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A percepção do paciente sobre sua permanência na unidade de terapia intensiva

The patients's perception during their stay in the intensive care unit

Resumos

Este estudo procura identificar a percepção do paciente sobre sua permanência na UTI. A amostra constituiu-se de10 pacientes, submetidos à cirurgia cardíaca e que receberam intervenção psicológica somente após a alta da UTI. Para a coleta e análise dos dados, utilizou-se uma abordagem qualitativa (análise de conteúdo). Os resultados sugerem que o paciente possue uma visão esteriotipada da UTI, vinculada à ideia de sofrimento e morte; o enfermeiro ocupa um importante papel nos momentos de fragilidade, dependência física e emocional; a dor, por seu caráter subjetivo, individual e emocional, é inevitável por estar relacionada aos procedimentos e, muitas vezes, associada ao sofrimento físico.

Percepção; Pacientes internados; Unidades de Terapia Intensiva; Cirurgia Cardíaca


The purpose of this study is to identify the patients's perception during their stay in the ICU. The sample was composed by ten patients, who had gone to cardiac surgery. They received psychological assistance only after their discharge from the ICU. The data was obtained throw a qualitative approach, using a content analysis. The results suggest that the patients have a. stereotyped view about the ICU, linked with the idea of suffering and death; the nurses play an important role during fragility moments, physical and emotional dependence; the pain, by its subjective nature, individually and emotionaly, is inevitable, because it is related to procedure and usually it is associated to physical suffering.

Perception; Inpatients; Intensive care units; Hearth surgery


ARTIGO ORIGINAL

A percepção do paciente sobre sua permanência na unidade de terapia intensiva* * Trabalho apresentado no IV Congresso Paulista de Terapia In tensiva como melhor tema livre, realizado em Campos do Jordão - S. P. no período de 22 a 25 de Maio de 1996

The patients's perception during their stay in the intensive care unit

Edinêis de Brito GuirardelloI; Cláudia Adalgisa A. Romero-GabrielII; Isabel Cristina PereiraII; Alba Franzão MirandaIII

IEnfermeira, profa. do Dept o de Enfermagem - FCM - NICAMP. Doutoranda na Área de Enfermagem Fundamental pela Escola de Enfermagem e Ribeirão Preto - USP

IIPsicólogas Clínicas e Hospi talares. Mestrandas em saúde Mentais pólo Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria - FCM - UNICAMP

IIIEnfermeira Assistencial da UTI - HC - UNICAMP. Mestre pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto-USP

RESUMO

Este estudo procura identificar a percepção do paciente sobre sua permanência na UTI. A amostra constituiu-se de10 pacientes, submetidos à cirurgia cardíaca e que receberam intervenção psicológica somente após a alta da UTI. Para a coleta e análise dos dados, utilizou-se uma abordagem qualitativa (análise de conteúdo). Os resultados sugerem que o paciente possue uma visão esteriotipada da UTI, vinculada à ideia de sofrimento e morte; o enfermeiro ocupa um importante papel nos momentos de fragilidade, dependência física e emocional; a dor, por seu caráter subjetivo, individual e emocional, é inevitável por estar relacionada aos procedimentos e, muitas vezes, associada ao sofrimento físico.

Palavra-Chave: Percepção. Pacientes internados. Unidades de Terapia Intensiva. Cirurgia Cardíaca.

ABSTRACT

The purpose of this study is to identify the patients's perception during their stay in the ICU. The sample was composed by ten patients, who had gone to cardiac surgery. They received psychological assistance only after their discharge from the ICU. The data was obtained throw a qualitative approach, using a content analysis. The results suggest that the patients have a. stereotyped view about the ICU, linked with the idea of suffering and death; the nurses play an important role during fragility moments, physical and emotional dependence; the pain, by its subjective nature, individually and emotionaly, is inevitable, because it is related to procedure and usually it is associated to physical suffering.

KEYWORDS: Perception. Inpatients. Intensive care units. Hearth surgery.

