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CURSO MÉDICO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO: UMA VISÃO CRÍTICA DE SEUS OBJETIVOS

Resumo:

Para melhor avaliação dos objetivos do Curso Médico da Universidade Federal de Pernambuco, é apresentado o perfil do Médico Geral Comunitário e são analisados aspectos referentes a sua formação, bem como ao seu aproveitamento no mercado de trabalho. São também questionados aspectos concernentes às aspirações profissionais dos concluintes do Curso Médico dessa Universidade e às frustrações impostas pelo Curso e pelo mercado de trabalho. Como método de estudo foi utilizado um questionário, aplicado a estes concluintes, com os tópicos: conceituação, necessidade de formação, dificuldades quanto à formação, sociedade e mercado de trabalho, e informações pessoais.

A maioria dos estudantes afirmou que desconhecia previamente o significado do termo Médico Geral Comunitário. Esclarecidos a respeito, a quase totalidade da amostra reconheceu a importância de tal profissional para nossa realidade sócio-econômica, mas poucos se dispunham a seguir esta linha. Muitos apontaram a estrutura e funcionamento do Curso Médico como um dos principais fatores contrários à formação do Médico Geral Comunitário. A atualidade do tema e o enfoque da questão pelo lado estudantil alertam para a necessidade de uma reavaliação crítica dos objetivos do Curso Médico em questão.

Summary:

The professional characteristics of the General Practioner are discussed in order to better evaluate the objectives of the Federal University of Pernambuco Medical Course. Some aspects of the medical education and the availability of jobs for this kind of doctor in the present structure of Brazilian National Health Service are also analysed. Aspirations for the professional life of the last-year medical students are questioned as well as their frustations motivated by the present medical course organization and the scant probabilities of getting jobs in the future. Eighty percent of the last-year medical students answered to a questionaire giving informations about: characteristics of the General Practioner, requirements for its education, availability of jobs and personal aspirations.

The majority of the students stated that they did not know the meaning of the expression “community general physician” officially used to designate the general practioner in Brazil. Being informed about the professional profile of this type of doctor, almost all of the students recognized the great need of the community general doctor in our medical-social-economical reality. However very few of the students intended to follow this specialization. The present curriculum of the medical course and the qualification of the teaching staff, trained for other specialities, were pointed as one of the main handicap for training of the community general doctor.

The relevance of this subject and the approach given to it by the students, make this study of great interest for students, educators and government authorities, and warn for an urgent need of reevaluation of the objectives of the medical course, and of the present national health politics.

INTRODUÇÃO

No momento, em que se constata a precariedade do nosso sistema de assistência à saúde, estudiosos de todo o País procuram delinear um modelo de atendimento médico mais eficaz e adaptado a nossa realidade social. Como figura essencial deste modelo, encontra-se o médico geral comunitário.

Considerando a atualidade e o alcance social do tema, procuramos analisar, através da opinião dos doutorandos, de 1983, da área médica da Universidade Federal de Pernambuco, que papel estava desempenhando nossa escola na formação de tal profissional.

São questionados, ainda, aspectos referentes às aspirações profissionais destes doutorandos e às frustrações impostas pelo curso e pelo mercado de trabalho.

