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Mulheres Médicas: Burnout durante a Pandemia de COVID-19 no Brasil

Resumo

Fundamento

A COVID-19 adicionou um fardo enorme sobre os médicos ao redor do mundo, especialmente as mulheres médicas, que são afetadas pelo aumento da carga de trabalho e pela perda da qualidade de vida.

Objetivo

Avaliar os efeitos da pandemia de COVID-19 na qualidade de vida, burnout e espiritualidade de médicas brasileiras que atendem pacientes com COVID-19 direta ou indiretamente.

Método

Estudo prospectivo, observacional realizado de 28 de julho a 27 de setembro de 2020, no Brasil, com mulheres médicas de 47 especialidades, a mais frequente sendo a cardiologia (22,8%), sem restrição de idade. Elas responderam voluntariamente um questionário online com questões sobre características demográficas e socioeconômicas, qualidade de vida (WHOQOL-brief) e espiritualidade (WHOQOL-SRPB) e enunciados do Oldenburg Burnout Inventory. A análise estatística utilizou o software R, regressão beta, árvores de classificação e matriz de correlação policórica, com nível de significância de 5%.

Resultados

Das 769 respondentes, 61,6% relataram sinais de burnout. Cerca de 64% relataram perda salarial de até 50% durante a pandemia. Algumas relataram falta de energia para as tarefas diárias, sentimentos negativos frequentes, insatisfação com a capacidade para o trabalho, e que cuidar de outras pessoas não agregava sentido às suas vidas. Os sentimentos negativos correlacionaram-se negativamente com a satisfação com a vida sexual, a satisfação com as relações pessoais e a energia para as tarefas diárias. A incapacidade de permanecer otimista em tempos de incerteza correlacionou-se positivamente com a sensação de insegurança no dia a dia e com o não reconhecimento de que cuidar de outras pessoas trouxesse sentido à vida.

Conclusão

O presente estudo mostrou uma alta frequência de burnout entre as médicas brasileiras que responderam ao questionário durante a pandemia de COVID-19. Apesar disso, apresentavam uma qualidade de vida relativamente boa e acreditavam que a espiritualidade trazia-lhes conforto e segurança nos momentos difíceis.

Mulheres Médicas; Burnout; Pandemia de COVID-19; Brasil

Abstract

Background

COVID-19 has placed a tremendous burden on physicians worldwide, especially women physicians, affected by increased workload and loss of quality of life.

Objective

To assess the effects of the COVID-19 pandemic on the quality of life, burnout and spirituality of Brazilian women physicians directly or indirectly providing care to COVID-19 patients.

Methods

Prospective, observational study performed from July 28 to September 27, 2020, in Brazil, with women physicians from 47 specialities, the most frequent being cardiology (22.8%), with no age restriction. They voluntarily answered an online survey with questions on demographic and socioeconomic characteristics, quality of life (WHOQOL-brief), spirituality (WHOQOL-SRPB), and statements from the Oldenburg Burnout Inventory. Statistical analysis used the R software, beta regression, classification trees, and polychoric correlation matrix, with a 5% of significance level.

Results

Of the 769 respondents, 61.6% reported signs of burnout. About 64% reported wage loss of up to 50% during the pandemic. Some reported lack of energy for daily tasks, frequent negative feelings, dissatisfaction with capability for work, and caring for others not adding meaning to their lives. Negative feelings correlated negatively with satisfaction with sexual life and personal relations, and energy for daily tasks. The inability to remain optimistic in times of uncertainty correlated positively with feeling unsafe daily and not acknowledging that caring for others brings meaning to life.

Conclusion

This study showed a high frequency of burnout among Brazilian women physicians who answered the survey during the COVID-19 pandemic. Nevertheless, they presented with a relatively good quality of life and believed that spirituality comforted and reassured them in hard times.

Physicians, Women; Burnout, Psychological; COVID-19; Brazil

Introdução

Os médicos na linha de frente contra a doença de coronavírus 2019 (COVID-19) enfrentaram níveis de estresse altos, sem precedentes. Apesar disso, pouca atenção foi dada à vulnerabilidade vivenciada por esses profissionais, principalmente do sexo feminino. Uma revisão sistemática realizada nos bancos de dados Medline e Embase mostrou um aumento nos desafios relacionados à alta carga de trabalho e à perda de qualidade de vida durante a pandemia de COVID-19, que estão associados à exaustão física e mental.11. Amanullah S, Ramesh Shankar R. The Impact of COVID-19 on Physician Burnout Globally: A Review. Healthcare. 2020;8(4):421. doi: 10.3390/healthcare8040421. A prevalência de burnout variou de 23% a 76%, e no gênero feminino alta carga de trabalho e preocupações relacionadas à família foram preditores de burnout .11. Amanullah S, Ramesh Shankar R. The Impact of COVID-19 on Physician Burnout Globally: A Review. Healthcare. 2020;8(4):421. doi: 10.3390/healthcare8040421. Os autores recomendaram que estudos sobre burnout em médicos levassem em consideração as diferenças de gênero.

