Acessibilidade / Reportar erro

SOBRE A SINTAXE DE CONSTRUÇÕES OUGHT-TO-BE COM E SEM ADDRESSEE ESPECÍFICO

RESUMO

O presente artigo tem como foco o deôntico ought-to-be , analisado a partir dos conceitos de obrigação discutidos em Castañeda (1970), Feldman (1986) e Hacquard (2006, 2010). A partir de testes de co-ocorrência de um modal ought-to-be com elementos que ocorrem na camada CP – em particular, com a expressão-wh por que e com elementos adverbiais –, constatamos que o ought-to-be é interpretado entre as posições altas de IntP e ModP. Mostramos também que um ought-to-be pode figurar em construções com ou sem addressee específico e que essa diferença se reflete na sintaxe. Nossa proposta é estender a análise de Portner, Pak e Zanuttini (2019), desenvolvida para partículas de estilo de fala do coreano, para o deôntico ought-to-be , postulando que esse deôntico, quando usado com um addressee específico, integra uma estrutura em que a categoria cP é projetada, o que permite que traços que expressam a relação falante-interlocutor, tais como o traço de status , sejam checados. Consequentemente, esse modal é restrito ao domínio matriz. Por outro lado, quando ele ocorre em uma sentença sem addressee específico, ele integra uma estrutura sem a projeção de cP, uma vez que ele não remete à relação falante-interlocutor. Nesse caso, o modal aparece em domínios matrizes e encaixados.

deôntico ought-to-be; modalidade deôntica; relação falante-interlocutor; categoria cP

ABSTRACT

This paper focuses on the (ought-to-be) deontic, which is analyzed from the concepts of obligation discussed in Castañeda (1970), Feldman (1986) and Hacquard (2006, 2010). From co-occurrence tests of an ought-to-be modal with other elements in the CP layer – in particular, with the wh-phrase por que ( why ) and with adverbial elements, it was found that ought-to-be is interpreted between the high projections IntP and ModP. It was also shown that an ought-to-be can be used in an utterance with or without a specific addressee and that this difference reflects in the syntax. The proposal is to extend the analysis by Portner, Pak and Zanuttini (2019), developed for Korean speech style particles, to the ought-to-be deontic, postulating that this deontic, when used with a specific addressee, integrates a structure in which the cP category is projected, which allows features that express the speaker-addressee relation, such as status, to be checked. Consequently, this modal is restricted to the matrix domain. When, however, it appears in an utterance without a specific addressee, it integrates a structure without the projection of cP, since it does not refer to the speaker-addressee relationship. In this case, it can appear in both the matrix and embedded domains.

ought-to-be deontic modality; speaker-addressee relationship; cP category

Introdução

De acordo com Rech, Soares e Guesser (2019)RECH, N.; SOARES, E. C.; GUESSER, S. L. A interpretação deôntica no português brasileiro: um estudo de natureza experimental. Revista Diacrítica , Braga, v. 33, p. 178-195, 2019. , o conceito de ought-to-be de Castañeda (1970)CASTAÑEDA, H. On the Semantics of the Ought-to-do . Synthese , Dordrecht, n. 21, p. 449-468, 1970. e Feldman (1986)FELDMAN, F. Doing the Best We Can: philosophical Studies. Dordrecht: Reidel, 1986. (Series in philosophy, 35). difere do de Hacquard (2006HACQUARD, V. Aspects of modality . 2006. Tese (Doutorado em Filosofia da Linguística) - Massaschusetts Institute of Technology, Cambridge, 2006. , 2010HACQUARD, V. On the Event Relativity of Modal Auxiliaries. Natural Language Semantics , Dordrecht, n. 18, p. 79-114, 2010. ). Os primeiros associam ought-to-be com um tipo de obrigação que transmite a ideia de como algo deve ser ou de como deve ocorrer, sem que um agente específico seja responsabilizado pelo evento. Essa definição contrasta com a de um deôntico ought-to-do , que liga um evento a um participante, colocando a obrigação de realizar o evento sobre um agente específico. Hacquard (2006HACQUARD, V. Aspects of modality . 2006. Tese (Doutorado em Filosofia da Linguística) - Massaschusetts Institute of Technology, Cambridge, 2006. , 2010HACQUARD, V. On the Event Relativity of Modal Auxiliaries. Natural Language Semantics , Dordrecht, n. 18, p. 79-114, 2010. ) também faz uso dessa distinção, associando as diferenças entre esses dois tipos de obrigação à posição do modal na sentença: o deôntico ought-to-be é interpretado em uma posição alta, acima das categorias de Tempo e Aspecto, enquanto o ought-to-do é interpretado em uma posição baixa, sob o escopo de Tempo e quase todas as categorias que indicam Aspecto. Diferentemente da definição de Castañeda e Feldman, o deôntico ought-to-be de Hacquard corresponde a um ato de fala diretivo, que põe sobre o interlocutor a obrigação de realizar o evento descrito na sentença. 1 1 “Note that we are using the ought-to-do/ought-to-be labels to refer to the distinction between the class of deontics that puts an obligation on the subject vs. that which puts an obligation on the addressee” ( HACQUARD, 2006 , p. 40). Considerando essas definições, ambas as sentenças (1a) e (1b) descrevem uma obrigação do tipo ought-to-be:

  • (1) a. There ought to be a more equal distribution of wealth in the world.

  • ‘Tem que/Deve haver uma distribuição mais igualitária da riqueza no mundo’

  • ( FELDMAN, 1986FELDMAN, F. Doing the Best We Can: philosophical Studies. Dordrecht: Reidel, 1986. (Series in philosophy, 35). , p. 179)

  • b. Kitty has to brush her teeth .

  • ‘Kitty tem que escovar os dentes’

  • ( HACQUARD, 2006HACQUARD, V. Aspects of modality . 2006. Tese (Doutorado em Filosofia da Linguística) - Massaschusetts Institute of Technology, Cambridge, 2006. , p. 40)

Feldman observa que, numa sentença como (1a), uma distribuição mais igualitária da riqueza no mundo corresponde a uma obrigação ought-to-be , uma vez que esta não recai sobre um agente em particular. De acordo com Hacquard, uma obrigação ought-to-be corresponde a um ato de fala diretivo orientado para o interlocutor. Portanto, (1b) ilustra esse tipo de obrigação apenas se proferida em um contexto no qual o falante (a mãe de Kitty, por exemplo) coloca a obrigação do evento diretamente sobre o interlocutor, que pode ser a babá ou outra pessoa que esteja responsável por cuidar de Kitty.

Com base em estudos precedentes, pode-se assumir que o deôntico ought-to-be – de acordo não apenas com Castañeda (1970)CASTAÑEDA, H. On the Semantics of the Ought-to-do . Synthese , Dordrecht, n. 21, p. 449-468, 1970. e Feldman (1986)FELDMAN, F. Doing the Best We Can: philosophical Studies. Dordrecht: Reidel, 1986. (Series in philosophy, 35). , mas também com Hacquard (2006)HACQUARD, V. Aspects of modality . 2006. Tese (Doutorado em Filosofia da Linguística) - Massaschusetts Institute of Technology, Cambridge, 2006. – corresponde a um modal em uma posição alta na estrutura sintática ( HACQUARD, 2006HACQUARD, V. Aspects of modality . 2006. Tese (Doutorado em Filosofia da Linguística) - Massaschusetts Institute of Technology, Cambridge, 2006. , 2010HACQUARD, V. On the Event Relativity of Modal Auxiliaries. Natural Language Semantics , Dordrecht, n. 18, p. 79-114, 2010. ; TSAI, 2015TSAI, W. D. On the Topography of Chinese Modals. In : SLHONSKY, U. (ed.). Beyond Functional Sequence: The cartography of syntactic structures. Oxford: Oxford University Press, 2015. v.10. p. 275-294. ; RECH; VARASCHIN, 2018aRECH, N. F.; VARASCHIN, G. Predicados estativos e os tipos de deôntico: ought-to-do e ought-to-be. Cadernos de Estudos Linguísticos , Campinas, v.60, n.1, p.159–177, 2018a. , 2018bRECH, N. F.; VARASCHIN, G. Propriedades do modal deôntico ought-to-be. Alfa , Araraquara, v.62, n.2, p.361–380, 2018b. ; RECH; SOARES; GUESSER, 2019RECH, N.; SOARES, E. C.; GUESSER, S. L. A interpretação deôntica no português brasileiro: um estudo de natureza experimental. Revista Diacrítica , Braga, v. 33, p. 178-195, 2019. ). A diferença entre esses conceitos é baseada na orientação desse modal, que pode ser empregado em contextos com um addressee genérico ou sem nenhum addressee, como em (1a), ou em contextos com um addressee específico, como em (1b).