1. Considerações sobre o Médico Geral Comunitário

A terminologia referente ao tipo de profissional que iremos estudar é variada: médico geral, generalista, geral comunitário, de família etc, recebendo denominações diferentes em diversas instituições e em diversos países,101. ABATH, Guilherme M. - O médico geral comunitário: estratégias de formação. Residência Médica, Brasília, 4 (1): 75-80. 1982.),(202. _______. - Experiência sob forma de residência médica em medicina geral comunitária. Recife, Universidade Federal de Pernambuco/ Projeto Vitória, 1982. Mimeo.),(303. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MÉDICA. - Preparação do médico geral. Revista Brasileira de Educação Médica. Rio de Janeiro, 6 (2): 121-8, maio/ago. 1982.),(404. BEVILACQUA, Fernando. - Tendências curriculares na área profissional e a formação do “médico de família”. Revista Brasileira de Educação Médica . Rio de Janeiro, 2 (1): 17-20, jan./abr. 1978.),(505. BLANK, Nelson & VEICTORA, Cesar G. - A influência da escola médica sobre a opção profissional de seus alunos: um estudo transversal. Revista Brasileira de Educação Médica . Rio de Janeiro, 3 (1): 19-30, jan./abr. 1979.),(606. CARNEIRO, Américo Piquet. - A medicina de família. Revista Brasileira de Educação Médica . Suplemento. Rio de Janeiro, 1: 19-49, maio. 1978.),(707. CEITLIN, Julio. - Conceptos y definiciones. In: Qué es la medicina familiar? Caracas, Prensas Venezolanas de Editorial Arte, 1982. p. 26-30.),(1010. FEDERACIÓN PANAMERICANA DE ASOCIACIONES DE FACULTADES DE MEDICINA. Caracas, 17 (4), 1981.. Embora apresentem características semelhantes, vários autores não consideram os termos como sinônimos1515. SEMINÁRIO SOBRE A FORMAÇÃO DO MÉDICO GENERALISTA, Campinas, 24-27, maio 1978. Componente e relatório do grupo A. Revista Brasileira de Educação Médica . Suplemento. Rio de Janeiro, 1: 141-2, maio. 1978..

Tomaremos como ponto de referência, para conceituar este profissional, características e atribuições definidas pela Comissão Nacional de Residência Médica, na Resolução 07/81909. COMISSÃO NACIONAL DE RESIDÊNCIA MÉDICA. Resolução 7/81. Residência Médica . Brasília, 3 (1):18-21, 1981..

O artigo 5o desta Resolução afirma que médico geral comunitário teria como características básicas: prestação de cuidados primários de saúde, com ênfase no grupo materno-infantil, dentro do conceito de atendimento integrado à família; atendimento a patologias ambulatoriais simples; controle das doenças infecto-contagiosas; educação em saúde e atendimento às carências alimentares, incluindo programas de suplementação e correção específica das deficiências nutricionais.

Este profissional prestaria assistência médica integral e contínua ao paciente, considerando-o como parte de um contexto familiar e social. Estaria capacitado a resolver os problemas de saúde, de ocorrência mais comum em nosso meio, independente de idade, sexo ou patologia do paciente, referindo aos especialistas os casos mais complexos909. COMISSÃO NACIONAL DE RESIDÊNCIA MÉDICA. Resolução 7/81. Residência Médica . Brasília, 3 (1):18-21, 1981.),(1010. FEDERACIÓN PANAMERICANA DE ASOCIACIONES DE FACULTADES DE MEDICINA. Caracas, 17 (4), 1981..

A tendência à especialidade acelerou-se rapidamente nos últimos anos, determinando uma medicina fragmentada, tendo como conseqüência uma visão partitiva do doente606. CARNEIRO, Américo Piquet. - A medicina de família. Revista Brasileira de Educação Médica . Suplemento. Rio de Janeiro, 1: 19-49, maio. 1978.. Este fenômeno tem, entre seus fatores determinantes, o grande progresso das ciências neste século e a sofisticação da medicina norte-americana606. CARNEIRO, Américo Piquet. - A medicina de família. Revista Brasileira de Educação Médica . Suplemento. Rio de Janeiro, 1: 19-49, maio. 1978.),(1313. SEMINÁRIO A FORMAÇÃO DO MÉDICO DE FAMÍLIA, Petrópolis, 11-12, maio 1973. Trabalhos apresentados. Petrópolis, OPAS, ABEM, 1973..

Considerando a formação do profissional que atendesse às necessidades imediatas de saúde dos pacientes, países, tanto desenvolvidos, como subdesenvolvidos, e a própria Organização Mundial de Saúde têm como objetivo incentivar a formação de tal profissional606. CARNEIRO, Américo Piquet. - A medicina de família. Revista Brasileira de Educação Médica . Suplemento. Rio de Janeiro, 1: 19-49, maio. 1978..