Um estudo, realizando uma pesquisa transversal para avaliar 2.707 profissionais de saúde (PS) de 60 países, relatou que 51% deles apresentavam burnout , que estava associado ao trabalho com impacto nas atividades domésticas, exposição a pacientes com COVID-19, treinamento inadequado e tomada de decisões que priorizavam a vida. O burnout foi mais frequente em países de alta renda.22. Morgantini LA, Naha U, Wang H, Francavilla S, Acar Ö, Flores JM, et al. Factors Contributing to Healthcare Professional Burnout During the COVID-19 Pandemic: A rapid Turnaround Global Survey. PLoS One. 2020;15(9):e0238217. doi: 10.1371/journal.pone.0238217. Outro estudo relatou um aumento do burnout em mulheres médicas em comparação com médicos homens, e os autores levantaram a hipótese de que estressores específicos incluíam falta de opções de creche para crianças e desequilíbrio entre trabalho e vida pessoal. As mulheres médicas com maior carga de trabalho e aquelas sem companheiro apresentaram níveis mais altos de burnout .33. Kannampallil TG, Goss CW, Evanoff BA, Strickland JR, McAlister RP, Duncan J. Exposure to COVID-19 Patients Increases Physician Trainee Stress and Burnout. PLoS One. 2020;15(8):e0237301. doi: 10.1371/journal.pone.0237301. Vale ressaltar que as mulheres atualmente constituem uma grande proporção da força global de trabalho em saúde e gastam 15 horas a mais por semana em trabalho doméstico não remunerado.44. Krentz M, Green A, Garcia-Alonso J. Easing The COVID-19 Burden on Working Parents. Boston: BCG Global; 2020 [cited 2022 Feb 05]. Available online: https://www.bcg.com/publications/2020/helping-working-parents-ease-the-burden-of-covid-19.
https://www.bcg.com/publications/2020/he...
, 55. Fighting COVID-19 With One Hand Tied Behind Our Backs? Council on Foreign Relations. New York: Think Global Health; 2020 [cited 2022 Feb 05]. Available from: https://www.thinkglobalhealth.org/article/fighting-covid-19-one-handtiedbehind-our-backs.
https://www.thinkglobalhealth.org/articl...

As dimensões de burnout foram significativamente associadas a um risco aumentado para doenças, independentemente de fatores sociodemográficos e sintomas depressivos. Um estudo com 5.671 participantes [predominantemente médicos, idade média de 44,1 anos (variação, 18 a 70 anos), 62,4% mulheres] usou um aplicativo digital de saúde móvel para uma pesquisa online de burnout profissional medido com o Maslach Burnout Inventory-General Survey. Por meio de análise de rede e regressão logística, o estudo mostrou a associação de alta exaustão emocional com hipertensão arterial e outras doenças crônicas após ajuste para idade, sexo, escolaridade e sintomas depressivos.66. von Känel R, Princip M, Holzgang SA, Fuchs WJ, van Nuffel M, Pazhenkottil AP, Spiller TR. Relationship between job burnout and somatic diseases: a network analysis. Sci Rep. 2020 Oct 28;10(1):18438. doi: 10.1038/s41598-020-75611-7.

Outra revisão sistemática com 12 estudos avaliando o burnout em PS que trabalham ou não nas enfermarias de COVID-19 da linha de frente mostrou resultados controversos.77. Sharifi M, Asadi-Pooya AA, Mousavi-Roknabadi RS. Burnout among Healthcare Providers of COVID-19; a Systematic Review of Epidemiology and Recommendations. Arch Acad Emerg Med. 2020;9(1):e7. doi: 10.22037/aaem.v9i1.1004. Dois dos estudos relataram níveis mais altos de fadiga emocional em mulheres em comparação com homens e que o sexo feminino foi um fator de risco para burnout entre profissionais de terapia intensiva.88. Shah K, Chaudhari G, Kamrai D, Lail A, Patel RS. How Essential Is to Focus on Physician’s Health and Burnout in Coronavirus (COVID-19) Pandemic? Cureus. 2020;12(4):e7538. doi: 10.7759/cureus.7538. , 99. Sung CW, Chen CH, Fan CY, Su FY, Chang JH, Hung CC, et al. Burnout in Medical Staffs During a Coronavirus Disease (COVID-19) Pandemic. Lancet. [ahead of print]. doi: 10.2139/ssrn.3594567. No entanto, outro estudo não encontrou associação com o gênero.1010. Deldar K, Froutan R, Dalvand S, Gheshlagh RG, Mazloum SR. The Relationship between Resiliency and Burnout in Iranian Nurses: A Systematic Review and Meta-Analysis. Open Access Maced J Med Sci. 2018 6(11):2250-6. doi: 10.3889/oamjms.2018.428. A heterogeneidade dos estudos quanto à coleta de dados e questionários utilizados pode ter contribuído para isso, o que reforça a necessidade de mais estudos.77. Sharifi M, Asadi-Pooya AA, Mousavi-Roknabadi RS. Burnout among Healthcare Providers of COVID-19; a Systematic Review of Epidemiology and Recommendations. Arch Acad Emerg Med. 2020;9(1):e7. doi: 10.22037/aaem.v9i1.1004.