A próxima seção mostra como o deôntico ought-to-be com addressee específico e aquele com addressee genérico ou sem nenhum addressee reagem a fenômenos como acarretamento de verdade e (não-)ocorrência em domínio encaixado. Na sequência, será argumentado que a estrutura de sentenças com o auxiliar modal deôntico ought-to-be será diferente se este for ou não orientado para um addressee específico: se sim, a estrutura envolverá uma projeção cP, cujo núcleo contém traços que se referem à interação falante-interlocutor ( PORTNER; PAK; ZANUTTINI , 2019PORTNER, P.; PAK, M.; ZANUTTINI, R. The speaker-addressee relation at the syntax-semantics interface. Language , Washington, v. 95, n. 1, p. 1-36, 2019. ); se não for, tal categoria não será projetada na estrutura sintática.

O deôntico ought-to-be: addressee genérico ou inexistente vs. addressee específico

De acordo com a literatura ( BRENNAN, 1993BRENNAN, V. Root and Epistemic modal auxiliary verbs . 1993. Tese (Doutorado em Linguística) - University of Massachusetts, Amherst, 1993. ; HACQUARD, 2006HACQUARD, V. Aspects of modality . 2006. Tese (Doutorado em Filosofia da Linguística) - Massaschusetts Institute of Technology, Cambridge, 2006. , 2010HACQUARD, V. On the Event Relativity of Modal Auxiliaries. Natural Language Semantics , Dordrecht, n. 18, p. 79-114, 2010. ; TSAI, 2015TSAI, W. D. On the Topography of Chinese Modals. In : SLHONSKY, U. (ed.). Beyond Functional Sequence: The cartography of syntactic structures. Oxford: Oxford University Press, 2015. v.10. p. 275-294. ; RECH; VARASCHIN, 2018aRECH, N. F.; VARASCHIN, G. Predicados estativos e os tipos de deôntico: ought-to-do e ought-to-be. Cadernos de Estudos Linguísticos , Campinas, v.60, n.1, p.159–177, 2018a. , 2018bRECH, N. F.; VARASCHIN, G. Propriedades do modal deôntico ought-to-be. Alfa , Araraquara, v.62, n.2, p.361–380, 2018b. ; RECH; SOARES; GUESSER, 2019RECH, N.; SOARES, E. C.; GUESSER, S. L. A interpretação deôntica no português brasileiro: um estudo de natureza experimental. Revista Diacrítica , Braga, v. 33, p. 178-195, 2019. ), o deôntico ought-to-be é interpretado em uma posição alta, enquanto o deôntico ought-to-do é interpretado em uma posição baixa. As principais razões para essa distinção são as diferenças na orientação modal – se a obrigação é colocada no participante do evento descrito pelo vP, preferivelmente o sujeito ( ought-to-do ), ou se recai sobre um participante saliente no evento de fala ( ought-to-be ) – e no modo como esses dois tipos de deônticos se relacionam com as categorias de tempo e aspecto.

Esse artigo foca no modal deôntico interpretado em uma posição alta: ought-to-be . Mostraremos como esse deôntico se comporta em relação ao fenômeno acarretamento de verdade e à (não-)ocorrência em domínio encaixado. Consideramos o seu emprego com um addressee específico e também com addressee genérico ou inexistente.

Acarretamento de verdade em construções deônticas

O acarretamento de verdade é apresentado por Tsai (2015)TSAI, W. D. On the Topography of Chinese Modals. In : SLHONSKY, U. (ed.). Beyond Functional Sequence: The cartography of syntactic structures. Oxford: Oxford University Press, 2015. v.10. p. 275-294. como uma consequência da análise dos modais. Esse fenômeno – discutido anteriormente em Bhatt (1999)BHATT, R. Ability Modals and their Actuality Entailments . Stanford: CSLI, 1999. Disponível em: http://people.umass.edu/bhatt/papers/wccfl-ability-modals.pdf . Acesso em: 7 mar. 2022.
http://people.umass.edu/bhatt/papers/wcc...
e Hacquard (2006HACQUARD, V. Aspects of modality . 2006. Tese (Doutorado em Filosofia da Linguística) - Massaschusetts Institute of Technology, Cambridge, 2006. , 2009HACQUARD, V. On the interaction of aspect and modal auxiliaries. Linguistics and Philosophy , Dordrecht, n. 32, p. 279-312, 2009. ) – se refere ao fato de que, quando se encontram em uma forma perfectiva, certos modais causam um acarretamento de que o evento descrito sob seu escopo realmente aconteceu. Os autores apontam que acarretamentos de verdade ocorrem com modais baixos (dinâmicos e deônticos ought-to-do ), mas não com modais altos (epistêmicos e deônticos ought-to-be ).

Na análise proposta para o francês ( HACQUARD, 2006HACQUARD, V. Aspects of modality . 2006. Tese (Doutorado em Filosofia da Linguística) - Massaschusetts Institute of Technology, Cambridge, 2006. ), acarretamentos de verdade decorrem do fato de o aspecto perfectivo se mover para uma posição acima da posição ocupada por modais dinâmicos e por certos modais deônticos. O chinês não realiza movimento perfectivo; ao invés disso, recorre à inserção de um operador aspectual acima do verbo modal, como uma estratégia para gerar acarretamentos de verdade. Em (2), são apresentados exemplos extraídos de Tsai (2015TSAI, W. D. On the Topography of Chinese Modals. In : SLHONSKY, U. (ed.). Beyond Functional Sequence: The cartography of syntactic structures. Oxford: Oxford University Press, 2015. v.10. p. 275-294. , p. 290), em que figura o modal deôntico yao:

  • (2) a. Akiu yao changchang xiuxi. [ irrealis: necessidade]

  • Akiu YAO often rest

  • ‘Akiu precisa descansar com frequência/frequentemente’

  • b. Akiu changchang yao xiuxi. [ realis: necessidade humana]

  • Akiu often YAO rest

  • ‘Akiu com frequência/frequentemente precisou descansar’

Quando yao precede um advérbio de frequência/operador aspectual, tal como changchang , ‘frequentemente’ (2a), a sentença apresenta leitura irrealis , e o modal apresenta a leitura imperfectiva. Por outro lado, quando yao segue o advérbio changchang (2b), a interpretação é realis , e o modal tem leitura perfectiva. Considerando as sentenças em (2), Tsai observa que o fenômeno do acarretamento de verdade se verifica em construções com modais baixos, tal como o deôntico ought-to-do (2b), mas não em construções com modais altos, tal como o deôntico ought-to-be (2a).

A diferença de comportamento entre o deôntico ought-to-do e o ought-to-be em relação a fenômenos como o acarretamento de verdade levou Tsai a propor a estrutura apresentada em ( Imagem 1 ), em que o deôntico ought-to-do fica dentro da camada flexional, enquanto o deôntico ought-to-be se liga a uma projeção dedicada ao modal epistêmico, na periferia esquerda da sentença:

Imagem 1
As posições dos deônticos ought-to-do e o ought-to-be de acordo com Tsai (2015)TSAI, W. D. On the Topography of Chinese Modals. In : SLHONSKY, U. (ed.). Beyond Functional Sequence: The cartography of syntactic structures. Oxford: Oxford University Press, 2015. v.10. p. 275-294.

Nessa perspectiva, Tsai formula a seguinte generalização: acarretamentos de verdade são restritos a modais que se localizam abaixo de TP, ou seja, os de habilidade, volição, deônticos do tipo ought-to-do , entre outros modais de raiz. Modais epistêmicos e deônticos ought-to-be , por estarem acima de TP, na periferia esquerda, não geram acarretamentos de verdade.

O fenômeno do acarretamento de verdade, baseado em Hacquard (2006)HACQUARD, V. Aspects of modality . 2006. Tese (Doutorado em Filosofia da Linguística) - Massaschusetts Institute of Technology, Cambridge, 2006. e Tsai (2015)TSAI, W. D. On the Topography of Chinese Modals. In : SLHONSKY, U. (ed.). Beyond Functional Sequence: The cartography of syntactic structures. Oxford: Oxford University Press, 2015. v.10. p. 275-294. , foi mostrado aqui para argumentar que o deôntico ought-to-be é interpretado em uma posição alta na estrutura, acima da categoria de tempo.

No PB, não é possível testar o acarretamento de verdade em construções com o deôntico ought-to-be sem um addressee específico.

  • (3) a. Tem que/Deve se fazer o controle das vacinas nos Postos de Saúde.

  • b. Teve que ser feito o controle das vacinas nos Postos de Saúde, #mas o controle não foi feito.

