdução

No ano em que o Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto completa 30 anos de atividades, o Curso de Pós-Graduação em Patologia Humana, ali ministrado completa 6 anos de funcionamento, e o momento é oportuno para algumas considerações.

Os pareceres 977/65 e 77/69 do Conselho Federal de Educação (CFE) definiram a filosifia que norteou a criação de cursos de pós-graduação no Brasil22. BRASIL, Leis, decretos etc. Parecer 77/69 do Conselho Federal de Educação aprovado em 11/12/1969. Documenta (98): 128-32, fev. 1969.),(33. BRASIL. Leis, decretos etc. Resolução 11/77 do Conselho Federal de Educação aprovada em 23/06/1977. Lex, Leg. Fed., 41: 1025-27, 1977.. A criação de tais cursos foi promovida com o objetivo de desenvolver recursos humanos universitários constituídos por profissionais de alto nível, capazes de desenvolver a docência e a pesquisa em suas áreas. Aquela legislação caracterizou os cursos de pós-graduação lato sensu e stricto sensu, particularizando nestes os cursos de Mestrado e Doutorado. Entretanto, na área médica, a aplicação da legislação inicial não foi destituída de problemas. Os primeiros cursos, iniciados em 1970, exigiam “regime de Residência com dedicação exclusiva”. Este esquema, que vigorou alguns anos, revelou-se inadequado. O CFE corrigiu a situação através da Resolução 11/77, que tornou a Residência Médica um pré-requisito para os cursos de pós-graduação stricto sensu na área médica44. BRASIL. Leis, decretos etc. Parecer 243/82 do Conselho Federal de Educação aprovado em 06/05/1982. Diário Oficial da União, Brasília, 3 de junho de 1982. P. 10182..

À época em que se inciaram os cursos de pós-graduação na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, em 1970, não havia condições para organizar uma Área de Concentração em Patologia. Foi apenas em 1977 que se pôde propor sua criação; o Departamento de Patologia considerou prematuro abrir o curso para profissionais de graduação heterogênea, como biólogos, veterinários, odontólogos etc. e optou por criar uma Area de Concentração ligada à área médica, sob a denominação Patologia Humana. Já vigorava, então, a Resolução 11/77 do CFE, que impunha, também, para esta Área, a exigência da Residência Médica de 2 anos em Anatomia Patológica, ou suficiente experiência na especialidade, como pré-requisito para ingressar no Mestrado, ou no Doutorado.

Organização dos programas

A Área de Concentração oferece cursos de Mestrado e Doutorado em Patologia Humana, credenciados pelo CFE através do Parecer 243/8255. COMISSÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO DA FMRP-USP. Cursos de pós-graduação; áreas básicas e clínicas. Ribeirão Preto, Faculdade de Medicina da Ribeirão Preto, 1976. (Boletim II - 1975/1976).. A inscrição nos programas é aberta duas vezes por ano. O número de vagas é definido após consulta aos docentes credenciados para orientar estudantes de pós-graduação em função da capacidade dos seus laboratórios para absorver novos alunos. O processo de seleção leva em conta o curriculum vitae e os resultados de uma prova escrita e de uma entrevista pessoal com o corpo docente. Durante o próprio processo de seleção, define-se qual será o docente que tomará o novo aluno como seu orientando. O orientador recebê-lo-á num sistema de tutoria, de modo que todo o desenvolvimento do programa será centrado no binômio orientador-orientando. Do candidato aprovado no exame de seleção, requerer-se-á, durante o primeiro semestre do curso, que demonstre proficiência em Inglês para o curso de Mestrado, e, em Inglês e outra língua, para o curso de Doutorado.

A área Patologia Humana está estruturada em molde semelhante ao das demais 14 áreas (básicas ou médicas) credenciadas na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, segundo a Portaria GR. n.o 1212, de 25 de junho de 1970, da Universidade de São Paulo11. BRASIL. Leis, decretos etc. Parecer 977/65 do Conselho Federal de Educação aprovado em 3/12/ 1965. Documenta. (44): 67-86. dez. 1965..

Durante o curso, o aluno desenvolve atividades acadêmicas em disciplinas pré-requisito, ou compulsórias, ou opcionais, da Área de Concentração e em disciplinas de Áreas de Domínio Conexo; estas atividades devem totalizar 48 créditos para o Mestrado e 96 créditos para o Doutorado (cada crédito compreende 12 horas de atividades). E norma que 50% dos créditos sejam obtidos na própria Área e 50% em Áreas de Domínio Conexo. As disciplinas a serem cursadas no semestre são escolhidas, a partir de um calendário publicado semestralmente pela Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto; assim sendo, cada aluno trilha um caminho individualmente delineado, de comum acordo com o seu orientador. Na Tabela I, estão relacionados os números de disciplinas e de créditos oferecidos em cada uma das Áreas credenciadas na Faculdade de Medicina, configurando a disponibilidade global de créditos que podem ser oferecidos para as atividades acadêmicas.

Tabela I
Disciplinas e créditos disponíveis nas diversas Áreas de Concentração dos Cursos de Pós-Graduação da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto.