Cerca de 70% das necessidades de saúde da população brasileira, segundo dados da Previdência Social, poderiam ser atendidos pelo médico geral comunitário1414. SEMINÁRIO SOBRE A FORMAÇÃO DO MÉDICO GENERALISTA, Campinas, 24-27, maio 1978. Opiniões e pontos de vista. Revista Brasileira de Educação Médica . Suplemento. Rio de Janeiro 1: 131-38, maio. 1978..

2. Perfil atual do Curso Médico da Universidade Federal de Pernambuco

Com o advento da Reforma Universitária, houve o desaparecimento da “Faculdade de Medicina” e de outras “Faculdades” e “Escolas” e a criação dos Centros. Assim, o Curso Médico ficou sendo ministrado por sete departamentos do Centro de Ciências da Saúde e por seis departamentos do Centro de Ciências Biológicas.

Em consulta ao Regimento Interno do Centro de Ciências da Saúde, não encontramos dados relacionados com o tipo de profissional que o Curso se propõe a formar.

As disciplinas estão a cargo dos departamentos. Inexistem disciplinas gerais, como, por exemplo, Clínica Médica, Cirúrgica etc, predominando as disciplinas especializadas. Outro fato a ressaltar é a ausência quase total de integração, tanto em nível interdisciplinar, quanto interdepartamental.

O curso prático do ciclo profissional era ministrado no Hospital Pedro II, arrendado pela Universidade à Santa Casa de Misericórdia do Recife para servir-lhe de Hospital das Clínicas, até julho de 1982, quando seus serviços foram transferidos para o novo e inacabado Hospital das Clínicas no Campus Universitário. Esta transferência acarretou a paralisação, por parte dos docentes, médicos residentes e estudantes, de suas atividades, no período de um semestre. Por este motivo, os atuais doutorandos optaram por um sistema de internato intensivo, sendo facultada aos mesmos qualquer modalidade de estágio: rotativo, ou eletivo.

O Hospital Universitário é estruturado basicamente para atender a pacientes de nível secundário e terciário, predominando ambulatórios e enfermarias especializados. Inexistem serviços de emergência e atividades em postos ou centros de saúde.

Vinculados à Universidade, existem alguns projetos que se propõem a preparar médicos gerais comunitários, dos quais o mais importante, por sua extensão e tempo de existência, é o Projeto Vitória. Est e projeto, desenvolvido nos Municípios de Vitória de Santo Antão, Pombos e Chã Grande, obedece aos princípios da integração docente-assistencial e da regionalização e hierarquização dos serviços de saúde, oferecendo Internato e Residência em Medicina Geral Comunitária.

METODOLOGIA

O nosso universo constou de 100 alunos que cursavam o primeiro período do sexto ano do Curso Médico do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco, no ano de 1983. É justificada a escolha deste grupo, pois, além de terem cursado todas as disciplinas, encontravam-se no período de Internato; sendo assim, poderiam avaliar toda a estruturação desse Curso. Dos 100 alunos, 80 responderam ao questionário.

Foi elaborado um questionário contendo trinta e três perguntas, das quais trinta e duas eram fechadas e uma era aberta, agrupadas nos seguintes itens: conceituação, necessidade de formação, dificuldade para a formação e informações pessoais.

Os próprios autores do trabalho distribuíram os questionários entre os alunos, orientando-os quanto a dúvidas.

Os dados levantados foram resumidos em tabelas, com seus valores absolutos e relativos, sendo posteriormente submetidos à análise e interpretação.

No item de informações pessoais, os dados relativos ao Internato, apesar de constarem no questionário, não foram analisados, em virtude de circunstâncias especiais em que o mesmo estava sendo realizado.