O Brasil ocupou o segundo lugar em número de casos e óbitos por COVID-19 desde o começo da pandemia. No entanto, até onde sabemos, nenhum estudo avaliou o burnout de mulheres médicas brasileiras durante a pandemia. Assim, este estudo teve como objetivo avaliar os efeitos da pandemia na qualidade de vida, no desenvolvimento do burnout e na espiritualidade de mulheres médicas que atendem pacientes com COVID-19 direta ou indiretamente.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal, observacional, realizado de 28 de julho a 27 de setembro de 2020 no Brasil, com mulheres médicas de diferentes especialidades, que prestavam assistência direta ou indireta a pacientes com COVID-19. Não houve restrição de idade. As médicas responderam voluntariamente a um questionário online com 68 questões, assim constituindo uma amostra de conveniência.

O questionário foi composto por: 20 questões sobre características demográficas e socioeconômicas; 26 questões da versão em português brasileiro do WHOQOL-brief;1111. Kluthcovsky ACG, Kluthcovsky, FA. O WHOQOL-bref, um Instrumento para avaliar Qualidade de vida: Uma Revisão Sistemática. Rev. psiquiatr. Rio Gd. Sul. 2009;31,(3):1-12. doi: 10.1590/S0101-81082009000400007. 9 questões baseadas no instrumento de teste de campo de Qualidade de Vida da Organização Mundial da Saúde – módulo Espiritualidade, Religiosidade e Crenças Pessoais;1212. World Health Organization. WHOQOL-SRPB field-test instrument: WHOQOL spirituality, religiousness, and personal beliefs (SRPB)field-test instrument: the WHOQOL-100 questions plus 32 SRPB questions, 2012 revision. Geneva: World Health Organization; 2022. , 1313. Panzini RG, Maganha C, Rocha NS, Bandeira DR, Fleck MP. Validação Brasileira do Instrumento de Qualidade de Vida/Espiritualidade, Religião e Crenças Pessoais. Rev Saúde Pública. 2011;45(1):153-65. doi: 10.1590/S0034-89102011000100018. e os 13 enunciados da versão em português brasileiro do Oldenburg Burnout Inventory (OLBI).1414. Demerouti E, Bakker AB, Vardakou I, Kantas A. The Convergent Validity of Two Burnout Instruments: A Multitrait-multimethod Analysis. Eur J Psychol Assess. 2003;19(1):12-23. doi: 10.1027/1015-5759.19.1.12.
https://doi.org/10.1027/1015-5759.19.1.1...

15. Schuster MS, Dias VV. Oldenburg Burnout Inventory - Validação de uma Nova Forma de Mensurar Burnout no Brasil. Ciênc Saúde Colet. 2018;23(2):553-62. doi: 10.1590/1413-81232018232.27952015.
- 1616. Demerouti E, Bakker AB. The Oldenburg Burnout Inventory: A good alternative to measure Burnout and engagement. In: Halbesleben J (ed.). Stress and Burnout in Health Care. New York: Nova Sciences, 2008. (Material suplementar 1).

Por meio da identificação do usuário, as participantes que respondessem ao questionário várias vezes poderiam ser identificadas. Todas as participantes forneceram consentimento informado para o uso de seus dados anônimos.

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (HUOL-CAAE: 34673520.7.0000.5292).

De acordo com a metodologia proposta por Schuster et al. e Demerouti et al., os 13 enunciados sobre burnout do OLBI foram transformados em variáveis das duas dimensões de ‘despersonificação’ (7 variáveis) e ‘exaustão emocional’ (6 variáveis).1515. Schuster MS, Dias VV. Oldenburg Burnout Inventory - Validação de uma Nova Forma de Mensurar Burnout no Brasil. Ciênc Saúde Colet. 2018;23(2):553-62. doi: 10.1590/1413-81232018232.27952015. , 1717. Demerouti E, Mostert K, Bakker AB. Burnout and Work Engagement: A Thorough Investigation of the Independency of Both Constructs. J Occup Health Psychol. 2010;15(3):209–22. doi: 10.1037/a0019408. Foi invertida a pontuação das questões cujas respostas eram ‘concordo’ ou ‘discordo’ de modo que quanto maior a pontuação de cada variável, maior o nível de burnout . A cada dimensão foi atribuída uma pontuação correspondente à sua pontuação média.

