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COMUNICAÇÃO POLÍTICA ENTRE ANGEVINOS E ARAGONESES EM PALERMO NA CRÔNICA DA SICÍLIA (SÉCULOS XIII E XIV): EXERCÍCIO DE HISTÓRIA CONECTADA1 1 Texto com origem no projeto Histórias da Península Itálica: Crônicas, Hagiografias e Sermões (séculos XIII e XIV) desenvolvido na UFRGS. Toda a bibliografia empregada está referenciada no artigo, não publicado em plataforma de preprint.

POLITICAL COMMUNICATION BETWEEN ANGEVINS AND ARAGONESE’S IN PALERMO ON THE CHRONICLE OF SICILY (13TH-14TH CENTURIES): CONNECTED HISTORY EXERCISE

Resumo

O objetivo deste artigo é analisar a Cronicon siculum, que narra a história da Ilha da Sicília desde tempos imemoriais ao presente do autor, com especial foco na relação conflituosa estabelecida entre palermitanos, angevinos e aragoneses no território a partir das Vésperas Sicilianas (1282). O problema de pesquisa é: A história global/conectada serve para analisar a disputa de territórios? A análise está baseada nas discussões sobre as possibilidades de abordar objetos de estudo a partir da conexão entre processos aparentemente distintos e/ou analisar como regiões distintas se relacionaram com os mesmos processos. Os conceitos utilizados foram: middle seas, mediação e comunicação política. As conclusões remetem à proficuidade do aparato conceitual e da perspectiva da história conectada e apontam para o “triplo uso” do conflito na Ilha.

Palavras-chave:
História da Sicília; Vésperas Sicilianas; Cronicon siculum; História Conectada; Angevinos

Abstract

This paper proposes to analyze Cronicon siculum about the History of Sicily. This chronicle covers the History of the Island from immemorial times to the present with special attention to the conflicts between Palermitans, Angevins and Aragonese through the Sicilian Vespers (1282). The main question is: Does global/connected History be able to analyze these conflicts? The method consists to applicate concepts like middle seas, mediation and political communication. The conclusions draw on the usefulness of the conceptual apparatus and the perspective of connected history and point to the “triple use” of conflict in the Island.

Keywords:
History of Sicily; Sicilian Vespers; Cronicon siculum ; Connected History; Angevins

Introdução

Este texto surgiu da leitura de trabalhos recentes que propõem a caracterização e a problematização da chamada história global como perspectiva de análise e ferramenta heurística (DOOKI; MINARD, 2007, p. 07-21; DRAYTON; MOTADEL, 2018, p. 01-21; SUBRAHMANYAN, 2015, p. 425-445). Esta temática, além de despertar o interesse na historiografia brasileira, como mostram os dossiês propostos pela Revista de História e pela Revista Esboços, ambos em 2019, dialoga igualmente com dossiês recentes, como o da Past & Present (volume 238, novembro/2018). Como há quantidade significativa de reflexões que procuram definir e conceituar essas abordagens, este artigo não tem como objetivo propor um balanço historiográfico e/ou uma história dos conceitos. O principal objetivo nesta proposta é realizar um estudo de caso, aplicando linhas gerais das proposições metodológicas de análise conectada. O caso específico está relacionado aos conflitos entre palermitanos, angevinos e aragoneses no território e sobre o território da Sicília entre os séculos XIII e XIV. Procuramos responder à pergunta “A disputa de territórios pode ser analisada pelo viés da história global/conectada?”. A hipótese poderia estar relacionada apenas à localização geográfica privilegiada da Ilha no Mediterrâneo. Porém, conforme podemos observar, o uso do título de “reis da Sicília” pelos angevinos, após a perda efetiva de poder sobre o território - iniciada com as Vésperas Sicilianas, em 1282 - indica que possivelmente não era apenas o domínio político-militar sobre o território que estava em disputa. Por este motivo que falamos em conflitos no território e sobre o território. Afinal, as Vésperas Sicilianas foram, de fato, um conflito na Ilha, em especial, em Palermo. Mas as narrativas, principalmente expressas em crônicas - abundantes no período - também revelam conflitos sobre a Ilha ou, digamos, uma história disputada.

As reflexões de David Abulafia (1977, 2008) sobre a história do Mediterrâneo são importantes para o desenvolvimento das análises propostas. O autor, incialmente, alerta que é preciso pensar no Mediterrâneo tanto como um “espaço” quanto como um “conceito” e que esse espaço-conceito permite pensar as mudanças nas formas de comunicação pelo mar (ABULAFIA, 2012, p. 01-21). Abulafia propõe quatro fases para se pensar aquela história. As três primeiras abarcam desde a relação com Constantinopla à ascensão do Islã. A terceira fase, no entanto, marca uma transformação a partir da competição entre cristãos e encerra-se na primeira metade do século XIV. Para além desta divisão, o autor defende que o conceito de Mediterrâneo pode ser usado no plural de modo a pensar os “meios mares”. A ideia de middle seas , no texto em questão, permite identificar territórios que se colocavam frente a frente em rotas relativamente curtas (Exemplos: Sicília-Catalunha/Sicília-Nápoles). A partir desse aporte, então, é possível pensar em diferentes formas de contato e conexão entre esses povos cristãos e entre esses territórios dominados por eles de modo a construir identidades distintas durante conflitos e suas negociações, ou, ainda, pensar como esses meios mares enfrentaram os mesmos conflitos simultaneamente e de formas diferentes.

Acreditamos que analisar esses elementos a partir de expressões narrativas, como as crônicas, é de fundamental importância e campo profícuo que certamente é enriquecido pelas proposições da chamada história global/história conectada. Este artigo está dividido em duas partes: na primeira descrevemos de modo mais detalhado o conteúdo e a forma da Crônica. Na segunda identificamos e analisamos, principalmente a partir dos documentos transcritos na Crônica, os “meios mares” e como eles são postos em perspectiva.