1 INTRODUÇÃO

A Unidade de Terapia Intensiva (UTI) tem sido caracterizada como um ambiente complexo, decorrente do uso crescente da tecnologia que visa atender melhor o paciente. O tratamento implantado nesse ambiente é considerado agressivo e invasivo, traduzindo-se por uma alta intensidade e complexidade de eventos e situações. Outra característica desta unidade é a despersonalização do ser, pois o paciente encontra-se fora do seu ambiente familiar, social e profissional para ficar em um ambiente desconhecido.

Segundo SEBASTIANI (1984), as características intrínsecas da UTI, como a rotina de atendimento mais acelerada, o clima constante de apreensão e as situações de morte iminente, acabam por exacerbar o estado de estresse e tensão, que tanto o paciente, quanto a equipe vivem nas vinte e quatro horas do dia. Esses aspectos dicionados à singularidade do sofrimento da pessoa internada - dor, medo, ansiedade e isolamento do mundo - trazem fatores psicológicos que interagem, muitas vezes de maneira grave na manifestação orgânica de sua doença.

Outros estudos mostram que o paciente em UTI possui pouco controle e influência no ambiente, em virtude da falta de privacidade, dependência, monotonia, dificuldade em se orientar, estímulo permanente por monitores, tratamento e interrupções frequentes de seu sono (WILSON, 1972; GOWAN, 1979; NOVAES et al, 1997).

ROSENTHAL (1992) estudou a percepção do paciente coronariano, identificando as atividades técnicas de enfermagem como as mais importantes durante sua permanência neste local. Estas estão relacionadas em saber como manusear instrumentos, administrar medicamentos na hora certa e saber quando chamar pelo médico. Outras percepções identificadas pelo paciente, porém em grau menor, foram a de responder prontamente aos chamados e informá-lo, em linguagem acessível, sobre sua doença e tratamento.

KOIZUMI et al. (1979), em um estudo com GO pacientes submetidos à cirurgia cardíaca, identificou uma pequena predominância dos problemas da área expressiva - necessidades básicas afetadas pela doença, sobre os da área técnica - problemas e expectativas relacionadas à terapêutica. Os problemas da área expressiva, entre outros, foram: separação da família, ambiente desconhecido e invasivo. Medo de morrer e falta de respeito à privacidade. Os de ordem técnica foram: desconforto causado por manobras de espiração, dor e incômodo provocados por sondas e cateteres. As expectativas mais citadas na área expressiva foram: atenção individualizada, observação constante e pronto fornecimento de informações sobre o estado geral e tratamento. A expectativa na área técnica foi: administração correta de medicamento para alívio da dor.

2 OBJETIVO

Na busca de acrescentar informações para melhorar a qualidade da assistência a esses pacientes, a proposta deste estudo foi identificar qual a percepção dos pacientes sobre a sua permanência na UTI, após serem submetidos à cirurgia cardíaca.

3 METODOLOGIA

Tendo em vista o objetivo deste trabalho, buscamos um método que melhor contemplasse a relação sujeito-entrevistador e que evidenciasse mais as dimensões biopsicossociais e psicodinâmicas dos pacientes; que permitisse ao pesquisador dar sentido e interpretar os fenômenos de acordo com a perspectiva do paciente (BRITTEN et al., 1995).Assim, optamos pelo método da pesquisa qualitativa, sendo a coleta de dados realizada através de entrevista semi-estruturada. As entrevistas foram realizadas por duas psicólogas envolvidas no estudo, considerando o contexto, os significados, as opiniões e os sentimentos atribuídos pelos pacientes à experiência na UTI, duraram, em média, 50 minutos.

As entrevistas ocorreram na enfermaria de Cardiologia de um Hospital Universitário, situado no município de Campinas - SP, com dez pacientes adultos, de ambos os sexos, que se submeteram à cirurgia cardíaca, no segundo semestre de 1995. Nesse serviço, é oferecido um acompanhamento psicológico no pré e pós-operatório, sendo que, para este estudo, os mesmos receberam intervenção psicológica somente após alta da UTI.