Análise estatística

Foi realizada a análise estatística por meio de regressão beta1818. Cribari-Neto F, Zeileis, A. Beta Regression in R. J Stat Soft. 2010;34(2):1-24. doi: 10.18637/jss.v034.i02. que modela taxas e proporções de desfechos. As duas dimensões de burnout foram consideradas como desfechos e as 55 questões restantes, como variáveis independentes.

No OLBI, a pontuação de cada desfecho é limitada ao intervalo de 1 a 4. Desta maneira, foi implementado um modelo de regressão beta, onde cada desfecho foi recalculado por meio de interpolação linear, de modo que valores de 0 a 1 pudessem ser obtidos. Foram implementados três modelos para cada desfecho. O primeiro modelo foi composto por 55 variáveis. O segundo e terceiro modelos utilizaram as variáveis independentes que apresentaram significância de 10% no modelo anterior.

Após os modelos de regressão beta, foram implementadas árvores de regressão utilizando as variáveis independentes do modelo final e seus respectivos desfechos. As árvores de classificação e regressão (CART, sigla em inglês) constituem um método não paramétrico utilizado para obter uma associação entre a variável dependente e um conjunto de covariáveis. Árvores de decisão são usadas para identificar a interação entre covariáveis. As folhas da árvore fornecem uma representação gráfica do desfecho para cada grupo de indivíduos. Foram usados os pacotes betareg1818. Cribari-Neto F, Zeileis, A. Beta Regression in R. J Stat Soft. 2010;34(2):1-24. doi: 10.18637/jss.v034.i02. e partykit em R para implementar os modelos de regressão beta da árvore de regressão.1919. Hothorn T, Zeileis A. Partykit A: A Modular Toolkit for Recursive Partytioning in R. J Mach Learn Res. 2015;16(118):3905-9. , 2020. R Core Team. R: A Language and Environment for Statistical Computing. Vienna: R Foundation for Statistical Computing; 2020.

Outra visualização gráfica foi utilizada com base em uma correlação policórica2121. Pearson K. Mathematical contributions to the theory of evolution. VII. On the correlation of characters not quantitatively measurable. Philos. Trans. R. Soc. Lond. Ser. A Math. Phys. Eng. Sci. 1900;195(262):1-47. doi: 10.1098/rsta.1900.0022. , uma medida de associação entre variáveis categóricas ordinais. Uma matriz de correlação policórica foi representada como uma rede onde os nós eram as variáveis, e os pesos nas arestas representavam o coeficiente de correlação policórica. A espessura das arestas e a transparência foram dadas pela magnitude do coeficiente de correlação entre os nós. As cores vermelho e verde corresponderam a correlações negativas e positivas, respectivamente. O pacote ‘qgraph’ em R foi utilizado para visualização da rede.2020. R Core Team. R: A Language and Environment for Statistical Computing. Vienna: R Foundation for Statistical Computing; 2020.

21. Pearson K. Mathematical contributions to the theory of evolution. VII. On the correlation of characters not quantitatively measurable. Philos. Trans. R. Soc. Lond. Ser. A Math. Phys. Eng. Sci. 1900;195(262):1-47. doi: 10.1098/rsta.1900.0022.
- 2222. Epskamp S, Cramer AOJ, Waldorp LJ, Schmittmann VD, Borsboom D (2012). qgraph: Network Visualizations of Relationships in Psychometric Data. J Stat Soft. 48(4):1-18. doi: 10.18637/jss.v048.i04.

Para os testes estatísticos, adotamos o nível de significância de 5%.

Resultados

Das 769 respondentes, 474 (61,6%) relataram sinais de burnout . O critério de classificação das respondentes foi dado pelos pontos de corte obtidos das árvores de classificação: exaustão emocional (< 2,668 e ≥ 2,668) e despersonificação (< 2,143 e ≥ 2,143) (Material Suplementar 2).

Com base nas respostas às questões, as características da amostra foram as seguintes: menos de 50 anos, 50,2%; cor da pele branca, 81,9%; casadas, 87,8%; e com 1 a 3 filhos, 67,5%. A distribuição das 47 especialidades médicas foi a seguinte: Cardiologia, 22,8%; Pediatria, 15%; Medicina Interna, 6%; Obstetrícia e Ginecologia, 5,6%; Anestesiologia, 3,8%; Medicina de Família e Comunidade, 2,9%; e Medicina Intensiva, 2,5%. Todas as cinco regiões geográficas brasileiras estavam representadas, sendo mais frequentes as regiões Sudeste (34,3%), Sul (31,7%) e Nordeste (28,3%).