A inconsistência pragmática da continuação “mas o controle não foi feito” mostra que o acarretamento de verdade emerge em (3b). Porém, é importante observar que apenas modais interpretados abaixo de tempo podem se mover para a categoria TP para se unir às marcas de flexão do verbo. A construção ought-to-be em (3a) se torna uma construção ought-to-do quando o modal ter que apresenta morfologia perfectiva, correspondendo a uma construção passiva sem o agente, que pode ser, por exemplo, os enfermeiros (Teve que ser feito o controle das vacinas pelos enfermeiros nos Postos de Saúde). Parece, portanto, não ser possível testar o fenômeno do acarretamento de verdade em PB, colocando a morfologia perfectiva no modal. Tsai testa esse fenômeno por meio da combinação de deônticos ought-to-be com advérbios altos, como changchang (often) (Cf. (2)).

Quando o deôntico ought-to-be denota uma relação entre o falante e seu interlocutor, correspondendo a um ato de fala diretivo, também não é possível testar a sua reação ao fenômeno do acarretamento de verdade. Considere os seguintes exemplos:

  • (4) a. As crianças têm que/devem receber as provas corrigidas.

  • b. As crianças tiveram que receber as provas corrigidas.

Na sentença (4a), o falante coloca no ouvinte – que pode ser a professora – a obrigação de dar às crianças as suas provas corrigidas. Essa sentença, portanto, corresponde a um ato de fala diretivo. Em (4b), o auxiliar ter que está na forma perfectiva; consequentemente, a leitura ought-to-be é bloqueada. Nesse caso, o modal é usado para reportar uma ordem ou uma necessidade, correspondendo a um deôntico do tipo ought-to-do , gerando, assim, acarretamento de verdade. Apenas modais altos não ocasionam acarretamentos de verdade. O caráter performativo do deôntico ought-to-be com addressee específico, em (4a), não pode ocorrer em uma forma perfectiva, dado que não faz sentido dar uma ordem a alguém para realizar um evento no passado.

Em suma, como observado na literatura ( HACQUARD, 2006HACQUARD, V. Aspects of modality . 2006. Tese (Doutorado em Filosofia da Linguística) - Massaschusetts Institute of Technology, Cambridge, 2006. , 2009HACQUARD, V. On the interaction of aspect and modal auxiliaries. Linguistics and Philosophy , Dordrecht, n. 32, p. 279-312, 2009. ; TSAI, 2015TSAI, W. D. On the Topography of Chinese Modals. In : SLHONSKY, U. (ed.). Beyond Functional Sequence: The cartography of syntactic structures. Oxford: Oxford University Press, 2015. v.10. p. 275-294. ), modais interpretados em uma posição alta (deônticos ought-to-be e modais epistêmicos) não geram acarretamentos de verdade, o que os torna diferentes de modais interpretados em posição baixa (deônticos ought-to-do e modais dinâmicos).

O deôntico ought-to-be em contextos matrizes e/ou encaixados

Como observado na literatura, certos elementos têm sua ocorrência restrita ao domínio matriz ( root phenomenon ), enquanto outros figuram em domínios matriz e encaixado ( HAEGEMAN, 2004HAEGEMAN, L. Topicalization, CLLD and the left periphery. ZASPapers in Linguistics , Berlin, n. 35, p. 157-192, 2004. ; PORTNER; PAK; ZANUTTINI, 2019PORTNER, P.; PAK, M.; ZANUTTINI, R. The speaker-addressee relation at the syntax-semantics interface. Language , Washington, v. 95, n. 1, p. 1-36, 2019. ). Portner, Pak e Zanuttini (2019)PORTNER, P.; PAK, M.; ZANUTTINI, R. The speaker-addressee relation at the syntax-semantics interface. Language , Washington, v. 95, n. 1, p. 1-36, 2019. relatam essa distribuição pela orientação dos itens: elementos que expressam a relação social entre os interlocutores são orientados para o momento da fala e não figuram em domínios encaixados; por outro lado, elementos que não capturam essa relação podem ocorrer seja em contextos matrizes, seja em encaixados. Como evidência dessa distribuição, os autores mostram o emprego de partículas interrogativas e de estilo de fala, no coreano, e de partículas de polidez, no japonês. Os exemplos (5) e (6) a seguir, transcritos de Portner, Pak e Zanuttini (2019PORTNER, P.; PAK, M.; ZANUTTINI, R. The speaker-addressee relation at the syntax-semantics interface. Language , Washington, v. 95, n. 1, p. 1-36, 2019. , p. 3), ilustram o emprego de uma das partículas de estilo de fala do coreano:

  • (5) Ecey pi-ka o-ass- supnita .

  • yesterday rain-nom come-pst-decl.form

  • ‘Choveu ontem’

  • (6) *Inho-ka [ecey pi-ka o-ass- supnita -ko] malhayss-supnita.

  • Inho-nom [yesterday rain-nom come-pst-decl.form-comp] said-decl.form

Em coreano, há partículas de estilo de fala que ocorrem no final da sentença que são responsáveis por codificar informação sobre o falante e o interlocutor, bem como sobre o nível de formalidade da situação em que a comunicação ocorre. Nos exemplos acima, é usada a partícula supnita , que marca a situação como formal e o interlocutor como socialmente superior (ou mais velho) que o falante, além de identificar o tipo de sentença (declarativa). A agramaticalidade de (6) resulta do uso dessa partícula em domínio encaixado, indicando que elementos que codificam informações estabelecidas no contexto enunciativo – tais como relação entre interlocutores e o nível de formalidade da situação – são restritos a domínios matrizes.

Esse fenômeno pode ser também verificado em japonês, no uso da partícula -mas , como mostram os exemplos abaixo ( PORTNER; PAK; ZANUTTINI, 2019PORTNER, P.; PAK, M.; ZANUTTINI, R. The speaker-addressee relation at the syntax-semantics interface. Language , Washington, v. 95, n. 1, p. 1-36, 2019. , p. 4):

  • (7) Peter-wa sushi-o tabe- mas -i-ta.

  • Peter-top sushi-acc eat-mas-decl.pst

  • ‘Peter comeu sushi.’

  • (8) Hanako-wa [dare-ga kuru/*ki- mas -u ka] sitte i-mas-u.

  • Hanako-top [who-nom come/come-mas-prs q] know mas-prs

  • ‘Hanako sabe quem está vindo.’

A partícula -mas corresponde a um marcador de polidez que o falante utiliza quando se dirige a um interlocutor específico em uma situação de comunicação levemente formal; tal partícula codifica, portanto, informações que capturam a relação entre o falante e o seu interlocutor. Nesse sentido, a agramaticalidade de seu uso em (8) se apresenta como uma evidência adicional de que elementos que capturam informações dessa natureza não podem ocorrer em domínios encaixados.

Um último exemplo apresentado por Portner, Pak e Zanuttini (2019)PORTNER, P.; PAK, M.; ZANUTTINI, R. The speaker-addressee relation at the syntax-semantics interface. Language , Washington, v. 95, n. 1, p. 1-36, 2019. ilustra a relação entre a distribuição de partículas no domínio matriz e/ou encaixado e a informação que elas codificam. Os exemplos em (9) mostram os contextos em que duas partículas interrogativas são usadas em coreano ( -nya e -ni ):

  • (9) a. Onul nalssi-ka way ilehkey coh- nya ? (talking to oneself)

  • today weather-nom why like.this good-int.pln

  • ‘Por que o tempo está tão bom hoje?’

  • b. Changco- nya , cinhwa- nya ? (in writing)

  • creation-int.pln evolution-int.pln

  • ‘Criação ou evolução?’

  • (10) Choysen-ul ta ha-ass- ni ? (to an interlocutor)

  • best-acc all do-pst-int.pln

  • ‘Você deu o seu melhor?’

De acordo com os autores, a partícula interrogativa -nya pode aparecer em contextos encaixados, enquanto a partícula -ni não. Vale notar que, nos exemplos acima, -nya ocorre em sentenças sem um interlocutor específico, como em (9a) e (9b), ao passo que -ni é usado em sentenças que se referem diretamente a um interlocutor, como em (10). Esses exemplos corroboram a afirmação dos autores de que elementos usados em sentenças com um interlocutor específico codificam informação a respeito da relação falante-interlocutor.