Os critérios de inclusão dos pacientes foram: a) ter-se submetido à cirurgia cardíaca;b) permanência na UTI por um período não superior a 72 horas;c) interesse em compartilhar as experiências vividas e em condições físicas e psicológicas favoráveis para se expressarem de modo natural, no decorrer da entrevista; d) consentimento prévio, após lhes ser assegurado que não seriam identificados nominalmente, garantindo a sua privacidade.

O registro desses dados foram obtidos através da gravação direta e anotações de algumas formas de comunicação não-verbal do paciente. A pergunta desencadeadora foi: - Como foi estar na UTI?

Para a análise dos dados, utilizamos a análise de conteúdo proposta por ANDRÉ (1983) como uma forma de investigação dos significados dos dados qualitativos, a partir de uma construção de temas e tópicos, levantados e definidos após o exame dos itens trazidos pelo paciente.

As fases percorridas para tratamento das informações foram: leitura e releitura da transcrição das entrevistas e relato de observações; organização de todo o material, separando os elementos e reagrupando-os por frequência ou relevância (categorização e subcategorização); apresentação dos resultados de forma descritiva e com citações ilustrativas das falas e, por último, realização de inferência (LUDKE; ANDRÉ, 1986).

4 RESULTADO E ANÁLISE DOS DADOS

Neste estudo pudemos perceber que alguns pacientes mostraram-se motivados e ansiosos para relatarem suas experiências vividas na UTI e, em nenhum momento foi observada qualquer inibição tanto com a presença dos entrevistadores como com a gravação. Também constatamos pelas manifestações não-verbais (alteração no tom da voz, expressão facial e postura) que os pacientes reviviam intensamente sentimentos de angústia, euforia e medo no decorrer de sua fala.

Dentre as categorias identificadas temos: cirurgia confronta com a morte versus UTI, encontro com a vida; quem é o personagem enfermeiro?: A temporalidade; dor; expectativas e visão dia UTI, após alta.

4.1 Cirurgia confronto com a morte versus UTI, encontro com a vida.

O momento exato da cirurgia é aquele em que se toma a anestesia, que representa o desligamento da vida, e o corpo ficam por conta da equipe de saúde.

O paciente perde, neste momento, o controle de suas sensações físicas e emocionais, tudo passa a ser controlado por aparelhos ou por outra pessoa e ele não tem mais consciência de seu estado. Embora a cirurgia tenha o caráter de recuperação, é também um confronto com a finitude. Esta experiência repercute no acordar em UTI, que se torna de intensa significação, pois há um retorno à vida, e é um verdadeiro renascer.

GOMES (1988), analisando a problemática do paciente na UTI, salienta que a doença em si, a maneira como se instalou o comprometimento físico que acarreta e a mudança que pode causar na vida do indivíduo são fontes de tensão emocional.

Observa-se, no relato abaixo, que o medo da morte é algo presente na experiência vivenciada.

"...Graças a Deus correu tudo bem.(referência à cirurgia), mas lá (centrocirúrgico), eu fiquei meio assim sabe, mas lá, as enfermeiras ficaram conversando comigo lá, depois me deram um comprimido lá, não sei, que eu fiquei meio bobo, aí deram anestesia, e não vi mais nada. ...Eu fiquei contente de ter acordado, já pensou se a gente não acordasse?"

O medo da morte não é explicitado e sim observado indiretamente, através das frases: "não acordar" e "já pensou se a gente não acordasse?".

É importante preparar o paciente sobre seu processo de tratamento e por mais objetiva que seja abordagem sobre este, o profissional jamais deverá privá-lo da esperança de vida. Vejamos um relato sobre a experiência de acordar e se perceber vivo:

"Eu fiquei contente de ter acordado, já pensou se a gente não acordasse?... Na hora que deitei lá e elas começaram a preparam tudo eu entreguei nas mãos de Deus. Eu entreguei nas mãos de Deus, porque eu não sei o que pode acontecer..., se vou acordar ou não, mas eu fiquei contente quando acordei que graças a Deus passei pela cirurgia. Óia, uma vez o médico chegou a me desenganar..."