RESULTADOS E COMENTÁRIOS

Nos últimos anos, muito se tem falado e escrito sobre o médico geral comunitário 101. ABATH, Guilherme M. - O médico geral comunitário: estratégias de formação. Residência Médica, Brasília, 4 (1): 75-80. 1982.),(303. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MÉDICA. - Preparação do médico geral. Revista Brasileira de Educação Médica. Rio de Janeiro, 6 (2): 121-8, maio/ago. 1982.),(404. BEVILACQUA, Fernando. - Tendências curriculares na área profissional e a formação do “médico de família”. Revista Brasileira de Educação Médica . Rio de Janeiro, 2 (1): 17-20, jan./abr. 1978.),(606. CARNEIRO, Américo Piquet. - A medicina de família. Revista Brasileira de Educação Médica . Suplemento. Rio de Janeiro, 1: 19-49, maio. 1978.),(808. CHAVES, Mário M. - Formação do médico generalista: novos rumos. Revista Brasileira de Educação Médica . Suplemento. Rio de Janeiro, 1 :113-122, maio. 1978.),(1313. SEMINÁRIO A FORMAÇÃO DO MÉDICO DE FAMÍLIA, Petrópolis, 11-12, maio 1973. Trabalhos apresentados. Petrópolis, OPAS, ABEM, 1973.),(1414. SEMINÁRIO SOBRE A FORMAÇÃO DO MÉDICO GENERALISTA, Campinas, 24-27, maio 1978. Opiniões e pontos de vista. Revista Brasileira de Educação Médica . Suplemento. Rio de Janeiro 1: 131-38, maio. 1978.. A Organização Mundial de Saúde também vem se dedicando ao problema, incentivando a formação de tal profissional606. CARNEIRO, Américo Piquet. - A medicina de família. Revista Brasileira de Educação Médica . Suplemento. Rio de Janeiro, 1: 19-49, maio. 1978..

No entanto, como se pode observar na Tabela 1, os dados demonstraram que apenas 30% dos doutorandos conhecem, corretamente, o significado do termo médico geral comunitário. Ainda nesta amostra, 10% conceituaram o médico geral comunitário como sendo Clínico Geral, corroborando tendência comum entre os leigos, principalmente nas comunidades de interior303. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MÉDICA. - Preparação do médico geral. Revista Brasileira de Educação Médica. Rio de Janeiro, 6 (2): 121-8, maio/ago. 1982.. A conceituação do médico preventivo-social também se prestou à confusão com o termo em questão, em 6,25%. Provavelmente, as funções de alcance social e caráter preventivo do médico em estudo contribuíram para isto.

TABELA 1
Nível de Conhecimento sobre o Termo Médico Geral Comunitário

Dentre as fontes de divulgação, distingüiram-se o corpo docente e os próprios colegas. A Direção do Centro de Ciências da Saúde e a Coordenação do Curso Médico praticamente não atuaram quanto a este assunto, correspondendo apenas a 1,84% das respostas: (Tabela 2).

TABELA 2
Meios de Informações sobre o Médico Geral Comunitário* * Respostas múltiplas

Com finalidade didática, analisaremos, em separado, os fatores curriculares, docentes, estruturais e sociais contrários à formação do médico geral comunitário. Reconhecemos, entretanto, que são aspecto intimamente relacionados.

Na Tabela 3, observa-se que 75% dos alunos afirmaram que o currículo médico da UFPE tende a formar especialistas. Estes 60 alunos apresentaram como principal responsável o excesso de disciplinas especializadas, em detrimento de disciplinas gerais (75%), além de conteúdos programáticos inadequados (21,67%). (Tabela 4).

TABELA 3
Tendência de Formação pelo Currículo Escolar

TABELA 4
Fatores Curriculares que Dificultam a Formação do Médico Geral Comunitário* * Só para aqueles que responderam especialista (Tabela 3).

Esta opin1ao é consoante com o posicionamento da Associação Brasileira de Educação Médica, que considera totalmente indesejável a fragmentação do ensino da Clínica Médica e da Cirurgia em especialidades, ou subespecialidades303. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MÉDICA. - Preparação do médico geral. Revista Brasileira de Educação Médica. Rio de Janeiro, 6 (2): 121-8, maio/ago. 1982..