A Crônica da Sicília

Para desenvolver essas análises selecionamos a Cronicon siculum (Crônica da Sicília) a partir do manuscrito Ms. 488, da Biblioteca da Catalunha, em Barcelona. Os principais estudos sobre a obra e sobre o manuscrito especificamente podem ser classificados em catalães e italianos. Josep-David Garrido i Valls defendeu tese em 1997 na qual propôs uma edição e crítica do Ms. 488. Na Itália os estudos sobre esta crônica têm sido conduzidos, ultimamente, por Pietro Colletta que, dentre outras publicações, realizou uma edição crítica do texto, não apenas do manuscrito catalão (COLLETTA, 2011). Os autores coincidem na classificação do texto como uma das quatro grandes crônicas sicilianas do século XIV. Colletta afirma, porém, que foi a que teve menor fortuna desde as primeiras edições do texto no século XVIII e, também, em estudos realizados no século XIX (COLLETTA, 2005, p. 567). Sobre o Ms.488 (que o autor classifica como B na tradição manuscrita consultada para a edição que publicou em 2013), Colletta afirmou que, além de divergir em relação à numeração de capítulos, é o único manuscrito em latim que conserva a última parte da crônica. Garrido i Valls também considera o Ms.488 como o “mais completo”. Pietro Colletta afirma que esse manuscrito documenta de forma inequívoca como a transmissão de um texto, no medievo, implicava também em sua reelaboração, ao menos parcialmente.

A escolha desta crônica se deu, portanto, não apenas pela fortuna do texto, mas também pelo fato de que o autor, desconhecido e caracterizado por Colletta (2011, p. 29-41) como “anônimo palermitano” - Garrido i Valls não descarta, inclusive, a possibilidade de múltipla autoria (GARRIDO i VALLS, 2005GARRIDO I VALLS, Josep David. El ‘Chronicon Siculum’ i la historiografia siculocatalana medieval. In: NARBONA VIZCAÍNO, R. (Coord). La Mediterrània i la Corona d’Aragó, segles XIII-XVI; XVIII Congrès d’història de la Corona d’Aragó València, 9-14 de setembre 2004. Valência: Universidad de Valência, 2005. vol. 2, p.1971-1986.vol.2, p.1975) - inseriu transcrições de sessenta e um documentos do período iniciando essas inserções, principalmente, para o período das Vésperas Sicilianas à primeira metade do século XIV. Garrido i Valls caracteriza o texto como uma “fonte diplomática de primeira mão, porque ilustra a narração com documentos das chancelarias papal, imperial, siciliana e napolitana”.

Pietro Colletta e Josep-David Garrido i Valls afirmam que a Crônica foi redigida em diferentes momentos. O primeiro estágio de redação ocorreu em 1339 com 105 capítulos; o segundo em 1343; o terceiro, compreendendo acontecimentos de 1345 e a peste de 1348 e compreende a redação até o capítulo 125. Cada uma dessas partes pode ter sido elaborada a partir da atividade de observação do cronista. Porém, conforme dito anteriormente, para o texto em latim, apenas o Ms.488 apresenta os capítulos finais da obra (COLLETTA, 2011, p. 57-76). Os autores dividem o documento em quatro seções:

1ª (Cap.1-5): Do primeiro rei da Ilha, Menelau, passando pelo período bizantino até a chegada dos árabes no século IX;

2ª (Cap.6-20): Período normando, considerando dos Altavila até Henrique VI da Suábia;

3ª (Cap.21-37): Período suábio. A partir do capítulo 24, há a inserção de documentos oficiais, como, a carta de Carlos de Anjou a Clemente IV informando sobre a batalha de Benevento (Cap.32-37). Colletta afirma que esta mudança de método está associada “à proximidade entre a narrativa histórica e o tempo do autor e à consequente disponibilidade de fontes originais”. (COLLETTA, 2011, p. 132);

4ª (Cap.38-125): Período da Sicília Aragonesa, incluindo informações sobre o governo de Carlos I de Anjou, a narrativa sobre as Vésperas e, principalmente, o governo de Frederico III da Sicília. Para Colletta, esta quarta seção pode ser subdividida em quatro partes:

  1. Vésperas Sicilianas e Pedro III (Cap.38-46), período sobre o qual daremos especial atenção.

  2. Giácomo II (Cap.47-52)

  3. Frederico III (Cap.52-101)

  4. Pedro II (Cap.102-125): nesta parte, por exemplo, encontram-se os capítulos sobre a morte do rei Roberto de Nápoles, em 1343 (cap.116), os tratados de paz entre Luís da Sicília e Joana (sucessora do trono napolitano), em 1347 (cap.125) e sobre a mortandade causada pela peste em 1348 (cap.123). (COLLETTA, 2011, p. 131-133)

A partir do que foi apresentado até o momento, é possível afirmar que os autores estabelecem um marcador na redação da Crônica, a saber, a inserção/transcrição de documentos de chancelaria a partir da terceira parte da obra. Para melhor compreendermos o que estamos chamando aqui de “conteúdo” e “forma” desse documento, selecionamos passagens que remetem à primeira e à segunda parte - quando não há o registro de documentos oficiais - e à terceira e quarta partes, com os documentos oficiais inseridos na narrativa pelo anônimo palermitano.

Início da crônica sobre o êxito do reino e ilha da Sicília

Proêmio

Depois que Menelau, rei da gloriosa ilha da Sicília, que pertence à Itália, e que naquele tempo se chamava Trinacria, rei pagão, teve sua própria mulher, Helena, raptada em Tindari na cidade de Alexandre, filho de Príamo, rei de Tróia; por ocasião deste rapto o dito rei da Itália e da Trinacria foi com seu exército até o dito sequestrador da dita rainha em Tróia, cercou e finalmente destruiu Tróia com o dito rei Príamo, e aqueles que ignoravam a História do dito rapto, sequestro e captura foram plenamente informados.