Quando o paciente tem conhecimento de que está na UTI, percebe que estar ali, acordado, é como se uma nova vida estivesse começando". Não só sentir-se 'vivo' é muito importante, mas também a presença de familiares e amigos é muito positiva, pois reafirma os laços afetivos, fortalece este reencontro com a vida e é fundamental para a retomada de sua identidade. Um paciente fala sobre a importância de acordar na UTI e estar diante de alguém de sua família.

"Acordei na UTI, sabe gente amigável, gente conhecida, gente sorrindo, Oh! Ah! Acordou, chegou. Acho que isso é importante, né, você tá voltando à vida que você para de respirar, você para de, é... estão vivendo por você. Acho que é isto que eu estava sentindo e eu achei fantástico ver cara conhecida, ver gente... Na hora que acordei eu vi meu irmão, Vi meu pai... Eu achava que isso é importante pra quando você está voltando, né".

Através dos depoimentos é possível identificar que estes pacientes vivenciaram a UTI como vida, contudo é inegável a angústia da morte que eles passaram durante esta experiência.

"É... é um lugar, você pô, você está voltando, por melhor que seja o hospital, que seja o médico, que seja tudo, que esteja à técnica médica, a sua, a sua condição física, né, você tá correndo. Correndo risco de vida, né... (falou agora baixinho), pode ser um aparelhinho, ou então uma bolhinha, não sei o que, de repente não sei, sabe, tem tantas, você trabalha com tantas variáveis (pausa) eu tô falando matematicamente, tava recortando as variáveis, acho que deve ser mais, mais preparado".

4.2 Quem é o personagem enfermeiro?

Na maioria das vezes, num momento de regressão, sofrimento e fragilidade, o enfermeiro pode ser visto pelo paciente como uma figura simbólica de mãe protetora, lidando e cuidando de suas necessidades básicas e sinais vitais, através de processos transferenciais.

Frente a estas situações, cabe ao profissional acolher o paciente, visando promover sua independência, tanto física como emocional, não deixando que as atividades técnicas predominem sobre a necessidade de cuidado, de segurança e proteção.

É importante que o enfermeiro não confunda a regressão e dependência do paciente como uma forma de obter controle sobre o mesmo. NOVAES et al. (1997) salientam que, durante o período de permanência em UTI, o paciente pode regredir para um comportamento infantil e para um estado de dependência, pois tem que confiar os seus cuidados de higiene e alimentação a pessoas estranhas. A perda de independência pode resultar em angústia e sensação de abandono, causando uma instabilidade psicológica.

O que se pode analisar, através dos depoimentos, é a possibilidade da enfermeira relacionar-se com os pacientes através da representação de uma figura materna (mãe protetora), pois, no momento em que eles se encontram regredidos, ela se faz presente nos cuidados vitais e básicos de higiene.

O vínculo com o enfermeiro pode ter este caráter positivo, desde que haja uma prontidão para se dispensar os cuidados, associados a uma afetividade inerente à sua atuação profissional, desenvolvendo-se assim uma sincronia e uma transferência positiva. Corroborando com MARTINS (199G) consideramos transferência positiva, as atitudes que contêm um tipo de expectativa e sentimento que foram um dia protagonizadas por figuras parentais e que são agora reinvestidas por profissionais de saúde. Embora envolvam expectativas irreais, podem constituir-se, dentro de limites razoáveis, em um dos ingredientes do relacionamento profissional - paciente que tem um efeito benéfico ao seu tratamento.

Uma das maneiras de retomar-se a identidade do paciente, é chamá-lo pelo nome e não pelo leito ou patologia, como também situá-lo naquele ambiente.

"Aí ela veio e eu comecei a voltar meio em si, elas começaram a conversar comigo N (me chamaram pelo nome)". Você está na UTI, você passou pela cirurgia. E ficou me dando remédio... Alguma coisa que precisava... Elas perceberam que eu queria que tirasse o tubo".

A importância da transferência positiva " assim como a mãe compreende o que o bebê precisa - é que a enfermeira percebe a necessidade do paciente.