Como argumentado neste artigo, o deôntico ought-to-be pode figurar em construções sem nenhum addressee, com um addressee genérico ou, ainda, com um addressee específico. Com base em Portner, Pak e Zanuttini (2019)PORTNER, P.; PAK, M.; ZANUTTINI, R. The speaker-addressee relation at the syntax-semantics interface. Language , Washington, v. 95, n. 1, p. 1-36, 2019. e no comportamento das partículas empregadas nos exemplos de (5) a (10), é esperado que um modal como o deôntico ought-to-be apresente uma distribuição sintática diferente através das línguas, a depender se a sentença tem um interlocutor específico ou não, assumindo que essa proposição seja válida para além do coreano e do japonês. Espera-se, portanto, que tal diferença sintática seja observada não apenas no PB, como mostramos neste artigo, mas em todas as línguas, considerando, nas linhas da Abordagem Cartográfica ( CINQUE; RIZZI, 2008CINQUE, G.; RIZZI, L. The cartography of syntactic structures. CISCL Working Papers on Language and Cognition , Siena, v. 2, p. 43-59, 2008. ), que, quando um núcleo funcional é proposto para uma língua, ele deve ocorrer interlinguisticamente. Em (11) é ilustrada a distribuição sintática de um ought-to-be sem um interlocutor específico:

  • (11) a. Tem que/Deve haver medidas contra a violência doméstica.

  • b. Tem que/Deve haver medidas que protejam as mulheres em situação de violência doméstica.

  • c. Muitos concordam que tem que/deve haver medidas protetivas à mulher em situação de violência doméstica.

A boa formação das sentenças acima mostra que ter que e dever com leitura de deôntico ought-to-be podem ocorrer em contextos matrizes (11b) e encaixados (11c). Esse resultado já era esperado, uma vez que nessas sentenças o modal não se dirige a nenhum interlocutor específico.

A restrição ao domínio encaixado está relacionada ao uso de um elemento linguístico particular que captura a relação entre o falante e o seu interlocutor. Por essa razão, um ought-to-be orientado para o addressee não ocorre em domínio encaixado, como ilustra o exemplo abaixo:

  • (12) a. O traficante tem que/deve morrer nessa operação.

  • b. O comandante disse que o traficante tem que/deve morrer nessa operação.

Em (12a), o modal ter que/dever pode adquirir uma leitura deôntica (além da de desejo); nesse caso, a sentença corresponde a um ato de fala diretivo, e a obrigação recai sobre o addressee. Considerando esse uso, é assumido que os fatores apontados por Portner, Pak e Zanuttini (2019)PORTNER, P.; PAK, M.; ZANUTTINI, R. The speaker-addressee relation at the syntax-semantics interface. Language , Washington, v. 95, n. 1, p. 1-36, 2019. se tornam relevantes, aqueles que se referem à situação de comunicação e ao status dos interlocutores [S<A, S≤ A, S=A, S≥A, S>A], em que S corresponde ao falante e A ao ouvinte. A hipótese apresentada aqui é a de que um deôntico ought-to-be que corresponde a um ato performativo precisa ser checado quanto ao traço status dos interlocutores, como no caso das partículas -ni e -supnita do coreano e da partícula -mas do japonês (Cf. exemplos (4) a (10) acima). Como observado anteriormente, esses autores afirmam que os traços de situação e de status são expressos pelo núcleo da categoria cP, que decodifica fatores contextuais. Eles também observam que o traço status exprime um significado performativo, razão pela qual a categoria cP não se projeta na posição mais alta de um predicado encaixado (p. 30); consequentemente, um elemento que codifica essa informação não pode ocorrer em domínios encaixados. Em (12b), a leitura deôntica é mantida, mas como o relato de uma ordem, e não como um ato performativo. A obrigação não está sendo colocada sobre o interlocutor ou sobre qualquer outro participante específico; trata-se de um ought-to-be com referência genérica. A sua ocorrência no domínio encaixado, portanto, está de acordo com a hipótese de Portner, Pak e Zanuttini (2019)PORTNER, P.; PAK, M.; ZANUTTINI, R. The speaker-addressee relation at the syntax-semantics interface. Language , Washington, v. 95, n. 1, p. 1-36, 2019. . Além disso, o traço status , a ser checado no núcleo cP, se refere apenas à relação falante-interlocutor, e o modal empregado em (12b) relaciona o sujeito da sentença matriz (a pessoa que dá a ordem) ao participante sobre o qual recai a obrigação, que, nesse caso, não é necessariamente o interlocutor.

Um outro exemplo de deôntico ought-to-be em domínio encaixado é apresentado em (13):

  • (13) a. O bebê tem que/deve ser vacinado para Hepatite B.

  • b. O médico disse que o bebê tem que/deve ser vacinado para Hepatite B.

(13a) pode corresponder a um ato de fala diretivo, em que a obrigação expressa pelo modal ter que/dever – um deôntico ought-to-be – recai sobre o interlocutor. Quando essa mesma sentença ocorre em domínio encaixado (13b), ela perde o caráter performativo, ou seja, ela não expressa mais a relação entre o falante (quem dá a ordem) e o interlocutor (a quem a ordem é dirigida). Como tem sido argumentado, em (12a) e (13a) a categoria cP é projetada, uma vez que o modal corresponde a um deôntico ought-to-be com addressee específico.

(14) ilustra casos em que o sujeito da sentença sobre a qual o modal opera exibe a mesma referência que o interlocutor:

  • (14) a. Você tem que /deve trabalhar aos sábados.

  • b. O chefe disse que você tem que /deve trabalhar aos sábados.

Em ambas as sentenças do exemplo (14), a obrigação expressa pelo modal recai sobre o interlocutor, uma vez que o pronome ‘você’, que se refere a este participante, corresponde ao sujeito das sentenças com o modal. Note que, em (14b), ter que/dever ocorre no domínio encaixado, mesmo com a obrigação recaindo sobre o interlocutor. Isso é possível porque o modal estabelece uma relação entre o interlocutor (o sujeito da sentença encaixada) e o sujeito da sentença matriz, e não entre os participantes do evento de fala: o falante e o interlocutor. É essa última relação que requer a checagem do traço status no núcleo da categoria cP, uma operação que não pode ser feita se o modal ocorre em domínio encaixado.

A diferença no comportamento de um deôntico ought-to-be com ou sem addressee específico no que se refere à ocorrência em contextos encaixados revela que os conceitos apresentados em Castañeda e Feldman, de um lado, e em Hacquard, de outro, têm suas origens na orientação do modal, que pode ocorrer em sentenças com um addressee específico, ou em sentenças com addressee genérico ou inexistente. Na próxima seção, argumentamos que essa diferença se reflete na estrutura projetada para a interpretação do ought-to-be .

Sobre a posição do deôntico ought-to-be no Sistema CP

O fenômeno do acarretamento de verdade, abordado na subseção 2.1, mostra que o deôntico ought-to-be , da mesma forma que modal epistêmico, ocupa uma posição acima de TP. Portanto, de acordo com Tsai (2015)TSAI, W. D. On the Topography of Chinese Modals. In : SLHONSKY, U. (ed.). Beyond Functional Sequence: The cartography of syntactic structures. Oxford: Oxford University Press, 2015. v.10. p. 275-294. , o espaço natural para esses modais parece ser a periferia esquerda da sentença, a zona de interface entre o conteúdo proposicional expresso pelo IP e o contexto discursivo ( RIZZI, 1997RIZZI, L. The Fine Structure of the Left Periphery. In: HAEGEMAN, L. Elements of Grammar: a handbook of generative syntax. Kluwer: Dordrecht, 1997. p.281–337. ). Essa perspectiva é reforçada pelas características semântico-discursivas desses modais. Como notado por Tsai, o modal epistêmico é orientado para o discurso. Esse modal, em particular, considera o conhecimento do falante acerca do contexto discursivo. A semântica do deôntico ought-to-be também está relacionada à perspectiva dos agentes da comunicação: o falante e o interlocutor.

Um passo adiante na análise dos deônticos ought-to-be e dos modais epistêmicos seria identificar com precisão a posição de interpretação desses núcleos na periferia esquerda, que apresenta a seguinte configuração ( RIZZI; BOCCI, 2017RIZZI, L.; BOCCI, G. The left periphery of the clause: primarily illustrated for Italian. In: EVERAERT, M.; VAN RIEMSDIJK, H. C. (ed.). The Wiley Blackwell Companion to Syntax. 2nd ed. Oxford: Blackwell, 2017. p. 589–638. ):

  • (15) [Force [Top* [Int [Top* [Foc [Top* [Mod [Top* [Qemb [Fin [IP ...]]]]]]]]]]]