Quanto à necessidade da criação de um departamento de Assistência Primária no Centro de Ciências da Saúde da UFPE, 88,75% dos alunos se colocaram favoravelmente (Tabela 5). A ausência deste departamento, multidisciplinar e multiprofissional, acarreta uma desvalorização do médico geral comunitário, impedindo o seu acesso e progressão em carreiras profissionais e acadêmicas. Sua inexistência dificulta a preparação de futuros docentes, capazes de conduzir na prática, as necessidades de reformas de cursos de graduação, atualmente tão distorcidos101. ABATH, Guilherme M. - O médico geral comunitário: estratégias de formação. Residência Médica, Brasília, 4 (1): 75-80. 1982.),(202. _______. - Experiência sob forma de residência médica em medicina geral comunitária. Recife, Universidade Federal de Pernambuco/ Projeto Vitória, 1982. Mimeo.),(303. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MÉDICA. - Preparação do médico geral. Revista Brasileira de Educação Médica. Rio de Janeiro, 6 (2): 121-8, maio/ago. 1982..

TABELA 5
Necessidade de Formação de um Departamento de Assistência Primária no CCS

O Programa de Medicina Geral Comunitária da UFPE - Projeto Vitória - é considerado válido por 37,5% dos estudantes; no entanto, 58.,75% ignoram a sua existência, ou finalidade (Tabela 6).

TABELA 6
Conhecimento e Validade do Programa de Saúde Comunitária da UFPE - Projeto Vitória

Este desconhecimento deve-se, em parte, à deficiente divulgação pela Direção, Coordenação e corpo docente. Os meios pelos quais os 33 alunos que conheciam o Projeto haviam chegado a este conhecimento, acham-se distribuídos na Tabela 7. 57,5% das respostas indicavam os próprios colegas como fonte de informação e 20% a Coordenação do Projeto.

TABELA 7
Meios de Conhecimento do Projeto Vitória* * Respostas múltiplas

A insuficiência dos órgãos de Direção Superior das Universidades em estimular os programas comunitários também vem sendo notada em outros locais do Brasil, tornando-os “programas paralelos” à educação médica303. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MÉDICA. - Preparação do médico geral. Revista Brasileira de Educação Médica. Rio de Janeiro, 6 (2): 121-8, maio/ago. 1982..

No aspecto referente ao corpo docente, 83,75% dos alunos afirmaram que o mesmo tenderia a formar médicos especialistas (Tabela 8). Dos que assim opinaram, 68,66% acreditam que o principal motivo seria decorrente de seu caráter especializado. 19,4% apontaram a falta de intercâmbio entre os docentes das diversas disciplinas e 11,9 4% a pouca formação humanística e desconhecimento da realidade social (Tabela 9). Tais opiniões são compartilhadas por diversos educadores303. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MÉDICA. - Preparação do médico geral. Revista Brasileira de Educação Médica. Rio de Janeiro, 6 (2): 121-8, maio/ago. 1982.),(1212. SAYEG, Mário A. - A formação do médico generalista e a medicina especializada. Revista Brasileira de Educação Médica . Suplemento. Rio de Janeiro, 1: 81-109, maio. 1978., responsabilizando os docentes pela falta de interesse em promover uma integração interdisciplinar e pela sua visão circunscrita. O antigo sistema de cátedras, embora abolido estruturalmente, continua como mentalidade, dificultando a integração e a simplificação curricular12.

TABELA 8
Tendência de Formação pelo Corpo Docente

TABELA 9
Fatores Relativos aos Docentes que Dificultam a Formação do MGC* * Só para aqueles que responderam especialista. (Tabela 3).

Analisando a estrutura e funcionamento do Hospital das Clínicas da UFPE, 78,75% dos alunos assinalaram que o mesmo propiciava a formação de médicos especialistas (Tabela 10), justificando, a quase totalidade dos que assim responderam, com a inexistência de contato com pacientes de nível primário. As atividades assistenciais secundárias eram escassas, predominando aquelas de nível terciário.