"Ah! Quando eu ficava, eu sentia uma dorzinha, qualquer dorzinha, eu já, aí falava eles vinham, me trazia remédio pra mim, me dava remédio, examinava também."Ai, se eu tivesse óia, até admirei, pra tirar pressão umas três, quatro vezes no dia, sempre sabendo se estava com febre, é de admirar".

"O que foi bom, foi, foi o atendimento, eu acho. Ah! você não precisa levantar a mão, você não precisa. A, a impressão que dá é que elas estão ligadas telepaticamente com você (sorriu). E chegou uma hora que eu precisava, eu não sabia que tipo de gesto fazer, como chamar a enfermeira. Eu mexi, fiz assim com o pé, sabe, eu acho, não sei, que dá segurança, né . ..."Pô, eu tô, tô de volta, tô de volta a vida e as coisas da, da menina lá qualquer hora, né, é, é a segurança de você mantê-la (baixinho) manter sua vida".

Essas considerações não cabem somente ao enfermeiro, mas a todos os outros profissionais envolvidos. Porém, neste estudo, o enfoque foi dado ao enfermeiro, na medida em que este foi o principal personagem da relação 'profissional - paciente' lembrado por alguns pacientes.

4.3 Atemporalidade

Percebemos que tínhamos uma noção restrita sobre atemporalidade, por se tratar apenas da perda do referencial do dia e da noite e aspectos de iluminação natural. A questão da atemporalidade é mais complexa, representando uma privação do que esta estrutura temporal simbolicamente significa, ou seja, uma maneira de reorganizar-se, reestruturar-se e reconhecer-se diante da vida. Quando o paciente perde o seu referencial, frente à nova situação, por um lapso de tempo, perde o controle sobre sua vida, tendo dificuldade para situar-se.

Segundo DeMeyer apud NOVAES (1997), os pacientes sentem-se presos pelos equipamentos, perdem a noção do tempo, devido à alteração do ciclo sono-vigília, e ficam excluídos das discussões sobre seu tratamento. MOURA et al. (1994) enfocam a questão do 'tempo sob outra perspectiva. "O tempo experiência do pelo paciente na UTI pode ser um tempo: que tem um fim; que pode ser um fim; que não passa; que não tem mais tempo".

Para os profissionais que atuam em UTI, de um modo geral, esse aspecto raramente é percebido, pois convivem diuturnamente nesse ambiente, ao qual se adaptam e, muitas vezes, não estão sensibilizados de que, para o paciente, esse é um local não familiar, acrescido de fatores que podem dificultar a sua permanência, durante o período de tratamento. Vejamos o relato abaixo.

"Olha só o período de UTI, né". É o, é o tempo, né (pausa), uma é que você perde a noção do... Você perde a noção do tempo, então, isso aí, o, o tempo fica, que vai se alongando, ficando cada vez mais longo. Você vê o soro sendo trocado e o pessoal, você não vê a luz do dia, talvez seja até uma... "

Devemos considerar a questão do tempo interno do paciente, respeitando a individualidade de cada um. O tempo interno é o estado interior em que se encontra o indivíduo, que vivencia esse estado de acordo com sua experiência, sua personalidade e ritmo pessoal. Uma das responsabilidades dos profissionais que prestam. assistência a esses pacientes é situá-los com relação à passagem do tempo.

4.4 Dor

Uma queixa importante e inevitável é a dor causada por vários fatores, entre eles, os procedimentos e, muitas vezes, associada ao desconforto físico. Contudo a dor é algo difícil de ser analisado por ter um caráter subjetivo, individual e emocional, isto é, possui uma relação direta com o que cada pessoa é, sente e vivencia.

NOVAES et al (1997) identificaram a dor como sendo o principal motivo de estresse em um grupo de 50 pacientes de uma UTI. Esses autores colocam que a dor não é somente proveniente de procedimentos aos quais o paciente é submetido, mas ao conjunto de situações físicas e psicológicas inerentes à internação. Este caráter singular de dor foi bem relatado por um paciente.