A maioria das respondentes trabalhava em cidades com mais de 500 mil habitantes (74,1%), não ocupava cargo de liderança (66,2%), tinha estabilidade no trabalho (74,5%) e trabalhava em dois ou três locais diferentes (59,7%). Dedicavam de 6 a 20 horas semanais a afazeres domésticos (54,8%) e até 5 horas com atividades de lazer (59,0%). Cerca de 64% das respondentes ganhavam de US$ 1.000 a US$ 4.000 e 57,6% relataram perda salarial de até 50% durante a pandemia, 61% relataram boas condições de trabalho e disponibilidade de equipamentos de proteção individual adequados (61,5%).

A maioria das respondentes relatou ter uma boa qualidade de vida (71,7%) e estar satisfeita com sua saúde (55%), enquanto 64,8% relataram não aproveitar verdadeiramente a vida. Quase 80% relataram acreditar que suas vidas tinham um propósito e 90,4% reconheceram que cuidar de outras pessoas trouxe significado para suas vidas. Consideraram satisfatórios os seguintes aspectos de suas vidas: sono, 62,9%; capacidade de realizar tarefas diárias, 54,7%; capacidade para o trabalho, 64,4%; relações pessoais, 57,7%; apoio de amigos, 61%; condições do lar, 84%; e acesso à saúde, 81,4%. Apenas 36,6% consideraram a sua vida sexual satisfatória e cerca de 94% tiveram, pelo menos ocasionalmente, sentimentos negativos. Apenas 37% relataram sentir energia suficiente para as tarefas diárias e 48,6% aceitaram a sua aparência física.

As respondentes acreditavam que a espiritualidade trazia-lhes conforto e segurança (73,2%) e encontravam força espiritual em tempos difíceis (70,6%), com boa conexão de corpo, mente e espírito (67,8%), embora apenas 53,4% relatassem paz interior e 50,7% relatassem ser otimista. Além disso, 72,7% das respondentes relataram encontrar força na fé e 44,3% encontraram apoio em comunidades religiosas ou espirituais.

As Tabelas 1 e 2 mostram o modelo de regressão beta para os desfechos de ‘exaustão emocional’ e ‘despersonificação’, respectivamente.

Tabela 1
Modelo de regressão beta para a dimensão de ‘exaustão emocional’, uma das dimensões de burnout (Oldenburg Burnout Inventory)
Tabela 2
Modelo de regressão beta para a dimensão de ‘despersonificação’, outra dimensão de burnout (Oldenburg Burnout Inventory)

Para o desfecho de ‘exaustão emocional’ ( Tabela 1 ), foram significativos os seguintes: local de trabalho; alocação de tempo para afazeres domésticos; faixa salarial; ambiente de trabalho desfavorável; má qualidade de vida; falta de energia para as tarefas diárias; falta de alocação de tempo para lazer; e insatisfação com o deslocamento diário do trabalho. Relataram insatisfação significativa com sua: capacidade para o trabalho; transporte; habilidades de relacionamento; e vida sexual. Além disso, relataram vivenciar sentimentos negativos com frequência.

Para o desfecho de ‘despersonificação ( Tabela 2 ), foram significativos os seguintes: estado civil; local de trabalho; alocação de tempo para afazeres domésticos; redução/aumento de renda durante a pandemia; ambiente de trabalho ruim; incapacidade de concentração; sentimento diário de insegurança; ambiente físico insalubre; falta de energia para as tarefas diárias; não aceitação da aparência física; grande insatisfação com a capacidade para as tarefas diárias, com a vida sexual e com a capacidade para o trabalho; incapacidade de permanecer otimista em tempos de incerteza; ausência de sentido para a própria vida ao cuidar de outras pessoas; e a consideração de que a dor física as impedia de fazer o que precisava ser feito.

Na árvore de classificação correspondente ao desfecho de ‘exaustão emocional’ ( Figura 1 ), as respondentes representadas nas folhas 12 (n = 58, 7,5%), 13 (n = 43, 5,6%) e 16 (n = 35, 4,5%) apresentaram os maiores escores de burnout , com média e mediana iguais ou superiores a 3,4 (correspondendo a 0,8 na escala de 0 a 1). As respondentes representadas nas folhas 12 e 13 relataram sentir pouca ou nenhuma energia para as tarefas diárias e sentimentos negativos muito frequentes. Esses dois grupos diferiram quanto à capacidade para o trabalho, e as da folha 12 relataram grande insatisfação com isso. As respondentes da folha 16 relataram sentir pouca energia para as tarefas diárias, nenhum ou muito poucos sentimentos negativos e não ter boa qualidade de vida.

Figura 1
Árvore de classificação correspondendo ao desfecho de ‘exaustão emocional’, uma das dimensões de burnout (Oldenburg Burnout Inventory). AmbTrab: ambiente de trabalho; CapTrab: capacidade para o trabalho; NecessTrat: necessidade de tratamento médico; QdV: qualidade de vida; SentNeg: sentimentos negativos; SatisfPess: satisfação com as relações pessoais; SatisfSex: satisfação com a vida sexual; SatisfTransp: satisfação com o transporte.

