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Sujeitos de sorte: narrativas de esperança em produções artísticas no Brasil recente

Lucky people: narratives on hope and artistic production in nowadays Brazil

RESUMO

Este artigo busca identificar narrativas de esperança produzidas por artistas e grupos culturais que desenvolvem suas atividades tendo como referência cultural as periferias brasileiras. Tais sujeitos periféricos se encontram em um “momento de perigo”, na expressão de Walter Benjamin, ameaçados pelo recrudescimento da violência armada contra a população negra e favelada, pelo aprofundamento da desigualdade econômica, pela destruição das políticas públicas de cultura e pela pandemia de COVID-19. Em tal contexto, esses sujeitos buscam se reinventar para seguir realizando seus trabalhos artísticos e culturais. Essas narrativas de esperança são compreendidas aqui como prática, em diálogo com a linguística aplicada e a antropologia linguística, bem como com a ótica bakhtiniana da linguagem como interação. Este artigo se filia ainda às reflexões antropológicas propostas por Vincent Crapanzano, Arjun Appadurai e outros que vêm se dedicando a configurar uma Antropologia do Futuro e uma Antropologia da Esperança.

PALAVRAS CHAVE:
Esperança; narrativas; futuro; perigo; políticas culturais

ABSTRACT: This article aims to identify narratives of hope produced by artists and cultural groups that develop their activities having as cultural reference the Brazilian peripheries. Such peripheral subjects find themselves in a "moment of danger", according to Walter Benjamin's expression. They are threatened by the upsurge of armed violence against the black and favela's populations, by the deepening of economic inequality, by the destruction of public policies for culture, and by the pandemic of COVID-19. In this context, these subjects seek to reinvent themselves to continue carrying out their artistic and cultural work. These narratives of hope are understood here as practice, in dialogue with applied linguistics and linguistic anthropology, as well as with the Bakhtinian view of language as interaction. This article is also affiliated to the anthropological reflections proposed by Vincent Crapanzano, Arjun Appadurai, and others who have been dedicated to setting an Anthropology of the Future and an Anthropology of Hope.

Keywords:
Hope; narratives; future; danger; cultural policies


A esperança é um condimento indispensável à experiência histórica. Sem ela não haveria História, mas puro determinismo. Só há História onde há tempo problematizado e não pré-dado. A inexorabilidade do futuro é a negação da história.

(Paulo Freire, Pedagogia da Autonomia)

A palavra poética é um modo de narração do mundo. Não só de narração, mas, antes de tudo, a revelação do utópico desejo de construir outro mundo. Pela palavra poética, inscreve-se, então, o que o mundo poderia ser. E, ao almejar um mundo outro, a poesia revela o seu descontentamento com uma ordem previamente estabelecida. Há momentos em que a característica subversiva da fala poética se torna tão perceptível que seus criadores são considerados personae non gratae, e suas vozes são forçadas ao silêncio, ou ignoradas, como se não existissem. Entretanto, todo indivíduo e toda coletividade têm direito ao seu auto-pronunciamento, têm direito de contar/cantar a sua própria história.

(Conceição Evaristo, Poemas Malungos - Cânticos Irmãos)

DA SOBREVIVÊNCIA À ESPERANÇA

Desde 2008, quando iniciei pesquisa de pós-doutorado sobre o funk carioca, investigo trajetórias de artistas com experiências1 1 Utilizo a noção de experiência com base em Walter Benjamin (1993), especialmente nos textos “Experiência e pobreza” e “O narrador”. Ele distingue Erlebnis (vivência) de Erfahrung (experiência), destacando a fragmentação e banalização cotidiana da primeira, bem como dimensão coletiva e narrável desta última, capaz de compor tradições e memórias comunicáveis entre gerações. Esta opção por me basear em Benjamin se justifica porque percebo que, entre meus interlocutores e interlocutoras, há a consciência de que a sobrevivência é uma experiência compartilhada na história, matéria-prima de suas criações artísticas e culturais. de sobrevivência. No entanto, a categoria sobrevivência adquiriu centralidade em minhas reflexões apenas um tempo depois. Em 2012, eu coordenava um projeto financiado pela FAPERJ, conjuntamente com os linguistas Adriana Carvalho Lopes (UFRRJ) e Daniel Nascimento e Silva (UFSC) e com o Instituto Raízes em Movimento (formado por pesquisadores moradores do Complexo do Alemão e sediado em uma de suas favelas). O título do mesmo era Mapeamento da produção cultural e das práticas de letramento em três favelas no Complexo do Alemão e durante sua vigência realizamos uma entrevista que mudou o rumo de nossas abordagens teóricas. No ano de 2012 houve a implementação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) em favelas do Complexo do Alemão. Havia uma narrativa na mídia hegemônica que associava a instalação dessas UPPs ao surgimento de uma vida cultural local, como se aquele território fosse, devido à violência armada, um deserto artístico e cultural. Importante ressaltar que o Complexo do Alemão se situa no subúrbio da Leopoldina, região da Zona Norte da cidade que é central para a história cultural do Rio de Janeiro.2 2 Sobre a centralidade da Zona da Leopoldina para a vida cultural do Rio de Janeiro, em especial no que diz respeito à música, ver Facina & Palombini (2017). Entrevistamos um jovem MC de funk que era uma referência para muitos outros jovens artistas do Alemão, e perguntamos a ele sobre o que havia de arte e cultura naquele território antes da chegada das UPPs. Esperávamos na resposta do MC Calazans um inventário de grupos e atividades: bailes funk, pagodes, coletivos de grafiteiros, coletivos de dança e teatro etc. No entanto, sua fala apontou para a existência de uma “cultura de sobrevivência”, baseada em uma solidariedade necessária à existência cotidiana quando há precariedade de direitos. Ele citou como exemplo a mobilização comunitária, por meio de expedientes não oficiais/legais, para garantir acesso a serviços públicos como fornecimento de água, luz e internet. Para o MC, toda arte produzida no Complexo do Alemão partia daquele tipo de experiência coletiva voltada para assegurar condições básicas de existência. Confrontando nossa mirada com viés de classe média intelectualizada, por vezes encantada com a criatividade artística existente apesar da precariedade, o MC apresentava uma lógica em que a arte se erigia a partir de uma experiência de escassez que gera saberes, estéticas e modos de interação social que ele resumiu na expressão “cultura de sobrevivência”. (Facina, 2014FACINA, Adriana. 2014. “Sobreviver e sonhar: reflexões sobre cultura e “pacificação” no Complexo do Alemão.” In: FERNANDES, M.; PEDRINHA, R. (Org.). Escritos transdisciplinares de Criminologia, Direito e Processo Penal: homenagem aos mestres Vera Malaguti e Nilo Batista. Rio de Janeiro, Revan, pp. 39-47.; Facina e Palombini, 2017FACINA, Adriana; PALOMBINI, Carlos. 2017. “O patrão e a padroeira: momentos de perigo na Penha, Rio de Janeiro.” Mana - Estudos de Antropologia Social, vol. 23, n. 2: 341-370. DOI https://www.doi.org/10.1590/1678-49442017v23n2p341
https://doi.org/https://www.doi.org/10.1...
; Lopes, Facina e Silva, 2019LOPES, Adriana C.; FACINA, Adriana; SILVA, Daniel N. (orgs.). 2019. Nó em pingo d’água. Sobrevivência, cultura e linguagem. Rio de Janeiro/ Florianópolis, Mórula Editorial/Editora Insular.)

A partir da fala do MC, articulada teoricamente com Homi Bhabha (1998BHABHA, Homi K. 1998. O local da cultura. Belo Horizonte, Editora da UFMG.) e, principalmente, Jacques Derrida (2003DERRIDA, Jacques. 2003. “Sobreviver/Diário de Borda.” In: FERREIRA, Elida. Jacques Derrida e o récit da tradução: o Sobreviver/Diário de Borda e seus transbordamentos. Campinas, Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas, pp.16-84), a noção de sobrevivência se tornou central na pesquisa no Complexo do Alemão e se desdobrou em investigações posteriores. Desde então, pesquiso trajetórias de artistas com experiências de sobrevivência, pessoas que lutam cotidianamente contra a precariedade de direitos, inclusive o direito à vida. Tais artistas, integrantes da classe trabalhadora, são de maioria negra e jovem. MCs de funk, rappers, dançarinos e dançarinas, artistas plásticos, atores e atrizes de teatro, compositoras, artesãs, poetas, músicos. Em comum, além das experiências de sobrevivência, o sonho de viver do trabalho com a arte. A noção de trabalho com o qual se sonha, ou “trabalho sonhado”, aparece com muita frequência nas falas dos interlocutores e interlocutoras no campo como oposto ao “trabalho escravo” ou “trabalho de carteira assinada” ou ainda simplesmente trabalho, significando um esforço laboral exaustivo sem outro sentido que não o de garantir o sustento, e que caracteriza a maioria das ocupações disponíveis para a classe trabalhadora no Brasil. Em 2018, assisti a uma fala de um artista e produtor cultural morador de uma favela da Zona Oeste do Rio de Janeiro, bastante ativo e reconhecido na cidade, sobre o trabalho artístico em contexto de desmonte das políticas culturais. Fernando Espanhol analisou esse desmonte a partir de uma visão sobre o retrocesso que isso representou materializado nas formas de trabalho disponíveis aos produtores culturais das periferias:

O retrocesso ele é um fato, não tem como a gente negar mais isso. A gente tá passando por esse momento. Um momento em que ... por exemplo, em 2016, que eu acredito que foi o meu melhor momento enquanto agente cultural da cidade do Rio de Janeiro, eu unicamente fazia isso, eu unicamente produzia cultura. Era só o que eu fazia, era só o que a Jéssica fazia, era só o que o Kibula fazia, era só o que o Salsa fazia. E conheço muitos outros amigos que também só faziam isso. Em dias de hoje, 2018, eu tenho que, eu tô trabalhando de coisa que não é a minha área, assinei carteira, tipo trabalho num shopping vendendo roupa. Porque antes eu conseguia viver fazendo cultura. Agora eu preciso ter um outro trabalho pra conseguir sobreviver fazendo cultura. Enquanto antes eu tinha um orçamento pra eu conseguir fazer as coisas da forma que eu acreditava, e conseguir que o impacto fosse grande dentro da minha realização, hoje eu tenho que fazer com um orçamento mais reduzido, mas o trabalho ele é o mesmo, ele tem o mesmo impacto, o mesmo tempo e muitas das vezes eu tenho que pegar o meu dinheiro, do meu trabalho de carteira assinada pra botar na frente também se eu quiser que aquilo aconteça. A gente precisou de certa forma se reinventar pra que a gente não desapareça. Porque isso aconteceu. Muita gente desapareceu.3 3 Fala apresentada no seminário Cultura e Territórios, realizado pela prefeitura municipal de Niterói em junho de 2018.

Esse desejo de um trabalho artístico que escapasse à alienação e possuísse sentido de autorrealização individual e coletiva também aparece em músicos que se apresentam nas ruas do Rio de Janeiro. Kyoma Oliveira, em sua tese de doutorado, relata a mesma oposição entre o trabalho como assujeitamento e o trabalho sonhado, identificado ao fazer artístico. Sem glamourizar a profissão de artista, um de seus interlocutores de pesquisa propõe a distinção entre artista-famoso e artista-trabalhador. As condições mais duras do trabalho do artista-trabalhador o aproximam do camelô e de outros trabalhadores precarizados. Ao mesmo tempo em que se diferenciam destes por conseguirem, ainda que com dificuldades, conjugar o sustento com um tipo de atividade econômica que requer um talento socialmente reconhecido e fonte de prazer subjetivo para quem o realiza. Essa ambiguidade é constitutiva do trabalho artístico e faz com que, mesmo em referência a artistas do mainstream, ele muitas vezes não seja considerado trabalho de verdade. É preciso relacionar esse descrédito do trabalho cultural e/ou artístico com o utilitarismo próprio do modo de produção capitalista, afinal que tipo de valor essa atividade laboral produz? Mas é necessário também entender que nossa formação sócio-histórica teve como fundamento um regime escravocrata que durou 3 séculos e que se perpetua contemporaneamente no racismo estrutural. No processo de formação da sociedade brasileira o trabalho foi instituído como pena, castigo, modo de assujeitamento dos de baixo e se mantém na história como mecanismo de distinção social importante encarnado na oposição entre trabalho braçal e trabalho intelectual. Ainda que envolva esforços físicos intensos, como carregar instrumentos em transportes públicos lotados e montar estrutura de som na rua, os músicos pesquisados por Kyoma Oliveira compreendem sua atividade laboral como uma maneira de manifestar seu talento no mundo, como escolha vocacionada e como fonte de prazer, o que os permite sonhar com ter esse trabalho como sua forma de ganhar a vida. (Oliveira, 2021OLIVEIRA, Kyoma Silva. 2021. Sons, contratempos e síncopes: instrumentistas na rua e a formação de circuitos musicais não consagrados na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Tese de doutorado, Universidade Federal do Rio de Janeiro.)

Entre 2008, início das minhas pesquisas com artistas de favelas e periferias, e 2016 muitos de fato conseguiram realizar este sonho, disputando editais de fomento e outras fontes de recursos públicos disponíveis em níveis municipal, estadual e federal. Em 2021, nenhum dos artistas e grupos entre ass dezenas que já acompanhei e com os quais mantenho contato recebeu ou recebe, de modo sistemático e consistente, verbas públicas de financiamento da cultura para seus trabalhos. Os editais escassearam, minguaram os valores dos recursos e é preciso “correr atrás” de apoios e patrocínios pulverizados. Alguns grupos chegaram a possuir sede própria e perderam esses espaços por falta de recursos. Outros, como afirmou Espanhol na fala citada acima, simplesmente desapareceram.

