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Cuadernos Hispanoamericanos: idéias políticas numa revista de cultura

Cuadernos Hispanoamericanos: political ideas in a cultural review

Resúmenes

Cuadernos Hispanoamericanos, criado em 1948, apresentouse como uma revista de cultura destinada a aproximar espanhóis e hispanoamericanos em torno de uma proposta de identidade comum. Está em circulação até hoje, mas apresenta características diversas de sua primeira fase. Entre 1948 e 1955, a revista assumiu uma função política específica cujo objetivo era obter apoio de setores hispanoamericanos para vencer o bloqueio externo contra o regime franquista, que ficou isolado no plano internacional a partir do fim da Segunda Guerra, por sua identificação com o nazifascismo. A Espanha só foi integrada à ONU em 1955, após intensa luta para vencer esse ostracismo. O objetivo central desta reflexão é entender o significado do projeto político que definiu as coordenadas da revista, nessa época, procurando explicitar os significados do ideal de hispanidad, em torno do qual se deu ampla discuss ão. A revista permitiu a circulação de idéias relacionadas ao tema, idéias estas que foram se transformando ao longo do período, em função de alterações de conjuntura interna e externa.

Cuadernos Hispanoamericanos; História Política; História da Cultura


Cuadernos hispanoamericanos, created in 1948, presented itself as periodical of culture intended to draw Spaniards and Latin Americans closer together toward a common identity. It is still in circulation today, but has different features from its initial phase. From 1948 to 1955, the periodical took on a specific political function, aiming at obtaining the support of Hispanic American sectors to overcome the external blockade against the Franco regime, which became isolated internationally after the end of the Second World War because of its identification with Nazism-Fascism. Spain was only integrated into the UN in 1955, after an intense struggle to overcome this ostracism. The central objective of this study is to understand the meaning of the political project that defined the coordinates of the periodical during this period, by attempting to make explicit the meanings of the ideal of hispanidade, over which a broad discussion took place. The periodical allowed the circulation of ideas related to the theme, ideas that were transformed throughout the period due to changes in the internal and external set of circumstances. We intend to make a reading of the relation of text and context in the periodical Cuadernos Hispanoamericanos, given the intersection, in its pages, of cultural/intellectual and ideological/political aspects. It is intended in this way that the relation between the political ideas and the social dynamic in the period during which they were developed be explored.

Cuadernos Hispanoamericanos; Political History; Cultural History


DOSSIÊ

HISTÓRIA INTELECTUAL E POLÍTICA

Cuadernos Hispanoamericanos* * Recebido em 16/04/2005. Autor convidado. 1 1 Este texto é produto de uma pesquisa realizada com o apoio do CNPq. Agradeço a esta Instituição e também a Lorenzo Delgado Gómez Escalonilla, Elda González Martinez e Gênese Andrade que, de diferentes maneiras, colaboraram comigo neste trabalho. - idéias políticas numa revista de cultura

Cuadernos Hispanoamericanos - political ideas in a cultural review

Maria Helena Capelato

Dept. História/ USP. Rua do Lago 717 - Campus Universitário, 05508-900 - São Paulo- SP- Brasil. mhcapela@terra.com.br

RESUMO

Cuadernos Hispanoamericanos, criado em 1948, apresentouse como uma revista de cultura destinada a aproximar espanhóis e hispanoamericanos em torno de uma proposta de identidade comum. Está em circulação até hoje, mas apresenta características diversas de sua primeira fase. Entre 1948 e 1955, a revista assumiu uma função política específica cujo objetivo era obter apoio de setores hispanoamericanos para vencer o bloqueio externo contra o regime franquista, que ficou isolado no plano internacional a partir do fim da Segunda Guerra, por sua identificação com o nazifascismo. A Espanha só foi integrada à ONU em 1955, após intensa luta para vencer esse ostracismo. O objetivo central desta reflexão é entender o significado do projeto político que definiu as coordenadas da revista, nessa época, procurando explicitar os significados do ideal de hispanidad, em torno do qual se deu ampla discuss ão. A revista permitiu a circulação de idéias relacionadas ao tema, idéias estas que foram se transformando ao longo do período, em função de alterações de conjuntura interna e externa.

Palavras-chave:Cuadernos Hispanoamericanos, História Política, História da Cultura

ABSTRACT

Cuadernos hispanoamericanos, created in 1948, presented itself as periodical of culture intended to draw Spaniards and Latin Americans closer together toward a common identity. It is still in circulation today, but has different features from its initial phase. From 1948 to 1955, the periodical took on a specific political function, aiming at obtaining the support of Hispanic American sectors to overcome the external blockade against the Franco regime, which became isolated internationally after the end of the Second World War because of its identification with Nazism-Fascism. Spain was only integrated into the UN in 1955, after an intense struggle to overcome this ostracism. The central objective of this study is to understand the meaning of the political project that defined the coordinates of the periodical during this period, by attempting to make explicit the meanings of the ideal of hispanidade, over which a broad discussion took place. The periodical allowed the circulation of ideas related to the theme, ideas that were transformed throughout the period due to changes in the internal and external set of circumstances. We intend to make a reading of the relation of text and context in the periodical Cuadernos Hispanoamericanos, given the intersection, in its pages, of cultural/intellectual and ideological/political aspects. It is intended in this way that the relation between the political ideas and the social dynamic in the period during which they were developed be explored.

Key words:Cuadernos Hispanoamericanos, Political History, Cultural History

A revista Cuadernos Hispanoamericanos foi fundada por Pedro Lain Entralgo, em 1948, e continua em circulação até os dias de hoje, usufruindo de respeitabilidade nos meios intelectuais.2 2 Em janeiro de 1998 a revista completou 50 anos de edição ininterrupta. Ao longo de sua existência passou por várias fases e foi dirigida, sucessivamente, por Pedro Laín Entralgo (1948-1951), Luís Rosales (1951- 1956), José Antonio Maravall (1966-1982), Felix Grande (1982-1996), (Blas Matamoro, 1996). Dentre os colaboradores mais recentes da revista destacam-se renomados intelectuais como Jean Starobinski, Cláudio Magris, George Steiner e muitos outros. A revista apresenta estudos monográficos sobre temas pontuais, crônicas da atualidade, entrevistas a personalidades da cultura, resenhas bibliográficas, notas editoriais e informações sobre as atividades da Agência Espanhola de Cooperação Internacional. Desde o início, dedicou- se à publicação anual de números especiais monográficos voltados para o estudo de grandes escritores. Dentre os homenageados estão: Ramiro Maeztu, Jorge Luis Borges, Severo Sarduy, Ezra Pound, Rainer Maria Rilke, Stéphane Mallarmé, Walter Benjamin, T.S.Elliot, e muitos outros. Seu diretor atual, o argentino Blas Matamoro, realizou um balanço sobre as atividades da revista ao longo de toda a sua existência, mostrando as mudanças significativas que as caracterizaram em diferentes momentos históricos.3 3 ROSSI, Blas Matamoro. "Una ojeada retrospectiva sobre Cuadernos Hispanoamericanos". In: La huella editorial del Instituto de Cultura Hispânica. Madrid: Fundacion Mapfre Tavera/Ministérios de Asuntos Exteriores, 2003.

No seu início, foi definida como uma revista de cultura hispânica cuja finalidade era colaborar para o conhecimento mútuo e o intercâmbio cultural entre todos os países de língua espanhola. Já nessa época, destacou-se pela qualidade editorial; era ilustrada através de desenhos e reproduções de imagens que foram se aprimorando ao longo dos anos.

Pedro Laín Entralgo, personagem de sólido prestígio intelectual, ocupou- se da gestão da revista, tarefa para a qual contou com o auxílio de Luis Rosales e Enrique Casamayor.4 4 pós sua breve gestão, Laín foi sucedido por Rosales que dirigiu a revista entre 1951 e 1966. Havia, também, uma co-direção, localizada em Buenos Aires, atribuída a Mario Amadeo, intelectual nacionalista argentino.5 5 Faziam parte do Conselho de Redação no período estudado: Angel Alvarez de Miranda, Manuel Benítez Sánchez-Cortés, Gabriel Cuevas, Jaime Delgado, Luiz Gonzalez Robles, Julio Icasa, José Perez del Arco, Florentino Perez Embide, Maximino Romero de Lema, Alfredo Sánchez Bella, Francisco Sintes, Modesto Su- árez, Leopoldo Zumalacarregui. A revista contava com 63 autores-colaboradores e 18 ilustradores de diferentes nacionalidades do mundo hispânico, principalmente.

A revista surgiu como resultado de uma política americanista, promovida por órgãos do governo espanhol, com o intuito de conquistar aliados na hispanoamericana para fazer frente ao ostracismo internacional a que ficou sujeito o regime franquista a partir do final da Segunda Guerra. Sua criação esteve, portanto, fortemente conectada com esta situação do país ibérico.

Terminada a Guerra Civil, teve início o processo de reconstrução nacional que sofreu um duro golpe em 1945 com a derrota do Eixo: o regime franquista era identificado com o nazifascismo. Os vencedores, liderados pelos EUA, impuseram um bloqueio econômico e político à Espanha. Setores antifascistas, especialmente os republicanos espanhóis esperavam que Francisco Franco fosse destituído do poder após a vitória dos Aliados. No entanto, numa Europa dividida e enfraquecida no pós-guerra, o regime conseguiu manter-se, enfrentando as pressões de seus adversários.

No bojo da política americanista, o governo criou, em 1945, o "Instituto de Cultura Hispánica" com a função de exercer uma espécie de diplomacia oficiosa, também centrada na propaganda cultural espanhola encarregada de difundir, ainda que de forma sutil, as virtudes do regime.6 6 ROSSI, Blas Matamoro. "Una ojeada retrospectiva sobre Cuadernos Hispanoamericanos", p.91.

O trabalho editorial do ICH foi intenso até meados da década de 1950. Dentre as muitas edições de livros e revistas que ele promoveu, destacaram-se duas revistas criadas em 1948: Mundo Hispânico e Cuadernos Hispanoamericanos.

EA primeira apresentava-se em grande formato, no estilo das americanas mais populares; cabia a ela apresentar dados esclarecedores sobre o passado, deformado pela 'leyenda negra', e sobre o presente, deturpado pelas campanhas internacionais antiespanholas. A segunda tinha a finalidade de servir de réplica à revista Cuadernos Americanos, editada pelos exilados espanhóis no México; a revista madrilenha representou, entre outras coisas, uma resposta aos adversários de ultramar.7 7 Lf. GÓMEZ-ESCALONILLA, Lorenzo Delgado. "'Libros y revistas para América': política cultural y producción editorial del Instituto de Cultura Hispánica". In: La huella editorial del Instituto de Cultura Hispânica. Madrid: Fundación Mapfre Tavera/Ministério de Asuntos Exteriores, 2003, p.30-1.

O projeto original desta publicação esteve voltado para a construção de uma imagem unitária da Espanha, capaz de ocultar as fraturas - social e política - produzidas pela guerra civil.

Não se tratava de enaltecer o regime, mas a hispanidad, entendida como um conjunto de povos de origem comum, que compartilhavam a língua, a raça e a fé católica. O acontecimento fundador da Descoberta e Conquista da América permitia apresentar a hispanidad como um conjunto familiar, no qual a Madre España e suas filhas americanas se reconheciam mutuamente.8 8 ROSSI, Blas Matamoro. "Una ojeada retrospectiva sobre Cuadernos Hispanoamericanos", p.91-2.