  • ( RIZZI; BOCCI, 2017RIZZI, L.; BOCCI, G. The left periphery of the clause: primarily illustrated for Italian. In: EVERAERT, M.; VAN RIEMSDIJK, H. C. (ed.). The Wiley Blackwell Companion to Syntax. 2nd ed. Oxford: Blackwell, 2017. p. 589–638. , p. 9)

Testes relevantes para depreender a posição de interpretação dos modais altos na estrutura da sentença se referem a situações de interação com outros elementos que ocorrem na periferia esquerda, tais como elementos-wh, foco, tópicos e certos advérbios fronteados, como rapidamente ( RIZZI, 1997RIZZI, L. The Fine Structure of the Left Periphery. In: HAEGEMAN, L. Elements of Grammar: a handbook of generative syntax. Kluwer: Dordrecht, 1997. p.281–337. , 2001RIZZI, L. On the Position of Interrogative in the Left Periphery of the Clause. In : CINQUE, G.; SALVI, G. (ed.). Current studies in Italian syntax: essays offered to Lorenzo Renzi. Amsterdam: Elsevier North-Holland, 2001. p. 287-296. ; RIZZI; BOCCI, 2017RIZZI, L.; BOCCI, G. The left periphery of the clause: primarily illustrated for Italian. In: EVERAERT, M.; VAN RIEMSDIJK, H. C. (ed.). The Wiley Blackwell Companion to Syntax. 2nd ed. Oxford: Blackwell, 2017. p. 589–638. ; sobre o PB, vide MIOTO, 2001MIOTO, C. Sobre o sistema CP no português brasileiro. Revista Letras , Curitiba, v. 56, p. 97-139, 2001. , 2003MIOTO, C. Focalização e quantificação. Revista Letras , Curitiba, v. 61, p. 169-189, 2003. ).

Consideremos o caso de sentenças interrogativas com o elemento-wh why ( por que ). Essas perguntas manifestam um comportamento sintático diferente do verificado em perguntas com elementos-wh argumentais, como what ( o que ), e com elementos-wh correspondentes a advérbios baixos, como where ( onde ) e how ( como ): 2 2 Dados adaptados de Rizzi (2001) e trabalhos sucessivos.

  • (16) a. Why didn’t Geraldine fix her bike ?

  • Por que AUX não Geraldine consertou sua bicicleta

  • ‘Por que a Geraldine não consertou a sua bicicleta?’

  • b. * How didn’t Geraldine fix her bike?

  • Como AUX não Geraldine consertou sua bicicleta

  • ‘Como a Geraldine não consertou a sua bicicleta?’

  • ( SHLONSKY; SOARE, 2011SHLONSKY, U.; SOARE, G. Where’s ‘why’?. Linguistic Inquiry , Cambridge, v. 42, n. 4, p. 651-669, 2011. , p. 657)

De acordo com Shlonsky e Soare (2011)SHLONSKY, U.; SOARE, G. Where’s ‘why’?. Linguistic Inquiry , Cambridge, v. 42, n. 4, p. 651-669, 2011. , se a agramaticalidade de (16b) resulta de uma violação da Minimalidade Relativizada ( RIZZI, 1990RIZZI, L. Relativized minimality . Cambridge, Massachussetts: The MIT Press, 1990. ) causada pela intervenção da negação, como ilustrado em (17), deduz-se que a cadeia formada por why tem sua cauda em uma posição acima de NegP, como esquematizado em (18).

Imagem 2
How e why em interação com a negação

Isso mostra que a posição de base de why precisa estar localizada acima da projeção de NegP.

Usando dados do italiano, Rizzi (2001)RIZZI, L. On the Position of Interrogative in the Left Periphery of the Clause. In : CINQUE, G.; SALVI, G. (ed.). Current studies in Italian syntax: essays offered to Lorenzo Renzi. Amsterdam: Elsevier North-Holland, 2001. p. 287-296. mostra que interrogativas com elementos-wh argumentais, como che cosa ( o que ), e adverbiais baixos, como dove ( onde ) e come ( como ), devem obrigatoriamente manifestar movimento de I para C. Por outro lado, tal movimento não é obrigatório em perguntas com sintagmas-wh correspondentes a advérbios altos, como perché ( por que ) (Cf. (20)):

  • (19) a. * Che cosa Gianni ha fatto ?

  • a’. Che cosa ha fatto Gianni?

  • ‘O que o Gianni fez?’

  • b. *Dove Gianni è andato?

  • b’. Dove è andato Gianni?

  • ‘Aonde o Gianni foi?’

  • c. * Come Gianni è partito ?

  • c’. Come è partito Gianni ?

  • ‘Como o Gianni partiu?’( RIZZI, 2001RIZZI, L. On the Position of Interrogative in the Left Periphery of the Clause. In : CINQUE, G.; SALVI, G. (ed.). Current studies in Italian syntax: essays offered to Lorenzo Renzi. Amsterdam: Elsevier North-Holland, 2001. p. 287-296. , p. 5)

  • (20) Perché Gianni è venuto ?

  • ‘Por que o Gianni veio?’( RIZZI, 2001RIZZI, L. On the Position of Interrogative in the Left Periphery of the Clause. In : CINQUE, G.; SALVI, G. (ed.). Current studies in Italian syntax: essays offered to Lorenzo Renzi. Amsterdam: Elsevier North-Holland, 2001. p. 287-296. , p. 7)

Além disso, o autor mostra que elementos-wh não podem ocorrer com um foco (contrastivo) (cf. (21)). Porém, essa restrição não se aplica ao constituinte perché , que pode figurar na ordem perché -Foco (Cf. (22)).

  • (21) a. * A GIANNI che cosa hai detto (, non a Piero) ?

  • ‘PARA O GIANNI o que você disse (não para o Pedro)’

  • b. * Che cosa A GIANNI hai detto (, non a Piero) ?( RIZZI, 1997RIZZI, L. The Fine Structure of the Left Periphery. In: HAEGEMAN, L. Elements of Grammar: a handbook of generative syntax. Kluwer: Dordrecht, 1997. p.281–337. , p. 291)

  • (22) Perché QUESTO avremmo dovuto dirgli, non qualcos’altro?

  • ‘Por que ISSO deveríamos ter dito a ele, não alguma outra coisa?’

  • ( RIZZI, 2001RIZZI, L. On the Position of Interrogative in the Left Periphery of the Clause. In : CINQUE, G.; SALVI, G. (ed.). Current studies in Italian syntax: essays offered to Lorenzo Renzi. Amsterdam: Elsevier North-Holland, 2001. p. 287-296. , p. 7)

Rizzi (2001)RIZZI, L. On the Position of Interrogative in the Left Periphery of the Clause. In : CINQUE, G.; SALVI, G. (ed.). Current studies in Italian syntax: essays offered to Lorenzo Renzi. Amsterdam: Elsevier North-Holland, 2001. p. 287-296. hipotetiza que elementos como why e perché têm seu merge externo no sistema CP, mais precisamente no Spec de IntP. Além disso, ele propõe que o traço [+wh] em interrogativas com esses sintagmas seja intrínseco ao núcleo Int°. Assim, em perguntas com perché , o Critério-Wh ( RIZZI, 1996RIZZI, L. Residual Verb Second and the Wh criterion. In: BELLETTI, A.; RIZZI, L. (ed.). Parameters and Functional Heads . Oxford: New York: Oxford University Press, 1996. p. 63–90. ) é satisfeito em IntP, entre perché e Int° [+wh]. Consequentemente, o movimento de I para C se torna desnecessário. Isso não ocorre, por outro lado, com elementos-wh argumentais ou wh- com função de advérbio baixo, como em (19a’), (19b’) e (19c’), porque a geração em Spec de IntP não se estende a esses elementos: por não se tratarem de operadores sentenciais, eles devem ser gerados em posição interna a IP para que suas propriedades interpretativas sejam estabelecidas. Nesse caso, o Critério-Wh é satisfeito através de outra estratégia: o movimento desses elementos para Spec de FocP e, consequentemente, o movimento de I [+wh] para Foc°.

Uma vez que perché tem seu merge externo em IntP, fica explicado por que esse sintagma-wh pode co-ocorrer com um foco, como ilustrado em (22): ele ocupa a posição de Spec de IntP, que fica acima da projeção do núcleo Foc° e, por isso, pode co-ocorrer com um foco na ordem perché- Foco. A agramaticalidade das sentenças em (21) resulta da co-ocorrência de elementos-wh argumentais e adverbiais baixos com um foco contrastivo. Esses sintagmas-wh são inseridos em uma posição interna a IP e se movem para Spec de FocP, competindo, assim, com o foco contrastivo, que ocupa essa posição.

A mesma análise pode ser assumida para o caso do por que da periferia esquerda em PB. A gramaticalidade de (23a) mostra que esse sintagma tem seu merge externo em uma posição acima de NegP, tal como ilustrado em (23b). O exemplo em (24), por sua vez, mostra que por que não se move para Spec de FocP, dado que pode co-ocorrer com um foco na ordem por que -Foco.

  • (23) a. Por que o Paulo não viajou?

    b.