Essa incerteza sobre trabalho e renda, e mesmo sobre o manter-se vivo, vincula a sobrevivência com uma percepção específica do tempo em que o momento presente é fulcral. “Hoje somos festa, amanhã seremos luto”, diz o refrão do famoso funk Vida Bandida (2009),composição de Praga, morador da favela Vila Cruzeiro. A incerteza sobre o amanhã coloca o hoje, ou o tempo do agora nos termos de Walter Benjamin (1993BENJAMIN, Walter. 1993. Obras escolhidas - volume 1: Magia e técnica, arte e política. São Paulo, Brasiliense.), como o espaço-tempo do existir cotidiano, a única garantia possível. Esta percepção do tempo não se baseia em algo vago. Ela se ancora tristemente em dados concretos, que não param de ser produzidos e publicados, sobre o extermínio em favelas e periferias empreendido sistematicamente pelo Estado brasileiro e cujos alvos prioritários são jovens homens negros e pobres.

Segundo a mais recente edição do Atlas da Violência do IPEA, publicada em 2019, foram 65.602 homicídios no Brasil em 2017. Mais da metade das vítimas são jovens de 15 a 29 anos e 75,5% são negros.4 4 O Atlas da Violência 2019 pode ser baixado em: https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/ . (Visitado em 13/03/2021) No momento em que escrevo este artigo, março de 2021, o país alcançou o absurdo número de mais de 277 mil mortos pela pandemia causada pela COVID-19 e pelos modos de gerir a ameaça sanitária.5 5 Em 20 de janeiro de 2021, o Boletim Direitos na Pandemia n.10 publicou um Mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à COVID-19 no Brasil, coordenado pela CONECTAS Direitos Humanos e pelo Centro de Pesquisas e Estudos de Direitos Sanitários (CEPEDISA) da Faculdade de Saúde Pública da USP. Ao analisar as normas e atos do governo federal com relação à pandemia em 2020, as pesquisadoras concluem que houve uma ação deliberada para a propagação do vírus no território brasileiro: “Ao longo do ano de 2020, coletamos as normas federais e estaduais relativas à Covid-19 com o intuito de estudá-las e avaliar o seu impacto sobre os direitos humanos, buscando contribuir com a prevenção ou a minimização de efeitos negativos. No âmbito federal, mais do que a ausência de um enfoque de direitos, já constatada, o que nossa pesquisa revelou é a existência de uma estratégia institucional de propagação do vírus, promovida pelo governo brasileiro sob a liderança da Presidência da República.” Em: https://www.conectas.org/wp/wp-content/uploads/2021/01/Boletim_Direitos-na-Pandemia_ed_10.pdf (Visitado em 13/03/2021) E as estatísticas publicadas nos jornais denunciam a preferência por negros e pobres no desfecho mortal da doença.6 6 A título de exemplo: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2020-08/covid-19-mata-mais-na-periferia-do-que-em-bairros-nobres-do-rio (Visitado em 09/03/2021) É perigoso e incerto viver nas periferias das grandes cidades brasileiras, sobretudo para as pessoas negras. Podemos entender o porquê dos enunciados produzidos a partir da experiência de sobrevivência frequentemente explicitarem essa relação com o tempo presente. A certeza da morte libera a celebração diária da vida. Não há garantias, adiamentos, planejamentos. Sobreviver transborda o viver e o morrer, “suplementando-os com sobressalto e sursis, parando a morte e a vida ao mesmo tempo”. (Derrida, 2003DERRIDA, Jacques. 2003. “Sobreviver/Diário de Borda.” In: FERREIRA, Elida. Jacques Derrida e o récit da tradução: o Sobreviver/Diário de Borda e seus transbordamentos. Campinas, Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas, pp.16-84: 38) A suspensão pode ser o tempo da festa, como o carnaval de Mikhail Bakhtin, onde hierarquias são subvertidas e novas relações inventadas. (Bakhtin, 1993BAKHTIN, Mikhail (V.N. Volochínov).1993. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento. O contexto de François Rabelais. São Paulo/Brasília, HUCITEC/EdUnB.) Esse tempo suspenso não dura muito, mas permanece como espécie de espírito coletivo subterrâneo, emergindo, submergindo, criando conexões entre épocas e territórios distantes, com um fluxo incontrolável e pouco previsível. A isso Michel de Certeau se refere quando propõe que a tática é a “arte do fraco” para perdurar no tempo, em contraposição à estratégia, que requer cálculo, previsão e possibilidade de algum tipo de controle racional sobre o futuro. A tática é

a ação calculada que é determinada pela ausência de um próprio. (...) A tática não tem lugar senão o do outro. E por isso deve jogar com o terreno que lhe é imposto tal como o organiza a lei de uma força estranha. (...) Aproveita as “ocasiões” e delas depende, sem base para estocar benefícios, aumentar a propriedade e prever saídas. O que ela ganha não se conserva. Este não lugar lhe permite sem dúvida mobilidade, mas numa docilidade dos azares do tempo, para captar no voo as possibilidades oferecidas por um instante. Tem que utilizar, vigilante, as falhas que as conjunturas particulares vão abrindo na vigilância do poder proprietário. Aí vai caçar. Cria ali surpresas. Consegue estar onde ninguém espera. É astúcia. (Certeau, 2012CERTEAU, Michel de. 2012. A invenção do cotidiano. Artes de fazer. Petrópolis, Vozes.: 94-5)

Em pesquisa mais recente, desdobrada da investigação acerca da sobrevivência, volto-me para a esperança. Nem tanto como sentimento impreciso e supostamente universal, de matiz religioso, mas como método, como saber prático, como maneira de existir em contingência imaginando futuros, como lente através da qual se lê o mundo e são traçadas táticas e estratégias para nele atuar. Em uma expressão: como política de esperança. (Appadurai, 2013APPADURAI, Arjun. 2013.The Future as Cultural Fact: Essays on the Global Condition. London, Verso.). Aqui nos diferenciamos de Certeau, pois percebemos nas narrativas de esperança produzidas por sujeitos periféricos uma perspectiva estratégica sobre o futuro, escapando em parte ao presente emergencial que se impõe nas táticas de sobrevivência.

Há um amplo debate nos estudos urbanos sobre a noção de periferia, em diversas áreas do conhecimento. Não cabe recuperá-lo aqui, apenas chamo atenção para a hierarquia que a relação centro-periferia institui entre esses espaços e os sujeitos que habitam-nos. Uma marca distintiva dos meus interlocutores de pesquisa é justamente a proposição de uma inversão dessa hierarquia, não para negar as desigualdades sociais que ela revela, mas no sentido de afirmar a periferia como centro de produção artística, cultural e de subjetividades. Portanto, utilizo aqui a categoria sujeito periférico não de modo essencializado e tampouco meramente descritivo, mas para, com base em discursos nativos, me referir a sujeitos que moram nas periferias urbanas e/ ou reinvindicam esses territórios como o centro de seus processos criativos.

Tiaraju Pablo D’Andrea se dedica a investigar a formação dos sujeitos periféricos nas periferias da cidade de São Paulo. Para ele, essa nova subjetividade calcada no orgulho de ser periférico emerge nos anos 1990 e tem na obra dos Racionais MCs uma referência fundamental. O grupo de rap é um marco histórico na definição de periferia para os moradores de periferia, ampliando seu significado para além da pobreza e da violência e associando-a à cultura e potência. (D’Andrea, 2013D’ANDREA. Tiaraju Pablo. 2013. A Formação dos Sujeitos Periféricos: Cultura e Política na Periferia de São Paulo. São Paulo, Tese de doutorado, Universidade de São Paulo.) No Rio de Janeiro o mesmo ocorre com relação às favelas, sendo que aqui é o funk que cumpriu esse papel, com o exemplo emblemático do Rap da Felicidade (1995), cantado por Cidinho e Doca, cujo refrão afirma: “Eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente na favela onde eu nasci. E poder me orgulhar e ter a consciência que o pobre tem seu lugar.”

D’Andrea segue seu argumento afirmando que a emergência desse sujeito periférico se relacionava a novas formas de fazer política, nas quais os coletivos de produção artística da periferia e o movimento cultural da periferia ganham papel preponderante, resultando no surgimento de centenas de grupos de arte e cultura nesses territórios da cidade. Os Racionais MCs seriam o exemplo de um “grande movimento cultural de ressemantização do termo periferia e de ressignificação do fazer político nas periferias.” (D’Andrea, 2013D’ANDREA. Tiaraju Pablo. 2013. A Formação dos Sujeitos Periféricos: Cultura e Política na Periferia de São Paulo. São Paulo, Tese de doutorado, Universidade de São Paulo.: 26)

Essa ampliação do significado de periferia descola o termo de sua referênca estritamente geográfica e articula pertencimentos raciais (negros) e de classe social (trabalhadores), local de moradia (favela, periferia, subúrbio etc), modos de vida (arte de sobreviver), valores éticos e morais (proceder) e também uma estética própria (rap, funk, grafite e, saraus, literatura marginal, comunidades de samba etc). De certo modo, na visão do pesquisador, periférico substitui trabalhador na autoidentificação desses sujeitos, dado importante num momento histórico de aprofundamento do neoliberalismo e a consequente remodelação do trabalho marcada pelo desemprego estrutural, pela flexibilização de direitos e pela precarização. Este quadro histórico é fundamental para compreendermos o debate sobre o trabalho sonhado que apresentamos acima.

D’Andrea defende que o compartilhamento dessas experiências produziu uma subjetividade própria. Nos seus termos:

Em torno dessas situações e dessas experiências, a população periférica engendrou uma narrativa e elaborou uma subjetividade para explicar seu lugar no mundo e fundamentar sua existência. A narrativa criada por essa população foi aquela expressa por um movimento cultural que soube condensar expectativas e sentimentos da população periférica. A principal expressão desse movimento é o grupo de rap Racionais MC ́s. Por outro lado, surgiu uma nova subjetividade por meio de uma intensa luta para se colocar no mundo e se perceber por meio do orgulho, e não do estigma. Quando o indivíduo portador dessa nova subjetividade age politicamente é denominado neste trabalho como sujeito periférico. (D’Andrea, 2013D’ANDREA. Tiaraju Pablo. 2013. A Formação dos Sujeitos Periféricos: Cultura e Política na Periferia de São Paulo. São Paulo, Tese de doutorado, Universidade de São Paulo.:14)

Ser um sujeito periférico não se confunde com morar na periferia. Mais uma vez recorro às palavras de Tiaraju D’Andrea:

De pronto, cabe ressaltar: nem todo periférico é um sujeito periférico. Para ser definido como tal, é necessário possuir três características:

1; Assume sua condição de periférico;

(de periférico em si a periférico para si)

2. Tem orgulho de sua condição de periférico;

(do estigma ao orgulho)

3. Age politicamente a partir dessa condição;

(da passividade à ação) (D’Andrea, 2013D’ANDREA. Tiaraju Pablo. 2013. A Formação dos Sujeitos Periféricos: Cultura e Política na Periferia de São Paulo. São Paulo, Tese de doutorado, Universidade de São Paulo.: 174)

Partindo dessa reflexão sobre a formação e as especificidades dos sujeitos periféricos, incluímos em nossa análise também aqueles artistas que ascenderam socialmente e não vivem mais em periferias, porém mantém a sua origem periférica como fundamento da sua criação artística. Permanecem, ainda que economicamente pertencendo à classe média, cultural e simbolicamente orientados pela subjetividade periférica. São as narrativas de esperança produzidas por esses sujeitos que nos interessam aqui.

NARRATIVAS DE ESPERANÇA

Aesperançaseaproximaesediferenciadasobrevivêncianarelaçãocomotempo, pois pode ser ao mesmo tempo parte da tática do sobreviver no agora e estratégia para produzir um futuro imaginado. Arjun Appadurai qualifica essa temporalidade própria da esperança como uma combinação de paciência e emergência. A partir de pesquisa sobre a luta pela moradia em Dharavi, megafavela de Mumbai, Appadurai identifica uma política de esperança que requer o diálogo entre as pressões da catástrofe e a disciplina da paciência, da espera. Para ele, a esperança organizada politicamente faz a mediação entre emergência e paciência, tornando a espera ativa (“esperar para” e “não esperar por”). Entretanto, para ser bem-sucedida em negociar no terreno arriscado em que a emergência confronta a necessidade de paciência, a política da esperança requer precedentes. Ela precisa recorrer ao passado, a exemplos de lutas vitoriosas e conquistas que se conectem ao presente e possibilitem imaginar um futuro melhor (Appadurai, 2013APPADURAI, Arjun. 2013.The Future as Cultural Fact: Essays on the Global Condition. London, Verso.). A temporalidade esperançosa se orienta para o futuro, mas se fundamenta nas relações significativas entre passado e presente.