Pretendemos analisar a trajetória de Cuadernos Hispanoamericanos na primeira fase de sua existência, que se estende da sua criação, em 1948, até a integração da Espanha na ONU, em 1955. A partir deste momento, a revista perdeu sua finalidade política.

O objetivo central desta reflexão é entender seu significado no interior de um projeto ideológico orientado pelo ideal de hispanidad. É importante notar que a formulação desse ideal era antiga, mas ele foi reelaborado por representantes do regime franquista que visavam conseguir apoio de setores conservadores hispanoamericanos.

A circulação de idéias através das páginas desse periódico permitiu a aproximação de intelectuais, políticos, professores, estudantes, grupos religiosos, espanhóis e hispanoamericanos, que compartilhavam de uma visão comum sobre o mundo do pós-guerra.

Embora fosse apresentada como uma publicação de cultura, o comprometimento político dos condutores da revista nos leva a tentar esclarecer o sentido mais profundo do projeto que norteou sua atuação nesse período.

Esta apresentação introdutória tem como objetivo justificar a importância do estudo deste periódico que, além da longa existência devotada ao intercâmbio cultural, merece especial atenção pelo fato de ter se constituído em arma de defesa do regime. O conceito de hispanidad, repleto de significado ideológico, adquiriu um sentido político preciso no período em foco. Procuraremos explicitá-lo neste texto.

A escolha de uma revista como objeto de análise encontra, atualmente, legitimidade inconteste por parte de pesquisadores de diferentes áreas. Como afirmam Jorge Schwartz e Roxana Patino que organizaram, recentemente, uma publicação sobre revistas de cultura latino-americana, esse tipo de estudo era considerado, em décadas anteriores, secundário porque se entendia as revistas veiculadoras de idéias apenas como "tribunas" representativas de movimentos ou gerações de intelectuais, plataforma de lançamento de certos autores ou difusora de uma certa estética. Eles chamam a atenção para o fato de que o estudo das revistas como objeto específico requer integração com uma complexidade discursiva que produz os múltiplos e, às vezes, contradit órios sentidos de uma época literária e cultural. Referem-se, também à necessidade de se captar a dinâmica de entrecruzamento em que um texto dialoga com outros numa mesma revista, o que não acontece num livro. Citam Beatriz Sarlo, para quem as revistas constituem "laborat ório de idéias", que podem ou não, se consolidar num campo cultural. 9 9 SHWARTZ, Jorge e PATINO, Roxana. "Introducción", Revista Iberoamericana. Revistas literárias/culturales latinoamericanas del siglo XX, núms.208-209, p.647-650, Julio-Diciembre, 2004. Os autores mencionados são os organizadores desse número.

Esta orientação será levada em conta no estudo de Cuadernos Hispanoamericanos. Esta revista, no entanto, apresenta uma especificidade: defini-se como um órgão de cultura, mas tem um o sentido político, nesta primeira fase, que não é explicitado na sua apresentação. Pretendemos, no entanto, mostrar de que forma cultura e política se entrecruzam nessa publicação.

Na perspectiva em que a revista foi concebida o aspecto cultural/ intelectual se cruza com aspectos ideológicos e políticos que só se deixam ler a partir da relação texto-contexto. O projeto de hispanidad que dá sentido à revista não se apresenta de forma programática, mas é resultado de perspectivas de grupos que se orientavam por uma identidade específica. Neste sentido, exploramos a possibilidade de analisar o objeto Cuadernos Hispanoamericanos a partir do conceito de campo formulado por Bourdieu.10 10 Helenice Rodrigues mostra bem como o conceito de "campo" de Bourdieu se aplica tanto a realidades vastas como à totalidade de um campo cultural (campo artístico, literário, científico, etc.) ou a um grupo restrito (o campo editorial ou o campo de uma revista, por exemplo). Simplificando, esse conceito designa o espaço social no interior do qual existem relações de força para a imposição e a definição do jogo e dos trunfos necessários para dominar esse jogo. Em termos analíticos, um "campo" pode ser definido como uma rede ou uma configuração de relações objetivas entre posições. Cf. PATINO, Helenice Rodrigues. Fragmentos da História Intelectual. Entre questionamentos e perspectivas. Campinas: Papirus, 2002, nota 5, p.16.

A revista é expressão de um grupo de intelectuais que congregam e articulam idéias e valores comuns. O idealizador da revista e seu primeiro diretor - Pedro Laín Entralgo - era um intelectual, mas também uma personalidade política que, anos antes, fizera parte do primeiro escalão do governo franquista. Pertenceu a um grupo de falangistas, constituído num círculo de poder político, que teve importante atuação, até 1942. A referência à atuação pregressa do fundador da revista é de suma importância para a compreensão do seu lugar na política espanhola da época e de suas posições frente aos reordenamentos do regime franquista no pós-guerra.

Privilegiaremos o estudo das idéias políticas que foram veiculadas nessa revista de cultura, deixando de lado os aspectos referentes à cultura propriamente dita, que se configuram como outro objeto de análise. Cabe esclarecer que este recorte que estamos propondo nos aproxima das coordenadas da história intelectual. Buscamos compreender o universo das idéias não como um contexto no qual se situa o trabalho intelectual, mas relacionado ao mundo social e político no qual ele se insere. As idéias não são entendidas, portanto, como algo exterior a esse mundo, mas como substância mesma da tarefa dos intelectuais que se expressam, através das idéias - suas matérias primas - sobre a realidade vivida, que eles procuram, ao mesmo tempo, traduzir e modificar. Nesta perspectiva, diversa da história das idéias ou história intelectual que não leva em conta a dimensão extratextual dos documentos analisados, pretendemos explorar a relação entre as idéias e a dinâmica social no período em que foram gestadas.

No que se refere ao conteúdo da revista é preciso esclarecer que ele integra discussões sobre aspectos culturais, intelectuais, políticos, ideol ógicos, num conjunto discursivo múltiplo e contraditório, relacionado ao momento histórico em que ela surge - o início da "Guerra Fria". Os problemas enfrentados pelos intelectuais nesse período conferem sentido ao intenso esforço dos primeiros responsáveis pela edição de Cuadernos Hispanoamericanos para transformá-la numa arma de luta político/ ideológica de amplo alcance.

A respeito do papel das revistas nesse contexto histórico, cabe antes esclarecer que, no período anterior, ou seja, no "entre-guerras", o fascínio de intelectuais de direita pelo nazifascismo propiciou a criação de grupos que se manifestavam através de livros, jornais e revistas. Essas publicações, de grande circulação, eram dedicadas a causas políticas e expressavam bem as paixões do momento. Elas proliferaram tanto na Europa como na América Latina onde intelectuais nacionalistas de direita, católicos principalmente, se organizaram para expressar e propagar idéias que se traduziram em ações. Constituíram, através delas, uma rede de relações objetivas marcando posições de enfrentamento com grupos considerados inimigos.

Na Espanha, várias revistas circularam antes e durante a Guerra Civil. Outras mais foram criadas na primeira fase do franquismo, constituindo um campo cultural expressivo. Embora orientadas por um projeto político comum - a defesa do regime -, as publicações revelavam divergências ideológicas e políticas significativas entre grupos que disputavam poder em relação ao novo regime. No interior dessa luta política ocorreram mudanças de trajetórias ao longo do período.11 11 Dentre as revistas mais significativas do período cabe mencionar Arriba España e Jerarquia, criadas por um grupo de intelectuais falangistas. Além dessas, também se destacaram outras como Escorial, revista de cultura muito influenciada pelo filósofo Eugênio D'Ors, que se uniu à Falange durante a Guerra (Laín Entralgo foi um de seus diretores); Revista de Estudos Políticos, fundada em 1941 pelo grupo universitário da Falange que produziu uma teoria política voltada para a legitimação pessoal de Franco; Arbor, publicação que se iniciou em 1944 e continua em circulação, editada pelo "Centro Superior de Investigacíon Científica", criado por intelectuais católicos sem vinculação com o grupo da Falange. O CSIC foi fundado em 1939 com o objetivo de impulsionar o desenvolvimento da investigação universitária. Também datam dessa época, os diários católicos Ya e ABC. O primeiro era ligado diretamente à Igreja, que manteve uma escola de jornalismo, emissoras de rádio e editoras voltadas à publicação de livros religiosos; o segundo era expressão da ideologia católica monárquica.

Cuadernos Hispânicos surgiu por iniciativa de intelectuais comprometidos, desde o início da Guerra Civil com a causa nacionalista. Faz parte desta exposição, explicar em que circunstâncias Pedro Laín Entralgo, embora já desvinculado dos cargos oficiais que ocupara anteriormente, colaborou com o regime nesse projeto editorial.

A trajetória do fundador da revista

As idéias e práticas políticas de Pedro Laín Entralgo nos ajudam a entender porque foi o fundador de Cuadenos Hispanoamericanos.

Nosso personagem era aragonês, formado em medicina e química. Quando estudante, já militava na política e foi preso durante a Guerra Civil, mas conseguiu fugir para a Alemanha. Ao voltar, dirigiu-se para Pamplona onde filiou-se à Falange e iniciou seus contatos com o sacerdote Fermín Yzurdiaga, líder de um grupo político-ideológico.

Formado no Seminário de Pamplona e na Pontifícia de Salamanca, o sacerdote participou do violento clima espiritual dos anos vinte. Militava na Falange quando fundou e começou a dirigir o primeiro periódico falangista Arriba España, em agosto de 1936. Laín Entralgo fazia parte do Conselho de Redação dessa revista e nela publicou vários artigos.12 12 Cf. GALLEGO, José Andrés. ?Fascismo o Estado Católico. Ideologia, religión y censura em la España de Franco, 1937-1944, Madrid, Ediciones Encuentro, 1997, p.69-9

Coube, também, a esse grupo, a iniciativa de criar a primeira revista cultural falangista Jerarquía: revista negra de Falange, que teve vida efêmera (1937 a 1938).13 13 Sobre o grupo de Pamplona que criou Arriba España e Jeranquia e suas relações com os órgãos de Propaganda e Censura, consultar GALLEGO, José Andrés. "El proyecto político de Arriba España y Jerarquia". In: ?Fascismo o Estado Católico, cap. III, p.67-130. Era editada em Pamplona pela "Jefatura Nacional de Prensa y Propaganda" da Falange.

A Falange dava enorme importância a esse setor da vida política. Ela era responsável pela "Jefatura Nacional" para Imprensa e Propaganda, que se converteu em "Delegación Nacional", tendo à frente o sacerdote Fermín Yzurdiaga, desde maio de 1937. Nesse mesmo ano, ele foi chamado por Franco para encarregar-se da "Delegación Nacional de Prensa y Propaganda". A sua indicação para o cargo não foi bem recebida pela hierarquia eclesiástica, o que deu início a uma série de conflitos entre militantes católicos da Falange e representantes da Igreja de Roma.

Yzurdiaga, em seus discursos, citava Primo de Rivera e o pensador Eugênio D'Ors. Laín Entralgo também admirava este filósofo e se referia a ele como "mi maestro".