A partir desta citação podemos observar alguns elementos, como: um proêmio que serve como introdução sem necessariamente oferecer informações sobre a concepção da obra ou o universo cultural do autor (GUIMARAES, 2015, p. 77). A narrativa informa sobre um acontecimento fundador a partir da atribuição fictícia do rapto de Helena em terras sicilianas, conforme apontou Pietro Colletta (2011, p. 137). Trata-se de um recurso de associação da origem com um mito de autoctonia e que procura associar a história do lugar à de Tróia (GEARY, 2013; 2008).

O que se percebe, nos capítulos que compõem as duas primeiras partes, também é a construção da narrativa que revela o procesuum (êxito, sucesso) (GAFFIOT, 2016, 1067-1608) da Ilha relacionado às sucessivas “aquisições”, como a dos gregos (cap.2) e dos “sarracenos” (cap.5) e dos normandos (cap.6) até culminar no domínio aragonês (4ª parte). Sobre as três primeiras “aquisições” a narrativa se dá da seguinte forma: os gregos chegaram com seus exércitos e ocuparam a ilha em nome do imperador Arcádio. Impuseram ao território um nome grego, “Sicalea, que em latim quer dizer figueira e oliveira, e por isso que atualmente é chamada Sicília”. A conquista muçulmana, narrada no capítulo 5, teria sido facilitada por um conflito na Ilha contra o imperador bizantino (cap.3-4). Interessante observar que é nesta passagem que o anônimo palermitano realizou a primeira inserção cronológica no texto: “O tal convite a esses muçulmanos na Ilha ocorreu no ano da Encarnação do Senhor octogésimo vigésimo sexto, mês de julho, que corresponde ao ano cento e noventa e oito do advento de Mohammed”.

A conquista normanda, que marca a passagem da primeira para a segunda parte, segundo tanto Garrido i Valls quanto Colletta, também é apresentada com um marcador cronológico (Domini .Mo LVIII.o e Domini .Mo LX.o) e por marcadores jurisdicionais/políticos/administrativos, a saber, o ducado da Apúlia (Puglia) e o principado de Cápua. Porém, segundo Colletta, o que é mais significativo nesta parte é a retomada cristã do território e, principalmente, a constituição da Sicília como reino. Também foi, a partir da genealogia normanda - da última herdeira, Constança, filha de Manfredo - que o anônimo palermitano construiu/usou a legitimidade aragonesa na reivindicação do território. Este tema retorna no restante da Crônica, quando o anônimo define Carlos de Anjou como alheio à linhagem (“regum penitus aliens”), por exemplo, e, também, trata do domínio angevino como uma “aquisição” dos territórios (COLLETTA, 2011, p. 149). Esse elemento da aquisição, de certa forma, equipara, por exemplo, os angevinos aos muçulmanos, aos bizantinos e aos normandos.

A terceira parte da Crônica (cap.21-37), segundo Colletta, é repleta de referências cronológico-espaciais, porém, além de apresentar erros e imprecisões, também é caracterizada por poucos dados referentes ao período de domínio de Frederico II. Segundo o autor, o que pode explicar a ausência de documentos e referências mais precisas é o fato de que tanto Frederico quanto seu sucessor terem vivido mais na parte continental do reino (Puglia) do que na Ilha da Sicília. Esse fator, segundo Colletta (2011), não é uma exclusividade da Crônica da Sicília. Crônicas contemporâneas padecem da mesma carência. A abundância documental propriamente dita, então, está relacionada, nesta parte, à documentação trocada entre Carlos de Anjou e Clemente IV. A quarta parte apresenta um elemento distinto das demais ao abordar os Aragoneses na Ilha. Esse fato é tratado como “o advento de Pedro I na Sicília” e não como “aquisição”, como nos casos anteriores. É importante salientar esse elemento: conforme afirmamos anteriormente, quando, na Crônica, é abordado o período em que muçulmanos, bizantinos, normandos e angevinos dominaram o território da Sicília, o anônimo palermitano usou o termo “aquisição”, como se referisse ao caráter externo e alheio à “linhagem” de direito sobre a Ilha. Pedro I não adquire, ele surge, aparece. Neste sentido, acreditamos ser possível inferir que há uma evidente orientação pró-aragoneses.

Apresentamos a seguir um quadro geral da localização e breve descrição dos documentos que foram inseridos pelo anônimo palermitano na Crônica.

A partir desse rol de documentos e utilizando a noção de middle seas apontada no início deste texto, é possível identificar múltiplas conexões:

FIGURA 1
MIDDLE SEAS NA CRÔNICA DA SICÍLIA

Figura 1: Infográfico considerando Palermo como foco principal das comunicações geradas entre 1260-1347 a partir da Crônica da Sicília.


A tabela e o infográfico revelam a inserção dos documentos na Crônica a partir dos anos finais do domínio de Frederico II sobre o Sul da Península Itálica (incluindo a Ilha da Sicília). Revelam também que essa inserção se intensifica a partir da ascensão de Carlos I de Anjou (1266), principalmente no contexto das Vésperas Sicilianas (1282) (DUNBABIN1998, 2011; BOYER; MAILLOUX e VERDON, 2016). De 1282 a 1347 ao menos três middle seas podem ser analisados frente aos mesmos acontecimentos: Palermitanos - Angevinos (estes que, após 1282, não retomaram o domínio sobre a Ilha e governaram a partir de Nápoles); Palermitanos - Aragoneses (que vão usar a força militar, a reivindicação de legitimidade de hereditariedade sobre o trono e relações políticas com o papado, por exemplo, para manter o domínio sobre o território após a expulsão dos Angevinos); Palermitanos - Messineses (que trocaram informações, em diferentes momentos, sobre os constantes cercos Angevinos sobre a cidade de Messina, conforme apontam os documentos 7, 31, 57 e 58) (CORRAO, 2001, p.95-168; PISPISA, 1988; TONNERRE; VERRY, 2003).