Este tema, a esperança, começou a me instigar quando escutei pela primeira vez a música AmarElo, canção principal do álbum de mesmo título do rapper paulistano Emicida, artista central da cena hip hop no Brasil e um dos mais influentes da atualidade. AmarElo é a faixa de maior sucesso do álbum em termos de número de visualizações no Youtube (10.331.553 visualizações no canal oficial do artista, em 11/03/2021). A canção AmarElo teve seu videoclipe lançado nas redes sociais em 25 de junho de 2019 e imediatamente disparou debates entre fãs do artista, críticos musicais, rappers e um público mais amplo, identificado pela experiência comum de viver sob ameaça desde a eleição de Jair Bolsonaro para a presidência da República em 2018. Emicida canta a música com duas parceiras, Majur, cantora que se apresenta como pessoa trans não binária, e Pabllo Vittar, artista drag queen, unindo três corpos-alvo, atingidos por declarações racistas e homofóbicas de representantes do atual governo brasileiro.7 7 Alguns exemplos, entre uma infinidade de declarações preconceituosas publicadas na imprensa de janeiro de 2019 até a presente data: https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/01/03/em-video-damares-alves-diz-que-nova-era-comecou- no-brasil-meninos-vestem- azul-e-meninas-vestem-rosa.ghtml ; https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/11/10/bolsonaro-diz-que-brasil-tem-de-deixar-de-ser-pais-de-maricas-e-enfrentar-pandemia-de-peito-aberto.ghtml ; https://oglobo.globo.com/cultura/leia-integra-das-declaracoes-em-que-sergio-camargo-da-fundacao-palmares-chama-movimento-negro-de-escoria-maldita-24462253. Ao contrário do que se poderia esperar de um rappper identificado a temas de protesto social e político, no single AmarElo Emicida fala de esperança, positividade, de vencer - ou driblar - as adversidades da vida por meio da fé em si mesmo. Em seu início, há um longo e real depoimento de um jovem em luta contra a depressão e ideação suicida. Em seguida, um sample de Sujeito de Sorte (1976), de Belchior, anuncia o refrão que será entoado ao longo de toda a música: “Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro./ Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro.” À primeira vista, a música se refere a sobreviver. Porém, na voz de Pabllo Vittar vem a recusa à ideia limitadora de sobrevivência: “Permita que eu fale, não as minhas cicatrizes. Tanta dor rouba nossa voz, sabe o que resta de nóiz? Alvos passeando por aí. Permita que eu fale, não as minhas cicatrizes. Se isso é sobre vivência, me resumir a sobrevivência/É roubar o pouco de bom que vivi.” Este verso me fez pensar e repensar minha própria pesquisa a partir da noção de sobrevivência e perceber suas limitações no atual momento da história do Brasil.

Todo o álbum segue no mesmo tom, tratando de vivências cotidianas de dor e batalhas pela sobrevivência, sustentadas por redes de afetos poderosas que dão sentido à existência na precariedade. As músicas não deixam de denunciar o genocídio da população negra, a violência policial na periferia, o racismo e as desigualdades de classe, motivos clássicos no movimento hip hop, no Brasil e no mundo. Mas, ao lado destes, surgem temas como autocuidado, saúde mental, amizade, filhos, sonhos. O álbum AmarElo se desdobra no projeto AmarElo Prisma, série de podcasts publicados no canal do artista no Youtube debatendo alimentação orgânica, medicina Ayurveda, exercícios físicos, plantação de hortas e ervas medicinais como resgate de saberes ancestrais e cuidados com a saúde mental em contexto da pandemia de COVID-19.

Outro produto artístico derivado do AmarElo é o filme É tudo pra ontem, lançado em dezembro de 2020. O documentário traz o show AmarElo gravado no Theatro Municipal de São Paulo, animações, bastidores da gravação do disco, trajetória e cotidiano do artista, e uma releitura da história da cultura negra no Brasil. O título do filme se inspira num ditado iorubá que diz que Exu matou um pássaro ontem com uma pedra que atirou hoje. Narrado pelo artista, o filme apresenta a sua obra como um acerto de contas com o passado ancestral e um horizonte de futuro para os negros e negras das periferias brasileiras. Arte, ascensão econômica, afirmação de direitos, ocupação de espaços antes interditados (como o próprio teatro em que o show acontece), a história do país reescrita pelo olhar dos jovens pretos, tudo isso resumido na frase que é uma exortação à ação política baseada na solidariedade de classe e raça: “Tudo que nós tem é nós”. Os tempos do plantar-regar-colher organizam a narrativa e falam da espera ativa que o rapper conta ter aprendido com sua mãe, com a história de Nelson Mandela (da prisão à presidência da África do Sul) e com o cultivo de sua própria horta. A aposta é na criação de elos que sustentem solidariedades, resgatem ancestralidades e possibilitem uma vida comum baseada no amor, na justiça e na felicidade cotidiana. As “pequenas alegrias da vida adulta” são parte de uma luta maior pela transformação social mais profunda e não precisam ser adiadas. Ao contrário, elas são fonte de amor, força motriz do embate contra as “correntes de ódio” que massacram os negros e periféricos, no discurso do artista.

Podemos dizer que há o esforço de construção de uma narrativa de esperança que busca responder a um contexto histórico de destruição de direitos, de retrocessos de conquistas sociais e de impulsionamento de políticas genocidas para populações periféricas, LGBTQIA+, mulheres, e segmentos marginalizados que seguem sendo ampliados com o aprofundamento do autoritarismo e com o advento de uma pandemia em escala global.

O álbum AmarElo é o mais destacado exemplar de uma tendência que percebo surgir entre artistas e coletivos culturais periféricos, ou que têm as periferias urbanas como referência criativa. Em julho de 2020, o rapper, escritor e mestre em Educação Dudu de Morro Agudo lançou o clipe Solidariedade BXD. Dudu é fundador do Instituto Enraizados8 8 O Instituto Enraizados foi fundado pelo rapper Dudu de Morro Agudo nos anos 1990 e tem como referência cultural principal o hip hop. Morro Agudo é um bairro periférico de Nova Iguaçu, Baixada Fluminense, região metropolitana do Rio de Janeiro. A história da fundação do Enraizados pode ser lida no livro escrito por Dudu de Morro Agudo: Enraizados: híbridos glocais. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2010. , organização cultural nascida do movimento hip hop e que atua há mais de 20 anos em Morro Agudo, bairro do município de Nova Iguaçu, Baixada Fluminense. O Instituto Enraizados, além de promover as atividades comuns a um coletivo de hip hop, como DJying, grafitagem, dança, discussões políticas, apresentações e oficinas musicais, também se volta para práticas de autocuidado, como plantio de horta comunitária, estudo de plantas alimentícias não convencionais (PANCs). Com a pandemia, essas atividades se concentraram numa mobilização solidária para arrecadação e distribuição de cestas básicas e itens de higiene e limpeza entre as famílias mais pobres do bairro, buscando atenuar o impacto do COVID-19 na localidade. A música Solidariedade BXD fala sobre essa ação, reunindo arte e alimento, contrapondo-se ao discurso que opõe necessidades materiais x futilidade da arte e cultura. Este discurso dominou as discussões políticas no campo conservador no Brasil desde 2013 e foi explicitado na plataforma política eleitoral da extrema direita nas eleições de 2018, que criticou mecanismos de financiamento público das artes de da cultura, rotulando-os de “mamata” recebida por artistas “milionários que vivem do dinheiro público”.9 9 Como exemplo de uma posição política de direita sobre o financiamento público para a Cultura ver o vídeo publicado no canal do Movimento Brasil Livre (MBL), em março de 2019: https://www.youtube.com/watch?v=KFomtzkAq0k&list=PLlRUVGyk5qdQ 9at-iXRW_q41xxHIUvsU1&index=34&app=desktop (Visitado em 11/03/2021). Como exemplo dessa postura de desmonte dos mecanismos de financiamento público da cultura e dentro da estratégia de atuação contra a contenção da pandemia identificada pelo estudo supracitado realizado pela USP, em 4 de março de 2021 o governo federal publicou a portaria número 124 suspendendo a análise de projetos que buscam recursos via Lei Rouanet em cidades e estados que estiverem com medidas de restrição de circulação, toque de recolher, lockdown e outras que favoreçam o isolamento social. 10 10 Diz o artigo 1o da portaria: “Considerando as diversas medidas de restrições de locomoção e de atividades econômicas, decretadas por estados e municípios, só serão analisadas e publicadas no Diário Oficial da União as propostas culturais, que envolvam interação presencial com o público, cujo local da execução não esteja em ente federativo em que haja restrição de circulação, toque de recolher, lockdown ou outras ações que impeçam a execução do projeto.” Capturado em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-124-de-4-de-marco-de-2021-306744475 (Visitado em 11/03/2021)

Em confronto com essa política que marginaliza arte e artistas, o videoclipe com Dudu de Morro Agudo & Marginal Groove mostra as ações de coleta de alimentos e entrega de cestas básicas nas regiões mais pobres de Morro Agudo. Os artistas, de maioria negra, se revezam cantando a letra que tem como estribilho os versos: “Sim, dá pra sair maior. Sim, dá pra sair melhor. Tem de pensar além de si e só. Tem que sonhar além de si e só.”. A música diz ainda: “Solidariedade em cada ponta da comunidade. Enraizados tem uns tentáculos que abraçam toda a cidade. Se o vírus vem pelo ar, os moleques tão pelas vielas. Acendendo a esperança pra evitar de acender velas.”11 11 O clipe pode ser assistido em: https://www.youtube.com/watch?v=WQDkrvg6Fa8 (visitado em 009/08/2020)

Além da distribuição de cestas básicas e gravação de clipes, o Enraizados vem desenvolvendo uma série de atividades online, como debates e lives artísticas, e prepara a produção da sétima edição do Festival Caleidoscópio. O festival surgiu em 2015 como resultado do Curso de Prática de Produção de Eventos Culturais oferecido pelo Instituto. Até o fim de 2021 serão ministradas quatro masterclasses gratuitas destinadas a artistas e produtores culturais, além de apresentações artísticas, debates, oficinas, saraus e rodas de conversa. Nas falas dos integrantes do Enraizados aparecem a necessidade de reinvenção e a potencialidade de produzir algo inovador em situação de adversidade.

Como último exemplo dessa emergência de narrativas de esperança em meio à destruição de direitos e à escassez de financiamentos públicos para a cultura agravados pela pandemia, cito o Bloco Carnavalesco e Ponto de Cultura Loucura Suburbana. O Loucura Suburbana foi criado em 2001, dentro do Instituto Municipal Nise da Silveira. Atualmente, o Loucura é um ponto de cultura em que são desenvolvidas ao longo do ano oficinas de criação artística (Oficina Livre de Música, ensaios da bateria, ateliê, adereços e alegorias, poesia, entre outros) e cujo evento ápice é o desfile de carnaval, realizado todos os anos, sempre na quinta-feira que antecede os festejos de Momo. Ainda que situado dentro de um hospital psiquiátrico e tendo usuários da rede de saúde mental como seu público prioritário, o Loucura Suburbana tem suas atividades abertas a qualquer pessoa. O desfile de carnaval percorre as ruas do bairro do Engenho de Dentro, Zona Norte do Rio de Janeiro, apresentando ao público, em sua “apoteose triunfal”, os resultados dos trabalhos realizados ao longo do ano. Em tempos de pandemia, o Loucura se organiza em lives, oficinas virtuais e apresentações em redes sociais, preparadas em reuniões semanais em plataformas digitais. As dificuldades de acesso à internet é realidade para muitos de seus integrantes e a suspensão das atividades presenciais foi sentida como um sofrimento importante para os que veem o convívio no ponto de cultura como parte essencial dos cuidados com sua saúde mental. Ainda assim, o Loucura Suburbana conseguiu realizar seu desfile anual de modo virtual e substituir o concurso de samba, sempre disputadíssimo e com concorrentes da rede de saúde mental de todo o estado do Rio de Janeiro, por uma mostra de compositores que produziram seus sambas para o bloco durante a Oficina Livre de Música, também em formato online. O desfile e a mostra de compositores, bem como as oficinas, foram financiadas com campanha de financiamento coletivo e também com recursos públicos oriundos da Lei Aldir Blanc, aprovada durante a pandemia e que tem sido fundamental para o sustento de artistas e de atividades culturais nesse contexto.

A live Carnaval Virtual foi ao ar no dia e na hora em que o bloco estaria saindo do Instituto Nise da Silveira e ocupando as ruas do subúrbio do Engenho de Dentro: 11 de fevereiro de 2021, às 17h. Ariadne Mendes, psicóloga e uma das coordenadoras do Loucura Suburbana, abriu a apresentação dizendo que a live não substituiria o desfile, mas que proporcionaria alegria, música, encontro, memória e o que mais as pessoas que fossem chegando inventassem. Abel Luiz, coordenador musical do bloco e responsável pela Oficina Livre de Música, ressaltou que seguir as normas sanitárias tinha como objetivo retomar a cidade no momento em que isso fosse possível. A live seguiu com exibição de um filme documentário sobre o Carnavalde 2020, com apresentações de sambas de anos anteriores e com depoimentos gravados e ao vivo de integrantes do bloco, bem como de foliões do bairro. Todos e todas mencionaram a falta que sentiam das atividades presenciais e dos desfiles, mas se afinavam em um discurso a favor da vida, na perspectiva de que, tal como em outros anos, em breve estariam juntos novamente na folia. As mesmas falas apareciam no chat ao vivo no YouTube e nos comentários na página do Bloco no Facebook. Abel Luiz sintetizou essa esperança nos próximos carnavais com frases como: “A prioridade máxima é a vida de todos, pra estarmos vivos nos próximos carnavais.” “A gente ainda vai pular muitos carnavais.”