O fundador de Cuadernos Hispanoamericanos tinha uma formação humanista e era leitor de Ortega y Gasset, a quem admirava, mas criticava suas teses que expressavam desconfiança em relação às massas. Identificado com o nacional sindicalismo, Laín acreditava na força da multidão ordenada, unida numa força comum em torno de um ideal.14 14 Além de Laín Entralgo, outros membros do grupo de Pamplona reconheciam o valor de Ortega y Gasset, mas o dividiam em dois, chegando a afirmar que "nós, nacionalsindicalistas nascemos em rebelião contra o Ortega da República". APUD GALLEGO, José Andrés. "El proyecto político de Arriba España y Jerarquia", p.76

Comentadores da obra de Laín Entralgo o definem como um intelectual dotado de grande erudição. Escreveu vários livros, dentre eles Viaje a Suramérica onde relata e comenta sua experiência de viagem por países da América do Sul (Argentina, Chile e Peru). Em 1945, publicou La generación de noventa y ocho, onde apresenta uma crítica à postura negativista desse grupo de intelectuais frente à derrota da Espanha, pelos Estados Unidos, na Guerra de Independência de Cuba em 1989. O autor questiona, acima de tudo, a ausência de atuação política desses intelectuais que deixaram o campo livre para as esquerdas; sua trajetória se orientou na direção contrária

Sua obra España como problema, publicada em 1949, teve grande repercussão e suscitou acalorada polêmica em relação ao livro España sin problema de Rafael Calvo Serer, lançado nesse mesmo ano. Os autores abordavam o "mito das duas Españas", relacionado à Guerra Civil, mas expunham uma posição distinta frente ao tema. José Andrés Gallego comenta que esse debate orientou as reflexões dos intelectuais espanh óis preocupados em compreender o significado da Espanha naquele momento.

Segundo este autor, o fundo doutrinal de pensamento de Laín, no passado (ou seja, desde o início de sua atuação política, até sua participa ção no governo franquista), se sustentara em três pilares: crítica à Europa, afirmação da Espanha católica e defesa do Estado totalitário como meio para solução dos problemas da Europa.

Como outros integrantes do grupo falangista germanófilo do qual fizera parte, o movimento totalitário constituía um estilo de vida e uma doutrina. Ao elogiar os líderes nazifascitas, Laín afirmou: "Cria um estilo de vida aquele que recebe o sopro dos destinos históricos e rompe com a caducidade em nome da esperança: assim Mussolini, Hitler, José Antonio, Franco, [...] José Antonio fez do nacionalsindicalismo um modo de ser cuja expressão primeira é uma revolução da qual há de ser Franco o dirigente".15 15 Este texto de Laín Entralgo data de 1937. APUD GALLEGO, José Andrés. ?Fascismo o Estado Católico, p.83.

A concepção de totalitarismo expressa pelos falangistas espanhóis tinha uma dimensão religiosa, católica. Mas esse catolicismo se diferenciada do que orientava os católicos tradicionalistas, que também apoiavam o regime. O atrito entre esses grupos foi importante no período em foco.

Conflitos também aconteceram entre os antigos membros do grupo de Pamplona liderado pelo sacerdote Yzurdiaga, do qual Láin fizera parte. Esse grupo, como mostra José Andrés Gallego, desmembrou-se em três.

Uma parte continuou atuando, mas com uma projeção política apenas local. Outra desempenhou funções políticas junto ao Ministério da Educação. A terceira se organizou em torno do Ministério do Interior dirigido pelo cunhado de Franco, Serrano Suñer, admirador de Mussolini e germanófilo.16 16 GALLEGO, José Andrés. ?Fascismo o Estado Católico, p.131-3.

Os membros desse grupo ocuparam cargos diretivos junto aos meios de comunicação ficando encarregados da organização da propaganda e censura, bem como do controle de agências de notícias, jornais, revistas, mercado editorial, cadeias de rádio e produção de documentários.

Pedro Laín Entralgo ocupou um cargo ligado a esse Ministério, que controlava o Serviço Nacional de Propaganda. Foi Chefe do setor de "Ediciónes y Publicaciónes" que compreendia "Ediciónes Jerarquia" (encarregada da publicação de obras literárias e intelectuais), "Ediciónes de Fé" (encarregada das obras políticas) e "Ediciónes Libertad" (encarregada da publicação de edições populares de livros e folhetos). Nessa função, adquiriu grande experiência no ramo editorial, que certamente lhe foi útil na direção de Cuadernos Hispanoamericanos.

Com o seu beneplácito, foram censuradas publicações de grupos católicos alheios à Falange; esses atos de censura provocaram protestos que deixaram claro o conflito entre a "Imprensa Católica" e a "Imprensa do Movimento" (Falange). A censura impediu, até mesmo, a reapari ção de Acción Española, revista criada em 1931 como expressão do catolicismo tradicionalista, orientado pelo pensamento de Ramiro de Maeztu e Victor Pradera. Estes ideólogos católicos se identificavam com as teses do pensador francês Charles Maurras, criador do movimento L'Action Française.17 17 Esse tipo de catolicismo se baseava no regalismo do passado, que correspondia ao período dos reis católicos e da dinastia dos Áustria, defensores da cristandade. Eram ortodoxos e adeptos do absolutismo; como tal, insistiam na unidade entre a Igreja e o Estado. Definiam a República como "el signo de la bestia". Cf. LHERA, Luis de. "La reforma religiosa y filosófica: en Europa y España". In: LHERA, Luis de. (coord.) Religión y literatura en el modernismo español, 1902-1914, Madrid: Actas, 1994, p.131-75.

As autoridades eclesiásticas protestaram veementemente contra a censura. O Cardeal Isidro Goma, de Toledo, identificou o regime com o totalitarismo definido, por ele, como "estadolatria".

Em 1941 surgiu a revista Escorial dirigida por Laín Entralgo e Dionísio Ridruejo (líder falangista e antigo companheiro do Ministro Serrano Súñer).18 18 Blas Matamoro comenta que Ridruejo representava, talvez, o único setor laico da inteligência oficial. Posteriormente tornou-se antifranquista e se aproximou dos emigrados republicanos. ROSSI, Blas Matamoro. "Una ojeada retrospectiva sobre Cuadernos Hispanoamericanos", p.93. O editorial do primeiro número demonstrava empenho dos seus responsáveis na integração de valores coerentes com a idéia de uma unidade viva, entendida como unidade nacional, consigna primeira do movimento falangista. Nesse ano, a influência nazista sobre o grupo falangista liderado por Serrano Súñer, atingiu o seu auge. A Imprensa conduzida pela Direção de Propaganda apresentava as vitórias nazistas como o anúncio do fim da resistência a Hitler na Europa.

Serrano Suñer, à frente do "Ministério del Interior", posteriormente denominado "Ministério de Asuntos Exteriores", ficara encarregado da condução da política externa.19 19 O "Ministério del Interior", à frente do qual estava Serrano Suñer, passou a chamar-se "Ministério de Asuntos Exteriores", em 1942, poucos meses antes de sua substituição no cargo.

O Ministro germanófilo fazia o jogo da Alemanha em relação a Iberoam érica: o regime nazista pretendia penetrar nessa região com o objetivo de competir com os EUA e a Espanha representava uma possibilidade de ação indireta no Continente americano.

As instituções culturais criadas a partir do Ministério comandado por Suñer tinham como objetivo principal promover, ao mesmo tempo a defesa da hispanidad e a crítica ao "panamericanismo", denunciado como um engodo.

Caberia à Espanha combater a hegemonia dos EUA sobre o Continente americano. Acreditando na vitória do nazifascismo, os responsá- veis por essa política pretendiam que a Espanha fosse porta voz da Europa renovada na Iberoamérica.

Desse interesse pela hispanoamérica resultou a criação, em 1940, do "Consejo de Hispanidad" ligado ao Ministério comandado por Serrano Suñer. O Conselho deveria promover todas as atividades que tendiam à unificação da cultura, dos interesses econômicos e do poder, relacionados com o mundo hispânico.20 20 Cf. DELGADO, Lorenzo. Diplomacia franquista y política cultural hacia iberoamerica. 1939-1953, Madrid: C.S.I.C./Centro de Estúdios Históricos, 1988, p.63.

Note-se que, não apenas as relações culturais, mas também as econ ômicas e políticas eram dignas de interesse, o que significava uma possibilidade de ampliação do sentido de hispanidad.

Fazia parte das atividades do CH, convites a intelectuais hispanoamericanos para viajar à Espanha com a finalidade de estudar os fundamentos da doutrina da hispanidad. Mas o objetivo final era deslocar a hegemonia dos EUA na região e vitalizar nela a influência espanhola, através do aumento do peso diplomático da Espanha na América Hispânica.

Os planos de torpedear a política panamericanista foram água abaixo com a entrada dos EUA na Guerra. Os países hispanoamericanos, na sua maioria, apoiaram a decisão norteamericana. Com essa mudança o "Consejo de Hispanidad" se enfraqueceu, pois perdera sua função principal, ou seja, a de fazer frente ao prestígio norteamericano no Continente.

A reviravolta no cenário da guerra teve forte repercussão no regime espanhol.

A política externa do regime franquista, entre 1939 e 1941, caracterizara-se por uma inclinação pró-Eixo. A declaração de guerra da Alemanha à URSS, resultou em pressões internas para a entrada da Espanha na guerra e Serrano Súñer era defensor dessa posição. Mas Hitler sofreu duro revés nessa empreitada e os rumos do conflito se alteraram significativamente. Em 1942, até mesmo os germanófilos já não demonstravam tanta certeza em relação à vitória da Alemanha.

Inaugurou-se, então, uma nova fase da política externa que provocou mudanças internas importantes. O governo modificou sua conduta em relação aos pró-nazi. Serrano Súñer e sua equipe, da qual fazia parte Pedro Laín Entralgo, tiveram que deixar os seus cargos e foram substituídos por representantes de outro grupo falangista, que insistia no caráter católico do movimento e na diferenciação da Falange em relação aos totalitarismos estrangeiros.

Nesse novo contexto, a revista Arriba España, ainda sob influência do sacerdote Yzurdiaga, antigo líder do grupo de Pamplona do qual Laín fizera parte, iniciou uma campanha contra os intelectuais responsáveis pela revista Escorial. Criticavam a postura "intelectualóide" de seus diretores, referindo-se, diretamente a Laín Entralgo.21 21 Cf. GALLEGO, José Andrés. ?Fascismo o Estado Católico, p.254-5.

Como se pode notar, o antigo grupo de Pamplona se apresentava dividido nesse novo contexto e as divergências políticas eram expressas através de revistas que, em última instância se identificavam com o regime franquista.

Com o final da guerra, estava definitivamente encerrada a fase pró-Eixo do governo franquista. Franco procurara, desde 1942, mudar a imagem do poder identificado com o totalitarismo. Mas as medidas adotadas com esta finalidade, entre elas a substituição de grupos germanófilos por grupos católicos na esfera do poder, não surtiram efeito. Como já foi dito antes, entre 1946 e 1950 a Espanha permaneceu isolada no contexto internacional.

Pedro Laín Entralgo, embora afastado de seu cargo oficial, não deixou de colaborar com o regime na sua luta pela aceitação nos organismo internacionais.