  • (24) Por que UMA MOTO você comprou? (não um carro)

Considerando que por que se origina no sistema CP, em Spec de IntP, é possível recorrer a interrogativas com esse sintagma-wh para checar o limite mais alto de um verbo modal. Os dados em (25) e (26) mostram como um deôntico ought-to-be com e sem addressee específico, respectivamente, interagem com por que:

  • (25) A: A filha da protagonista tem que/deve ter olhos azuis.

  • B: Por que a filha da protagonista tem que/deve ter olhos azuis?

  • C: Sinceramente, eu não sei a razão dessa ordem.

  • (26) A: No Brasil, tem que/deve haver políticas de incentivo aos estudantes.

  • B: Por que tem que/deve haver políticas de incentivo aos estudantes no Brasil?

  • C: Honestamente, eu não sei a razão dessa obrigação.

O fato de as perguntas em (25B) e (26B) poderem ser respondidas com as sentenças (25C) e (26C), que explicitam, respectivamente, a causa da ordem e da obrigação expressas pelos modais, mostra que o elemento-wh por que tem escopo sobre o deôntico ought-to-be (ter que/dever) . A conclusão, portanto, é que o auxiliar modal ought-to-be é interpretado em uma posição abaixo da projeção IntP.

Vejamos, agora, o comportamento de um ought-to-be com relação a uma posição mais baixa no sistema CP, considerando o fenômeno do fronteamento adverbial em (27b), discutido por Rizzi e Bocci (2017)RIZZI, L.; BOCCI, G. The left periphery of the clause: primarily illustrated for Italian. In: EVERAERT, M.; VAN RIEMSDIJK, H. C. (ed.). The Wiley Blackwell Companion to Syntax. 2nd ed. Oxford: Blackwell, 2017. p. 589–638.:

  • (27) a. Gianni ha trovato rapidamente la soluzione.

  • ‘Gianni encontrou rapidamente a solução’

  • b. Rapidamente, Gianni ha trovato la soluzione .

  • ‘Rapidamente, Gianni encontrou a solução’( RIZZI; BOCCI, 2017RIZZI, L.; BOCCI, G. The left periphery of the clause: primarily illustrated for Italian. In: EVERAERT, M.; VAN RIEMSDIJK, H. C. (ed.). The Wiley Blackwell Companion to Syntax. 2nd ed. Oxford: Blackwell, 2017. p. 589–638. , p. 5)

É relevante observar que advérbios como rapidamente podem ser topicalizados e focalizados. Porém, o fronteamento em (27b) se refere a um fenômeno que serve para colocar o advérbio em evidência, sem lhe atribuir um status de tópico ou foco. Como observado por Rizzi e Bocci (2017)RIZZI, L.; BOCCI, G. The left periphery of the clause: primarily illustrated for Italian. In: EVERAERT, M.; VAN RIEMSDIJK, H. C. (ed.). The Wiley Blackwell Companion to Syntax. 2nd ed. Oxford: Blackwell, 2017. p. 589–638. , ainda que sentenças como (27b) sejam semelhantes a uma estrutura com articulação tópico-comentário do ponto de vista entoacional, elas apresentam uma interpretação diferente: tópicos requerem uma conexão estreita com o contexto pragmático-discursivo, sendo, necessariamente, uma informação dada; o fronteamento de uma advérbio como rapidamente in (27b), por outro lado, não precisa estabelecer uma conexão com o contexto precedente. Se comparado com uma estrutura de focalização, (27b) é entoacional e interpretativamente diferente: não é sua função fornecer uma informação não pressuposta que contraste com um outro elemento apresentado previamente na situação comunicativa.

Além disso, o fronteamento adverbial de (27b) apresenta sintaxe diferente da de sentenças com tópico e foco. Dentre as diferenças apontadas por Rizzi e Bocci (2017)RIZZI, L.; BOCCI, G. The left periphery of the clause: primarily illustrated for Italian. In: EVERAERT, M.; VAN RIEMSDIJK, H. C. (ed.). The Wiley Blackwell Companion to Syntax. 2nd ed. Oxford: Blackwell, 2017. p. 589–638. , está o fato de que o fronteamento adverbial é um fenômeno restrito à sentença em que ocorre: em uma estrutura como (28), rapidamente pode atuar sobre a sentença matriz (indicando que Mario disse alguma coisa rapidamente), mas não sobre a sentença encaixada. Tal restrição, por outro lado, não se verifica na topicalização e/ou na focalização. No exemplo (29), em que rapidamente é interpretado como foco contrastivo, sua atuação não se restringe ao domínio matriz.

  • (28) Rapidamente, Mario ha detto (--) che Gianni ha trovato (* ) la soluzione .

  • ‘Rapidamente, Mario disse que Gianni encontrou a solução’

  • ( RIZZI; BOCCI, 2017RIZZI, L.; BOCCI, G. The left periphery of the clause: primarily illustrated for Italian. In: EVERAERT, M.; VAN RIEMSDIJK, H. C. (ed.). The Wiley Blackwell Companion to Syntax. 2nd ed. Oxford: Blackwell, 2017. p. 589–638. , p. 6)

  • (29) RAPIDAMENTE Mario ha detto ( ) che Gianni ha trovato ( ) la soluzione, non lentamente .

  • ‘RAPIDAMENTE Mario disse que Gianni encontrou a solução, não lentamente’

  • ( RIZZI; BOCCI, 2017RIZZI, L.; BOCCI, G. The left periphery of the clause: primarily illustrated for Italian. In: EVERAERT, M.; VAN RIEMSDIJK, H. C. (ed.). The Wiley Blackwell Companion to Syntax. 2nd ed. Oxford: Blackwell, 2017. p. 589–638. , p. 6)

Rizzi e Bocci (2017)RIZZI, L.; BOCCI, G. The left periphery of the clause: primarily illustrated for Italian. In: EVERAERT, M.; VAN RIEMSDIJK, H. C. (ed.). The Wiley Blackwell Companion to Syntax. 2nd ed. Oxford: Blackwell, 2017. p. 589–638. usam o exemplo em (30) para argumentar que a projeção em jogo no fronteamento adverbial, denominada ModP, ocupa uma posição acima da projeção de tópico mais baixa na periferia esquerda. Por outro lado, ModP tem que se projetar abaixo de IntP, dado que rapidamente pode apenas seguir o complementizador se , que se realiza como o núcleo de IntP (Cf. (31a-b)).

  • (30) Rapidamente, i libri, li hanno rimessi a posto.

  • ‘Rapidamente, os livros, eles os recolocaram no lugar’

  • ( RIZZI; BOCCI, 2017RIZZI, L.; BOCCI, G. The left periphery of the clause: primarily illustrated for Italian. In: EVERAERT, M.; VAN RIEMSDIJK, H. C. (ed.). The Wiley Blackwell Companion to Syntax. 2nd ed. Oxford: Blackwell, 2017. p. 589–638. , p. 6)

  • (31) a. Mi domando se, rapidamente, Gianni potrà trovare la soluzione.

  • ‘Me pergunto se, rapidamente, Gianni poderá encontrar a solução’

  • b. * Mi domando, rapidamente, se Gianni potrà trovare la soluzione .

  • ( RIZZI; BOCCI, 2017RIZZI, L.; BOCCI, G. The left periphery of the clause: primarily illustrated for Italian. In: EVERAERT, M.; VAN RIEMSDIJK, H. C. (ed.). The Wiley Blackwell Companion to Syntax. 2nd ed. Oxford: Blackwell, 2017. p. 589–638. , p. 7)

ModP, além disso, não pode preceder a projeção de Foc°, o que fica constatado pelo fato de que, em sentenças como (32), rapidamente poder apresentar uma leitura de tópico, mas não de advérbio fronteado.

  • (32) Rapidamente, I LIBRI hanno rimesso a posto, non gli articoli .

  • ‘Rapidamente, OS LIVROS eles recolocaram no lugar, não os artigos’

  • ( RIZZI; BOCCI, 2017RIZZI, L.; BOCCI, G. The left periphery of the clause: primarily illustrated for Italian. In: EVERAERT, M.; VAN RIEMSDIJK, H. C. (ed.). The Wiley Blackwell Companion to Syntax. 2nd ed. Oxford: Blackwell, 2017. p. 589–638. , p. 7)

  • De acordo com os autores, (32) é uma estrutura apropriada como uma sequência para (33a):

  • (33) a. So che hanno rapidamente rimesso a posto gli articoli...

  • ‘Eu sei que rapidamente eles recolocaram os artigos no lugar...’

  • b. No! rapidamente, I LIBRI hanno rimesso a posto, non gli articoli.