Os dados iniciais obtidos a partir dessa primeira análise podem ser explorados à luz do que realizaram Hilde De Weerdt, Catherine Holmes e John Watts sobre “mediação” e “comunicação” política entre os séculos XI e XV. As autoras consideraram três diferentes tempos-espaços: a China entre os séculos XI e XIII; Bizâncio, para o mesmo período; e a França no século XV. Esse recorte, geográfica e cronologicamente mais amplo que o adotado neste artigo, contempla o que foi classificado no texto como três diferentes níveis de política (Império - China; Reinos e estados que clamavam por homogeneidade - caso da França; e “galactic polities” - para se referir a Bizâncio). Os conceitos que instrumentalizaram as análises são os principais pontos de contribuição para o que pretendemos fazer: “mediation”/“mediators” e “political communication” (DE WEERDT; HOLMES e WATTS, 2018, p.261-296).

Segundo as autoras, mediação pode ser entendida de duas formas: “poderes que, em alguma medida, estão no meio” e que, por isso, podem conectar centros e localidades; e, como “mediadores”, as pessoas que vão negociar as tensões entre o poder formal ou institucional (estado e leis, por exemplo) e o poder social ou informal (redes, interesses privados, opinião pública). Para o primeiro entendimento, que relaciona a conexão entre centro-localidade, também consideraram que o centro é uma localidade. Neste sentido, a mediação conecta localidades umas com as outras. Isso também implica em considerar que, nesta acepção geográfica, o meio é um ponto relativo e que pode ser deslocado dependendo da análise proposta. Para o segundo entendimento, consideraram que as “atividades, identidades e posição social dos mediadores variam consideravelmente” (DE WEERDT; HOLMES e WATTS, 2018, p.262). Esses entendimentos culminam também em relações com múltiplas direções e, por isso, essas noções aproximam-se do que definiram como “comunicação política”: “a produção e troca de palavras, imagens e ideias pertinentes à política” (DE WEERDT; HOLMES e WATTS, 2018, p.263).

A partir dessas reflexões podemos constatar, pelo mapeamento da documentação, que estamos diante dos dois casos para mediação e que os poderes políticos relativamente mais fortes (Aragão - por reivindicar a legitimidade no território pela genealogia que remete a Manfredo) e Anjou/Nápoles - por sua ascendência com o reino de França e suas relações de proximidade com o papado, como remetem os documentos 3, 4 e 6 citados no interior da Crônica), passam a ser localidades com a qual Palermo se relaciona. Importante lembrar também que, inclusive geograficamente, a cidade ocupa o lugar central tanto das disputas quanto da produção da comunicação política. Por isso afirmamos anteriormente sobre o caráter relativo da mediação. No caso observado, Palermo é esse mediador geográfico. Os mediadores, por causa das múltiplas direções das relações políticas, também são múltiplos (universitates/universitas , condes, autoridades públicas locais, reis, príncipes, papas). Além disso, o anônimo palermitano pode ser considerado um mediador na medida em que seleciona, encadeia e produz narrativa na Crônica da Sicília. Essas ações produzem “imagens e ideias pertinentes à política”. Parte delas são analisadas a seguir.

Essa seleção e encadeamento, no entanto, não é um movimento extraordinário/inédito do autor desconhecido da crônica. Benoît Grévin, por exemplo, ao analisar a “retórica do poder” a partir das cartas de Pedro de la Vinha (1190-1249), além de empregar a expressão “comunicação política”, dentre outros elementos, considerou os usos políticos da e na inserção de fórmulas de redação de documentos de chancelaria e cartas oficiais em crônicas. Segundo o autor, Salimbene de Parma e Mateus Paris empregaram em suas crônicas, no século XIII, elementos da linguagem política que circulavam através das cartas de Pedro de la Vinha. Esses elementos compreendem características como discurso antipapal e profecias (GRÉVIN, 2008, p.448-508). Além disso, o historiador francês considerou que a Nápoles Angevina e a Sicília Aragonesa são “herdeiras diretas” da comunicação política empregada na corte de Frederico II (GRÉVIN, 2008, p.740-750). Ou seja, a concordar com Benoît Grévin, a forma de se escrever também era um tipo de sistema de comunicação que circulava entre as localidades, como na França e na Península Itálica, o que inclui os espaços concernentes à análise proposta (PALMIERI, 2006; ZABBIA, 1997; DE CAPRIO, 2017, p.227-268; e DE CAPRIO, 2012; DELLE DONNE, 2011).

Middle seas e comunicação política na Crônica da Sicília

QUE FATOS E QUESTÕES NOTICIA O REI CARLOS. O MESMO REI CARLOS ASSIM ESCREVEU A PEDRO REI DE ARAGÃO

Carlos, com a graça de Deus, rei de Jerusalém e da Sicília, duque da Apúlia e príncipe de Cápua, conde da Provença e de Forcauquier. [A] Pedro filho do ilustríssimo senhor Rei de Aragão etc.

Se considerares e apreenderes um conselho em sã consciência e justiça tuas e, com tuas rápidas e violentas mãos, não fizeres no nosso Reino da Sícília a angústia de muitas guerras e efusão de muito sangue, inclusive o seu próprio, sobre a ocupação retenhas: [agimos] sob o comando e ensinamento da Igreja [mãe] e tu não podes alegrar-te dos espólios os quais foram capturados sem honra e afeição.