Cuadernos Hispanoamericanos: um produto do "Instituto de Cultura Hispánica"

Em junho de 1945, na primeira reunião da ONU realizada em São Francisco, ocorreu a condenação do regime espanhol.22 22 Na reunião dos três grandes (Reino Unido, URSS e EUA) em Postdam, em 2 de agosto de 1945, ficou decidido que eles apoiariam a entrada na ONU dos países que haviam permanecido neutros. Mas o governo espanhol ficou excluído dessa benesse porque sua origem estava intimamente associada aos Estados agressores. O bloqueio diplomático e econômico dificultava enormemente a sobrevivência do governo franquista que contou, apenas, com o apoio do governante argentino Juan Domingo Perón até 1949.

Esta situação nos ajuda a entender em que contexto foi criada a revista Cuadernos Hispanoamericanos. Os motivos de sua criação, como já foi exposto anteriormente, estão relacionados às novas coordenadas da política americanista desenvolvida nesse período de maior isolamento da Espanha. Nesse contexto, o apoio dos países hispanoamericanos era considerado vital.

A frustração do projeto de nacionalismo expansivo levado avante pelo Ministro Serrano Súñer coincidiu com a sua substituição pelo conde Jordana no Ministro de Assuntos Exteriores. O novo Ministro era ligado à direita conservadora tradicional, que se diferenciava, em vários aspectos do grupo de intelectuais falangistas germanófilos.

A nova orientação em relação à política americanista levava em conta o fortalecimento da influência dos EUA na região, no período pósguerra. Decidiu-se que, então, que o fomento à hispanidad deveria orientar-se pela exaltação das tradições, do sentimento católico, procurando referir-se o menos possível a questões políticas. A Guerra Civil Espanhola deveria ser justificada em termos de uma "Cruzada" em defesa dos valores espirituais, da dignidade humana e da civilização cristã amea çada pelo comunismo. As novas diretrizes recomendavam evitar o emprego da palavra Império e tudo o que pudesse dar idéia de uma Espanha desejosa de posição tutelar nos países de língua espanhola.

A orientação do Ministro Jordano consistia na pregação do catolicismo, vinculado ao anti-comunismo. Como, naquele momento, a intensa propaganda anti-nazista produzida pelos norte-americanos, divulgada no Continente Latino Americano, comprometera a imagem da Espanha identificado com o nazifascismo, o Ministro decidiu enfatizar a afinidade religiosa e cultural com a Iberoamérica como fator de integração. A aproxima ção com a Santa Sé, promovida pelo regime, permitia afirmar que a Espanha era, antes de tudo, um país católico.

As derrotas da Alemanha em 1943 haviam reforçado as posições neutralistas de Jordano.

No que se referia à Iberoamérica, o "Consejo de Hispanidad", ainda em atuação, ficara encarregado da contra-propaganda. Na comemoração do "dia da Raça" em 12 de outubro de 1944, na qual esteve presente o embaixador norte-americano, o discurso do representante do CH, rendia homenagem à Espanha, criadora da América, e também a outras raças que tinham contribuído para modelar a fisionomia do Continente americano; fazia referência aos irmãos portugueses e aos povos anglosax ões, especialmente dos EUA; além disso, referia-se positivamente à unidade continental.

Apesar dessa mudança de postura, o isolamento da Espanha persistiu agravado por medidas adotadas contra o país.23 23 Na conferência de Yalta de fevereiro de 1945 foram acertadas medidas contra todos os países satélites do Eixo. Quando se deu a estruturação da ONU, nesse mesmo ano, a Espanha não foi convidada a colaborar nos trabalhos; também não foi aceita como membro desse organismo internacional sob alegação de que não declarara guerra ao Eixo. Além do mais, foi aceita, em caráter oficial, a presença de um representante dos exilados republicanos espanhóis.

A Imprensa mundial condenava o regime franquista. Alberto Martin Artajo, que substituiu Jordana no cargo de "Ministro de Asuntos Exteriores ", representava o apoio da Igreja ao regime ditatorial. Ele respondia às acusações ao governo, lamentando o desconsolo que causavam à "Mãe Pátria" e responsabilizava o proselitismo comunista pela difamação anti-espanhola.

Em 1945 o "Consejo de Hispanidad" foi transformado em "Instituto de Cultura Hispánica" ligado ao MAE; sua estruturação se deu entre 1946-7. Durante esse período, o novo órgão recebeu verbas vultosas do Minist ério para promover a defesa da Espanha no contexto externo a partir de ofensivas culturais. Muitos institutos foram criados posteriormente como o Instituto Cultural Iberoamericano do qual Pedro Laín Entralgo foi membro fundador.

Nesse ínterim, o governo espanhol travou uma batalha externa intensa para defender-se da campanha contra a Espanha capitaneada pelos EUA, durante o governo Truman. Nesse momento de ascensão norteamericana na América, a ONU, como disse Lorenzo Delgado, transformou-se num tribunal contra Franco. A situação só começou a modificarse com o início da Guerra Fria. A política defensiva centrou-se na atuação do "Instituto de Cultura Hispánica", encarregado de restabelecer a comunicação entre países hispânicos dos dois lados do Atlântico.

O intercâmbio cultural e universitário foi o carro chefe do novo projeto. Foram concedidas bolsas de estudo e auxílios de viagem para estudantes e profissionais hispanomericanos que desejavam ir para a Espanha. Houve custeio de missões culturais espanholas na América e estimulo à vinda de conferencistas daqueles países. Muitos Congressos foram organizados com o mesmo fim de aproximação com os hispanoamericanos.

As atividades do ICH se intensificaram, sobretudo no campo editorial: em 1948 entrou em circulação Cuadernos Hispanoamericanos.

Surgiu apresentando um repertório significativo de textos relacionados ao tema da hispanidad. O sentido político do periódico se revelava nessas abordagens.24 24 A revista apresentava, inicialmente, cinco seções: "Del ser y del pensar hispánicos", dedicada ao tema da identidade hispânica; "Nuestro Tiempo", abordava temas da atualidade; "Arte e poética", privilegiava a poesia; "Asteriscos", continha informes sobre atividades culturais; "Brujula para leer", indicava leituras relativas a diferentes áreas do conhecimento. As seções foram se modificando ao longo dessa primeira fase, sem afetar, contudo, a linha mestra da publicação. Uma modificação digna de nota refere-se à introdução, em 1951, da seção intitulada "?Adonde vá hispanoamérica?", dedicada exclusivamente a temas relacionados à identidade hispânica e união desses povos de mesma origem. No núm 18 (1950) encontramos um balanço quantitativo dos temas abordados na revista desde o início de sua existência: 28 vezes foram tratados assuntos concernentes a Hispanoamérica (aí incluindo, sem qualquer ressalva, o Brasil).

Esta revista bimensal fazia parte de um conjunto maior de publica- ções "Ediciones Cultura Hispânica", editada em Madri, pelas "Indústrias Gráficas Espana". Tais publicações eram fruto das atividades do "Instituto Cultural Hispânico" que, dentre as muitas atribuições que lhe foram conferidas, constava um trabalho intenso no plano editorial.25 25 Além da impressão de um Boletim Informativo de tiragem quinzenal, distribuído gratuitamente nos países iberoamericanos, o ICH foi responsável pela edição de livros relacionados aos objetivos que orientavam a sua atuação. Lorenzo Delgado descreve o auge e declínio de "Ediciones de Cultura Hispánica", mostrando que, na década de 1950, a de maior expansão da produção editorial do ICH, foram publicados cerca de duzentos e cinqüenta obras. O autor comenta que esses resultados não se repetiram, nem se aproximaram dele, posteriormente. DELGADO, Lorenzo "Libros y revistas para América"..., p.32. Tais atividades foram mais intensas justamente no momento crucial de afirmação do regime franquista no plano externo.

Cuadernos Hispanomaricanos, uma das peças principais desse plano editorial, destacou-se, desde o início pela apresentação cuidadosa das matérias e das ilustrações. Os temas abordados na revista eram muito variados e incluía discussões sobre arte, filosofia, literatura, economia. Mas o tema principal, ou seja, a hispanidad, era discutido numa seção específica, dedicada, sobretudo, às relações da Espanha com a hispanoam érica.

Todas as atividades relacionadas ao intercâmbio entre Espanha e hispanoamérica, eram, não apenas divulgadas, mas também comentadas nas diferentes seções da revista. Conferências, reuniões internacionais, cursos, atividades universitárias, documentos oficiais, cartas de inten ções, bem como referências a bibliotecas, hemerotecas, exposições de livros ou de artes, eram objeto de notificação e comentário.

A revista representou, no seu início, um dos principais veículos desse intercâmbio promovido para aproximar os povos de língua espanhola em torno do ideal de hispanidad.

Como as atividades do ICH estavam voltadas para a tentativa de conquistar o apoio dos hispanoamericanos para fazer frente ao bloqueio econômico e político. Cuadernos Hispanoamericanos representou, em sua primeira fase dirigida por Laín Entralgo, uma arma de luta de grande eficácia nesse sentido.

Mas a situação de isolamento foi se modificando com o advento da chamada "Guerra Fria". As sanções contra o regime franquista foram se abrandando e, no ano em que ela foi criada, já havia pálidos sinais de mudanças detectáveis, por exemplo, na declaração de John Fuster Dulles sobre a necessidade de melhorar progressivamente as relações entre os países do Ocidente e a Espanha. O encarregado das relações entre EUA e América Latina, ponderou, perante a objeção dos países contrários, que não tinha simpatias por Franco, mas, em certos momentos, era preciso saber eleger entre "Mefisto e Lúcifer". Os soviets representavam, de todos os perigos, aquele que era necessário enfrentar em primeiro lugar.26 26 Cf. DELGADO, Lorenzo. op.cit., p.144.

A mudança de orientação em relação à Espanha estava relacionada aos acontecimentos que tumultuaram a Europa no semestre de 1948: o golpe comunista na Tchecoslováquia e o bloqueio russo em Berlim. No mês de outubro desse ano, chegou a Madri, a primeira missão militar norteamericana representada pelo Senador Gurney, que afirmou: "Todos os que resistem ao comunismo devem compreender o interesse de se fazer a Espanha entrar no seio das Nações Unidas".

Quando se iniciou a Guerra da Coréia, em junho de 1950, o representante diplomático da Espanha em Washington declarou que seu país desejava ajudar os EUA a deter o comunismo, enviando forças para a região rebelde. Logo a seguir, o Senado autorizou a liberação de créditos do Export-Import Bank para a Espanha. Em 4 de novembro a interven ção massiva de tropas chinesas na Coréia fez com que a batalha contra o comunismo passasse a primeiro plano. Nesse mesmo ano, o regime espanhol foi reconhecido na ONU.27 27 Cf. TAMAMES, Ramón. La República. La era de Franco. In: ARTOLA, Miguel. (dir.) História de España vol 7, Madrid: Alianza Editorial, 1986, p.262.

Com o acirramento da luta contra o comunismo no início da década de 1950, o quadro político internacional sofreu alteração significativa: a Espanha conseguiu, a partir de então, destacar-se como baluarte da luta contra o perigo comunista. Em 1953 o regime espanhol conseguiu estabelecer um pacto com o Vaticano (através do qual a Igreja espanhola adquiriu muitos privilégios), e outro com Washington, referente a: assist ência econômica, defesa mútua e provisão de material bélico. As conquistas obtidas nesses anos foram definitivas para a afirmação do regime de Franco. A admissão da Espanha na ONU, em 1955, foi a mais importante delas.