"Não, a única coisa que você não imagina é a dor, né (demonstrou angústia ao falar). Você pode imaginar você imagina você lá, você fraco, você fica tomando remédio. Ah! mas a dor né, a dor que enche o saco né".

"Tem sensações que você não consegue codificar, a dor e tudo mais, e cada um, cada paciente é um, não é um paciente, é o paciente, você vai reunir vinte, são". Vinte pacientes, e sei lá, eu... (pausa) nível social, alimentação, estudo, tudo".

É preciso ser solidário para poder respeitar a dor física e subjetiva do paciente, mesmo quando recursos técnicos já foram tomados, tendo-se em mente que cada indivíduo a percebe de uma maneira ou intensidade diferente. Acreditamos que, muitas vezes, somente a forma de ouvir este paciente, de fazê-lo sentir que é respeitado, irá, de alguma maneira, amenizar este sofrimento.

"Eu, o que foi mais traumático pra mim foi ficar com aquele troço enfiado aqui".(mostrava o peito e com gestos e expressões de incômodo), tá entubado, eu fui entubado para a UTI, né. De repente você acorda com aquele troço lá, te machucando (sorrindo), é... bombeando ar, bombeando ar e você ao mesmo tempo se afogando porque está cheio de secreção por dentro, quer dizer, o pulmão está trabalhando a meio, né. Bem, eu acho que tem que ter uma preparação para a UTI, porque a UTI, você é, é... é um, é um lugar, você, pô, você está voltando pô".

4.5 Expectativas

Podemos observar que alguns pacientes expressam desconhecimento do espaço físico da rotina dessa unidade e da prontidão no atendimento. Sentem incapacidade de dimensionar o sofrimento decorrente da dor. Trazem como 'fantasia' a própria terminalidade, pelo fato da UTI não ser vista como um local de tratamento e recuperação para a vida além do medo relacionado ao sofrimento e a dor.

Para NOVAES et al. (1996) a construção de um vínculo com o serviço torna-se condição fundamental para o enfrentamento das situações de internação. O paciente começa a se apropriar das rotinas na unidade, conhecendo a equipe e promovendo a quebra das fantasias tão comuns a respeito da UTI.

"Ah! Eu pensava que era sabe, bem fechadinha assim ó (fez gestos com a mão), fechadinha... Ixê, se eu ficá na UTI... Eu achava que tinha que vim já pro leito, sabe, é que a UTI eu pensava que quem ísse para a UTI já era grave, já pra í, (a entrevistadora reforça: pra). Morrer?) Ele disse: é prá morre... Aí lá dentro eu comecei a pensar, Ah! É diferente, as enfermeiras e os enfermeiros trata a gente precisa de vê. Excelente lá. Pelo menos eu óia, tratou excelente lá. Chama já vinha, pergunta se a gente queria alguma coisa... Teve um momento que eu falei, eu nem queria sair de lá, ficá lá, saí de lá prá í embora, porque meu Deus do Céu... Passei uma, pode contá aqui? Óia, foi o melhor lugar do hospital, foi lá na UTI".

Através de alguns depoimentos, notamos que as expectativas positivas ou negativas variam de acordo com as vivências e informações recebidas anteriormente, de amigos, familiares e equipe de saúde. Assim, fica clara a necessidade de manter-se o paciente informado e de estar atento às suas crenças e percepções. O que para a equipe é normal, familiar e cotidiano, para ele pode ser um universo totalmente desconhecido, com o qual nunca teve uma percepção real prévia.

"Eu pensava que era bem fechadinha", fechadinha, não tem as caixinhas de relógio, eu cheguei até ver, mas não via por dentro os quartos... era só aquelas caixinhas ali, eram os quartos e pessoas que vinham para ficar na UTI... se eu ficar na UTI... eu pensava que a pessoa que ia pra ficar na UTI era grave, já era pra ir... pra morrer. Não era nada daquilo, lá dentro comecei a pensar é diferente".