A carta de Carlos I de Anjou a Pedro de Aragão é datada de 1282, no contexto da derrota angevina nas Vésperas Sicilianas. O angevino intitula-se como rei de Jerusalém e da Sicília, além de mencionar o ducado da Apúlia (Puglia) e o principado de Cápua e seus títulos honoríficos franceses. O aragonês, neste documento, é apenas filho do ilustríssimo rei de Aragão. O trecho transcrito revela também que o angevino usa como argumento para se legitimar como rei da Sicília o fato de ter agido sob o comando e o ensino da Igreja e fala também do derramamento de sangue e da angústia que a atividade beligerante gerou. Por sentir-se governante legítimo, Carlos de Anjou determina, ao final da carta - não citado aqui, que Pedro e sua gente saia do território.

A resposta foi dada no mesmo tom:

AO TEOR DA TAL CARTA O MESMO REI PEDRO RESPONDEU AO DITO REI CARLOS COM AS SEGUINTES PALAVRAS

Pedro, com a graça de Deus, Rei de Aragão e Sicília. [A] Carlos conde da Provença e Forcauquier

Tamanha arrogância emanava de sua carta que em cada uma de suas terríveis partes emite ameaças terríveis. Ninguém entendia o teor desta carta e nada tem de justiça nesta matéria se levarmos em conta o teor nulo do seu discurso por estar vazio, com toda a humildade.

A partir deste excerto é possível perceber a inversão da anulação dos títulos: Pedro anuncia-se como Rei de Aragão e da Sicília enquanto Carlos é apenas conde da Provença e de Forcauquier. O aragonês desconsidera também a Apúlia e Cápua, territórios continentais do reino da Sicília. Assim como Carlos carregou a tinta na efusão de sangue e na angustia da guerra, o aragonês argumentou a partir do que chamou de arrogância as ameaças contidas na epístola inicial. Finaliza o documento reafirmando seu direito hereditário (a Crônica repete esse argumento ao remeter a legitimidade aragonesa a Manfredo) e afirmando que Carlos sabe que “non poteris contra nos tuo exercitu prosperare” (“teu exército não pode prosperar contra nosso exército”) e que, por isso, ele deveria evitar o derramamento de sangue inocente.

Os documentos, embora angevino e aragonês, tiveram como palco-localidade, Palermo, então território em disputa. Isso explica, no infográfico, o porquê da comunicação política entre Aragoneses e Angevinos perpassar a caixa de texto dos Palermitanos. A ideia é demonstrar como essa comunicação se deu sobre o território e através do território. Os palermitanos, pessoas diretamente afetadas pelos conflitos e protagonistas na eclosão da revolta, como é possível identificar em outra crônica não analisada aqui (Lu Rebellamentu di Sicilia contra Re Carlo, texto também anônimo, igualmente atribuído à região de Palermo e que se refere apenas ao contexto de 1282 e a eclosão da revolta “contra os franceses”), tomaram partido da coroa de Aragão (BRESC, SCIASCIA, 1993, p. 120-135).

Esta frase, se pensada na relação entre localidades apontada a partir do conceito de mediação, talvez tenha mais lógica, no texto da Crônica da Sicília, se escrita de modo inverso: os aragoneses tomaram partido dos palermitanos e, talvez por isso, o uso de termos como “advento”, “entrada” e “trânsito” de Pedro pelas terras do reino, como também o “advento da Rainha Constança na Ilha da Sicília” , tenha sido empregado pelo anônimo palermitano em detrimento de “aquisição” - como o fez sobre gregos, sarracenos, normandos e angevinos. Explicitamente, queremos afirmar que, por considerarmos a proposta metodológica da história conectada, o conceito de mediação (ao menos na acepção geográfica), permite alocarmos Palermo como meio que protagoniza a disputa. Permite afirmar que os habitantes da cidade siciliana foram agentes políticos e não apenas habitantes de um território em disputa. O argumento do alinhamento aragoneses-palermitanos, por exemplo, é que sustenta a defesa de Pietro Colletta sobre a Crônica da Sicília ser um texto de propaganda política (COLLETTA, 2011, p.16).

Os documentos contidos na Crônica da Sicília e que foram analisados neste artigo revelam mais a disputa entre duas casas em conflito. Seriam, para manter a coerência com os conceitos com os quais procuramos trabalhar, dois middle seas mediados pela localização geográfica, relativa e disputada de e por Palermo. Porém, a partir da tabela apresentada anteriormente, é possível perceber que a comunicação política não se deu apenas pela situação de “mediação” - aqui no sentido de poder que está no meio - ocupada pelos palermitanos. Se considerarmos, por exemplo, a troca de informações com os messineses podemos perceber que o conflito detonado a partir das Vésperas não reduziu as cidades à condição de cenário no qual outros personagens disputavam o protagonismo.

Uma última observação deve ser feita também em relação ao protagonismo que o anônimo palermitano assume na tessitura da Crônica. Afinal, a inserção de “documentos oficiais” (ou de chancelaria) no texto deu-se pelo acesso, de alguma forma, a esses materiais. Isso pode ser explicado pela sua proximidade do autor desconhecido com o ambiente no qual esses documentos eram produzidos e circulavam. Outra interpretação também é possível, a saber, de uma possível ampla circulação destes - o que é provável, em se tratando da “retórica do poder” ou da “comunicação política” que tem, para o Sul da Itália, a referência de Pedro de la Vinha. Neste caso, o cronista também é um mediador na medida em que o encadeamento proposto no texto concilia as informações oficiais com a história contada, atribui-lhes sentido (Tróia, as aquisições e os adventos) de modo a encerrar o texto com o acordo “final” (o mais próximo do tempo presente do autor) de paz, que selou o processuum da Sicília sob comando dos aragoneses, mas com o protagonismo dos palermitanos - agentes igualmente mediadores, principalmente a partir dos conflitos deflagrados na década de 1282 (MARINO, 2013, p.11-34).