O significado da hispanidad em Cuadernos Hispanoamericanos

Voltando ao início da revista, cabe esclarecer que no seu primeiro número foi definida sua finalidade e os leitores aos quais ela era dirigida. O editorial intitulado "A quem ler" apresentava declarações de princípios:

"Quem lê esta revista deve saber, antes de tudo, que nasceu para servir ao diálogo. O homem vive humanamente enquanto dialoga consigo mesmo, com os demais homens, com a Divindade". Tratava-se, pois, de um diálogo cristão ao qual se dedicavam os seus produtores visando "dialogar hispanicamente" com seus colaboradores e leitores.

Partindo do pressuposto de que a Espanha, entendida de distintas maneiras, há séculos se fizera presente nos países da América Ibérica, seus responsáveis afirmavam que espanhóis e hispanoamericanos tinham muito a contar a respeito de um modo de ver, sentir, pensar a partir de uma história comum, mas também diversa, marcada por dores, esperanças e ambições". Mas esclareciam: "Dialogaremos amistosamente com todos quantos queiram ser fiéis ao modo de ser que chamamos Hispanidad, ou seja, a melhor possibilidade histórica dos homens espanhóis e hispanoamericanos. Dialogaremos polemicamente com todos os inimigos e dissidentes desse alto modo de ser homem e de seu direito à existência histórica. Servimos à verdade e ao nosso direito; teremos como amigos, conseqüentemente, a todos os amigos da verdade, e por inimigos a todos os hostis contra nosso direito".

A representação identitária que orientava o ideário expresso na revista exprime, com clareza um "nós hispânico", capaz de dialogar entre si, admitindo divergências. Mas o "outro", o "inimigo", embora fosse considerado dialogável, não teve espaço nas suas páginas. Essa identidade se apresentava sintetizada na idéia de hispanidad.

Procuraremos mostrar como se dava esse diálogo e que vozes dissonantes puderam se manifestar no interior desse projeto editorial.

A leitura dos editoriais e artigos, publicados no período, relacionados à hispanidad, permitiu constatar que, apesar da tentativa se apresentá-la como um conceito unitário, ele abrigava concepções distintas em função dos grupos divergentes que se orientavam por esse ideal.

Percebemos, também, que a idéia de hispanidad foi construída a partir de um modelo de sociedade autoritária que se concretizou com a instalação do regime franquista.28 28 Lorenzo Delgado rastreia a trajetória desse conceito, a partir do final do século XIX, concluindo que, havia uma interpretação reacionária do fenômeno americanista que partia da tradição do pensamento conservador decimónico. Ela foi atualizada no transcurso do século XX com variantes ideológicas que se foram conformando ao longo dos anos até sua sistematização na década de 1930. Quando foi posta em prática pelo franquismo, carcterizou-se pela beligerância propagandística e pelo caráter apologético. DELGADO, Lorenzo. op.cit., p.26-7.

No período republicano, dois grupos doutrinários influíram na sua formulação.

O grupo ligado à revista Acción Española liderado por Ramiro Maeztu, entendia a "hispanidad" a partir de uma perspectiva teológica e providencialista da história na qual o espanhol se apresentava como povo eleito pela divindade para a defesa da pregação do catolicismo no mundo. A decadência da Espanha, amplamente discutida a partir do final do século XIX, era vista como conseqüência do retraimento dessa missão providencial que deveria ser estimulada no presente. O cerne da restaura ção espanhola e de sua regeneração político-religiosa radicava na volta aos fundamentos sociais e morais da hispanidad do século XVI, que correspondia à "época de ouro" da Espanha; nesse período se assentara a base da nacionalidade hispânica. Partindo dessa referência, atribuía-se à nação Ibérica, a missão de voltar a ser "guia espiritual" desse povo.

Esta perspectiva regeneracionista, segundo Lorenzo Delgado, tinha um caráter regressivo e o passado era sua fonte de inspiração. Parte da hierarquia eclesiástica assumiu essa leitura do americanismo. A visão nostálgica do Império, concebido como parte do espírito católico, permitia a união do passado, presente e futuro. Este grupo acreditava na possibilidade de restauração da Monarquia católica.

O outro, constituído por representantes da Falange espanhola, concebia a hispanidad a partir de um ideal de Império, inspirado na concepção nazista. Visando a conquista de um espaço vital, procuraram transformar a nostalgia de um passado imperial em uma vontade imperialista futura que, no caso espanhol, implicava numa discussão territorial englobando espaços da Península e Continente africano; referiam-se, portanto, ao Império como conquista material, territorial a ser conseguida no futuro. Com relação à Iberoamérica, esta era pensada como área de influência preferencial e campo importante para transmissão cultural e propagandistica. Os falangistas não eram monarquistas.

Com relação à Monarquia, consideravam positiva essa experiência espanhola, mas seu tempo já havia passado. Primo de Rivera afirmara que a Monarquia se desprendera como casca morta no 14 de abril de 1931, data que correspondia ao início da ditadura que o colocou à frente do poder na Espanha.29 29 Sobre o assunto, consultar DELGADO, Lorenzo. op.cit., p.33-6.

Como se pode notar, havia diferenças políticas significativas entre esses dois grupos.

A derrota do Eixo destruiu a possibilidade de ação dos falangistas germanófilos, o que significou, em última instância, a derrota de seu projeto político. O afastamento dos falangistas dos cargos oficiais em 1942 representou, no plano das idéias, novo prestigio conferido às teses católicas "passadistas", tanto em relação à Espanha como à hispanoamérica.

Mas a vitória do grupo católico tradicionalista não significou a imposição de um pensamento único em relação à hispanidad, ideal que orientou a trajetória de Cuadernos Hispanoamericanos, na sua primeira fase.

Dentre os autores que escreveram na revista, alguns se identificavam claramente com a perspectiva católica tradicionalista, mas muitos outros, ai incluindo o seu fundador e membros do corpo redacional, expressavam concepções distintas. Encontramos em suas páginas, posições diferentes sobre o tema, mas procuraremos mostrar que elas tinham um fundamento comum que definia o limite do diálogo anunciado.

Mencionaremos, inicialmente, alguns exemplos expressivos da concepção católica tradicionalista, a começar pelo líder do grupo.

Na linha de interpretação de Ramiro Maeztu, constantemente citado e referenciado na revista, encontramos artigos que explicitavam a visão de história dessa corrente de pensamento.30 30 Quinze anos depois de sua morte, o autor de En defesa de la hispanidad, foi homenageado com um número especial no qual comentadores enalteceram sua batalha em prol desse ideal. (nums. 33-34, 1952).

O artigo de Juan Carlos Goyneche, membro do "Consejo Hispanomericano ", sobre Hispanoamerica y la unidad de la cultura é exemplar nesse sentido. O eixo central do texto consiste no apelo à necessidade de "recristianização do mundo".

O autor apresenta uma releitura do passado com sentido providencialista, segundo a qual a América entrava na História por desígnios divinos, através de uma nação, formada na defesa de altíssimos ideais. Coubera à Espanha "esta aventura, a mais formidável de redenção depois da vivida pelo filho de Deus, que desceu ao mundo para salvar-nos".

Reconstituindo a chegada do homem branco no Continente, lembrava que ele enfrentara o desconhecido e todos os riscos: natureza hostil, solidão, inimigos invisíveis. Não era a cobiça, nem a ânsia de poder, nem o afã de glória que movia os conquistadores, mas a fé.

A Espanha, afirmava o autor, chegara à América para incorporar os nativos à fé de Cristo e, com eles, mesclar seu sangue. Dessa empreitada generosa resultara o Império espanhol, uma unidade da política com a fé.

Comparando a empresa ibérica com a anglosaxã, enaltecia o passado hispânico, questionando a concepção de "homem novo" desconectado da tradição, que a América saxã acreditava ter conseguido gra- ças à exuberância do Continente.

Atribuía à Espanha, que integrara os povos americanos à história, a responsabilidade sobre o futuro da América e a missão de salvar os destinos da Europa. Eram tarefas distintas e realidades diversas que deveriam se encontrar numa "superior aliança do espírito".

Condenando o capitalismo liberal, baseado no individualismo, contrapunha a essa realidade, a tradição milenar ibérica que não aceitava "nem soluções de massa nem vaidades do eu. Nem tudo para a comunidade, nem tudo para o eu". Cabia, pois à iberoamérica a tarefa de "recristianizar o mundo a partir do "Fiat" primeiro com o qual Deus inaugurou nosso destino". (núm.21, 1951)

O texto exalta a hispanidad com uma intenção de crítica à cultura norteamericana que se impôs no Continente, abalando o prestígio Ibérico na região. Segundo Goyneche, a reconquista desse prestígio era uma das metas da política americanista naquele momento.

Outros autores hispanoamericanos se manifestaram nessa mesma direção. O peruano Honório Delgado escreveu sobre os "Fundamentos ontológicos de nossa unidade cultural", para homenagear a criação Instituto Peruano de Cultura Hispânica.

Atribuía à cultura greco-latina, da qual a hispânica constituía uma ramificação desse tronco comum, a tarefa de promover o desenvolvimento espiritual e, nesse sentido, advertia que a indiferença, desapego ou ressentimento perante a hispanidad significava uma negação de "nós mesmos".

O "ser intrínseco" da hispanidad, considerado fonte renovadora da vida, constituía a peculiar mística capaz de conduzir os povos no sentido da moral baseada na tradição religiosa que representava a antípoda do "progressismo", característico de um mundo sem alma. (n.2, 1948)

Também neste artigo fica implícita a crítica aos norteamericanos através da referência ao "progressismo".

Amadises de Espanha, artigo sem autoria publicado na revista, radicalizava a concepção "passadista". Alertando para a desumanização da civilização em curso, o autor do texto recuperava o glorioso passado hispânico que conseguira "inventar um novo tipo de civilização baseado em valores morais e suprahistóricos, e com ele salvaram o mundo". O artigo referia-se a um passado no qual atuara uma .empresa de "caballeros", orientados por virtudes guerreiras e morais em luta por uma causa justa. Tinham uma meta de ordem superior para a qual contaram com o auxilio divino. Neste sentido, tais caballeros! eram vistos como predestinados, ou seja, escolhidos por Deus e instrumentos da sua vontade, para salvar o mundo ocidental materialista e reconduzi-lo à fé católica.

Frente a um mundo em crise, o autor propunha que os hispanos da atualidade alçassem uma nova bandeira: empresa de caballeros, que exigia: "ou sair-se bem ou morrer na procura". Esta era a divisa dos cruzados, dos fidalgos, dos novos Amadises da América! (n.4, 1948)

A idéia de predestinação do povo hispânico e o espírito católico, ambos expressos no texto, permitem traçar um paralelo com a idéia de predestinação puritana que informou a doutrina norteamericana do "Destino Manifesto". Formulada, a partir de mitos de origem, a doutrina indicava o povo norteamericano como predestinado à salvação, cujo sinal era o progresso material. Esse ideal permitiu que se apresentassem ao mundo como imbuídos de uma missão "civilizadora" em relação aos povos considerados atrasados, os hispânicos, entre outros. Eles eram vistos como incapazes de realizar o progresso econômico e político porque tinham sido colonizados pela Monarquia Ibérica, expressão do conservadorismo político e religioso. Os EUA justificaram sua política intervencionista na Iberoamérica a partir dessa perspectiva salvacionista.