"...coisas que eu não sabia, e que em conversas com meu pai, é..., em conversas com meu pai, é ah, a gente não tinha conversado sobre isso aí, por exemplo, a gente chega cheio de drenos né, ou, ou, coisa aqui (intracath), os drenos e tudo mais, um ponto, um ponto de marcapasso, então as coisas assim é louca, né. Agora, eu também não sei se vale a pena você falar tudo isso".

4.6 Visão da UTI após sua experiência

Os relatos abaixo vêm ainda confirmar a visão estereotipada da UTI, vinculada à ideia de sofrimento e morte iminente, mas ao mesmo tempo, em contraposição, observamos o esforço em considerarem-se os aspectos positivos.

"Tem um colega meu que tem medo de hospital, ainda mais de ficar na UTI, aí eu vou explicar pra ele que não é nada daquilo. É como se fosse um hospital, assim, un leito de dentro do hospital. Só que a pessoa que nem tá acorda lá. O entrevistador questiona: daquilo o que? E o paciente responde: "daquilo assim que chegou à UTI e já morre, já chega morto". Quando, aí eu acordei lá na UTI no outro dia... Aqueles montes de aparelho assim ó. Aquele negócio assim ó, sonda, dreno, aqui tudo, mas não tava nada de aquela dor terrível, não tem nada disso. Fiquei, falei Graças a Deus passei pela cirurgia, foi assim... Graças a Deus... Aí veio duas enfermeiras e ficou perto de mim, olhando assim e eu fiquei meio assim. Você está bom, bem (falou seu nome). Ela conversava comigo, alegre, perguntava se eu queria alguma coisa, se eu tava com fome. Eu não sei se estava com fome na hora".

"Eu não saberia nem, o que falar. Eu tal vez, tem essas coisas que você não consegue né, quantificar, dor, tubos. Cada um, cada paciente é um, é o paciente. . . Não, eu não falaria realmente. Talvez não tenha que ter grandes preparações. Por ex: essas coisas ruins a gente tem que tirar. Eu acho que a gente pode preparar o cara, por exemplo. Preparando, olhe não o tempo parece que não passa, mas ele passa rápido, talvez não tocar no aspecto da dor, porque é uma coisa que não consegue ainda trabalhar, a dor física".

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados deste estudo sugerem que, para esses pacientes, o ambiente de UTI pode estar associado à morte e finitude, contudo os seus depoimentos trazem aspectos voltados para o renascer. Esse contraste de significados, ou seja, a 'fantasia' criada antes de ser experienciada e a realidade vivida nesse ambiente, deve ser considerado como um aspecto importante dentro de uma unidade de terapia intensiva, uma vez que o paciente expressa uma relação íntima entre a vida a morte.

A figura do profissional enfermeiro foi citada, por representar um papel de destaque num momento de fragilidade, dependência física e emocional que esses pacientes vivenciaram. A necessidade de segurança e proteção, a sensação de que estava sendo bem cuidado por esses profissionais foi de grande valor. Segundo o depoimento de um paciente "a impressão que dá é que elas estão ligadas telepaticamente com você".

Outro aspecto importante, no depoimento, foi a noção restrita sobre atemporalidade, decorrente do ambiente de UTI e o grau de dependência física causado pela própria cirurgia e outros procedimentos.

A dor foi relatada como algo muito subjetivo e que não é possível imaginá-la previamente. Quanto à expectativa, ficou claro o desconhecimento da UTI, porque traziam consigo a visão de que esse era um ambiente de terminalidade, não sendo visto como um local de tratamento e recuperação para a vida. Estes dados reforçam a importância da atuação de uma equipe multiprofissional para que estejam sensíveis e atentos às necessidades individuais do paciente, de forma a minimizar os aspectos negativos e evidenciar os positivos, sempre visando melhorar a qualidade da assistência.

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • *
    Trabalho apresentado no IV Congresso Paulista de Terapia In tensiva como melhor tema livre, realizado em Campos do Jordão - S. P. no período de 22 a 25 de Maio de 1996
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Mar 2010
    • Data do Fascículo
      Jun 1999
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