Considerações finais

A Crônica da Sicília, pela peculiaridade da inserção/transcrição dos documentos como capítulos do texto, é um documento que extrapola a dimensão narrativa. Neste artigo, procuramos abordar a dimensão política do texto cronístico. Esta abordagem está longe de ser inovadora. Porém, o que se oferece de forma, considerando os trabalhos de Pietro Colletta e Josep-David Garrido i Valls, é o aparato conceitual que não foi utilizado nas pesquisas desses autores. A tese de Colletta sobre a Crônica como propaganda certamente auxiliou nas reflexões e no entendimento do texto também a partir das noções de mediação e comunicação política propostas por Hilde de Weert, Catherine Holmes e John Watts. Essas duas noções complementaram e potencializaram, na pesquisa ora apresentada, a noção de middle seas, atribuída a David Abulafia.

Acreditamos que com esse aparato, a localização do “centro” nas disputas torna-se menos importante que pensar as localidades como territórios que criavam, disputavam e conciliavam de diferentes formas e significados os mesmos acontecimentos, por exemplo. O exercício de história conectada proposto neste artigo revela que a história do Mediterrâneo (espaço e conceito), em sua complexidade, tem potencial para outras análises. Inclusive a partir do mesmo documento. Outros middle seas, por exemplo, não foram abordados neste texto, como a relação dos palermitanos com o papado (ora em Roma ora em Avignon).

As Vésperas Sicilianas serviram, pelo menos, a três usos: os palermitanos usaram a revolta e o descontentamento contra os “franceses” como elemento de protagonismo político e social, usando diferentes mediadores (incluindo universitates e o próprio cronista) para a proposição de um tipo de posicionamento político não apenas frente aos que haviam “adquirido” a Ilha - os quais expulsaram no conflito - ou aos que “apareceram” (aragoneses), mas também com outros mediadores (seja instituições, como o papado, ou congêneres, como os messineses). Os angevinos valeram-se de um mediador que não deve ser desprezado: afinal, ao ordenar a expulsão de Pedro e sua gente da Ilha, em 1282, Carlos I de Anjou o fez a partir do “ensinamento” e sob proteção da Igreja - referindo-se à vitória contra os Hohenstaufen, que lhe garantiu o domínio sobre o território anos antes. Porém, o mediador angevino foi questionado em sua autoridade de diferentes formas e em diferentes momentos no período que engloba a Crônica da Sicília, como revela a acusação de heresia contra João XXII, e a condenação de Roberto de Anjou pelo papa “germânico”, ou antipapa. Além disso, a simbologia do conflito pode ser percebida nos documentos produzidos no contexto da derrota angevina: o jogo de palavras e o não reconhecimento mútuo de títulos honoríficos e de propriedades, observado entre as cartas de Carlos de Anjou e Pedro de Aragão, por exemplo. Os aragoneses, que são os governantes sobre os quais há mais espaço na Crônica, de algum modo, acessaram uma chave considerada “legítima” ou “legitimada” pelos palermitanos: o direito hereditário sobre aqueles domínios. Valeram-se desse elemento para garantir a dinastia e sucessivas vitórias contra os “alheios ao reino” e àquela linhagem, para usar os termos do cronista sobre o rei Carlos de Anjou.