A Patologia Humana, como ramo da Medicina e como atividade de forte conotação interdisciplinar, requer dos que a ela se dedicam uma formação de base extremamente ampla, de vez que exige do patologista constantes incursões nos métodos e técnicas das ciências básicas da Medicina, ao lado de conhecimentos aprofundados dos aspectos clínicos e cirúrgicos dos problemas médicos que deve estudar. Em vista do exposto, considera-se que todas as demais Áreas credenciadas na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (Figura 1) constituem o Domínio Conexo para os programas de Mestrado e Doutorado em Patologia Humana. A Tabela II lista as disciplinas da própria Área, bem como o caráter de cada uma e o número de créditos que concede.

Figura 1
Domínio Conexo para a Área de Concentração Patologia Humana.

Tabela II
Disciplinas da Área Concentração

Além das atividades acadêmicas, o estudante desenvolve um projeto de pesquisa que culmina com a preparação de uma dissertação, no curso de Mestrado, ou de uma tese, no curso de Doutorado. Antes da defesa da dissertação, ou da tese, ele deve passar por um Exame de Qualificação, que avalia as atividades acadêmicas anteriores; a aprovação nesse exame é condição para habilitá-lo à defesa da dissertação, ou da tese. Os projetos científicos enquadram-se numa das diversas linhas de pesquisa atualmente desenvolvidas no Departamento de Patologia. A moléstia de Chagas é o tema central das pesquisas ali desenvolvidas, desde a sua fundação em 1954. À época em que foi criada, a Área Patologia Humana, em 1978, já havia novas linhas de pesquisa envolvendo o estudo do alcoolismo humano e experimental, das cardiomiopatias humanas e experimentais, da desnutrição e da enzimopatologia; mais recentemente incluíram -se linhas relacionadas com a patologia ultra-estrutural e a patologia da proliferação celular. Desde a criação dos cursos, foram desenvolvidos modelos experimentais para a produção de nefropatia por deficiência de colina, de ovários micropolicísticos e megavísceras. A produção científica dos alunos de pós-graduação é bastante regular e nesses anos eles participaram como co-autores em cerca de duas dezenas de trabalhos publicados pelo Departamento.

Evolução e perpectivas

Durante o período 1978/1981, a Area funcionou com credenciamento restrito à Universidade de São Paulo e praticamente atendeu à demanda interna do Departamento de Patologia. A Tabela III resume os dados de inscrição, matrícula, titulação e evasão desde o início do curso. Até 1981, a Área titulou 4 Mestres e 1 Doutor. Alguns dos candidatos aceitos no primeiro ano de funcionamento, e titulados no período de 78 a 81, ingressaram na carreira universitária e hoje fazem parte do corpo docente do próprio Departamento.

Tabela III
Fluxo de alunos de pós-graduação nos programas de Mestrado e Doutorado da Área Patologia Humana da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto a partir do primeiro semestre de 1978.

Observa-se na Tabela III que a Área poucas vezes teve candidatos em número suficiente para esgotar a oferta de vagas. Veja-se que nos semestres do período 80-82 a procura foi muito menor que a oferta. Ulteriormente, a baixa procura repercutiu no número de titulações; além daquelas referidas acima, a Área titulou mais 1 Mestre em 1982 e outro em 1983. A Tabela III revela, entretanto, outros aspectos da dinâmica dos cursos de Mestrado e Doutorado. O ingresso de alunos de pós-graduação vem crescendo nos últimos semestres e o fato tem reflexo no número de alunos já aprovados no Exame de Qualificação ou Tese. O aumento da procura está provavelmente ligado ao credenciamento do curso pelo CFE em 198255. COMISSÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO DA FMRP-USP. Cursos de pós-graduação; áreas básicas e clínicas. Ribeirão Preto, Faculdade de Medicina da Ribeirão Preto, 1976. (Boletim II - 1975/1976).. Surgiram, sobretudo, candidatos ligados às Universidades Federais, que estimulados por suas escolas de origem e pelo Programa Institucional de Capacitação Docente (PICD) da CAPES, se transferiram para Ribeirão Preto. No semestre 1/84 (Tabela III), verifica-se que ingressaram 8 novos pós-graduandos, 4 para o Mestrado e 4 para o Doutorado, e, ao longo deste semestre, há 7 alunos de Mestrado e 5 de Doutorado cursando disciplinas e elaborando dissertação, ou tese; há 3 alunos de Doutorado com os créditos já integralizados, ainda elaborando Tese. Quanto à evasão, o índice pode ser considerado baixo; restringiu-se aos primeiros anos, provavelmente em decorrência de falhas no processo de seleção e erros de concepção dos candidatos quanto aos objetivos do curso, principalmente no que se refere à distinção entre curso de especialização e curso de pós-graduação stricto sensu e à necessidade da dedicação exclusiva ao curso. A Área tem sistematicamente desencorajado a inscrição de candidatos que não podem desenvolver o curso em regime de dedicação exclusiva; esta linha de conduta tem levado à seleção quase restrita de candidatos vinculados a outras Universidades, que se podem manter com o seu salário de origem, subsidiado pela ajuda adicional do PICD.