Os católicos espanhóis salvacionistas, ao contrário, vangloriavamse desse passado heróico que construíra, segundo eles, uma civilização baseada na fé, responsável pela formação de uma cultura de caráter espiritualista a ser preservada pelos novos missionários do catolicismo.

Também neste texto se explicita a idéia de combate aos EUA e sua cultura que se expandia por territórios hispânicos.

A ênfase no poder do espírito, apregoada pelos defensores do catolicismo tradicionalista, cerne de sua concepção de hispanidad, tinha espaço nas páginas da revista, mas esta era uma das versões ali expressas. É importante mostrar que Pedro Laín Entralgo, seu fundador, não assumia essa perspectiva.

Num texto datado de 1948, Laín deixou claro que sua concepção de hispanidad não permitia apresentá-la como uma entidade estável e conclu ída, mas criadora e renovadora. Nesse sentido, afirmou: "Chamamos Hispanoamérica ou Iberoamérica ao ingente marco geográfico e político em que vive a Hispanidad; devemos chamar Hispanidad tanto ao conjunto dos que dentro de um marco querem ser fiéis ao velho modo de ser, como ao modo de ser mesmo; devemos crer, enfim, que a Hispanidad é capaz de eficácia universal e susceptível de permanente e diversa atualização histórica. Nem tudo na Espanha e na hispanoamérica é Hispanidad, nem talvez chegue a ser nunca; mas pode ser acabadamente hispânica uma fração de homens, muito mais importante que a atual, se os fiéis à obrigação cristã da verdade e do bem se esforçarem para ser os melhores e operar em concórdia".31 31 O artigo de autoria de Laín Entralgo foi comentado por Antonio Lago Carballo, no artigo "El tema de América em la obra de Pedro Laín Entralgo" publicado em Cuadernos Hispanoamericanos, n.82, 1956.

Como se pode notar, Laín apresenta uma concepção relativizada desse ideal. Essa relatividade contrasta com a essência universal e imut ável que o conceito adquire na obra de Maeztu e seus seguidores; o reconhecimento das transformações de sentido operadas em torno desse conceito e as dúvidas quanto à sua eficácia universal, provavelmente se explicam a partir das transformações de conjuntura relacionadas aos reordenamentos da política externa espanhola após a Segunda Guerra. O fundador da revista se mostrava sensível a essas mudanças vivenciadas por ele.

O ideal de hispanidad foi exaltado por outros membros do corpo redacional da revista que, também, não se identificavam com o conceito de hispanidad formulado por Maeztu. Citamos, neste caso, o artigo de Jaime Delgado, sobre La unidad de Hispanoamérica. O autor apresenta uma interpretação de hispanidad relacionada à história e à cultura.

Referindo-se à situação da Hispanoamérica naquele momento, procurou traçar um mapa político que mostrava desagregação. Ao indagarse sobre as razões disso, descartava as teses que a explicavam a partir da diversidade cultural e geográfica. Afirmou não pretender, através do artigo, realizar o milagre da unificação depois de século e meio de lutas internas e guerras civis, mas deixou clara sua crença no sucesso da "missão integradora e unificadora" a longo prazo, pois a hispanoamérica, mais do que um Continente geográfico era um conteúdo histórico/ cultural. Dialogando com as correntes indigenista da época, partia do pressuposto da existência de uma cultura comum, mestiça, mas esclarecia que o denominador comum era o hispano e não o índio. A dominação levada a efeito por três séculos garantira a unidade em múltiplos aspectos, mas dava ênfase à história comum, através da qual a hispanoam érica havia penetrado na civilização ocidental". (n.80, 1956)

Jaime Delgado referia-se à existência de uma "dominação", que garantira a unidade. Fundamentava sua análise a partir da "história", e nesse sentido se distanciava dos pressupostos católicos, que se baseavam na idéia de um "espírito" imutável.

A mudança de conjuntura internacional também pôs em discussão o papel dos EUA, nova potência hegemônica e baluarte da luta contra o comunismo.

Muitos artigos publicados na revista discutiram essa questão a partir de diferentes enfoques. Em suas páginas manifestaram-se defensores e detratores dos EUA, como veremos a seguir.

Cabe lembrar que Cuadernos Hispanamericanos surgiu com a finalidade de aproximação dos povos hispânicos para fazer frente ao bloqueio organizado contra o franquismo, capitaneado pelo governo norteamericano, considerado inimigo da Espanha. No entanto, como política internacional se modificou significativamente a partir da Guerra Fria, a ponto do "inimigo" tornar-se "aliado", as discussões que envolviam hispanismo e panamericanismo expressas na revista, revelaram, a partir da década de 1959, controvérsias importantes.

Com relação ao panamericanismo, Jaime Peralta publicou, em 1952, um artigo criticando essa política, considerada expressão do domínio norteamericano nas Américas, comprovado através de inúmeras interven ções na região hispanoamericana, desde a Independência das colônias.

Após mencionar fatos históricos reveladores desse domínio, enumerou vários autores que, em períodos diversos, defenderam a unidade hispânica. A partir desses flashs históricos, centrou o foco da crítica nas "Conferências Panamericanas" que, segundo ele, obedeciam a causas e fins completamente diversos aos interesses hispanomaricanos. Concluía o artigo afirmando que o "panamericanismo, criação alheia a seu próprio gênio racial, nunca poderia ser outra coisa que não o que é atualmente, um organismo de dominação por parte dos EUA". (Intentos de Union Hispanoamericana a través de los Congresos Hispânicos, n.35, 1952)

Contra o "panamericanismo" também se manifestou o argentino Mario Amadeo, co-diretor da revista na sua primeira fase. A respeito do tema, escreveu, em 1951, um texto questionando a política dos EUA na América Latina, marcada pelo intervencionismo de "tão dolorosa memória". Admitia que a opinião majoritária dos latinoamericanos era favorável à hegemonia norte-americana. Mas, contra os que haviam se "vendido ao ouro ou se rendido aos prestígios exteriores do êxito", sugeria oposição máxima à agressão política, econômica, cultural e jurídica. Não importava se a agressão era grosseira ou sutil, que se realizasse mediante expedi ções ou pactos, que se chamasse big stick ou boa vizinhança, o ponto crucial era a oposição a todo tipo de intervencionismo, inclusive o que resultava do transplante do modo de vida norte americano para a hispanoam érica.

Acompanhava, de forma positiva, a caminhada da Europa para a unidade, pois o Continente unido poderia enfrentar o imperialismo norteamericano. Além disso, a Europa forte, porque unida, poderia entenderse com os Estados Unidos na tarefa de salvar o Ocidente da maré que ameaçava submergi-lo. Referia-se, neste aspecto, ao perigo comunista. (Bases para uma política hispanoamericana, n.20, 1951)

Essa postura crítica em relação aos EUA foi contestada através de artigos publicados na revista argentina Presencia, que foram transcritos em Cuadernos Hispanoamericanos. Eles exprimiam o pensamento de um grupo católico não identificado com o antiamericanismo. Mas também foram transcritos em CH, artigos de outra revista Argentina denominada Hispanoamérica, que defendia posições contrárias.

Estas transcrições de artigos que manifestavam perspectivas divergentes confirmavam a intenção de diálogo anunciada no primeiro número da revista. Mas o espaço conferido a essa polêmica em torno dos EUA também revela a importância atribuída ao tema no início da década de 1950.32 32 Os artigos das duas revistas mencionadas foram transcritos em Cuadernos Hispanoamericanos, n.21, 1951.

Em Hispanoamérica (1950), Hector Bernardo publicou um artigo Sobre la formación de un bloque economico hispanoamericano, abordando o tema de maneira positiva. Era contrário à unidade continental, considerada um mito devido às grandes diferenças existentes na América. Alegava que a extrema divisão reinante no Continente Latino Americano e a política econômica imposta pelas grandes nações, atuando como monopólios, explicavam porque a formação dos blocos não ocorrera ainda.

O problema da integração econômica da hispanoamérica se explicava, segundo o autor, por sua localização na periferia da economia mundial. Identificado com as teses da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina), que propunham um tipo de desenvolvimento autosustentado na região, o autor alegava que elas não tinham aceitação nos EUA porque colidiam com os interesses representados por esse país. (Sobre la formación de um Bloque Econômico Hispanoamericano).

Os questionamentos à política exterior norteamericana foram refutados por Tomas Infante, que se manifestou sobre o assunto na revista Presencia (1950). Desqualificava as críticas aos EUA, afirmando que elas eram fruto de ressentimento e insensatez, quando não, estupidez inusitada. Após referir-se negativamente aos países hispanomaricanos do ponto de vista econômico e político, ironizava a atitude dos comentaristas que pretendiam corrigir os desacertos da potência cuja supremacia no mundo era inegável. (Presencia, n.XLIV)

Foi transcrito, também em Cuadernos Hispanoamericanos, outro artigo da mesma revista, com o título Hispanidad Comunizante. Como não era assinado, é de se supor que representasse a opinião de seus editores.

O texto condenava todo tipo de oposição que dividia os povos, proporcionando, ao comunismo, material de primeira ordem para a conquista de seus objetivos precisos, ou seja, a destruição da civilização cristã. É curioso notar que, a defesa dos EUA era feita a partir da mesma premissa que orientava os críticos dessa política.

A apologia dos EUA assumia, neste caso, um tom provocativo. O autor afirmava: "uma causa tão nobre como a da hispanidad, que abriga sob sua bandeira todos quantos ambicionavam recristianizar os povos hispanoamericanos, deveria oferecer um poderoso bastão contra aqueles pérfidos propósitos. Mas não era assim: "Pelo contrário, acometidos de uma sensível psicose anti-yanque se entregaram a uma tarefa de difundir uma original versão da hispanidad, que proporcionaria base estratégica para os sagazes comunistas atuarem, em união com hispanoamericanos". Invocando encíclicas papais condenatórias ao comunismo, chamava a atenção para a luta mundial que tinha como principais adversários os EUA e a Rússia. Essa luta não poderia ser caracterizada como uma luta entre dois bandos que coincidem no fundamental, ou seja, na postura materialista, porque o comunismo representava a destruição do mundo cristão.

Para enfatizar a magnitude do perigo ao qual estava exposto o mundo ocidental cristão, o autor do texto invocou argumentos utilizados pelos católicos tradicionalistas que abominavam os movimentos de rebelião contra a Igreja, tendo sido a última delas a Revolução Francesa. Admitia-se, no entanto, que uma sociedade regida pelo liberalismo era mais tolerável porque permitia a existência da Igreja; na comunista, essa possibilidade estava totalmente excluída.

Avaliando as mudanças no quadro de forças do mundo pós-Guerra, concluía que a visão da hispanidad se alterara. Nesse ponto, o texto remetia o leitor à autêntica idéia de hispanidad exposta por Ramiro Maeztu em Defensa de la Hispanidad, onde o valor histórico da Espanha como defensora do espírito universal contra revoluções anti-cristãs era enaltecido.

A partir dessas referências ao passado, o autor argumentava que, graças à obra admirável da Contra Reforma, a Revolução anticristã não penetrara profundamente nos povos hispânicos como nos da Inglaterra, Alemanha e França.