  • Coordenação do Dossiê “Uma História Global antes da Globalização? Circulação e espaços conectados na Idade Média” Marcelo Cândido da Silva
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    Texto com origem no projeto Histórias da Península Itálica: Crônicas, Hagiografias e Sermões (séculos XIII e XIV) desenvolvido na UFRGS. Toda a bibliografia empregada está referenciada no artigo, não publicado em plataforma de preprint.
  • 3
    “…how territories facing one another across and easily traversable waterway developed in very distinctive ways, but entered into contact with one another and transformed one another thoug trade, migration, and sometimes military conquest”. (ABULAFIA, 2012, p. 07)
  • 4
    O arquivo disponibilizado pela Biblioteca da Catalunha, em pdf, tem 152 páginas e apresenta apenas a Crônica da Sicília. Os fólios estão duplamente numerados: no fólio que apresenta pela primeira vez a numeração 1 há três cartas atribuídas Pedro II e a Carlos I, de Anjou. Este fólio correponde à imagem da página 05 do pdf. As imagens ímpares de 07 a 13 do pdf estão numeradas de 2 a 5. Nelas há um sumário que apresenta os fólios correspondentes às rubricas (títulos dos capítulos) da Crônica. Este sumário indica a numeração de 1 a 108 contados a partir do início do texto da Crônica (imagem 29 do pdf). A primeira rubrica, inicialmente numerada em 1, passa a apresentar a dupla numeração (o número 1 está riscado e a contagem se inicia em 13) Essa numeração riscada está tanto no recto quanto no verso (2, igualmente riscado porém não duplamente numerado). A notícia do manuscrito informa “numeração original 107p”, porém, descreve o manuscrito com 68f. Ilustrado e com 30cm. As informações e o manuscrito estão disponíveis online em: https://explora.bnc.cat/iii/encore/record/C__Rb2512719?lang=eng. Acesso em agosto de 2019. Neste trabalho adotaremos a “numeração original”, portanto, a que conta a paginação a partir da primeira rubrica em 1 até 108. Josep-David Garrido i Valls descreve assim: “Es tracta d’un còdex cartaci, 290x170mm, de 68 folis numerats per pàgines i compost per sis fascicles senions”. (GARRIDO i VALLS, 2005, vol.2, p.1974)
  • 5
    Os textos mais recentes deste autor sobre o assunto falam em preparação da publicação da tese. Cf o texto citado na nota anterior e: GARRIDO i VALLS (2001, p.93-106)
  • 6
    “In conclusione il codice B documenta in modo inequivocabile, come nel Medioevo l’atto della copiatura e della trasmissione di un testo si coniugava spesso con quello della sua rielaborazione, almeno parziale”. (COLLETTA, 2005, p. 576-577)
  • 7
    “Importantíssim per la reconstrucció de la història siciliana d’inicis del segle XIV, el Chronicon Siculum és uma font diplomática de primera mà, car ilustra la narració amb documents de les cancelleries papal, imperial, siciliana i napolitana. Aquest fet el singularitza i li dóna unna rellevància especial; vet ací també la importància per la cancelleria catalanoaragonesa, que el convertí en model a seguir en la redacció dels seus documents, a més d’esdevenir la història oficial d’aquella part dels dominis del casal de Barcelona, quan Pere III el Cerimoniós, l’inspirador de la traducció catalana, reivindicà Sicília”. (GARRIDO i VALLS, 2005, vol.2, p.1972)
  • 8
    Interessante frisar que Garrido i Valls (2005, p.1976) caracteriza essa parte também como uma parte também dedicada aos “mitos”.
  • 9
    Garrido i Valls (2005, p.1977-1983 ) transcreveu e publicou os primeiros vinte capítulos Utilizaremos essa publicação, cotejando com o manuscrito, quando da ocorrência de dúvidas.
  • 10
    Interessante observar, por exemplo, que na Cronaca di Partenope, contemporânea em termos de elaboração da Cronicon siculum, o autor, Bartolomeu Caracciolo-Carafa, optou por uma estratégia contrária, a saber, deu maior espaço em seu texto para o passado mais distante que para o passado próximo e ao presente do autor, principalmente na versão da Cronaca do Ms.Italien 301 (BNF). Samantha Kelly afirma que a Cronaca di Partenope foi redigida entre 1340-1350 e que o texto analisado neste artigo serviu de fonte para Bartolomeo Caracciolo-Carafa. (BARTOLOMEO CARACCIOLO-CARAFA, 2011, p. 03-148). A autora analisou esta crônica em sua tese (KELLY, 2003).
  • 11
    Ms.488, fol.1 (paginação original), imagem 29 no pdf online. Tradução livre de: “INCIPIT CRONICA PROCESSUUM IN REGNO ET INSULA SICILIE. PROHEMIUM: Post inclitum Menelaum regem tam Ytalie quam insule Sicilie, que insula tunc temporis regni predicti regis uocabatur Trinaclia, et qui rex fuit paganus, et cui regi rapta fuit Helena, sua uxor, apud Tyndaridem, ciuitatem Alexandrum, filium Priami, regis Troye magne; et cuius raptus occasione dicturs rex Ytalie et Trinaclie cum suo exercitu sequens predictum raptorem predicte regine usque ad dictam Troyam, obsedit et deinde finaliter cepit et destruxit Troyam eamdem cum predicto rege Priamo, sicut de dicta Ystoria eam ignorantes poterunt per libellum de dictis raptu, obsedione et captione factum plenius informari.” Também pode ser encontrada em: Garrido i Valls (2005, p. 1977).
  • 12
    Marcella Guimarães, acertadamente, aponta para a necessidade de leitura dos prólogos e proêmios por conta da escassez de referências sobre muitos autores de crônicas do período medieval. Porém, nem neste caso, nem no caso da Cronaca di Partenope, que já analisamos em outras situações, há esse tipo de informação indicado pela autora.
  • 13
    Ms.488, fol.1 (paginação original), imagem 29 no pdf online. Tradução livre de: “...uidentes in dicto loco ipsius insule ad quem primo descenderunt arbores ficuum et oliuarum uocauerunt ipsam insulam grece Sicalea, quod latine est dicere ficum et oliuam, et propterea latine uocatur hodie Sicilia”. Também pode ser encontrada em Garrido i Valls (2005, p.1977)
  • 14
    Ms.488, fol.2-3 (paginação original), imagem 30-31no pdf online. Tradução livre de: “Ob quam inuitationem dicti saraceni statim in dictam insulam transiuerunt anno ab Incarnacione Domini octingesimo uigesimo sexto, mense uidelicet Iulii, anno eciam ab aduentum Mahumet centesimo nonagesimo octauo”. Também pode ser encontrada em Garrido i Valls (2005, p.1979). (Grifos nossos).
  • 15
    Colletta (2011, p. 166) transcreveu a seguinte passagem: “Dictus Karolus comes Provincie, a dicto regno et a successione predictorum regum penibus aliens, intravit, cepit et obtinuit regnum et insulam Sicilie cum ducatu Apulie et principatu Capue, faciens se vocari ex tunc in antea rex Sicilie, non tamem quod a Siculis fuit coronatus in regem.”(Grifos do autor)