Na árvore de classificação correspondente ao desfecho de ‘despersonificação’ ( Figura 2 ), as respondentes representadas nas folhas 3 (n = 97, 12,6%) e 5 (n = 29, 3,8%) apresentaram os maiores escores de burnout , com média e mediana superior a 2,8 (correspondente a 0,6 na escala de 0 a 1). As 97 respondentes da folha 3 relataram insatisfação com a sua capacidade para o trabalho e pouca ou nenhuma energia para as tarefas diárias. No entanto, as 29 respondentes da folha 5, apesar de estarem insatisfeitas com a sua capacidade para o trabalho e não reconhecerem que cuidar de outras pessoas trouxesse sentido à vida, consideram ter energia suficiente para suas tarefas diárias.

Figura 2
Árvore de classificação correspondendo ao desfecho de ‘despersonificação’, outra dimensão de burnout (Oldenburg Burnout Inventory). AmbSaud: ambiente saudável; AmbTrab: ambiente de trabalho; CuidarOut: cuidar de outras pessoas; CapTrab: capacidade para o trabalho; SeguVida: segurança de vida.

Para o desfecho de ‘exaustão emocional’ relacionado às mulheres médicas com burnout , o coeficiente de correlação policórica (Material Suplementar 3) identificou que ter sentimentos negativos teve correlação negativa com satisfação com a vida sexual e com as relações pessoais, bem como com energia para as tarefas diárias. A necessidade de tratamento médico para lidar com a vida diária correlacionou-se negativamente com a presença de energia para as tarefas diárias. No entanto, a falta de energia para as tarefas diárias correlacionou-se positivamente com a má qualidade de vida e com a insatisfação em relação à a capacidade para o trabalho ( Figura 3 ).

Figura 3
A matriz de correlação policórica é uma rede onde os nós são as variáveis, e os pesos nas arestas representam o coeficiente de correlação policórica. A espessura das arestas e a transparência são dadas pela magnitude do coeficiente de correlação entre os nós. Dimensões do burnout (Oldenburg Burnout Inventory): (A) Exaustão emocional sem burnout; (B) Exaustão emocional com burnout; (C) Despersonificação sem burnout; (D) Despersonificação com burnout. (*). Com burnout: amS: ambiente saudável; amT: ambiente de trabalho; cdd: cuidar de outras pessoas agrega sentido à vida; cnc: concentração; cpT: capacidade para o trabalho; enr: energia; otm: otimismo em momentos desafiadores; qlV - Qualidade de vida; sgV: segurança de vida; snN: sentimentos negativos; stP: satisfação com as relações pessoais; stS: satisfação com a vida sexual; stT: satisfação com o transporte; Trt: necessidade de tratamento médico. (*) Mais detalhes para compreender a matriz de correlação policórica estão disponíveis no material suplementar.

Para o desfecho de ‘despersonificação’ relacionado às mulheres médicas com burnout , o coeficiente de correlação policórica (Material Suplementar 3) identificou que a dificuldade de concentração foi correlacionada positivamente com a insatisfação em relação à capacidade para o trabalho e com a sensação de insegurança no dia a dia. A incapacidade de permanecer otimista em tempos de incerteza correlacionou-se positivamente com a sensação de insegurança no dia a dia e com a ausência de significado da própria vida no cuidado de outras pessoas. A falta de energia para as tarefas diárias correlacionou-se positivamente com a insatisfação em relação à capacidade para o trabalho ( Figura 3 ). Esses achados da análise de rede corroboram os da árvore de classificação e da regressão beta.

Discussão

O presente estudo mostrou uma alta frequência de burnout entre as mulheres médicas brasileiras (61,6%) que responderam ao questionário. Em relação ao desfecho de ‘exaustão emocional’, as médicas com burnout tinham pouca ou nenhuma energia para as tarefas diárias, sentimentos negativos e insatisfação com a sua capacidade para o trabalho. Em relação ao desfecho de ‘despersonificação’, as médicas com burnout relataram insatisfação com a sua capacidade para o trabalho, pouca ou nenhuma energia para tarefas diárias e ausência de sentido à própria vida ao cuidar de outras pessoas, fatores que ameaçam a sua qualidade de vida. Apesar disso, apresentavam uma qualidade de vida relativamente boa e acreditavam que a espiritualidade as confortava e tranquilizava nos momentos difíceis.