O problema atual consistia no fato de que grupos entregues à nobre causa da hispanidad estivessem difundindo outra versão sobre ela ao transformar a hispanoamérica em reduto contra os EUA, considerado o inimigo principal. Esta postura era vista como um grande equívoco porque, também para os comunistas, este era o inimigo.

Esta análise, fruto de concepções oriundas da conjuntura da Guerra Fria, demonstra que a luta em defesa da hispanidad já seguia por outros caminhos. O conceito adquirira, nesse período, múltiplos sentidos. Na polêmica surgida em torno dele, argumentos novos e argumentos antigos renovados foram utilizados para defender posições distintas.

Por um lado, grupos católicos tradicionalistas, ferrenhos opositores da cultura anglosaxã materialista e liberal, defendiam os EUA, baluartes da luta contra o comunismo; como este se apresentava como o mal maior, "entre Lúcifer e Mefisto, preferiam Mefisto".

Por outro lado, grupos não identificados com essa corrente, consideravam o imperialismo norteamericano tão nefasto quanto o comunismo e por isso o combateram na mesma medida.

Todas essas versões estavam colocadas na revista que se tornou palco de discussões acaloradas sobre temas relevantes da conjuntura internacional. O ideal de hispanidad, arma de luta fundamental em defesa da Espanha, que orientou seus primeiros passos, foi dando lugar à constituição de um universo plural de idéias, mais amplas e diversificadas.

Essas mudanças estão relacionadas com as alterações na conjuntura mundial em vários planos. A própria relação da Espanha com a hispanoam érica já não era da mesma natureza.

A partir do momento em que o regime franquista foi aceito internacionalmente, a relação com a Iberoamérica se modificou. O diretor do "Instituto de Cultura Hispânica" à época - Sanchez Bello - referiu-se a um "segundo tempo" da ação espanhola em direção à Iberoamérica.

A criação de Cuadernos de Estúdios Econômicos deixou clara a nova orientação do ICH, que apesar da mudança de rumo não conseguiu manter o seu prestígio. Na segunda metade dos anos cinqüenta a aproxima ção pela via econômica entre Europa e Estados Unidos, fez com que as relações com a América Latina ficassem reduzidas a um papel de segunda ordem na política exterior. A partir de então, o ICH e seu programa editorial, no qual se incluía Cuadernos Hispanoamericanos, perderam sua função política prioritária. O diretor do Instituto Sanches Bella empenhou-se em garantir um lugar de destaque para esse órgão na nova conjuntura, a partir da formulação de um projeto grandioso relacionado à construção de um "bloco hispânico" coeso, de base econômica, com vistas a dialogar com os EUA e servir de contrapeso à influência norteamericana na América Latina. Acreditava que por esse caminho a Espanha se transformaria em grande potencia mundial.

Mas, como mostra Lorenzo Delgado, a realidade caminhava noutra direção e documentos de outros órgãos do próprio "Ministério de Asuntos Exteriores" ao qual o ICH estava subordinado, revelavam que o projeto era utópico.33 33 A propósito do Plano de Sanchez Bello, consultar DELGADO, Lorenzo. op. cit, p.209-27. O autor procura mostrar que a atuação do Instituto não convencia os iberoamericanos sobre a possibilidade de liderança da Espanha no Continente. Cita um exemplo muito significativo para confirmar essa idéia.

O embaixador argentino, em conversa privada com o embaixador francês afirmou: "Certamente Espanha permanece como nossa Mãe Pátria. Eu a amo e respeito. Mas ?que se pode esperar racionalmente, econômica e politicamente falando, de um país que não evoluiu desde Felipe II e que, no século XX continua sendo dirigido por nobres e curas?". O embaixador francês, refletindo sobre esta afirmação, concluiu que nessa frase se resumia todo o problema das relações da Espanha com o Novo Mundo. "Aos olhos deste, a antiga metrópole aparece um pouco como uma avó anciã que convém rodear de respeito e de considera ções, mas a quem seus descendentes não podem pedir, de fato, nem ajuda nem conselhos úteis".34 34 O episódio foi relatado pelo novo embaixador francês na Espanha, em correspondência oficial datada de Junho de 1951, ao seu Ministro de Assuntos Exteriores. Tal documento encontra-se em MRE-AD, Série B Amérique Latine 1944-1952, Sous-serie Généralités, vol. 50. APUD DELGADO, Lorenzo. op. cit, p.225, nota 64.

Ainda que se deva relativizar o papel da política de aproximação da Espanha em relação à hispanoamérica, através de um projeto orientado pelo ideal de hispanidad, não se pode negar a sua importância numa fase decisiva para a afirmação do regime franquista. Neste sentido podemos concluir que a revista Cuadernos Hispanoamericanos cumpriu, entre 1948 e 1955, o seu papel político definido pelo Instituto de Cultura Hispânica.

Se a política americanista, para a qual a revista esteve orientada não foi decisiva para a integração da Espanha nos organismos internacionais, isto não significa que ela não colaborou nesse sentido.

Criada para fazer frente a Cuadernos Americanos, porta voz dos exilados republicanos no México, desempenhou a função política de estreitamento dos laços identitários entre hispânicos do velho e do novo mundo, apelando, através do ideal da hispanidad para um passado comum - lingüístico, histórico e religioso -, que certamente encontrou eco, sobretudo entre grupos orientados por uma ideologia conservadora que dava as diretrizes à revista.

Além de ser representativa de um grupo vencedor, sua importância do ponto de vista histórico é incontestável. A análise dessa primeira fase da revista permitiu mostrar as voltas e reviravoltas de idéias que nela se expressaram. Criada com a finalidade de promover o debate, mostrou conflitos entre grupos políticos orientados por variações de uma ideologia conservadora e autoritária, que disputavam poder no interior do regime franquista.

A revista se prestou, efetivamente ao diálogo, mas as idéias que foram divulgadas em suas páginas, em momento algum ultrapassaram o limite do "ideal de hispanidad". As vozes dos "inimigos" permaneceram no silêncio. As idéias conflituantes que por ela circulavam, definiam políticas distintas, mas orientadas para um mesmo fim: a legitimação do franquismo e sua aceitação no plano internacional. Essa finalidade, ainda, que por caminhos tortuosos, foi atingida, o que demonstra a vitória do projeto maior. Os exilados republicanos que tinham acento na Assembléia Geral da ONU, foram os perdedores e junto com eles o conjunto de espanhóis derrotados em 1939, que permaneceram no país.

A partir dessa vitória do franquismo, Cuadernos Hispanoamericanos perdeu sua importância política. No entanto, esta publicação, que até hoje existe, ganhou prestígio frente a um público leitor mais amplo e plural. Ela se transformou numa revista de cultura que, uma vez liberada dos compromissos políticos que a definiram na primeira fase, acompanhou as principais tendências do pensamento e das artes nas décadas subsequentes.