  • 16
    Ms.488, fol.20 - primeira rubrica em vermelho. Posição 48 no pdf online.
  • 17
    Referência ao parágrafo da crônica a partir da documentação consultada por Colletta (2011).
  • 18
    Uso os termos no feminino por se tratarem de duas autoras e um autor.
  • 19
    Há, segundo o dicionário Gaffiot (2016, p. 1380), três acepções para o termo que não deve ser confundido/traduzido sumariamente como universidade (no sentido de escola): 1) totalidade, universalidade; 2) o conjunto das coisas (do universo, por exemplo); 3) corpo, companhia, corporação, comunidade. No caso dos documentos na Crônica da Sicília este último é o sentido que deve ser aplicado. Sobre a posterior redução identificação entre universitas-universidade (escola) há extensa bibliografia sobre o termo, que não convém aqui neste artigo.
  • 20
    Ms. 488, fol.21. Posição 49 no pdf online. Esta e a próxima transcrição (correspondentes ao início dos documentos 8 e 9 na tabela) foram cotejadas com a edição em: PETRI DE VINEIS (1740, p.222-229). Epistolarum: quibus res gestae ejusdem imperatoris aliaque multa ad historiam ac iurisprudentiam spectantia continentur libri. Novan hanc editionem adjectis variis lectionibus curavit Johan Rudolphos Iselius JC. Basileia: Joh Christ, Tom. 1, 1740. p.222-229. Disponível em: https://archive.org/details/bub_gb_3nd4R1CiKBUC/page/n3. Acesso em Agosto de 2019. Porém, a leitura do manuscrito e a comparação com esta edição revelam, ao menos, que o documento inserido no manuscrito é mais extenso que o documento do qual foram editados no século XVIII. Ainda assim, a edição foi de muita valia. Cabe, também ressaltar que os documentos, de 1282, foram inseridos em um compêndio sobre Pedro de la Vinha, morto em 1249. Isso reforça, dentre outras coisas, o argumento de Benoît Grévin sobre a “herança direta” sobre os angevinos e aragoneses. Os termos entre { } ainda temos dúvidas com a transcrição. Tradução livre de: QUO FATTO ET PROVENTO AD NOTICIAM DOMINI REGIS KAROLI. IDEM REX KAROLUS REGI PETRO REGI ARAGONI [SIC] SCRIPSIT Karolus Dei gratia Ierusalem et Sicilie Rex ducatus Apulia et principatus Capue [sic] Provincie et Forcalquerii comes. Petro filio quondam Illustrissimo viri Regis Aragonum etc. Si de sana mentis consideratione liberata lance iusticie tuum apprehendisses consilium et si non ad fatuam [sic] mutuus anuo delirarasses profecto tuas rapidas manus more violenti {predonis} ad Regnum {nostrum} Sicilie quod cum multis bellorum {angustiis} et sanguinis effusionem lotis {stolis} et [sic] proprio sanguine ab occupationis retentione retraymus {matre} Jubente et suadente ecclesia nulla honoris et lucri affectionem protractus {aliquaetenus} convertisses si veracissime {intuemus} quod tuum et {in} fatuatum consilium dum tus {rapacem} dexteram fuisit [sic] extendere et capta {pre}da rapitsque spoliis exultares. (Grifos nossos).
  • 21
    Ms. 488, fol.22. Posição 50 no pdf online. Tradução livre de: “AD QUARUM LITERARUM TENOREM IDEST REX PETRUS PER EIUS RESPONSALES LITERAS RESPONDIT [SIC] REGI KAROLO IN HEC VERBA: Petrus Dei gratia Aragonum et Sicilie Rex. Karolo Provincie et Forcalquerii comtes. De magna tui arrogantia superba manavit epistola quae in singulis suis partibus terribilis conruscacionibus visa est ignes euomere fulguris sagutas emittere et atroces minas eruptare. Cuius epistole intellecto et considerato tenore de nullius statera iusticie eius manabant loquele sed omni humilitate vacua, procelosas ampullas et minarum grandines expergebat”. (Grifos nossos).
  • 22
    Ms. 488, fol.27. Posição 55 no pdf online. Todos esses termos aparecem nesse fólio nas rubricas destacadas em vermelho: “De introyto Regis Petri in civitate Messanem post armotionem obsidionis Regis Karoli”; “De adventu Rgine Constantie In Siciliam”; “De Transitu dicti Regis Petri in Calabriam”. Ou, no fólio seguinte, a rubrica “De avento dicti Regis Petri ad duellum et non advento dicto Rege Karoli plano predicto pretestatus [sic] in forma subscripta”
  • 23
    Desenvolvemos parte do argumento sobre o alinhamento entre aragoneses-palermitanos e, principalmente, o confronto entre palermitanos e angevinos em Teixeira (2018, p.91-108).
  • 24
    Segundo o autor: “Perché si possa parlare di propaganda è necessaria la presenza di alcuni requisiti specifici: occorre una volontà esplicita dell’autore di comunicare un messaggio di parte, spesso alterando appositamente, ovvero occultando in qualche misura, la verità; occorre un rapporto dell’autore con un’istituzione, una classe sociale, una forza economica, insomma un qualche potere del quale egli consapevolmente si fa voce, ufficiale o ufficiosa, o perche richiestone, o perché spontaneamente offre la sua adesione e il suo servizio in quanto di quel gruppo di potere egli è già, o aspira a diventare, parte integrante, o comunque spera di ricavarne un compenso, in termini economici o di prestigio; occorre infine che l’opera possa raggiungere un pubblico, più o meno vasto, verso il quale l’autore mostri di mettere in atto dele strategie communicative finalizzate alla persuasione”. (Grifos nossos).

Referências Bibliográficas Fontes

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Obras de referência

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  • GAFFIOT, Felix. Dictionnaire Latin-Français Établie sous la direction de Gérard Gréco. 2016. Disponível online: <http://gerardgreco.free.fr/IMG/pdf/Gaffiot_2016_-_komarov.pdf> . Acesso em agosto de 2019.
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  • PETRI DE VINEIS. Epistolarum: quibus res gestae ejusdem imperatoris aliaque multa ad historiam ac iurisprudentiam spectantia continentur libri. Novan hanc editionem adjectis variis lectionibus curavit Johan Rudolphos Iselius JC Basileia: Joh Christ , Tom. 1, 1740 Disponível em: <https://archive.org/details/bub_gb_3nd4R1CiKBUC/page/n3>. Acesso em agosto de 2019.
    » https://archive.org/details/bub_gb_3nd4R1CiKBUC/page/n3

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Editado por

Editores Responsáveis Júlio Pimentel Pinto e Flavio de Campos

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    19 Ago 2019
  • Aceito
    09 Dez 2019
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