A live Encontro dos Compositores foi realizada uma semana depois, em 18 de fevereiro. Todos os anos, algumas semanas antes do desfile, ocorre o concurso para escolha do samba daquele ano. Em geral, no mínimo 20 sambas concorrem e apenas um é selecionado por um júri de artistas, produtores culturais, profissionais do samba e da saúde mental, professores universitários. A escolha do samba é um evento aguardado e festivo e qualquer um pode concorrer. O mais comum é que frequentadores da Oficina Livre de Música do bloco levem a vitória, mas isso não é regra. Muita expectativa e alegria envolvem esse dia e não foi fácil substituí-lo por uma mostra de sambas online não competitiva. Ainda assim, houve cinco sambas originais apresentados, todos versando sobre carnaval, saudade de abraços, desafios da nova realidade virtual e, acima de tudo, desejo de viver. Durante a live, apresentada pelos coordenadores Ariadne Mendes e Abel Luiz, além de cantar os sambas, as compositoras e o compositor falavam um pouco sobre o que inspirou a composição e sobre como estavam vivendo na pandemia. Mais uma vez, todos manifestavam saudades e relatavam a falta das atividades presenciais, mas também transmitiam a certeza de que logo estariam juntos, comemorando, se abraçando e criando arte. Renata Alves, compositora, artista plástica e usuária do sistema de saúde mental diz:

Eu queria falar para ninguém perder a esperança principalmente. Porque com toda a certeza novos dias vão vir melhores, cada vez mais. E isso que a gente passou na pandemia para mim não deixou de ser um aprendizado para a gente ajudar o próximo cada vez mais também, nessa pegada. E dizer que o Loucura para mim é essencial na minha vida, questão de tudo. É uma família. Loucura é família. (...) é meu refúgio lá. (...) E rezar para que o mais próximo possível as coisas melhorem rápido para a gente poder se ver, se abraçar, confraternizar. E comemorar muito. E que o carnaval do ano que vem será o melhor de todos, para a gente poder comemorar muito e falar assim: esse é o carnaval que mandou embora toda tristeza, toda ruindade, toda negatividade que o mundo tá trazendo neste momento embora. É isso que eu eu desejo do fundo do meu coração.12 12 O samba Loucura de Viver, composto por Renata em parceria com a Oficina Livre de Música, foi apresentado na live: Destranca cadeado,/ Abre as portas do hospital/ Invadir o Engenho Dentro/É pular o carnaval/O portão está aberto/Para quem quiser entrar/A folia tomou conta/ Do lugar/A loucura que habita em mim/”Saúda” a loucura que habita em você/E juntos vamos mostrar/Como é lindo/A “loucura”/De viver/Vamos pular/Nos divertir/Que o loucura suburbana vem ai.

Ao final da live, depois da apresentação de todos os sambas, Abel Luiz encerra o evento com a seguinte fala:

Dentro do que é limitação e potência de cada um, cuidem-se. A vida acima de tudo! E dizer que a gente tá sempre nessa prioridade aí: Pela vida! Pelo SUS! Pela luta antimanicomial! Por uma sociedade capaz de lidar cada vez melhor com suas complexidades, com suas diferenças, com suas diversidades. E para espantar a tristeza, para passar pela tristeza, para aprender com a tristeza o Carnaval ajuda muito.

O meu objetivo apresentando esses dados da pesquisa não foi produzir uma etnografia aprofundada, mas apenas um sobrevôo do campo que permite reconhecer temas comuns a essas narrativas de esperança. Todos esses sujeitos possuem experiências em comum: são artistas de maioria negra, da classe trabalhadora, suas atividades se concentram em favelas e periferias do Rio de Janeiro e todos eles mantêm seus trabalhos em contexto de desmonte de políticas públicas de cultura. Todos reivindicam laços identitários com suas localidades (periferia, subúrbio, favela, Baixada etc.), que são também matéria de criação para sua arte.

Inspirada em Bauman & Briggs, percebo a poética e a performance desses sujeitos marginalizados na periferia do capitalismo como “claramente preocupadas com a desconstrução das ideologias e das formas expressivas dominantes” (Bauman & Briggs, 2006BAUMAN, Richard; BRIGGS, Charles. 2006. “Poética e performance como perspectivas críticas sobre a linguagem e a vida social.” Ilha. Revista de Antropologia. v. 8, n. 1-2: 185-229. DOI https://www.doi.org/10.5007/%25x
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: 197). Algumas perguntas que persigo nesta pesquisa são: Como esses sujeitos periféricos, em suas narrativas, imaginam o futuro por meio da arte? Como traçam táticas e estratégias para realizar seus trabalhos em condições adversas? O que demandam do Estado? Como lidam com a experiência de perda das possibilidades de viver da própria arte e com a “desprofissão” do trabalho artístico-cultural que acompanhou a destruição das políticas públicas estatais para a Cultura no Brasil pós-2016? A intenção é, no desenvolvimento da pesquisa, investigar como esses grupos colocam seus “blocos na rua”13 13 Faço referência aqui à música de Sergio Sampaio, Eu quero é botar meu bloco na rua, de 1973. , quais recursos materiais, humanos e simbólicos mobilizam para tal, que afetos são acionados, quais conhecimentos compartilhados.

Em todas essas produções e criações culturais a esperança aparece como expectativas diante do futuro e também como ação no presente para garantir a realização desse futuro sonhado. De modos diversos, tais iniciativas falam de esperança, solidariedade, estratégias de médio e longo prazo. São apenas alguns exemplos de um fenômeno que podemos perceber e que escapa a uma narrativa baseada no medo e no desespero para inventar caminhos e rotas de fuga.

Essas narrativas de esperança são compreendidas aqui como prática, em diálogo com a linguística aplicada e a antropologia linguística (Silva & Alencar, 2018SILVA, Daniel N.; ALENCAR, Claudiana. 2018. “Arranjos violentos e esperança: Como a linguagem dos direitos humanos operou num atentado em Fortaleza, CE.” Trabalhos em Linguística Aplicada, v.57, n.2, pp.675-698.; Silva, 2020SILVA, Daniel N. 2020. “Towards a Sociolinguistics of Hope: The Mourning for Marielle Franco, temporality and reimagination of language.” (mimeo); Bauman, 2004BAUMAN, Richard. 2004. A World of Others’ Words. Cross-Cultural Perspectives on Intertextuality. Oxford, Blackwell Publishing.; Bauman & Briggs, 2006BAUMAN, Richard; BRIGGS, Charles. 2006. “Poética e performance como perspectivas críticas sobre a linguagem e a vida social.” Ilha. Revista de Antropologia. v. 8, n. 1-2: 185-229. DOI https://www.doi.org/10.5007/%25x
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; Briggs, 2007BRIGGS, Charles. 2007. “Anthropology, Interviewing, and Communicability in Contemporary Society.” Current Anthropology, vol. 48, n. 4: 551-580. DOI https://www.doi.org/10.1086/518300
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; Lopes et al, 2019LOPES, Adriana C; SILVA, Daniel N.; FACINA, Adriana; CALAZANS, Raphael; TAVARES, Janaína. 2019. “Letramentos de sobrevivência: costurando vozes e histórias.” In: LOPES, Adriana C.; FACINA, Adriana; SILVA, Daniel N. (orgs.). Nó em pingo d’água. Sobrevivência, cultura e linguagem. Rio de Janeiro/Florianópolis, Mórula Editorial/Editora Insular, pp. 31-57.), bem como com a ótica bakhtiniana da linguagem como interação. Como essas narrativas de esperança se organizam e se manifestam? Quais as suas fontes? Como esses sujeitos periféricos se orientam a partir da perspectiva de que, apesar de tanta adversidade, há um futuro a ser construído? De onde obtém força para seguir fazendo e criando arte em contexto político de deslegitimação de tais práticas mesmo em meios sociais mais favorecidos economicamente? Como os sentimentos de medo e desesperança são enfrentados no trabalho sonhado com arte e cultura?

A música do Emicida retoma, como sample, a de Belchior. Sujeito de sorte foi lançada em 1976, durante a ditadura empresarial-militar. No contexto brasileiro atual são frequentes as alusões e as comparações com este período histórico, dada as afinidades explícitas do presidente da República com o mesmo e as práticas autoritárias que vêm se impondo nas instituições sob seu governo. Na música de Belchior, o eu lírico diz:

Presentemente eu posso me considerar um sujeito de sorte. Porque apesar de muito moço me sinto são e salvo e forte. E tenho comigo pensado, Deus é brasileiro e anda do meu lado E assim já não posso sofrer no ano passado.

Ser um sujeito de sorte é estar vivo, ter Deus a seu lado e sair do sofrimento do passado. O rapper, atualizando a música para 2019, faz a referência ao terrível ano de 2018 (“ano passado eu morri”), marcado por eventos traumáticos como o brutal assassinato da vereadora carioca Marielle Franco, o emblemático incêndio do Museu Nacional e a eleição de Jair Bolsonaro. Os que sangraram demais e choraram pra cachorro, mas estão vivos, precisam não morrer e seguir para que “amanhã não seja só um ontem Com um novo nome”. Mais adiante, o rapper manda uma mensagem mais direta aos sujeitos de sorte:

Aí, maloqueiro, aí, maloqueira Levanta essa cabeça Enxuga essas lágrimas, certo? (Você memo) Respira fundo e volta pro ringue (vai) ‘Cê vai sair dessa prisão ‘Cê vai atrás desse diploma Com a fúria da beleza do Sol, entendeu? Faz isso por nóis, faz essa por nóis (vai). Te vejo no pódio

Os sujeitos de sorte para quem Emicida endereça sua música são os sujeitos periféricos ou os que podem vir a ser sujeitos periféricos ao adquirirem consciência do que representam para as periferias as suas conquistas. Para o rapper, as vitórias desses sujeitos são sempre coletivas, porque possuem caráter exemplar, são inspirações e podem se tornar os precedentes que sustentam a esperança aos quais se refere Appadurai (2013APPADURAI, Arjun. 2013.The Future as Cultural Fact: Essays on the Global Condition. London, Verso.). Sorte é palavra que significa acontecimentos bons, mas também possibilidades. Ela abre o futuro para possíveis mudanças inesperadas que podem contrariar aquilo que no presente parece inescapável. Por isso, mesmo quem sangra demais e chora pra cachorro, pode ver as coisas mudarem, ver a vida ser transformada e essa expectativa é fonte de esperança. É o que impulsiona a ação: voltar pro ringue, sair da prisão, ir atrás do diploma, perseguir o pódio como um nós, como um sujeito coletivo consciente de sua representatividade (“tudo que nós tem é nós”).

Estes sujeitos periféricos que produzem as narrativas de esperança que apresentamos diferem, em suas concepções políticas e visões de mundo, dos que aparecem em artigos recentes publicados por Gabriel Feltran (2020FELTRAN, Gabriel. 2020. “The revolution we are living”. HAU: Journal of Ethnographic Theory, vol. 10, n.1: 12-20. DOI https://www.doi.org/10.1086/708628
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) e Rosana Pinheiro-Machado e Lucia Scalco (2020)PINHEIRO-MACHADO, Rosana; SCALCO, Lucia Mury. 2020. “From hope to hate. The rise of conservative subjectivity in Brasil.” HAU: Journal of Ethnographic Theory , vol.10, n.1: 21-31. DOI https://www.doi.org/10.1086/708627
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, resultados de pesquisas importantes que buscam compreender a votação massiva obtida pelo candidato de extrema direita nas periferias de grandes cidades brasileiras. Se o apoio popular ao candidato Jair Bolsonaro foi uma realidade nas eleições de 2018 e este fenômeno necessita investigação, a resistência na periferia ao campo político por ele encarnado também precisa ser analisada. Artistas, influencers digitais, agentes culturais, comunicadores populares periféricos inundam as redes sociais com falas que confrontam a relativização dos direitos humanos, a LGBTfobia, a intolerância religiosa, o machismo, o racismo, a militarização da política, o negacionismo científico, a louvação da ditadura militar e tantos outros temas que identificam a extrema-direita. O ativismo das redes sociais se soma ao trabalho de base em periferias: saraus, bibliotecas comunitárias, distribuição de cestas básicas, pré-vestibulares populares, mutirões, plantio de hortas comunitárias, coletivos de atendimento psicológico gratuito se multiplicam e são divulgados em canais como Instagram, Facebook e YouTube. O que demonstra a complexidade desses territórios genericamente denominados de periféricos, bem como a diversidade e multiplicidade desses sujeitos nas suas produções narrativas e leituras de mundo. Gilberto Velho (1994VELHO, Gilberto. 1994. Projeto e metamorfose. Antropologia das sociedades complexas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.) chamava a atenção, em seus trabalhos, para a coexistência de diferentes estilos de vida e visões de mundo ser uma das principais características das sociedades complexas. Isto é verdadeiro para as periferias urbanas, assim como para toda a metrópole.