  • 3 ROSSI, Blas Matamoro. "Una ojeada retrospectiva sobre Cuadernos Hispanoamericanos". In: La huella editorial del Instituto de Cultura Hispânica. Madrid: Fundacion Mapfre Tavera/Ministérios de Asuntos Exteriores, 2003.
  • 7 Lf. GÓMEZ-ESCALONILLA, Lorenzo Delgado. "'Libros y revistas para América': política cultural y producción editorial del Instituto de Cultura Hispánica". In: La huella editorial del Instituto de Cultura Hispânica. Madrid: Fundación Mapfre Tavera/Ministério de Asuntos Exteriores, 2003, p.30-1.
  • 9 SHWARTZ, Jorge e PATINO, Roxana. "Introducción", Revista Iberoamericana. Revistas literárias/culturales latinoamericanas del siglo XX, núms.208-209, p.647-650, Julio-Diciembre, 2004.
  • 10 Helenice Rodrigues mostra bem como o conceito de "campo" de Bourdieu se aplica tanto a realidades vastas como ŕ totalidade de um campo cultural (campo artístico, literário, científico, etc.) ou a um grupo restrito (o campo editorial ou o campo de uma revista, por exemplo). Simplificando, esse conceito designa o espaço social no interior do qual existem relaçőes de força para a imposiçăo e a definiçăo do jogo e dos trunfos necessários para dominar esse jogo. Em termos analíticos, um "campo" pode ser definido como uma rede ou uma configuraçăo de relaçőes objetivas entre posiçőes. Cf. PATINO, Helenice Rodrigues. Fragmentos da História Intelectual. Entre questionamentos e perspectivas. Campinas: Papirus, 2002, nota 5, p.16.
  • 12 Cf. GALLEGO, José Andrés. ?Fascismo o Estado Católico. Ideologia, religión y censura em la Espańa de Franco, 1937-1944, Madrid, Ediciones Encuentro, 1997, p.69-9
  • 17 Esse tipo de catolicismo se baseava no regalismo do passado, que correspondia ao período dos reis católicos e da dinastia dos Áustria, defensores da cristandade. Eram ortodoxos e adeptos do absolutismo; como tal, insistiam na unidade entre a Igreja e o Estado. Definiam a República como "el signo de la bestia". Cf. LHERA, Luis de. "La reforma religiosa y filosófica: en Europa y Espańa". In: LHERA, Luis de. (coord.) Religión y literatura en el modernismo espańol, 1902-1914, Madrid: Actas, 1994, p.131-75.
  • 20 Cf. DELGADO, Lorenzo. Diplomacia franquista y política cultural hacia iberoamerica. 1939-1953, Madrid: C.S.I.C./Centro de Estúdios Históricos, 1988, p.63.
  • 27 Cf. TAMAMES, Ramón. La República. La era de Franco. In: ARTOLA, Miguel. (dir.) História de Espańa vol 7, Madrid: Alianza Editorial, 1986, p.262.
  • *
    Recebido em 16/04/2005. Autor convidado.
  • 1
    Este texto é produto de uma pesquisa realizada com o apoio do CNPq. Agradeço a esta Instituição e também a Lorenzo Delgado Gómez Escalonilla, Elda González Martinez e Gênese Andrade que, de diferentes maneiras, colaboraram comigo neste trabalho.
  • 2
    Em janeiro de 1998 a revista completou 50 anos de edição ininterrupta. Ao longo de sua existência passou por várias fases e foi dirigida, sucessivamente, por Pedro Laín Entralgo (1948-1951), Luís Rosales (1951- 1956), José Antonio Maravall (1966-1982), Felix Grande (1982-1996), (Blas Matamoro, 1996). Dentre os colaboradores mais recentes da revista destacam-se renomados intelectuais como Jean Starobinski, Cláudio Magris, George Steiner e muitos outros. A revista apresenta estudos monográficos sobre temas pontuais, crônicas da atualidade, entrevistas a personalidades da cultura, resenhas bibliográficas, notas editoriais e informações sobre as atividades da Agência Espanhola de Cooperação Internacional. Desde o início, dedicou- se à publicação anual de números especiais monográficos voltados para o estudo de grandes escritores. Dentre os homenageados estão: Ramiro Maeztu, Jorge Luis Borges, Severo Sarduy, Ezra Pound, Rainer Maria Rilke, Stéphane Mallarmé, Walter Benjamin, T.S.Elliot, e muitos outros.
  • 3
    ROSSI, Blas Matamoro. "Una ojeada retrospectiva sobre Cuadernos Hispanoamericanos". In:
    La huella editorial del Instituto de Cultura Hispânica. Madrid: Fundacion Mapfre Tavera/Ministérios de Asuntos Exteriores, 2003.
  • 4
    pós sua breve gestão, Laín foi sucedido por Rosales que dirigiu a revista entre 1951 e 1966.
  • 5
    Faziam parte do Conselho de Redação no período estudado: Angel Alvarez de Miranda, Manuel Benítez Sánchez-Cortés, Gabriel Cuevas, Jaime Delgado, Luiz Gonzalez Robles, Julio Icasa, José Perez del Arco, Florentino Perez Embide, Maximino Romero de Lema, Alfredo Sánchez Bella, Francisco Sintes, Modesto Su- árez, Leopoldo Zumalacarregui. A revista contava com 63 autores-colaboradores e 18 ilustradores de diferentes nacionalidades do mundo hispânico, principalmente.
  • 6
    ROSSI, Blas Matamoro. "Una ojeada retrospectiva sobre
    Cuadernos Hispanoamericanos", p.91.
  • 7
    Lf. GÓMEZ-ESCALONILLA, Lorenzo Delgado. "'Libros y revistas para América': política cultural y producción editorial del Instituto de Cultura Hispánica". In:
    La huella editorial del Instituto de Cultura Hispânica. Madrid: Fundación Mapfre Tavera/Ministério de Asuntos Exteriores, 2003, p.30-1.
  • 8
    ROSSI, Blas Matamoro. "Una ojeada retrospectiva sobre
    Cuadernos Hispanoamericanos", p.91-2.
  • 9
    SHWARTZ, Jorge e PATINO, Roxana. "Introducción",
    Revista Iberoamericana.
    Revistas literárias/culturales latinoamericanas del siglo XX, núms.208-209, p.647-650, Julio-Diciembre, 2004. Os autores mencionados são os organizadores desse número.
  • 10
    Helenice Rodrigues mostra bem como o conceito de "campo" de Bourdieu se aplica tanto a realidades vastas como à totalidade de um campo cultural (campo artístico, literário, científico, etc.) ou a um grupo restrito (o campo editorial ou o campo de uma revista, por exemplo). Simplificando, esse conceito designa o espaço social no interior do qual existem relações de força para a imposição e a definição do jogo e dos trunfos necessários para dominar esse jogo. Em termos analíticos, um "campo" pode ser definido como uma rede ou uma configuração de relações objetivas entre posições. Cf. PATINO, Helenice Rodrigues.
    Fragmentos da História Intelectual. Entre questionamentos e perspectivas. Campinas: Papirus, 2002, nota 5, p.16.
  • 11
    Dentre as revistas mais significativas do período cabe mencionar
    Arriba España e Jerarquia, criadas por um grupo de intelectuais falangistas. Além dessas, também se destacaram outras como Escorial, revista de cultura muito influenciada pelo filósofo Eugênio D'Ors, que se uniu à Falange durante a Guerra (Laín Entralgo foi um de seus diretores);
    Revista de Estudos Políticos, fundada em 1941 pelo grupo universitário da Falange que produziu uma teoria política voltada para a legitimação pessoal de Franco;
    Arbor, publicação que se iniciou em 1944 e continua em circulação, editada pelo "Centro Superior de Investigacíon Científica", criado por intelectuais católicos sem vinculação com o grupo da Falange. O CSIC foi fundado em 1939 com o objetivo de impulsionar o desenvolvimento da investigação universitária. Também datam dessa época, os diários católicos
    Ya e
    ABC. O primeiro era ligado diretamente à Igreja, que manteve uma escola de jornalismo, emissoras de rádio e editoras voltadas à publicação de livros religiosos; o segundo era expressão da ideologia católica monárquica.
  • 12
    Cf. GALLEGO, José Andrés.
    ?Fascismo o Estado Católico. Ideologia, religión y censura em la España de Franco, 1937-1944, Madrid, Ediciones Encuentro, 1997, p.69-9
  • 13
    Sobre o grupo de Pamplona que criou
    Arriba España e Jeranquia e suas relações com os órgãos de Propaganda e Censura, consultar GALLEGO, José Andrés. "El proyecto político de
    Arriba España y Jerarquia". In:
    ?Fascismo o Estado Católico, cap. III, p.67-130.
  • 14
    Além de Laín Entralgo, outros membros do grupo de Pamplona reconheciam o valor de Ortega y Gasset, mas o dividiam em dois, chegando a afirmar que "nós, nacionalsindicalistas nascemos em rebelião contra o Ortega da República". APUD GALLEGO, José Andrés. "El proyecto político de
    Arriba España y Jerarquia", p.76
  • 15
    Este texto de Laín Entralgo data de 1937. APUD GALLEGO, José Andrés.
    ?Fascismo o Estado Católico, p.83.
  • 16
    GALLEGO, José Andrés.
    ?Fascismo o Estado Católico, p.131-3.
  • 17
    Esse tipo de catolicismo se baseava no regalismo do passado, que correspondia ao período dos reis católicos e da dinastia dos Áustria, defensores da cristandade. Eram ortodoxos e adeptos do absolutismo; como tal, insistiam na unidade entre a Igreja e o Estado. Definiam a República como "el signo de la bestia". Cf. LHERA, Luis de. "La reforma religiosa y filosófica: en Europa y España". In: LHERA, Luis de. (coord.)
    Religión y literatura en el modernismo español, 1902-1914, Madrid: Actas, 1994, p.131-75.
  • 18
    Blas Matamoro comenta que Ridruejo representava, talvez, o único setor laico da inteligência oficial. Posteriormente tornou-se antifranquista e se aproximou dos emigrados republicanos. ROSSI, Blas Matamoro. "Una ojeada retrospectiva sobre
    Cuadernos Hispanoamericanos", p.93.
  • 19
    O "Ministério del Interior", à frente do qual estava Serrano Suñer, passou a chamar-se "Ministério de Asuntos Exteriores", em 1942, poucos meses antes de sua substituição no cargo.
  • 20
    Cf. DELGADO, Lorenzo.
    Diplomacia franquista y política cultural hacia iberoamerica. 1939-1953, Madrid: C.S.I.C./Centro de Estúdios Históricos, 1988, p.63.
  • 21
    Cf. GALLEGO, José Andrés.
    ?Fascismo o Estado Católico, p.254-5.
  • 22
    Na reunião dos três grandes (Reino Unido, URSS e EUA) em Postdam, em 2 de agosto de 1945, ficou decidido que eles apoiariam a entrada na ONU dos países que haviam permanecido neutros. Mas o governo espanhol ficou excluído dessa benesse porque sua origem estava intimamente associada aos Estados agressores.
  • 23
    Na conferência de Yalta de fevereiro de 1945 foram acertadas medidas contra todos os países satélites do Eixo. Quando se deu a estruturação da ONU, nesse mesmo ano, a Espanha não foi convidada a colaborar nos trabalhos; também não foi aceita como membro desse organismo internacional sob alegação de que não declarara guerra ao Eixo. Além do mais, foi aceita, em caráter oficial, a presença de um representante dos exilados republicanos espanhóis.
  • 24
    A revista apresentava, inicialmente, cinco seções: "Del ser y del pensar hispánicos", dedicada ao tema da identidade hispânica; "Nuestro Tiempo", abordava temas da atualidade; "Arte e poética", privilegiava a poesia; "Asteriscos", continha informes sobre atividades culturais; "Brujula para leer", indicava leituras relativas a diferentes áreas do conhecimento. As seções foram se modificando ao longo dessa primeira fase, sem afetar, contudo, a linha mestra da publicação. Uma modificação digna de nota refere-se à introdução, em 1951, da seção intitulada "?Adonde vá hispanoamérica?", dedicada exclusivamente a temas relacionados à identidade hispânica e união desses povos de mesma origem.
    No núm 18 (1950) encontramos um balanço quantitativo dos temas abordados na revista desde o início de sua existência: 28 vezes foram tratados assuntos concernentes a Hispanoamérica (aí incluindo, sem qualquer ressalva, o Brasil).
  • 25
    Além da impressão de um Boletim Informativo de tiragem quinzenal, distribuído gratuitamente nos países iberoamericanos, o ICH foi responsável pela edição de livros relacionados aos objetivos que orientavam a sua atuação. Lorenzo Delgado descreve o auge e declínio de "Ediciones de Cultura Hispánica", mostrando que, na década de 1950, a de maior expansão da produção editorial do ICH, foram publicados cerca de duzentos e cinqüenta obras. O autor comenta que esses resultados não se repetiram, nem se aproximaram dele, posteriormente. DELGADO, Lorenzo "Libros y revistas para América"..., p.32.
  • 26
    Cf. DELGADO, Lorenzo.
    op.cit., p.144.
  • 27
    Cf. TAMAMES, Ramón. La República. La era de Franco. In: ARTOLA, Miguel. (dir.)
    História de España vol 7, Madrid: Alianza Editorial, 1986, p.262.
  • 28
    Lorenzo Delgado rastreia a trajetória desse conceito, a partir do final do século XIX, concluindo que, havia uma interpretação reacionária do fenômeno americanista que partia da tradição do pensamento conservador decimónico. Ela foi atualizada no transcurso do século XX com variantes ideológicas que se foram conformando ao longo dos anos até sua sistematização na década de 1930. Quando foi posta em prática pelo franquismo, carcterizou-se pela beligerância propagandística e pelo caráter apologético. DELGADO, Lorenzo.
    op.cit., p.26-7.
  • 29
    Sobre o assunto, consultar DELGADO, Lorenzo.
    op.cit., p.33-6.
  • 30
    Quinze anos depois de sua morte, o autor de
    En defesa de la hispanidad, foi homenageado com um número especial no qual comentadores enalteceram sua batalha em prol desse ideal. (nums. 33-34, 1952).
  • 31
    O artigo de autoria de Laín Entralgo foi comentado por Antonio Lago Carballo, no artigo "El tema de América em la obra de Pedro Laín Entralgo" publicado em
    Cuadernos Hispanoamericanos, n.82, 1956.
  • 32
    Os artigos das duas revistas mencionadas foram transcritos em
    Cuadernos Hispanoamericanos, n.21, 1951.
  • 33
    A propósito do Plano de Sanchez Bello, consultar DELGADO, Lorenzo.
    op. cit, p.209-27.
  • 34
    O episódio foi relatado pelo novo embaixador francês na Espanha, em correspondência oficial datada de Junho de 1951, ao seu Ministro de Assuntos Exteriores. Tal documento encontra-se em MRE-AD, Série B Amérique Latine 1944-1952, Sous-serie Généralités, vol. 50. APUD DELGADO, Lorenzo.
    op. cit, p.225, nota 64.
  • Fechas de Publicación

    • Publicación en esta colección
      13 Mar 2009
    • Fecha del número
      Jul 2005

    Histórico

    • Acepto
      16 Abr 2005
    • Recibido
      16 Abr 2005
    Pós-Graduação em História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais Av. Antônio Carlos, 6627 , Pampulha, Cidade Universitária, Caixa Postal 253 - CEP 31270-901, Tel./Fax: (55 31) 3409-5045, Belo Horizonte - MG, Brasil - Belo Horizonte - MG - Brazil
    E-mail: variahis@gmail.com