TABELA 10
Tendência de Formação pela Estrutura do Hospital das Clínicas da UFPE

Indagados sobre quais deveriam ser as atividades iniciais de prática médica do estudante, 48,8% das res postas indicaram atividades nos centros ou postos de saúde, e 30,95% em ambulatório geral do Hospital Universitário (Tabela 11). Tais porcentuais denotam uma insatisfação com a atual estrutura de ensino oferecida, pois aquelas inexistem e estas são ínfimas em relação às modalidades especializadas de prática médica. O próprio Ministério da Educação, em documento de 1974, recomenda que os alunos não fiquem restritos ao Hospital Universitário. O sistema de integração docente-assistencial, promoveria uma adaptação a realidades mais representativas de sua futura atividade profissional303. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MÉDICA. - Preparação do médico geral. Revista Brasileira de Educação Médica. Rio de Janeiro, 6 (2): 121-8, maio/ago. 1982.),(1111. NETO, Tavares J. - O médico e o mercado de trabalho. Mimeo.),(1212. SAYEG, Mário A. - A formação do médico generalista e a medicina especializada. Revista Brasileira de Educação Médica . Suplemento. Rio de Janeiro, 1: 81-109, maio. 1978..

TABELA 11
Local de Início das Atividades Práticas do Estudante de Medicina (Ciclo Profissional)* * Respostas múltiplas

Outro ponto do qual nossa escola se ressente é a falta de Serviço de Emergência, levando o aluno a procurar o chamado “currículo paralelo”, ministrado sem a devida orientação303. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MÉDICA. - Preparação do médico geral. Revista Brasileira de Educação Médica. Rio de Janeiro, 6 (2): 121-8, maio/ago. 1982..

Verifica-se, assim, que a modificação isolada de um dos fatores inerentes à escola médica é ineficaz quanto à formação do médico geral comunitário. É necessário mudança global e interligada do currículo, coroo docente e estrutura hospitalar, juntamente com os fatores externos que analisaremos a seguir

Cerca de 60% da amostra acham que, tanto o mercado de trabalho, como as populações das cidades de pequeno e médio porte e meio rural são receptivas ao médico geral comunitário. Apesar de 20% considerarem que a população em toda parte aceita bem o médico geral comunitário, somente 11,25% acham o mercado de trabalho propício (Tabelas 12 e 13).

TABELA 12
Aceitação do Médico Geral Comunitário pela População, Segundo os Doutorandos do Curso Médico - UFPE - 1983

TABELA 13
Absorção do Médico Geral Comunitário pelo Mercado de Trabalho

Realmente na última década, as especialidades médicas foram privilegiadas nos concursos públicos, bem como pela sociedade1111. NETO, Tavares J. - O médico e o mercado de trabalho. Mimeo.),(1414. SEMINÁRIO SOBRE A FORMAÇÃO DO MÉDICO GENERALISTA, Campinas, 24-27, maio 1978. Opiniões e pontos de vista. Revista Brasileira de Educação Médica . Suplemento. Rio de Janeiro 1: 131-38, maio. 1978..

Dos 80 alunos, que responderam os questionários, 54 pretendem ser especialistas, 16 generalistas e 10 ainda não se definiram (Tabela 14). No entanto, dos que tencionam ser generalistas, conforme foi constatado com cruzamento de informação com os dados sumariados na Tabela 1, apenas 6 sabiam seu verdadeiro significado, representando 7,5% do total da amostra. Contraste marcante, já que 98,75% desta amostra consideram muito importante a formação do médico geral comunitário.

TABELA 14
Tipo de Médico que Pretende Ser

Dos que optaram por uma especialidade, 48,15% acusaram como causa o fator vocacional; 31,48% acham-se inseguros para exercer a Medicina Geral, devido à estrutura e funcionamento do Curso Médico e 3,7% por fatores pessoais; 14,81% acusam mais facilidades no mercado de trabalho para o especialista (Tabela 15).

TABELA 15
Motivo da Escolha de uma Especialidade* * Só para aqueles que optaram por uma especialidade

Em levantamento feito com os estudantes da Faculdade de Medicina de Pelotas, em 1979, a escolha de especialidade em detrimento da Medicina Geral, deveu-se muito mais a fatores externos do que à influência da faculdade505. BLANK, Nelson & VEICTORA, Cesar G. - A influência da escola médica sobre a opção profissional de seus alunos: um estudo transversal. Revista Brasileira de Educação Médica . Rio de Janeiro, 3 (1): 19-30, jan./abr. 1979.. Em nosso estudo, apesar do predomínio do fator vocacional, o Curso Médico foi responsável pela desistência de muitos que queriam se dedicar à Medicina Geral.