A esperança, seja como necessidade ontológica (Bloch, 2005BLOCH, Ernst. 2005. O princípio esperança. vol. I. Rio de Janeiro, Eduerj/Contraponto.; Freire, 1992FREIRE, Paulo. 1992. Pedagogia da esperança. Um reecontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro, Paz e Terra.), seja como método(Miyazaki, 2004MIYAZAKI, Hirozaku. 2004. The Method of Hope: Anthropology, Philosophy and Fijian Knowledge. Stanford, Stanford Univerity Press.), categoria de experiência e análise(Crapanzano, 2003CRAPANZANO, Vincent. 2003. “Reflections on Hope as a Category of Social and Psychological - Analysis.” Cultural Anthropology vol. 18, n.1: 3-32. DOI https://www.doi.org/10.1525/can.2003.18.1.3
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), política (Appadurai, 2013APPADURAI, Arjun. 2013.The Future as Cultural Fact: Essays on the Global Condition. London, Verso.; Parla, 2019PARLA, Ayse. 2019. “Critique without a Politics of Hope?” In: FASSIN, Didier; HARCOURT, Bernard (eds.). A Time for Critique. New York, Columbia University Press , pp. 52-70.), recurso trágico contra o desespero (Eagleton, 2015EAGLETON, Terry. 2015. Hope without Optimism. Charlottesville, University of Virginia Press.), força generativa (Lempert, 2018LEMPERT, William. 2018. “Generative Hope in the Postapocalyptic Present.” Cultural Anthropology 33: 2, pp.202-2012.), resistência que floresce em meio à violência e destruição política (Lear, 2006LEAR, Johnathan. 2006. Radical Hope: Ethics in the Face of Cultural Devastation. Cambridge, Havard University Press.; Silva& Alencar, 2018SILVA, Daniel N.; ALENCAR, Claudiana. 2018. “Arranjos violentos e esperança: Como a linguagem dos direitos humanos operou num atentado em Fortaleza, CE.” Trabalhos em Linguística Aplicada, v.57, n.2, pp.675-698.) sempre envolve maneiras de imaginar o futuro. O que leva este artigo para campos como antropologia do tempo (Leach, 1961LEACH, Edmund R. 1961. “Two Essays Concerning th Symbolic Representation of Time.” In: Rethinking Anthropology. London, The Athlone Press, The University of London, pp. 124-136.; Fabian, 2014FABIAN, Johannes. 2014 [1983]. Time and the Other. How Anthropology Makes Its Objects. New York, Columbia University Press.; Gell, 2014GELL, Alfred. 2014. A antropologia do tempo. Construções culturais de mapas e imagens temporais. Petrópolis, Vozes .; Eckert & Rocha, 2013ECKERT, Cornelia; ROCHA, Ana Luiza Carvalho da. 2013. Etnografia da duração. Antropologia das memórias coletivas em coleções etnográficas. Porto Alegre, Marcavisual.), antropologia do futuro (Bryant & Knight, 2019BRYANT, Rebecca; KNIGHT, Daniel M. 2019. The Anthropology of the Future. Cambridge, Cambridge University Press .) e antropologia da imaginação (Crapanzano, 2005CRAPANZANO, Vincent. 2005. “Horizontes imaginativos e o aquém e o além.” Revista de Antropologia, vol. 48, n.1: 363-384. DOI https://www.doi.org/10.1590/S0034-77012005000100009
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). As narrativas de esperança que investigamos caminham na contramão do tempo vazio e homogêneo do progresso, pois são produzidas pelos herdeiros da tradição dos oprimidos e em momento de perigo. (Benjamin, 1993BENJAMIN, Walter. 1993. Obras escolhidas - volume 1: Magia e técnica, arte e política. São Paulo, Brasiliense.)

O número de julho de 2020 da Open Anthropology, publicação da American Anthropological Association, foi dedicado ao tema da esperança. Na nota dos editores, a escolha de tal tema é justificada pelo momento de desespero causado pela pandemia da COVID-19, pela crise econômica com consequências imprevisíveis, mas certamente desigualmente distribuídas, assomadas ao assassinato de George Floyd que escancarou o racismo nos Estados Unidos e estimulou levantes antirracistas no mundo. Eles chamam atenção, no entanto, para o fato de que o tema não é novo, ainda que ganhe novos sentidos no presente:

Hope began to attract the particular interest of social theorists in the early 2000s. In their introduction to the 2016 especial issue of the journal History and Anthropology on “Hope over Time - Crisis, Immobility and Future-Making”, Nauja Kleist and Stef Jansen describe an explosion of writings on hope in the humanities and social sciences, including in sociocultural anthropology, and raise the question of why hope and why now (or then). “Is the renewed interest in hope a reflection of a world that is more hopeful or more hopeless than it used to be?” they ask, and then suggest “two overall dimensions of why hope has recently gained such resonance in academic debates: a widespread sense of crisis and a heightened sense of lack of political and ideological direction in this situation. These two dimensions do no constitute unified and unequivocal phenomena but rather interrelated and converging tendencies” (Kleist and Jansen 2016, 374).

Even without the staking and claiming of hope as a field of study, anthropologists in fact have a longer history of documenting the actions and thoughts of people who have resisted their own doubts and persisted even against reason. The “hope” of people has been variusly cast as foolish, misplaced, and unrealistic. Yet, all of us also recognize our want ou need for it. We depend on hope being stubborn and steadfast and springing eternal. (Han; Antrosio, 2020HAN, Sallie; ANTROSIO, Jason. 2020. “The Editor’s Note: Hope.” Open Anthropology, volume 8, Issue 2, July 2020.)

Escrever sobre esperança, neste momento histórico, não deixa de ser, em si mesmo, um ato esperançoso.

POR UMA ANTROPOLOGIA DA ESPERANÇA

O debate sobre o tema da esperança, algumas considerações sobre as referências em que me apoio sobre a questão da narrativa e uma breve apresentação sobre o problema do tempo e sua relação com esperança e narrativa são importantes aqui.

A clássica obra de Ernst Bloch, O princípio esperança, é sempre referida como um esforço gigantesco de síntese, buscando definir e, ao mesmo tempo, inventariar expressões de esperança nas artes, na literatura, na filosofia, na psicologia e na mitologia e na vida cotidiana. Publicada em 1959, em 3 volumes, a obra define a esperança como uma necessidade ontológica que se manifesta em um “ainda-não”, projetando no futuro utopias imprescindíveis para a transformação radical do mundo. Este “ainda-não” precisa se dar no plano da consciência, assimilando a esperança ao ato de “sonhar acordado” e vinculada à ações transformadoras no mundo. Para Bloch, a esperança seria sempre animada pelo inconformismo e pela recusa em aceitar o sofrimento como condição perene e universal da existência humana. A tendência para o sonho diurno é ainda mais forte entre os que sofrem privações, pois “o desejo de ver as coisas melhorarem não adormece.” (Bloch, 2005BLOCH, Ernst. 2005. O princípio esperança. vol. I. Rio de Janeiro, Eduerj/Contraponto.: 79). Como não lembrar aqui da música Rancho da Goiabada (1976), de Aldir Blanc e João Bosco, cantando os sonhos possíveis dos trabalhadores rurais brasileiros: “Os bóias-frias quando tomam umas biritas espantando a tristeza, sonham com bife a cavalo, batata-frita e a sobremesa é goiabada cascão com muito queijo...”

Paulo Freire propõe uma pedagogia da esperança que parte das reflexões de Ernst Bloch, compartilhando com o socialista alemão a visão da esperança como necessidade ontológica. No livro Pedagogia da esperança, escrito nos anos 1990 como resposta ao neoliberalismo que acompanhou a redemocratização, o patrono da educação brasileira apresenta a esperança como prática que alimenta a “luta para melhorar o mundo”. Assim, esperança e prática aparecem relacionadas de modo ainda mais estreito do que em Bloch. Em suas poéticas palavas:

Pensar que a esperança sozinha transforma o mundo e atuar movido por tal ingenuidade é um modo excelente de tombar na desesperança, no pessimismo, no fatalismo. Mas, prescindir da esperança na luta para melhorar o mundo, como se a luta se pudesse reduzir a atos calculados apenas, à pura cientificidade, é frívola ilusão. Prescindir da esperança que se funda também na verdade como na qualidade ética da luta é negar a ela um dos seus suportes fundamentais. O essencial como digo mais adiante no corpo destaPedagogia da esperança, é que ela, enquanto necessidade ontológica, precisa de ancorar-se na prática.

Enquanto necessidade ontológica a esperança precisa da prática para tornar-se concretude histórica, É por isso que não há esperança na pura espera, nem tampouco se alcança o que se espera na espera pura, que vira, assim, espera vã. (Freire, 1992FREIRE, Paulo. 1992. Pedagogia da esperança. Um reecontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro, Paz e Terra.: 5 - grifos do autor)

Em sentido e contexto absolutamente diversos, mas compartilhando a ideia da esperança como prática, Hirokazu Miyazaki, com base em pesquisa de campo realizada nos anos 1990 em Fiji, propõe a esperança como método. Em The Method of Hope (2004), ele argumenta que a esperança se orienta para um futuro indeterminado e é um método de viver que reúne diversas formas de conhecimento e autoconhecimento. (Miyazaki, 2004MIYAZAKI, Hirozaku. 2004. The Method of Hope: Anthropology, Philosophy and Fijian Knowledge. Stanford, Stanford Univerity Press.: 4) A população de Suvavou, em Fiji, foi expulsa de sua terra nos anos 1880 e, desde então, busca, sempre sem sucesso, que o governo estabeleça uma compensação para a perda da terra ancestral. Nesse processo, são produzidos conhecimentos, reconhecimentos e senso de identidade, bem como são transmitidas histórias e memórias entre esse povo despossuído. Diferentemente de Bloch e Freire, não há um futuro utópico como horizonte, mas apenas indeterminação. Miyazaki cita as teses Sobre o conceito de história, de Walter Benjamin, para afirmar que o passado é a fonte da esperança como método, mais do que o futuro. A repetição da demanda de compensação pela perda da terra ancestral é consequência lógica da esperança como método: a esperança performativa da herança no passado. E cada momento de esperança aparece como novo nessa repetição indefinida. (Miyazaki, 2004MIYAZAKI, Hirozaku. 2004. The Method of Hope: Anthropology, Philosophy and Fijian Knowledge. Stanford, Stanford Univerity Press.: 128)

Stef Jansen(2016JANSEN, Stef. 2016. “For a Relational, Historical Ethnography of Hope: Indeterminacy and Determination in the Bosnian and Herzegovinian Meantime.” History and Anthropology, vol. 27, n. 4: 447-464. DOI https://www.doi.org/10.1080/02757206.2016.1201481
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) defende uma abordagem da esperança menos holística e mais calcada em pesquisas etnográficas, focando na sua emergência em tempos e espaços sócio-históricos específicos. Para este autor, a esperança nem sempre está relacionada a um futuro indeterminado e dá como exemplo os desejos de seus informantes em Sarajevo de que o time da seleção da Bósnia vencesse um jogo de futebol. A esperança deles estava voltada para um objeto específico, com um marco temporal definido. Jansen destaca que a esperança pode estar associada a uma visão de um futuro próximo, possível e muito pouco utópico. Esta seria uma modalidade transitiva da esperança, voltada para um objeto, distinta da modalidade intransitiva, que ele define como hopefulness. Ambas podem ocorrer ao mesmo tempo. (Jansen, 2016JANSEN, Stef. 2016. “For a Relational, Historical Ethnography of Hope: Indeterminacy and Determination in the Bosnian and Herzegovinian Meantime.” History and Anthropology, vol. 27, n. 4: 447-464. DOI https://www.doi.org/10.1080/02757206.2016.1201481
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: 448). Em síntese, a argumentação de Jansen enfatiza que se deve olhar as circunstâncias históricas da produção da esperança, ampliando a análise para formas mais definidas no espaço-tempo, possibilitando assim a compreensão etnográfica sobre como e porque as pessoas têm esperança no futuro.

Inspirado em Spinoza, o filósofo Jonathan Lear (2006LEAR, Johnathan. 2006. Radical Hope: Ethics in the Face of Cultural Devastation. Cambridge, Havard University Press.) denominou esperança o afeto que pode emergir após a destruição de modos de viver. Lear propõe a categoria esperança radical com base num relato de um indígena da etnia Crow, grupo nômade que foi confinado em reserva no século XIX pelo governo dos EUA, registrado em livro de 1930 escrito por Frank Bird Linderman. Os Crow tiveram seu modo de vida destruído pelo confinamento e nesse ponto da história a narrativa do líder indígena para o escritor é interrompida, como se nada mais houvesse a ser narrado. Apesar da melancolia que se estabelece na narrativa, Lear identifica a elaboração de uma esperança radical no relato de Plenty Coups, como na interpretação coletiva de sonhos feita pelos Crow, que apontava para a confiança de que iriam sobreviver, ainda que ameaçados pelos homens brancos. Há a emergência de uma subjetividade Crow, mesmo com a extinção das suas formas tradicionais de vida. A esperança radical se manifesta aqui como a sobrevivência da etnia ameaçada no tempo futuro, ancorada em memórias e reelaborações sobre o passado. É a esperança num renascimento, que sustenta a coragem de enfrentar algo desconhecido e destrutivo. Lear assim define a esperança radical que entreviu no relato do Crow Plenty Coups:

(...) Plenty Coups responded to the collapse of his civilization with radical hope. What makes his hope radical is that it is directed toward a future goodness that transcends the current ability to understand what it is. Radical hope anticipates a good for which those who have the hope as yet lack the appropriate concepts with which to understand it. (Lear, 2006LEAR, Johnathan. 2006. Radical Hope: Ethics in the Face of Cultural Devastation. Cambridge, Havard University Press.: 103)14 14 Adam Kuper criticou a análise de Lear sobre os Crow por se basear no livro de Frank Bird Linderman, que traz o relato de Plenty Coups. Para Kuper, toda a análise de Lear não se sustenta etnograficamente. Creio que não era o objetivo de Lear realizar uma etnografia sobre os Crow, mas sim propor uma reflexão filosófica e psicanalítica sobre a esperança radical a partir do relato consolidado no popular livro de Linderman. Ver Kuper, 2008.

William Lempert, em Generative Hope (2018LEMPERT, William. 2018. “Generative Hope in the Postapocalyptic Present.” Cultural Anthropology 33: 2, pp.202-2012.) também estuda a esperança entre um grupo que teve seus modos de vida destruídos: as comunidades aborígenes na Austrália. Lempert analisa especificamente a produção fílmica de aborígenes australianos num tempo presente que ele denomina pós-apocalíptico. A esperança generativa que ele percebe nessas iniciativas não apaga a história da despossessão colonial, porém se afasta das caricaturas midiáticas que reduzem os aborígenes a um povo miserável e doente. As narrativas apresentadas por comunidades aborígenes em seus filmes são multifacetadas e apontam para perspectivas de futuro, sem negar a violência colonial estrutural. São, por isso, “políticas de esperança”. (Lempert, 2018LEMPERT, William. 2018. “Generative Hope in the Postapocalyptic Present.” Cultural Anthropology 33: 2, pp.202-2012.: 204) O autor observa que se estabelece uma dialética complexa entre a esperança generativa e o presente pós-apocalíptico:

It is in their interrelationship that generative hope and the postapocalyptic present become greater than the sum of their parts, a dialectic that defies synthesis due to its pairing of theses that make up two opposing sides of the same existential coin. This intertwining is the site of a key temporal configuration, in which mediations of optimistic futures are rooted in a present that foregrounds past yet enduring legacies of colonial brutality. For anthropologists, this grounding reaffirms the need for vigilance against seductive desires for resolution and the undoing of damage that cannot be undone; it encourages both cautious optimism and the amplification of local visions for the future that seek to expand Indigenous possibility. Coupled, generative hope and the postapocalyptic present evoke a perpetually unsettled tension that aptly aligns with the paradoxical and erratic settler-colonial realities within which Aboriginal people live their lives.