  • ‘Não! rapidamente, OS LIVROS ele recolocaram no lugar, não os artigos’

A conclusão a que Rizzi e Bocci (2017)RIZZI, L.; BOCCI, G. The left periphery of the clause: primarily illustrated for Italian. In: EVERAERT, M.; VAN RIEMSDIJK, H. C. (ed.). The Wiley Blackwell Companion to Syntax. 2nd ed. Oxford: Blackwell, 2017. p. 589–638. chegam é a de que o núcleo Mod ocupa a parte inferior do sistema CP, podendo apenas ocorrer abaixo da posição de tópico mais baixa.

Considerando a configuração do CP proposta pelos autores (Cf. (15)), testamos a interação entre a categoria ModP e um deôntico ought-to-be sem e com addressee específico, respectivamente:

  • (34) a. (*Rapidamente) Tem que/Deve (rapidamente) denunciar (rapidamente) quaisquer fraudes (rapidamente) na administração pública (rapidamente).

  • b. (*Rapidamente) Tem que/Deve (rapidamente) haver (rapidamente) uma melhor distribuição de renda (rapidamente) no país (rapidamente).

  • (35)a. (*Rapidamente) O parto (*rapidamente) tem que/deve (rapidamente) ser feito (rapidamente) neste hospital (rapidamente).

  • b. (*Rapidamente) O ginásio (*rapidamente) tem que/deve (rapidamente) ser preparado (rapidamente) para o show (rapidamente).

Se as descrições em (34) e (35) estão corretas, a posição de interpretação do deôntico ought-to-be ocorre em CP, acima da categoria ModP.

No que se refere à categoria FocP, a ordem natural para a interação entre um elemento focalizado e um deôntico ought-to-be é Foco > ought-to-be , como se depreende do exemplo (36) a seguir:

  • (36) NO PAÍS tem que/deve (?*NO PAÍS) (rapidamente) haver (rapidamente) uma melhor distribuição de renda (rapidamente).

Levando em conta a ordem entre esse deôntico e o elemento-wh por que , ilustrada em (25) e (26), a conclusão é que o núcleo ought-to-be se localiza abaixo das categorias IntP e FocP e acima da categoria ModP (Cf. (37)):

  • (37) [Force[Top*[Int[Top*[Top*[Foc [OughtP [Top*[Mod[Top*[Qemb[Fin[IP... ]]]]]]]]]]]]

O deôntico ought-to-be corresponde, portanto, a um núcleo modal interpretado em uma posição alta da sentença. O seu emprego com um addressee específico pressupõe que o falante assume que ele tem autoridade sobre o interlocutor. Por essa razão, nesse caso, o modal precisa checar traços que expressam a relação entre falante e interlocutor, tais como status [S<A, S≤ A, S=A, S≥A, S>A]. Esse traço é checado no núcleo da categoria cP – que codifica informações do contexto ( PORTNER; PAK; ZANUTTINI, 2019PORTNER, P.; PAK, M.; ZANUTTINI, R. The speaker-addressee relation at the syntax-semantics interface. Language , Washington, v. 95, n. 1, p. 1-36, 2019. ). A hipótese apresentada neste artigo se baseia no comportamento de deônticos ought-to-be em relação ao fenômeno de acarretamento de verdade e, de maneira mais determinante, na não ocorrência do deôntico ought-to-be em domínios encaixados ( root phenomenon ), abordados, respectivamente, nas subseções 2.1 e 2.2. O ought-to-be com um addressee específico faz parte de uma estrutura em que a categoria funcional cP é projetada. Por outro lado, o ought-to-be sem addressee específico envolve uma estrutura em que essa categoria não é ativada, dado que a interpretação desse modal não depende de traços que capturam a relação entre os interlocutores.

A parte relevante da estrutura sintática proposta por Portner, Pak e Zanuttini (2019)PORTNER, P.; PAK, M.; ZANUTTINI, R. The speaker-addressee relation at the syntax-semantics interface. Language , Washington, v. 95, n. 1, p. 1-36, 2019. para elementos que expressam uma relação entre os interlocutores é transcrita em ( Imagem 3 ) :

Imagem 3
A relação falante-interlocutor na estrutura sintática segundo Portner, Pak e Zanuttini (2019)

Um deôntico ought-to-be com addressee específico precisa checar traços no núcleo da categoria cP, razão pela qual sua ocorrência é restrita a domínios matrizes, que têm uma interface com a situação pragmático-discursiva. Um elemento linguístico presente em domínio encaixado não tem acesso ao núcleo da categoria cP, que não pode ser complemento de um predicado mais alto, uma vez que codifica informações acerca da situação de comunicação e do status dos interlocutores. A representação em ( Imagem 3 ) fornece uma explicação para a restrição de um auxiliar modal deôntico ao domínio encaixado quando a obrigação é colocada diretamente sobre o addressee. Para dar conta, entretanto, da interpretação performativa ligada ao ought-to-be com um addressee específico, é necessário modificar, em ( Imagem 3 ), o tipo de sentença especificado na categoria SentM: de declarativa (DECL) para imperativa (IMP). Dessa forma, o deôntico será relativizado a um ato de fala cujo conteúdo corresponde a uma lista de tarefas que pertencem ao addressee (the addressee’s “To-Do-List”), como proposto por Hacquard (2006)HACQUARD, V. Aspects of modality . 2006. Tese (Doutorado em Filosofia da Linguística) - Massaschusetts Institute of Technology, Cambridge, 2006. para construções imperativas.

Como observado anteriormente, essa perspectiva de análise nos permite diferenciar um ought-to-be com um addressee específico de um ought-to-be com addressee genérico ou inexistente. Nessa perspectiva, o maior desafio passa a ser diferenciar a estrutura de um ought-to-be sem addressee específico da correspondente a um modal epistêmico, considerando que ambos são interpretados acima das categorias de Tempo e Aspecto ( CINQUE, 1999CINQUE, G. Adverbs and Functional Heads: a cross-linguistic perspective. New York: Oxford University Press, 1999. ; HACQUARD, 2006HACQUARD, V. Aspects of modality . 2006. Tese (Doutorado em Filosofia da Linguística) - Massaschusetts Institute of Technology, Cambridge, 2006. , 2010HACQUARD, V. On the Event Relativity of Modal Auxiliaries. Natural Language Semantics , Dordrecht, n. 18, p. 79-114, 2010. ; TSAI, 2015TSAI, W. D. On the Topography of Chinese Modals. In : SLHONSKY, U. (ed.). Beyond Functional Sequence: The cartography of syntactic structures. Oxford: Oxford University Press, 2015. v.10. p. 275-294. ); não geram acarretamento de verdade; ocorrem em ambos os contextos – matrizes e encaixados; e figuram em sentenças declarativas, correspondendo a asserções. Sobre essa última propriedade, Yanovich (2015)YANOVICH, I. Epistemic Modality. Draft. 2015. Disponível em: http://www.sfs.uni-tuebingen.de/~yanovich/papers/Yanovich_SemCom_epistemic_draft_March2015.pdf . Acesso em: 7 Mar. 2022.
http://www.sfs.uni-tuebingen.de/~yanovic...
observa que, na proposta de Hacquard, o conteúdo de um evento de fala em uma sentença declarativa corresponde a um conjunto de crenças do falante, o qual é apenas compatível com a interpretação epistêmica. Além disso, vale notar que Hacquard explicita a diferença entre modais altos e baixos por meio de representações que correspondem ao deôntico ought-to-do e ao modal epistêmico 3 3 Transcrevemos, em (i) e (ii), as representações propostas por Hacquard (2010 , p. 7) para as derivações de um deôntico ought-to-do e de um modal epistêmico, respectivamente: (i) [CPSpeech e0𝛌e0[TPT Asp1𝛌e1Mod f (e1) [VPV e1]]] (Deôntico ought-to-do) (ii) [CPSpeech e0𝛌e0Mod f (e0) [TPT Asp1𝛌e1[VPV e1]]] (Epistêmico) Em (i), o modal adquire leitura deôntica do tipo ought-to-do ; ele é interpretado em uma posição baixa na estrutura, e a variável do evento é relacionada ao evento descrito pelo vP (e1). Em (ii), o modal apresenta interpretação epistêmica; é interpretado em uma posição alta na estrutura, e a variável do evento se relaciona a um evento de fala (e0). . A posição de interpretação de um modal deôntico alto e suas diferenças estruturais em relação ao modal epistêmico não são especificadas pela autora.

A discussão envolvendo a posição de interpretação de um modal epistêmico na estrutura sintática foge ao escopo deste artigo, mas é importante notar que esta é uma questão desafiadora, que precisa ser investigada acuradamente, uma vez que se apresenta em estreita interface com a semântica dos modais.