Numa situação hipotética, onde era dada a oportunidade de retroceder no tempo, com a vivência atual, 53,75% repetiriam sua escolha pelo Curso de Medicina. Entretanto, 25% não o fariam, e 21,25% não sabiam responder, perfazendo um total de 46,25%, que estavam inseguros ou insatisfeitos com a escolha feita, traduzindo uma frustração profissional em quase metade da turma (Tabela 16).

TABELA 16
Reescolha do Curso Médico

Do exposto, deduz-se a extrema complexidade de formação e utilização do médico geral comunitário. Parece claro que a estratégia de formação deste profissional não se pode restringir a aspectos isolados do curso universitário, pois são estreitas as ligações entre currículo escolar, corpo docente e estrutura hospitalar. Este processo não pode ficar confinado somente à Universidade. Esta deve ocupar posição nuclear numa transformação que abrangeria a sociedade e as diretrizes políticas do sistema de assistência médica de nosso País303. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MÉDICA. - Preparação do médico geral. Revista Brasileira de Educação Médica. Rio de Janeiro, 6 (2): 121-8, maio/ago. 1982.),(404. BEVILACQUA, Fernando. - Tendências curriculares na área profissional e a formação do “médico de família”. Revista Brasileira de Educação Médica . Rio de Janeiro, 2 (1): 17-20, jan./abr. 1978..

Mudanças crescentes, ainda que incipientes, já estão ocorrendo. O próprio Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social - INAMPS - vem oferecendo um número maior de vagas, nos últimos concursos para as áreas médicas gerais. Isto representa um avanço, já que o INAMPS é o maior empregador. Assim sendo, suas medidas e metas geram substanciais alterações, influenciando no tipo de profissional formado pelas escolas médicas1111. NETO, Tavares J. - O médico e o mercado de trabalho. Mimeo..

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

  • A maioria dos concluintes do Curso Médico da Universidade Federal de Pernambuco, em 1983, desconhece o significado correto do termo médico geral comunitário, bem como do Programa de Saúde Comunitária - Projeto Vitória, desenvolvido na Universidade. A falta de esforço de divulgação, por parte da Direção do CCS, da Coordenação do Curso e do corpo docente parece constituir um dos fatores responsáveis por esta situação;

  • o currículo, o corpo docente e o Hospital Universitário estão voltados para a formação do médico especialista;

  • a principal deficiência curricular, no aspecto em estudo, é o excesso de disciplinas especializadas em detrimento das gerais, e conteúdo programático inadequado;

  • a criação de um Departamento de Assistência Primária, com a utilização de centros e postos de saúde, contribui, constituindo um passo importante, para a formação do médico geral comunitário. Garante a possibilidade de carreira docente para tais profissionais, bem como para aqueles atualmente dedicados à sua formação, exercendo papel de relevo na operacionalização de futuras reformas curriculares;

  • a formação especializada da quase totalidade dos docentes atuais e a falta de intercâmbio disciplinar limitam a formação do médico geral comunitário. Convém motivação e preparo pedagógico do professor para seu efetivo envolvimento nas reformulações curriculares e didáticas necessárias;

  • o mercado de trabalho deficiente e a suposta pouca aceitação por parte da população nas grandes cidades representam falta de incentivo à formação do médico geral comunitário;

  • a grande maioria dos concluintes será especialista, apesar de considerar a importância do médico geral comunitário. A fuga da Medicina Geral deve-se a fatores vocacionais e à insegurança por não dominar os aspectos da Medicina Geral, sendo isto determinado pela estrutura e funcionamento do Curso Médico;

  • a frustração profissional, de origem multifatorial, é evidente. em quase metade da turma;

  • é necessário haver uma retomada de posição quanto à estrutura da formação médica brasileira. É indispensável uma discussão ampla, tendo em vista a transformação no próprio sistema de saúde. Em tal discussão, a universidade deve tomar posição nuclear, em articulação com as entidades de classe, os órgãos empregadores dos profissionais de saúde e a comunidade em geral.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 1983
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