Since hope is a sensibility that tends to come into existence through action, collaborative media production provides a powerful process through which anthropologists can engage Indigenous futurity both theoretically and methodologically. While analyzing completed projects provides insight into the meaning and impact of films, it is in the daily practices of media production that the political and representational stakes of Indigeneity are actively negotiated and imagined. Indeed, these films are not simply communicating visions of the future; they are also collectively producing them. (Lempert, 2018LEMPERT, William. 2018. “Generative Hope in the Postapocalyptic Present.” Cultural Anthropology 33: 2, pp.202-2012.: 204-5)

As afinidades da pesquisa empreendida por Lempert com a que originou este artigo são importantes, pois também observo na produção artística dos sujeitos periféricos que acompanho esta relação entre comunicar visões de futuro e a produção coletiva desse futuro imaginado.

A esperança radical proposta por Lear e a esperança generativa de Lempert ecoam na argumentação de Vincent Crapanzano de que a esperança requer uma ética e um tipo de realismo. No artigo pioneiro publicado em 2003, Crapanzano designava a esperança como uma “categoria de análise social e psicológica” e argumentava que os antropólogos ignoraram o tema por muito tempo. (Crapanzano 2003CRAPANZANO, Vincent. 2003. “Reflections on Hope as a Category of Social and Psychological - Analysis.” Cultural Anthropology vol. 18, n.1: 3-32. DOI https://www.doi.org/10.1525/can.2003.18.1.3
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:5). O objetivo principal do autor era

delineate some of the parameters of what we take to be hope and to reflect on its possible usage in ethnographic and other cultural and psychological descriptions-in other words, to look critically (in so far as that is possible) at the discursive and metadiscursive range of “hope”. (Crapanzano, 2003CRAPANZANO, Vincent. 2003. “Reflections on Hope as a Category of Social and Psychological - Analysis.” Cultural Anthropology vol. 18, n.1: 3-32. DOI https://www.doi.org/10.1525/can.2003.18.1.3
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:4).

Crapanzano faz um inventário de autores de diferentes áreas de conhecimento que abordaram o tema da esperança. Mencionando o Verfremdungseffekt (efeito de estranhamento) de Bertolt Brecht, Crapanzano advoga que é preciso estranhar a categoria esperança para desestabilizá-la e complexificá-la. (Crapanzano 2003CRAPANZANO, Vincent. 2003. “Reflections on Hope as a Category of Social and Psychological - Analysis.” Cultural Anthropology vol. 18, n.1: 3-32. DOI https://www.doi.org/10.1525/can.2003.18.1.3
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:4). Este movimento de “desfamiliriarização” exige contextualização cultural e sócio-histórica da esperança e, no caso da Antropologia, pesquisa etnográfica capaz de situar seus significados e usos. Como exemplo, ele contrasta a ênfase de Ernst Bloch nas dimensões positivas da esperança, como força que impulsiona a ação, com os efeitos negativos da esperança que ele observou em seu trabalho de campo entre brancos na África do Sul às vésperas do fim do apartheid. Neste caso, a esperança levou à paralisia:

Although Bloch and most theologians who discuss it stress the optimism of hope, hope can in fact lead to paralysis. One can be so caught up in one’s hope that one does nothing to prepare for its fulfillment”. (Crapanzano 2003CRAPANZANO, Vincent. 2003. “Reflections on Hope as a Category of Social and Psychological - Analysis.” Cultural Anthropology vol. 18, n.1: 3-32. DOI https://www.doi.org/10.1525/can.2003.18.1.3
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:18)

A historicidade e a especificidade cultural do significado da esperança complexificam o objeto. Ayse Parla (2019PARLA, Ayse. 2019. “Critique without a Politics of Hope?” In: FASSIN, Didier; HARCOURT, Bernard (eds.). A Time for Critique. New York, Columbia University Press , pp. 52-70.) afirma a necessidade da pesquisa etnográfica para evitar pensar a esperança de modo a-histórico e abstrato. Em seu artigo, a autora critica os apelos por uma esperança pouco realista no contexto do plebiscito realizado na Turquia em 2017, que acabou por aprovar, numa votação declarada como anti-democrática por observadores internacionais, a ampliação dos poderes do presidente Erdogan. Para Parla, na situação política turca, na qual a democracia é uma ficção e a perseguição à oposição é sistemática, onde não há respeito aos direitos humanos, a esperança precisa mirar o passado, reconhecendo derrotas e sofrimentos. Ela cita Walter Benjamin ao argumentar a favor de uma “backward-looking hope”, em contraposição à visão da esperança orientada para um futuro utópico de Bloch. De modo similar a Crapanzano, Ayse Parla apresenta as ambiguidades da esperança (praga ou virtude encerrada na Caixa de Pandora?) e alerta que a esperança pode servir apenas para deixar os pobres onde estão, se ela não encarar os sofrimentos do passado. (Parla, 2019PARLA, Ayse. 2019. “Critique without a Politics of Hope?” In: FASSIN, Didier; HARCOURT, Bernard (eds.). A Time for Critique. New York, Columbia University Press , pp. 52-70.: 59-66) Seu argumento é similar ao de Terry Eagleton, que distingue esperança de otimismo. Otimismo e pessimismo seriam formas de fatalismo, enquanto a esperança dependeria de razões. Como Parla, Eagleton busca referência em Walter Benjamin para embasar uma forma de ver a esperança que não vire as costas para o passado e nem seja sinônimo de um otimismo conformista. (Eagleton, 2015EAGLETON, Terry. 2015. Hope without Optimism. Charlottesville, University of Virginia Press.)

Em seus estudos sobre violência e esperança, Daniel Silva define esperança como uma “forma de florescimento subjetivo e coletivo em circunstâncias de violência ou destruição política” a qual se pode denominar resistência. (Silva & Alencar, 2018SILVA, Daniel N.; ALENCAR, Claudiana. 2018. “Arranjos violentos e esperança: Como a linguagem dos direitos humanos operou num atentado em Fortaleza, CE.” Trabalhos em Linguística Aplicada, v.57, n.2, pp.675-698.: 679). Ele propõe uma sociolinguística da esperança, nos seguintes termos:

The sociolinguistics of hope is a form of envisioning the connection between forms of talk and social processes - i.e., a language ideology (Woolard, 1998, p. 3) - that is operative in spaces where people face conditions of precarity, such as those shaped by violence, uncertainty, political destructiveness, or environmental disasters. Sociolinguistically, speakers who engage with hope project the use of language in ways that largely oppose precarity by reimagining authority, temporality, cooperation, and the access to sociolinguistic resources. In other words, interactionally, hope is a way in which people circumvent despair through semiotic work that produces alternative and practical views of language, time, sociality, and forms of life. (Silva, 2020SILVA, Daniel N. 2020. “Towards a Sociolinguistics of Hope: The Mourning for Marielle Franco, temporality and reimagination of language.” (mimeo): 2)

A partir desses debates sobre a esperança e da proposição de Daniel Silva, o que entendo por narrativas de esperança?

O ponto de partida que sugiro para o uso da categoria narrativa é a reflexão de Mikhail Bakhtin sobre a linguagem. Em sua visão, todo signo é ideológico e cada signo ideológico não é apenas reflexo da realidade, mas também um “fragmento material dessa realidade” (Bakhtin, 1990BAKHTIN, Mikhail (V.N. Volochínov). 1990. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. São Paulo, HUCITEC.: 33). Os signos só emergem no processo de interação, integrando a dimensão material da vida social.

É sobre esta base que se pode afirmar que a linguagem constrói realidades e que narrativas são ações sociais, envolvidas em definições e redefinições permanentes dos sujeitos em seus modos de ser e estar no mundo. Embaralhando a dualidade entre infraestrutura e superestrutura presente em certas linhas do marxismo, Bakhtin argumenta que ideologia e realidade material do signo são inseparáveis:

Todo signo, como sabemos, resulta de um consenso entre indivíduos socialmente organizados no decorrer de um processo de interação. Razão pela qual as formas do signo são condicionadas tanto pela organização social de tais indivíduos como pelas condições em que a interação acontece. (..) Só esta abordagem pode dar uma expressão concreta ao problema da mútua influência do signo e do ser; é apenas sob esta condição que o processo de determinação causal do signo pelo ser aparece como uma verdadeira passagem do ser ao signo, como um processo realmente dialético de refração do ser no signo. (Bakhtin, 1990BAKHTIN, Mikhail (V.N. Volochínov). 1990. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. São Paulo, HUCITEC.: 44)

Em artigo publicado no livro Nó em pingo d’água (2019), eu, Daniel Silva, Adriana Lopes, Raphael Calazans e Janaína Tavares escrevemos:

(...) conceber a vida e a narrativa como fenômenos intrinsecamente relacionados não significa dizer que estas possuam uma relação especular, isto é, uma narração não é um espelho fiel do que ocorreu, tampouco o próprio “eu” da narrativa é um reflexo de um “self” interior e exterior à narratividade. Compartilhamos a visão de alguns autores da antropologia (Bauman & Briggs,1990BAUMAN, Richard.; BRIGGS, Charles. 1990. “Poetics and performance as critical perspectives on language and social life.” Annual Review of Anthropology, v. 19: 59-88. DOI https://www.doi.org/10.1146/ annurev.an.19.100190.000423
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) e da linguística (Moita Lopes, 2009; Silva, 2014) na qual narrativa é entendida como uma performance, ou seja, como o momento em que as pessoas que narram suas histórias estão relacionando “não só eventos de uma narrativa (os eventos narrados), mas também estão envolvidos na performance de quem são na experiência de contar a narrativa (o evento de narrar)” (Moita Lopes, 2009, p.134-135). Em linha com Bauman & Briggs (1990)BAUMAN, Richard.; BRIGGS, Charles. 1990. “Poetics and performance as critical perspectives on language and social life.” Annual Review of Anthropology, v. 19: 59-88. DOI https://www.doi.org/10.1146/ annurev.an.19.100190.000423
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, vale destacar ainda que o termo performance não é aqui utilizado para designar uma forma artificial de comunicação habilidosa. Performances são sobretudo atos performativos, isto é, são narrativas por meio das quais os sujeitos reinventam, reiteram e modificam a si mesmos, suas próprias experiências, bem como os contextos em que vivem. (LOPES et al, 2019LOPES, Adriana C; SILVA, Daniel N.; FACINA, Adriana; CALAZANS, Raphael; TAVARES, Janaína. 2019. “Letramentos de sobrevivência: costurando vozes e histórias.” In: LOPES, Adriana C.; FACINA, Adriana; SILVA, Daniel N. (orgs.). Nó em pingo d’água. Sobrevivência, cultura e linguagem. Rio de Janeiro/Florianópolis, Mórula Editorial/Editora Insular, pp. 31-57.: 34)

De acordo com Briggs (2007BRIGGS, Charles. 2007. “Anthropology, Interviewing, and Communicability in Contemporary Society.” Current Anthropology, vol. 48, n. 4: 551-580. DOI https://www.doi.org/10.1086/518300
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), narrativas participam de mapas de comunicabilidade, formas de projeção da produção, circulação e recepção dos discursos que os mapeiam diferencialmente como preferíveis e entextualizáveis, ou como marginalizados e silenciáveis; ou ainda como verdades, mentiras, falsidades. A entextulização é a característica que possui todo o discurso de tornar o discurso “extraível, de fazer de um trecho [stretch] de produção linguística uma unidade -um texto -que pode ser levada [lifted out] para fora de seu evento interacional”(Bauman & Briggs, 1990BAUMAN, Richard.; BRIGGS, Charles. 1990. “Poetics and performance as critical perspectives on language and social life.” Annual Review of Anthropology, v. 19: 59-88. DOI https://www.doi.org/10.1146/ annurev.an.19.100190.000423
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: 73). Pesquisar estas narrativas é um exercício de “colocar-se diante do outro”, numa espécie de “tradução cultural” (Asad, 1986ASAD, Talal. 1986. “The Concept of Cultural Translation in British Social Anthropology.” In: CLIFFORD, James; MARCUS, George E. (eds.). Writing Culture. Berkeley, University of California Press, pp. 141-164.) em que importa compreender as diversas formas pelas quais os sujeitos envolvidos nesta produção narrativa traduzem seus contextos, ou melhor, “entextualizam discursos” (Bauman & Briggs, 1990BAUMAN, Richard.; BRIGGS, Charles. 1990. “Poetics and performance as critical perspectives on language and social life.” Annual Review of Anthropology, v. 19: 59-88. DOI https://www.doi.org/10.1146/ annurev.an.19.100190.000423
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) que constituem suas experiências e cotidianos.