O burnout tem sido definido como uma síndrome psicológica que resulta do estresse crônico no trabalho, suas principais dimensões sendo exaustão, cinismo e falta de eficácia profissional.2323. Demarzo M, García-Campayo J, Martínez-Rubio D, Pérez-Aranda A, Miraglia JL, Hirayama MS, et al. Frenetic, under-Challenged, and Worn-out Burnout Subtypes among Brazilian Primary Care Personnel: Validation of the Brazilian “Burnout Clinical Subtype Questionnaire” (BCSQ-36/BCSQ-12). Int J Environ Res Public Health. 2020;17(3):1081. doi: 10.3390/ijerph17031081. A condição foi agravada pela pandemia de COVID-19 que desafia a saúde mental, questiona crenças pessoais e ameaça a qualidade de vida dos profissionais de saúde. O problema é exacerbado pelos afazeres domésticos tradicionalmente realizados pelas mulheres.2424. Liu X, Chen J, Wang D, Li X, Wang E, Jin Y, et al. COVID-19 Outbreak Can Change the Job Burnout in Health Care Professionals. Front Psychiatry. 2020 Dec 8;11:563781. doi: 10.3389/fpsyt.2020.563781.

O Brasil ocupou o segundo lugar em número de casos e óbitos por COVID-19. Isso levou o sistema de saúde brasileiro ao limite, afetando o atendimento aos pacientes não apenas com COVID-19, mas também com outras doenças agudas e crônicas. Quase todos os profissionais de saúde, principalmente médicos, estiveram envolvidos no combate à pandemia.2525. Brant LCC, Nascimento BR, Teixeira RA, Lopes MACQ, Malta DC, Oliveira GMM, et al. Excess of Cardiovascular Deaths During the COVID-19 Pandemic in Brazilian Capital Cities. Heart. 2020;106(24):1898-1905. doi: 10.1136/heartjnl-2020-317663. Segundo Scheffer et al., o Brasil tem 477.982 médicos, sendo 222.942 mulheres, predominantemente jovens e residentes nas regiões Sudeste, Sul e Nordeste, a maioria (59,5%) com título de especialista. A medicina no Brasil está no processo de feminização.2626. Scheffer M. Demografia Médica no Brasil 2020. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2020. A distribuição das características da nossa amostra está de acordo com a relatada no estudo de Scheffer et al.

O nosso estudo mostrou maior prevalência de burnout (61,6%) entre as mulheres médicas brasileiras em comparação com outros estudos.11. Amanullah S, Ramesh Shankar R. The Impact of COVID-19 on Physician Burnout Globally: A Review. Healthcare. 2020;8(4):421. doi: 10.3390/healthcare8040421.

2. Morgantini LA, Naha U, Wang H, Francavilla S, Acar Ö, Flores JM, et al. Factors Contributing to Healthcare Professional Burnout During the COVID-19 Pandemic: A rapid Turnaround Global Survey. PLoS One. 2020;15(9):e0238217. doi: 10.1371/journal.pone.0238217.
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Em nosso estudo, a maioria das respondentes relatou ter boa qualidade de vida e acreditar que sua vida tinha um propósito e que cuidar de outras pessoas trazia sentido à sua vida. Além disso, relataram ainda ter que superar barreiras no exercício da profissão e receber remuneração inferior à dos homens. Um grande número relatou sentimentos negativos frequentes, insatisfação com a vida sexual e falta de energia suficiente para as tarefas diárias, além de insatisfação com a aparência física. Tais achados podem ter sido influenciados pelos efeitos da pandemia em um país que vivencia enormes desafios no sistema de saúde.2525. Brant LCC, Nascimento BR, Teixeira RA, Lopes MACQ, Malta DC, Oliveira GMM, et al. Excess of Cardiovascular Deaths During the COVID-19 Pandemic in Brazilian Capital Cities. Heart. 2020;106(24):1898-1905. doi: 10.1136/heartjnl-2020-317663. Esses resultados são semelhantes aos do estudo com médicos turcos, relatando que aqueles envolvidos na luta contra a COVID-19 relataram uma forte sensação de significância do trabalho.2929. Dinibutun SR. Factors Associated with Burnout Among Physicians: An Evaluation During a Period of COVID-19 Pandemic. J Healthc Leadersh. 2020;12:85-94. doi: 10.2147/JHL.S270440. Porém, a frequência de burnout foi muito maior entre as médicas brasileiras, o que pode estar relacionado à magnitude dos efeitos da pandemia no Brasil.

A prática médica é permeada por experiências de perda, estresse, ansiedade e medo, que aumentam a vulnerabilidade psicológica dos médicos e facilitam o aparecimento de sintomas de ansiedade-depressão. Entretanto, resiliência, espiritualidade e crenças pessoais parecem desempenhar um papel mediador em algumas dessas variáveis psicológicas. Nenhum estudo avaliou como essas variáveis afetam a exaustão e o sofrimento psicológico de mulheres médicas, principalmente aquelas que atuam em um país que enfrenta um sistema de saúde deficitário.3030. Serrão C, Duarte I, Castro L, Teixeira A. Burnout and Depression in Portuguese Healthcare Workers during the COVID-19 Pandemic-The Mediating Role of Psychological Resilience. Int J Environ Res Public Health. 2021;18(2):636. doi: 10.3390/ijerph18020636. Observamos que as médicas confiam na espiritualidade para conforto e segurança, encontram força espiritual em tempos desafiadores e acreditam obter, pela fé, forças para os desafios diários.