Considerações finais

Neste artigo, nosso objetivo foi mostrar que o modal deôntico ought-to-be pode ser empregado sem um addressee específico, conforme a definição de Castañeda (1970)CASTAÑEDA, H. On the Semantics of the Ought-to-do . Synthese , Dordrecht, n. 21, p. 449-468, 1970. e Feldman (1986)FELDMAN, F. Doing the Best We Can: philosophical Studies. Dordrecht: Reidel, 1986. (Series in philosophy, 35). , ou com um addressee específico, conforme Hacquard (2006HACQUARD, V. Aspects of modality . 2006. Tese (Doutorado em Filosofia da Linguística) - Massaschusetts Institute of Technology, Cambridge, 2006. , 2010HACQUARD, V. On the Event Relativity of Modal Auxiliaries. Natural Language Semantics , Dordrecht, n. 18, p. 79-114, 2010. ). Procuramos fornecer evidências de que, em ambos os casos, o modal é interpretado na periferia esquerda da sentença, entre os núcleos IntP e ModP.

Investigamos o comportamento de um deôntico ought-to-be com relação a fenômenos como acarretamento de verdade e (não-)ocorrência em domínios encaixados. Os resultados apontam para diferenças nas suas estruturas sintáticas. Com base na análise de Portner, Pak e Zanuttini (2019)PORTNER, P.; PAK, M.; ZANUTTINI, R. The speaker-addressee relation at the syntax-semantics interface. Language , Washington, v. 95, n. 1, p. 1-36, 2019. para as partículas de estilo de fala do coreano, propusemos que um deôntico ought-to-be com addressee específico precisa checar traços que capturam a relação entre falante e seu interlocutor, tais como status ; por essa razão, ele integra uma estrutura que faz interface com a categoria funcional cP, cujo núcleo permite que tais traços sejam checados. Por outro lado, um deôntico ought-to-be sem addressee específico não remete à relação entre os interlocutores; consequentemente, ele integra uma estrutura sem a projeção da categoria cP.

Agradecimentos

Agradecemos ao CNPq pelo auxílio (Processo 424025/2016-7), concedido pelo Edital Universal 01/2016.

REFERÊNCIAS

  • BHATT, R. Ability Modals and their Actuality Entailments . Stanford: CSLI, 1999. Disponível em: http://people.umass.edu/bhatt/papers/wccfl-ability-modals.pdf . Acesso em: 7 mar. 2022.
    » http://people.umass.edu/bhatt/papers/wccfl-ability-modals.pdf
  • BRENNAN, V. Root and Epistemic modal auxiliary verbs . 1993. Tese (Doutorado em Linguística) - University of Massachusetts, Amherst, 1993.
  • CASTAÑEDA, H. On the Semantics of the Ought-to-do . Synthese , Dordrecht, n. 21, p. 449-468, 1970.
  • CINQUE, G. Adverbs and Functional Heads: a cross-linguistic perspective. New York: Oxford University Press, 1999.
  • CINQUE, G.; RIZZI, L. The cartography of syntactic structures. CISCL Working Papers on Language and Cognition , Siena, v. 2, p. 43-59, 2008.
  • FELDMAN, F. Doing the Best We Can: philosophical Studies. Dordrecht: Reidel, 1986. (Series in philosophy, 35).
  • HACQUARD, V. On the Event Relativity of Modal Auxiliaries. Natural Language Semantics , Dordrecht, n. 18, p. 79-114, 2010.
  • HACQUARD, V. On the interaction of aspect and modal auxiliaries. Linguistics and Philosophy , Dordrecht, n. 32, p. 279-312, 2009.
  • HACQUARD, V. Aspects of modality . 2006. Tese (Doutorado em Filosofia da Linguística) - Massaschusetts Institute of Technology, Cambridge, 2006.
  • HAEGEMAN, L. Topicalization, CLLD and the left periphery. ZASPapers in Linguistics , Berlin, n. 35, p. 157-192, 2004.
  • MIOTO, C. Focalização e quantificação. Revista Letras , Curitiba, v. 61, p. 169-189, 2003.
  • MIOTO, C. Sobre o sistema CP no português brasileiro. Revista Letras , Curitiba, v. 56, p. 97-139, 2001.
  • PORTNER, P.; PAK, M.; ZANUTTINI, R. The speaker-addressee relation at the syntax-semantics interface. Language , Washington, v. 95, n. 1, p. 1-36, 2019.
  • RECH, N.; SOARES, E. C.; GUESSER, S. L. A interpretação deôntica no português brasileiro: um estudo de natureza experimental. Revista Diacrítica , Braga, v. 33, p. 178-195, 2019.
  • RECH, N. F.; VARASCHIN, G. Predicados estativos e os tipos de deôntico: ought-to-do e ought-to-be. Cadernos de Estudos Linguísticos , Campinas, v.60, n.1, p.159–177, 2018a.
  • RECH, N. F.; VARASCHIN, G. Propriedades do modal deôntico ought-to-be. Alfa , Araraquara, v.62, n.2, p.361–380, 2018b.
  • RIZZI, L. On the Position of Interrogative in the Left Periphery of the Clause. In : CINQUE, G.; SALVI, G. (ed.). Current studies in Italian syntax: essays offered to Lorenzo Renzi. Amsterdam: Elsevier North-Holland, 2001. p. 287-296.
  • RIZZI, L. The Fine Structure of the Left Periphery. In: HAEGEMAN, L. Elements of Grammar: a handbook of generative syntax. Kluwer: Dordrecht, 1997. p.281–337.
  • RIZZI, L. Residual Verb Second and the Wh criterion. In: BELLETTI, A.; RIZZI, L. (ed.). Parameters and Functional Heads . Oxford: New York: Oxford University Press, 1996. p. 63–90.
  • RIZZI, L. Relativized minimality . Cambridge, Massachussetts: The MIT Press, 1990.
  • RIZZI, L.; BOCCI, G. The left periphery of the clause: primarily illustrated for Italian. In: EVERAERT, M.; VAN RIEMSDIJK, H. C. (ed.). The Wiley Blackwell Companion to Syntax. 2nd ed. Oxford: Blackwell, 2017. p. 589–638.
  • SHLONSKY, U.; SOARE, G. Where’s ‘why’?. Linguistic Inquiry , Cambridge, v. 42, n. 4, p. 651-669, 2011.
  • TSAI, W. D. On the Topography of Chinese Modals. In : SLHONSKY, U. (ed.). Beyond Functional Sequence: The cartography of syntactic structures. Oxford: Oxford University Press, 2015. v.10. p. 275-294.
  • YANOVICH, I. Epistemic Modality. Draft. 2015. Disponível em: http://www.sfs.uni-tuebingen.de/~yanovich/papers/Yanovich_SemCom_epistemic_draft_March2015.pdf . Acesso em: 7 Mar. 2022.
    » http://www.sfs.uni-tuebingen.de/~yanovich/papers/Yanovich_SemCom_epistemic_draft_March2015.pdf
  • 1
    “Note that we are using the ought-to-do/ought-to-be labels to refer to the distinction between the class of deontics that puts an obligation on the subject vs. that which puts an obligation on the addressee” ( HACQUARD, 2006HACQUARD, V. Aspects of modality . 2006. Tese (Doutorado em Filosofia da Linguística) - Massaschusetts Institute of Technology, Cambridge, 2006. , p. 40).
  • 2
    Dados adaptados de Rizzi (2001)RIZZI, L. On the Position of Interrogative in the Left Periphery of the Clause. In : CINQUE, G.; SALVI, G. (ed.). Current studies in Italian syntax: essays offered to Lorenzo Renzi. Amsterdam: Elsevier North-Holland, 2001. p. 287-296. e trabalhos sucessivos.
  • 3
    Transcrevemos, em (i) e (ii), as representações propostas por Hacquard (2010HACQUARD, V. On the Event Relativity of Modal Auxiliaries. Natural Language Semantics , Dordrecht, n. 18, p. 79-114, 2010. , p. 7) para as derivações de um deôntico ought-to-do e de um modal epistêmico, respectivamente: (i) [CPSpeech e0𝛌e0[TPT Asp1𝛌e1Mod f (e1) [VPV e1]]] (Deôntico ought-to-do) (ii) [CPSpeech e0𝛌e0Mod f (e0) [TPT Asp1𝛌e1[VPV e1]]] (Epistêmico) Em (i), o modal adquire leitura deôntica do tipo ought-to-do ; ele é interpretado em uma posição baixa na estrutura, e a variável do evento é relacionada ao evento descrito pelo vP (e1). Em (ii), o modal apresenta interpretação epistêmica; é interpretado em uma posição alta na estrutura, e a variável do evento se relaciona a um evento de fala (e0).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Out 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    2 Out 2020
  • Aceito
    11 Jun 2021
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho Rua Quirino de Andrade, 215, 01049-010 São Paulo - SP, Tel. (55 11) 5627-0233 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: alfa@unesp.br