Em A World of Other’s Words (2004), Richard Bauman resume a perspectiva apresentada aqui:

The perspective that I am suggesting here is founded upon a conception of social life as discursively constituted, produced and reproduced in situated acts of speaking and other signifying practices that are simultaneously anchored in their situational contexts of use and transcendent of them, linked by interdiscursive ties to other situations, other acts, other utterances. The sociohistorical continuity and coherence manifested in these interdiscursive relationships rests upon cultural repertoires of concepts and practices that serve as conventionalized orienting frameworks for the production, reception, and circulation of discourse. (Bauman, 2004BAUMAN, Richard. 2004. A World of Others’ Words. Cross-Cultural Perspectives on Intertextuality. Oxford, Blackwell Publishing.: 2)

Toda narrativa se dá em um espaço-tempo. Narrativas de esperança necessariamente envolvem percepções específicas sobre o tempo e a temporalidade histórica. Assumo aqui uma explícita filiação benjaminiana, crítica à ideia de um progresso da humanidade enquanto marcha no interior de um tempo vazio e homogêneo. Para Benjamin, “A história é objeto de uma construção cujo lugar não é o tempo homogêneo e vazio, mas um tempo saturado de ‘agoras’. (Benjamin, 1993BENJAMIN, Walter. 1993. Obras escolhidas - volume 1: Magia e técnica, arte e política. São Paulo, Brasiliense.: 229). As teses Sobre o conceito de História foram escritas enquanto Benjamin fugia da perseguição nazista e, provavelmente, foram seus últimos escritos antes de suicidar-se no ato final desta fuga. Escritas em um presente desesperador, tal como o Angelus Novus de Paul Klee, suas teses dirigem-se para o futuro, mas voltando-se para as ruínas deixadas pela tempestade chamada progresso. (Benjamin, 1993BENJAMIN, Walter. 1993. Obras escolhidas - volume 1: Magia e técnica, arte e política. São Paulo, Brasiliense.: 226). Se há esperança, ela reside na redenção da tradição dos oprimidos, dos derrotados da história. Somente uma história escrita a contrapelo, que interrompa, em momento de perigo, “o cortejo triunfal, em que os dominadores de hoje espezinham os corpos dos que estão prostrados no chão”, e arranque a tradição ao conformismo pode trazer esperança de redenção. (Benjamin, 1993BENJAMIN, Walter. 1993. Obras escolhidas - volume 1: Magia e técnica, arte e política. São Paulo, Brasiliense.: 224-5) O tempo histórico, então, não corre em uma linha ascensional e reta, num fluxo contínuo. Ele possui momentos de suspensão, relampejos, em que passado, presente e futuro não são separados por limites estanques definidos pelos marcos de uma história oficial.

Na Antropologia, a diversidade dos modos de percepção do tempo é objeto de interesse e tema de reflexão sistemática sobre a própria constituição da disciplina, desde pelo menos a publicação os trabalhos de Edmund Leach (1961LEACH, Edmund R. 1961. “Two Essays Concerning th Symbolic Representation of Time.” In: Rethinking Anthropology. London, The Athlone Press, The University of London, pp. 124-136.) e de Johannes Fabian (2014FABIAN, Johannes. 2014 [1983]. Time and the Other. How Anthropology Makes Its Objects. New York, Columbia University Press. [1983]), e em publicação um pouco posterior, Alfred Gell (2014GELL, Alfred. 2014. A antropologia do tempo. Construções culturais de mapas e imagens temporais. Petrópolis, Vozes .[1992]).

Na Antropologia brasileira, a etnografia da duração proposta por Eckert e Rocha (2013ECKERT, Cornelia; ROCHA, Ana Luiza Carvalho da. 2013. Etnografia da duração. Antropologia das memórias coletivas em coleções etnográficas. Porto Alegre, Marcavisual.) articula os campos da Antropologia Urbana e da Antropologia das Sociedades Complexas com “o estudo do caráter temporal da experiência humana presente no mundo contemporâneo e suas repercussões nas práticas e saberes que os indivíduos e/ou grupos urbanos constroem em suas relações com a cidade”. (Eckert; Rocha, 2013ECKERT, Cornelia; ROCHA, Ana Luiza Carvalho da. 2013. Etnografia da duração. Antropologia das memórias coletivas em coleções etnográficas. Porto Alegre, Marcavisual.: 13). Memória coletiva e imaginação se constroem no tempo espaço e no cotidiano experimentado pelos citadinos nas grandes metrópoles.

No âmbito do problema das formas cultural e historicamente variadas de imaginação temporal, a Antropologia do Futuro é um campo de pesquisa emergente que Rebecca Bryant e Daniel M. Knight definem como importante para pesquisas sobre o cotidiano:

In outlining the study of the future as a newly emerging field in anthropology, we offer the concept of orientations as a way continuously to orient ourselves to the indefinite teleologies of everyday life. While orientations entail planning, hoping for, and imagining the future, they also often entail the collapse or exhaustion of those efforts: moments in which hope may turn to apathy, frustrated planning to disillusion, and imagination to fatigue. By examining both the temporal Futural Orientations dynamism and potential temporal stasis of such orientations, we argue for an anthropology that takes fuller account of the teleologies of action. In so doing, we introduce a robust understanding of the “quotidian” into anthropology’s grappling with the everyday, and thereby chart a new future for future in the discipline. (Bryant; Knight, 2019BRYANT, Rebecca; KNIGHT, Daniel M. 2019. The Anthropology of the Future. Cambridge, Cambridge University Press .: 19-20)

Em The Antropology of the Future (2019), Bryant e Knight tratam de formas de imaginar o futuro, combinando pesquisas etnográficas com reflexões filosóficas nos capítulos com as seguintes temáticas: Antecipação, Expectativa, Especulação, Potencialidade, Esperança e Destino. No capítulo dedicado à esperança, eles recuperam a noção de Bloch de futuro como potencialidade, como o ainda-não que alimenta a esperança:

Hope, we argue in this chapter, is a form of futural momentum, a way of pressing into the future that attempts to pull certain potentialities into actuality. Hope is not the only such form of futural momentum, but unlike other forms, we argue that hope emerges in the gap between the potential and the actual, between matter and its not-yet form. Hope is about something that doesn’t presently exist but potentially could; hope is based on more than a possibility and less than a probability. In that sense, hope is a way of virtually pushing potentiality into actuality.

The potential is never actualized in all the ways that are possible; the remainder, we argue, always breeds (new) hope. (Bryant; Knight, 2019BRYANT, Rebecca; KNIGHT, Daniel M. 2019. The Anthropology of the Future. Cambridge, Cambridge University Press .: p.134)

A esperança, portanto, remete a um futuro em aberto, indeterminado e sempre por fazer, que tem a semente como metáfora de uma potencialidade, o adiamento de uma promessa:

More than any of the orientations discussed in this book, hope is perpetually in motion, a movement that is, as Bloch contends, a propensity, a tendency, towards something. If potentiality emerges in the gap between rest and movement, the moment where there is still the possibility to not-be, the seeds of hope are planted where there is the emergence of indeterminate potential breaking forth into the realm of the actual. Echoing Massumi, we suggest that hope acting on potentiality illustrates movement rather than positionality in a theory of becoming. Hope drives us into the future at a speed, captured, for instance, when social movements or election campaigns are said to be “gathering momentum” or in the metaphor of “the snowball effect” where something initially insignificant builds into an unstoppable force. What might start out as collective wishful thinking gathers momentum to bring improbable desires from the realm of potentiality Hope to actuation. In this sense, hope is the pursuit of materializing the otherwise-than-actual.

To this end, we must locate hope, Bloch asserts, in the “world process,” in everyday moments of emergent potentiality where potential “has not yet been defeated, but likewise has not yet won” (1986:340-341).

Innumerable unrealized potentialities are waiting to be discovered in the everyday, potentialities “in flux” (Thompson 2013: 3) that become vessels of hope as we push toward the future. Phillip Mar (2005: 365) has proposed that “hope accesses a temporalized sense of potential, of having a future,” placing potentiality in time and space and thus allowing a consciously foregrounded anticipation of a possible future time, cementing belief in future’s capacity to become future. Reinforcing potentiality in the historical timeline is a key aspect in the ability of hope to mobilize and collectivize. Bringing the hoped-for one step closer to the actual allows people to project into the future, to imagine, to dream - part of the reason why many scholars, including Bloch (1986) and Taussig et al. (2013), have argued that hope, like potentiality, is an overtly political orientation. (Bryant; Knight, 2019BRYANT, Rebecca; KNIGHT, Daniel M. 2019. The Anthropology of the Future. Cambridge, Cambridge University Press .: 136-137)

Este futuro em aberto convida ao que Crapanzano denomina de antropologia da imaginação. A imaginação, ao apresentar o ausente, preenche lacunas que surgem em situações liminares, ao mesmo tempo em que as evidencia nesse ato de procurar preenchê-las. (Crapanzano, 2005CRAPANZANO, Vincent. 2005. “Horizontes imaginativos e o aquém e o além.” Revista de Antropologia, vol. 48, n.1: 363-384. DOI https://www.doi.org/10.1590/S0034-77012005000100009
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: 381-2)

Parece-me que as narrativas de esperança, e podemos incluir aqui uma Antopologia da Esperança, são evidências de um momento histórico caracterizado pelo desespero, em que imaginar futuros é uma necessidade política e existencial para os segmentos da sociedade brasileira que se sentem ameaçados em seus modos de viver.

A DEMANDA POR UMA POLÍTICA DE ESPERANÇA NO BRASIL HOJE

É evidente a escalada autoritária que se seguiu à eleição de Jair Bolsonaro em 2018. Há um processo em curso de destruição de direitos em que não restam sequer os paliativos sociais do neoliberalismo amaciado de Terceira Via. As reformas trabalhista e previdenciária são eixos dessa reconfiguração do Estado em negativo, retirando direitos associados à sobrevivência de milhões de brasileiros. Em texto recente que publiquei com Antonio Carlos de Souza Lima, escrevemos:

Grandes ideias estão nas cabeças de todos, mas como é possível que o horror cotidiano da violência em meio rural e urbano que perpassa o país se naturalize até mesmo sob a forma de crenças religiosas? Horror instilado por técnicas de terrorismo psíquico, ou de uma psicopolítica (Han, 2018) que aqui precisamos ver como acopladas à disseminação do medo de todo dia, em uma vida cívica em que o pânico da aniquilação e do desaparecimento anônimo foi alimentado por práticas de diversos regimes ditatoriais ao longo do século republicano, e que são utilizadas por diferentes forças repressivas na medida mesmo das desigualdades sociais. (Souza Lima & Facina, 2019SOUZA LIMA, Antonio Carlos; FACINA, Adriana. 2019. “2019, Brasil: por que (ainda) estudar elites, instituições e processos de formação de Estado?”. In: TEIXEIRA, Carla Costa; LOBO, Andréa; ABREU, Luiz Eduardo (orgs.). Etnografias das instituições, práticas de poder e dinâmicas estatais. Brasília, ABA Publicações, pp. 433-483.: 470)

E seguimos a argumentação, no sentido de reconhecer movimentos que ensaiam resistências à avalanche autoritária:

Há, pois, indícios de pequenas e persistentes luzes, como os vagalumes a que se refere Didi-Huberman. “Ensinaste-me a falar e a minha vantagem foi que aprendi a amaldiçoar”, diz Calibã a Próspero. Na produção cultural recente se faz presente o princípio esperança (Bloch, 2005BLOCH, Ernst. 2005. O princípio esperança. vol. I. Rio de Janeiro, Eduerj/Contraponto.), ao qual devemos estar atentos. Na música popular são inúmeros os exemplos de artistas que criaram letras que falam de luta, sobrevivência e “seguir em frente” após as eleições de 2018. (...)Produção cultural, imagética, uso intenso das novas tecnologias digitais e de redes sociais não são domínio apenas dos produtores de fakenews. Ainda que sem robôs, ou ajuda técnica externa, israelense ou estadunidense, e sem intenções terroristas, um uso intenso das novas tecnologias de comunicação em especial entre jovens, sejam indígenas ou de periferias das grandes cidades brasileiras (onde também vivem indígenas), tem apontado caminhos para superação e metamorfose de um momento histórico de grande sofrimento coletivo e individual, possibilidades de construção de redes de suporte e afeto (...). Trata-se de nos restituir o direito de sonhar, de imaginar, de pensar, de interpretar e, assim, figurar novos futuros possíveis. Ou, como sugere Cristhian Dunker, devemos lutar pelo direito a uma “oniropolítica”. A arte e a produção cultural (e nela a ciência) sinalizam, em meio ao que Hannah Arendt denominaria “tempos sombrios”, ruínas e possibilidades que estão à nossa volta. Cabe à Antropologia e às Ciências Sociais pensarem de modo complexo sobre essas ruínas e essas possibilidades, igualmente sonhar, e fazer a imaginação sociológica funcionar. (...) É na busca por pontos de fuga e de escape da trama que nos enreda no atual momento histórico que é preciso continuar, expandir e aprofundar. Se olhamos no longo prazo, antes que sermos inúteis, é porque temos sido capazes de contribuir para desfazer os nós que nos amarram a formas tão sedimentadas de dominação que vivemos hoje um enfrentamento claro das forças que deram vida à hegemonia das classes e dos segmentos dominantes no Brasil - antes que retrocesso diante do avanço, o que temos é a plena explicitação do horror edulcorado de nosso(s) cotidiano(s). Agora, não nos resta senão purgar e reinventar um dia a dia. Muito trabalho feito, e muito mais a fazer. (Souza Lima & Facina, 2019SOUZA LIMA, Antonio Carlos; FACINA, Adriana. 2019. “2019, Brasil: por que (ainda) estudar elites, instituições e processos de formação de Estado?”. In: TEIXEIRA, Carla Costa; LOBO, Andréa; ABREU, Luiz Eduardo (orgs.). Etnografias das instituições, práticas de poder e dinâmicas estatais. Brasília, ABA Publicações, pp. 433-483.: 471-5)

Acredito que estudar as narrativas de esperança de sujeitos periféricos é um modo de atender à exortação que fizemos neste texto. Analisar os sonhos e ações expectantes de artistas e grupos culturais das periferias do Rio de Janeiro em suas lutas cotidianas contra a devastação social é um modo de por a ciência a serviço das urgentes tarefas de imaginar futuros, de subsidiar políticas públicas democráticas, em especial no segmento cultural, e de preparar as sementes que germinarão em um horizonte (esperamos que próximo) a ser construído, contribuindo para o planejamento para a remontagem da área da Cultura.