Em nosso estudo, o uso inovador de aprendizado de máquina identificou, para o desfecho de ‘exaustão emocional’, que as mulheres médicas com burnout frequentemente têm pouca ou nenhuma energia para tarefas diárias e apresentam sentimentos negativos. Para o desfecho de ‘despersonificação’, as mulheres médicas relataram insatisfação com a sua capacidade para o trabalho, pouca ou nenhuma energia para as tarefas diárias e ausência de sentido à sua vida ao cuidar de outras pessoas ( Figuras 1 e 2 ). Até onde sabemos, não há avaliação de burnout entre mulheres médicas usando técnicas de inteligência artificial, que é o ponto forte do nosso estudo.

Além de confirmar os achados da regressão beta e das árvores de classificação em médicas com burnout , a análise de rede ( Figura 3 ) evidenciou a correlação de seus sentimentos negativos com insatisfação nas relações pessoais e na vida sexual, bem como com a falta de energia para tarefas diárias. Além disso, evidenciou a correlação da má qualidade de vida com a insatisfação em relação à capacidade para o trabalho e com a falta de energia para as tarefas diárias. Correlacionou ainda a dificuldade de concentração com a sensação de insegurança, que, por sua vez, foi correlacionada à incapacidade de permanecer otimista em tempos de incerteza. Além disso, esta análise mostrou graficamente a magnitude da relação entre as variáveis identificadas na técnica de aprendizado de máquina. Outro estudo que utilizou esse tipo de análise mostrou a associação da exaustão emocional elevada à hipertensão arterial e outras doenças crônicas,66. von Känel R, Princip M, Holzgang SA, Fuchs WJ, van Nuffel M, Pazhenkottil AP, Spiller TR. Relationship between job burnout and somatic diseases: a network analysis. Sci Rep. 2020 Oct 28;10(1):18438. doi: 10.1038/s41598-020-75611-7. mesmo fora do período de pandemia.

Uma limitação do presente estudo é ter uma amostra de conveniência. A alta frequência de burnout pode ser devido a um viés amostral, isto é, mulheres com mais problemas podem ter respondido mais ao questionário do que outras mulheres. Apesar disso, a distribuição das características da amostra foi semelhante à observada no estudo de Demografia Médica no Brasil.2626. Scheffer M. Demografia Médica no Brasil 2020. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2020. O ponto forte do presente estudo é a análise conjunta usando aprendizado de máquina das condições de burnout , qualidade de vida e espiritualidade, bem como suas inter-relações durante a pandemia de COVID-19 em mulheres médicas que enfrentaram os desafios mais significativos ao lidar com condições únicas de trabalho e de vida, em um país assolado por casos e óbitos relacionadas à infecção por SARS-COV-2.

Os efeitos socioeconômicos da pandemia e como ela afetou um estilo de vida saudável, bem como o autocuidado feminino, a sensação de bem-estar e a qualidade de vida, representam grandes ameaças à saúde de mulheres médicas com burnout . No entanto, na maioria das vezes, tais assuntos não são reconhecidos nem abordados. Em países como o Brasil, que enfrenta muitos casos e óbitos, esse desafio é maior por conta das desigualdades de um país continental sem políticas direcionadas para a saúde dos médicos, principalmente para as mulheres médicas desafiadas pela tripla jornada de trabalho em tempos de pandemia.

Portanto, é essencial desenvolver estudos futuros para reconhecer a prevalência do burnout e seu impacto avassalador em diferentes populações para enfrentá-lo e preveni-lo adequadamente. Nossos achados destacam a importância de criar um ambiente propício à construção de relações de trabalho positivas. Adicionalmente, o governo e as agências de saúde devem fornecer recursos e investir para proteger o bem-estar psicológico de profissionais de saúde, criando programas de saúde mental. Paralelamente, devem ser estabelecidas parcerias com outras instituições sociais e implementados sistemas de atendimento remoto, movidos pela resiliência e compreensão de situações singulares, com a finalidade de auxiliar as médicas com burnout .

Conclusão

O presente estudo mostrou uma alta frequência de burnout entre as médicas brasileiras que responderam ao questionário durante a pandemia de COVID-19. Apesar disso, apresentavam uma qualidade de vida relativamente boa e acreditavam que a espiritualidade trazia-lhes conforto e segurança nos momentos difíceis.

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  • Vinculação acadêmica
    Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.
  • Fontes de financiamento: O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    Ago 2022

Histórico

  • Recebido
    07 Nov 2021
  • Revisado
    27 Fev 2022
  • Aceito
    16 Mar 2022
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