Linhas de pesquisas em desenvolvimento no Departamento de patologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP.

Alcoolismo humano e experimental

Câncer gástrico

Cardiomiopatias

Desnutrição

Enzimopatologia

Ultra-estrutura nos processos patológicos

Moléstia de Chagas

Nefropatologia

Patologia da proliferação

Embora o Mestrado não seja pré-requisito para o Doutorado, a Área encorajou as inscrições e o ingresso na pós-graduação pela porta do Mestrado, até acumular experiência suficiente, durante a fase de implantação do curso de pós-graduação. A inclusão de cursos de Mestrado em Áreas Médicas, na legislação brasileira de pós­ graduação, levantou enorme polêmica, que até hoje divide as opiniões. A nossa experiência mostra que esta alternativa proposta pela legislação tem aspectos positivos. Um deles refere-se ao fato de que o desenvolvimento de um curso de pós-graduação stricto sensu, precedendo o curso de Doutorado, atende de forma muito flexível à falta de tradição em pesquisa da maioria das Universidades brasileiras, incluídas nesta generalização as escolas médicas. Mesmo em um centro de pesquisas reconhecido, como a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, a prática de desenvolver dissertações originais em suas diversas Áreas, agiu como fator de criação e consolidação de linhas de pesquisa; por outro lado, agiu como fator de melhoria para o nível dos cursos de Doutorado das diversas Áreas, uma vez que aí o rigor é ainda maior, pela própria natureza do curso. Há que se considerar o objetivo que norteia a pós-graduação stricto sensu, visando, ao lado da formação docente, ao desenvolvimento de nova mentalidade, traduzida em uma atitude inquisitiva, metódica e analítica frente ao ambiente que nos cerca. Não é demais acentuar que não se consegue encurtar artificialmente o período deste aprendizado e a possibilidade de obter titulações intermediárias ao longo do mesmo não prejudica o objetivo final e dá flexibilidade ao esquema, para atender às características individuais daqueles que entram, ou saem, do processo. A acentuada demora nas titulações é um dos aspectos negativos a considerar nos cursos de pós-graduação da área médica, que também com promete o curso de Patologia Humana, que estamos analisando. O médico que se engaja na pós-graduação, após obter o título de especialista, sabe que não obterá o título de Doutor antes de completar 30 anos. Caso não esteja vinculado a uma universidade e ao PICD, terá que se suje it a r a passar toda esta fase sem cobertura previdenciária para si e sua família. Passada esta fase, ele chegará à aposentadoria com uma defasagem de vários anos com relação a outras profissões universitárias, o que, a longo prazo, configura injustiça social e torna a profissão pouco atraente.

Outro aspecto de importância na evolução do curso de Patologia Humana diz respeito à avaliação continuada dos projetos de pesquisa desenvolvidos pelo binômio orientador-orientando, sob a égide da Área. Um evento de particular importância foi a criação, em 1983, do “Ciclo de Análise dos Projetos da Área”, com aprovação do Conselho do Departamento. Estes ciclos são realizados no primeiro e no segundo semestre e permitem que todos os membros do Departamento envolvidos na execução de projetos científicos (docentes e estudantes de Pós-Graduação) analisem o planejamento e a evolução dos trabalhos ligados aos cursos de Mestrado e Doutorado. O espírito do ciclo não fere a autonomia científica do binômio orientador-orientando, soberano em suas decisões sobre o andamento ou modificações do plano de trabalho. Por outro lado, permite à Área conhecer toda a atividade científica desenvolvida sob sua coordenação, sem prejuízo do exercício da autoridade que lhe é inerente.

A pós-graduação brasileira tem sido objeto de ativas discussões no âmbito de simpósios ou seminários de discreta divulgação. Sem dúvida alguma, o objetivo de todos os participantes desses debates é aprimorar o processo, e muito ainda está por ser feito. Com o presente texto, procuramos levar ao conhecimento da comunidade científica a experiência do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, com a atual legislação de pós-graduação stricto sensu e contribuir com alguns dados possivelmente úteis para o seu aperfeiçoamento.

Referências bibliográficas

  • 1
    BRASIL. Leis, decretos etc. Parecer 977/65 do Conselho Federal de Educação aprovado em 3/12/ 1965. Documenta (44): 67-86. dez. 1965.
  • 2
    BRASIL, Leis, decretos etc. Parecer 77/69 do Conselho Federal de Educação aprovado em 11/12/1969. Documenta (98): 128-32, fev. 1969.
  • 3
    BRASIL. Leis, decretos etc. Resolução 11/77 do Conselho Federal de Educação aprovada em 23/06/1977. Lex, Leg. Fed., 41: 1025-27, 1977.
  • 4
    BRASIL. Leis, decretos etc. Parecer 243/82 do Conselho Federal de Educação aprovado em 06/05/1982. Diário Oficial da União, Brasília, 3 de junho de 1982. P. 10182.
  • 5
    COMISSÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO DA FMRP-USP. Cursos de pós-graduação; áreas básicas e clínicas. Ribeirão Preto, Faculdade de Medicina da Ribeirão Preto, 1976. (Boletim II - 1975/1976).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 1985
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