Para além dos sujeitos periféricos com que dialogo diretamente em minha pesquisa, percebo uma demanda disseminada por uma política de esperança no Brasil na pandemia de COVID-19. Trarei alguns exemplos, vagalumes de ensaio inicial para um inventário esperançoso a ser desenvolvido posteriormente.

Destaco primeiramente a campanha Guilherme Boulos e Luiza Erundina (PSOL) para as eleições municipais de São Paulo em 2020. Esperança foi um valor a confrontar o ódio e levou a chapa eleitoral a disputar o segundo turno das eleições com o então prefeito e candidato a reeleição Bruno Covas (PSDB), que viria a falecer meses depois. Nos pronunciamentos de Boulos e Erundina a esperança era mobilizada como força política para impulsionar uma vitória quase impossível, dada a disparidade de recursos financeiros entre as chapas e o contexto mais amplo de um país governado por forças conservadoras. As campanhas do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) são sempre feitas nas ruas, no “corpo a corpo” e a pandemia limitou essa possibilidade consideravelmente, ainda mais para Luiza Erundina, cuja idade a colocava no grupo de risco para a COVID-19. Foi preciso reinventar a atuação nas redes sociais com criatividade. A importante junção entre a novidade política representada por Guilherme Boulos e o precedente (Appadurai, 2013APPADURAI, Arjun. 2013.The Future as Cultural Fact: Essays on the Global Condition. London, Verso.) de um governo municipal popular encarnado em Erundina, ex-prefeita de São Paulo pelo PT, produziram uma narrativa de esperança em que passado, presente e futuro se articulam para propor um sonho possível.

Figuras 1 e 2
Campanha de Boulos e Erundina nas eleições para prefeitura de São Paulo em 2020.

Destaco ainda a profusão de artistas brasileiros falando sobre esperança em posts nas redes sociais, em lives, em entrevistas e em sua criação artística. Caetano Veloso posta frequentemente em suas redes sociais sobre o tema. Sua irmã, Maria Bethânia, em show que foi ao ar no dia 13 de fevereiro de 2021 no canal Globoplay, fez da esperança fio condutor de sua apresentação (“Sigo na esperança de vê-los e tê-los no meu colo muito em breve.”) e a recepção nas redes sociais e na imprensa ecoou: a entrada de Bethânia no mundo das lives foi lida como alimento da esperança. “Eu quero vacina, respeito, verdade, misericódia”, frase dita por Bethânia durante o show ao vivo, virou meme, camiseta, grito de socorro, plataforma de reivindicação política.

De modo pioneiro nas redes, a cantora e compositora Teresa Cristina promoveu lives diárias em seu canal no Instagram desde o início da pandemia. Viu sua carreira crescer e sua popularidade aumentar, com os “cristiners”, seus fãs, associando suas apresentações virtuais à manutenção da saúde mental em tempos pandêmicos e politicamente adversos para as esquerdas, espectro político com o qual a artista se identifica. Além da representar a importância da arte na sociedade, a força esperançosa do samba e a ancestralidade matriz cultural afro-diaspórica, Teresa Cristina também demonstrou a possibilidade de se afirmar como artista de destaque no cenário nacional sem depender de grandes gravadoras ou patrocínios substanciais. O coroamento de seu sucesso midiático recente, depois de décadas de carreira sólida no mundo do samba, veio com sua entrevista no programa Roda Viva, em 22 de fevereiro de 2021, no qual ela analisa a sua dificuldade em se firmar na indústria da música brasileira a partir do racismo estrutural, que torna a ascensão de mulheres pretas como ela um caminho difícil. Foi preciso então inventar meios num cenário desesperador, motivada a salvar a si própria de um processo depressivo que a ameaçava no início do isolamento social pandêmico. Sua arte como caminho, individual e coletivo, para enfrentar a situação política brasileira foi explicitada numa frase: “Não canto para bolsominions!”15 15 Roda Viva com Teresa Cristina: https://www.youtube.com/watch?v=YBemdKjn59E (visitado em 14/03/2021)

No campo da literatura, o livro Torto Arado (2019VIEIRA JUNIOR, Itamar. Torto Arado. São Paulo, Todavia, 2019.), de Itamar Vieira Júnior, se tornou fenômeno de vendas e assunto de amplo público em 2020. O livro foi publicado no Brasil em 2019, mas apenas em finais de 2020 e início de 2021 virou pauta de vídeos-resenhas no Youtube, matérias da imprensa, programas televisivos e debates em redes sociais. O imperativo “Leia Torto Arado!” apareceu em memes, charges, falas de influencers digitais. O “Brasil profundo”, nos termos do seu autor, retratado no romance, tema clássico da literatura brasileira, foi atualizado com a inclusão das lutas quilombolas por reconhecimento de suas terras ancestrais. Os temas trazidos no livro, a negritude de seu autor e sua atuação profissional como geógrafo no INCRA, formado pela universidade pública, a consagração da obra que vendeu mais de 60 mil exemplares, todos esses aspectos foram lidos como índices de esperança no campo político das esquerdas. Em entrevista no Roda Viva, em 15 de fevereiro de 2021, o autor tematiza a esperança:

Vivemos uma prova de fogo em todos os sentidos. Acho que como autor, como pessoa ligada ao mundo das artes, eu vejo um grande retrocesso nas políticas públicas. Como servidor que tem como missão a pacificação do campo, a melhoria da qualidade de vida da população do campo, eu também sinto o mesmo. (…) O atual presidente da República foi muito claro durante sua campanha presidencial do que faria nesse sentido, e ainda assim fizeram uma opção por ele, mas eu tenho uma imensa esperança (…) na nossa sociedade, na educação do nosso povo, que eles despertem para o que está acontecendo. Talvez a gente precisasse passar por isso para chegar do outro lado mais forte. Então essa prova de fogo vem como uma lição em todos os aspectos e, mesmo assim, temos resistido, não só no campo das artes, mas o trabalhador do campo tem resistido, não só no campo das artes, mas o trabalhador do campo tem resistido a todas as investidas para aniquilá-lo, para deixá-lo à margem, alijá-lo das políticas públicas. Acho que tudo isso era necessário para que a gente entendesse e valorizasse cada vez mais o que é nosso e o que podemos fazer, enquanto sociedade, para fazer desse país um lugar grande. (...) É uma esperança engajada. Eu tenho essa esperança engajada no Brasil. Não é uma esperança passiva, que está só esperando que as coisas aconteçam. É uma esperança ativa.16 16 Roda Viva Itamar Vieira Junior https://www.youtube.com/watch?v=Mu9iUc2UHBQ (Visitado em 14/03/2021)

A demanda por esperança aparece também no discurso de Conceição Evaristo, escritora com sólida e premiada obra literária, mas que só em tempos recentes obteve reconhecimento mais amplo que a permitiu viver exclusivamente da literatura. Assim como outras literatas e artistas negras, Evaristo atribui essa dificuldade em ter sua obra reconhecida pelas instituições de consagração da literatura brasileira ao racismo estrutural de nossa sociedade. Esperança é um assunto importante na literatura de Conceição Evaristo e também em sua produção acadêmica, notadamente em sua tese de doutorado intitulada Poemas Malungos - Cânticos Irmãos. (Evaristo, 2011EVARISTO, Conceição. Poemas Malungos - Cânticos Irmãos. Niterói, UFF, Tese de doutorado, 2011.) Em entrevista concedida ao jornal O Globo em 11 de novembro de 2021, ao ser perguntada sobre as perspectivas para a população negra nos próximos anos, a autora responde:

Tenho pensado muito na prática quilombola. Quando um sujeito escravizado fugia para o quilombo, ele não tinha certeza de que conseguiria chegar lá. Inclusive, tornava-se ainda mais vulnerável nesse processo, pelo perigo que representava. A única certeza que ele tinha é que estava lutando por um direito, a sua liberdade. Acho que não é a hora de pensar o que vai ser o amanhã, é hora de pensar que estamos fazendo o que achamos certo. É hora de armar-se com esta esperança e coragem, mesmo sem ter a certeza do que irá acontecer.17 17 https://oglobo.globo.com/cultura/livros/conceicao-evaristo-hora-de-se-armar-com-coragem-esperanca-24739322 (visitado em 14/03/2021)

Nesse breve indiciamento das demandas de esperança na sociedade brasileira hoje é preciso incluir o discurso de Lula após decisão do ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, que em 8 de março de 2021 decretou a incompetência da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba para julgar processos envolvendo o ex-presidente e anulou as suas condenações. Na prática, isso significou a possibilidade de Lula disputar as eleições presidenciais de 2022, alterando completamente o jogo de forças políticas que estavam em cena no Brasil. A decisão foi comemorada nas redes sociais por um amplo espectro político, não se limitando às esquerdas, projetando o possível candidato como representante eleitoral do campo anti-bolsonarista e democrático, importante mesmo para a centro-direita crítica ao governo Bolsonaro. Em seu discurso, pronunciado na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC em São Bernardo do Campo, e transmitido em diversos canais pela internet, Lula afirma logo no início que

Quando resolvi marcar essa entrevista, muita gente ficou preocupada com o meu humor. “Como é que o Lula vai estar? Ele vai estar bravo? Ele vai estar xingando alguém? Ele vai falar palavras de esperança?”18 18 A íntegra do discurso do Lula, pronunciado em 10 de março de 2021, pode ser lida em https://www.brasildefato.com.br/2021/03/10/leia-a-integra-do-primeiro-discurso-de-lula-apos-anulacao-de-condenacoes-da-lava-jato (visitado em 14/03/2021)

Contrariando essas preocupações, Lula fez um discurso crítico, porém conciliador, em que a ideia da necessidade do povo voltar a sonhar foi um dos fios condutores:

Eu não sei qual é a atitude, mas alguma atitude nós vamos ter que tomar, companheiros, para que esse povo possa voltar a sonhar.

(...)

Quando é que nós vamos tomar conta do nosso nariz? Quando é que eu vou acordar de manhã sem ter que pedir licença pra respirar para o governo americano? Quando é que eu vou levantar de manhã sabendo que o meu povo está tomando café, que ele vai almoçar e vai jantar, que as crianças estão na escola, que as crianças estão tendo acesso à saúde e à cultura? Quando é que nós vamos acordar? Isso é possível. Nós provamos isso.

Então, companheiros e companheiras, é pela construção desse sonho e ajudar a torná-lo realidade que eu me sinto muito jovem. Me sinto jovem para brigar muito. Então, eu queria que vocês soubessem: desistir, jamais; a palavra desistir não existe no meu dicionário.

(...)

Então, não tenham medo de mim. Eu sou radical. Eu sou radical porque eu quero ir à raiz dos problemas desse país.

Eu sou radical porque eu quero ajudar a construir um mundo justo. Um mundo mais humano. Um mundo em que trabalhar e pedir aumento de salário não seja crime.

Um mundo em que a mulher não seja tripudiada por ser mulher. Um mundo em que as pessoas não sejam tripudiadas por aquilo que querem ser. Um mundo em que a gente venha a abolir definitivamente o maldito preconceito racial nesse país. Um mundo que não tenha mais bala perdida. Um mundo em que o jovem possa transitar livremente pelas ruas de qualquer lugar sem a preocupação de tomar um tiro.

Um mundo em que as pessoas sejam felizes onde quiserem ser, que as pessoas sejam o que elas decidirem. Um mundo em que a gente tem que respeitar a religiosidade de cada um, cada um é o que quer, cada um tem a espiritualidade que quiser. Ninguém é obrigado a ser da minha religião, seja a que você quiser, a que você acredita. As pessoas podem ser LGBT, e a gente tem que respeitar o que as pessoas fazem. Esse mundo é possível, esse mundo é plenamente possível.

O apelo ao sonho possível, realizado num passado próximo, fundamental para a esperança como vimos ao longo deste artigo, teve ressonâncias mesmo entre indivíduos e grupos políticos críticos de esquerda aos governos do PT. Tweetes e memes compartilhados em redes sociais mencionavam a saudade de fazer oposição ao Lula, demonstrando uma adesão conjuntural ao seu discurso como parte de uma política de esperança. Como num tweet cujo autor dizia que tinha saudade da possibilidade de ser oposição ao governo sem ter sua vida colocada em risco por isso.

Termino este artigo em 14 de março de 2021. Hoje fazem 3 anos do assassinato de Marielle Franco. Evento anunciador dos tempos sombrios que viríamos a viver no Brasil. Em meio ao desespero, ao medo, ao horror de sua execução, uma ideia brotou rapidamente: Marielle semente! Das charges para os gritos nas manifestações e cartazes de protesto, uma evidência histórica: a esperança sempre floresce onde mais se necessita dela.

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  • FINANCIAMENTO:

    A elaboração deste artigo tornou-se possível graças à bolsa de produtividade em pesquisa concedida pelo CNPq, com o projeto intitulado “Sujeitos de sorte: narrativas de esperança em produções artísticas nas periferias do Rio de Janeiro” (processo n. 311248/2020-9).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    14 Mar 2021
  • Aceito
    17 Jun 2021
Universidade de São Paulo - USP Departamento de Antropologia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo. Prédio de Filosofia e Ciências Sociais - Sala 1062. Av. Prof. Luciano Gualberto, 315, Cidade Universitária. , Cep: 05508-900, São Paulo - SP / Brasil, Tel:+ 55 (11) 3091-3718 - São Paulo - SP - Brazil
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