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Remoção forçada e reparação justa e integral em territórios populares: a experiência da construção da matriz de danos

Forced eviction and fair and full compensation in popular territories: the experience of building the damage matrix

Resumo

A luta pela terra e a permanência no território é um dos temas mais acirrados na atualidade, potencializado pelo contexto pandêmico, com crescentes flagrantes de violações dos direitos humanos. O presente artigo visa refletir acerca do processo de remoção forçada em Salvador/BA, fundamentado no discurso e conceito sobre a informalidade urbana, e da resistência das comunidades, mediante a construção coletiva da matriz de reparação dos danos materiais e imateriais. O texto fundamenta-se, principalmente, nas abordagens teóricas de Jacques (2001), Rolnik (2015) e Zibechi (2015) acerca dos territórios populares, que ultrapassam a noção de precariedade e constituem-se em espaços plenos de sentido. A metodologia qualitativa fundamenta-se na pesquisa-ação, com a participação de representantes das comunidades, entendidos como sujeitos conscientes da dimensão política da realidade na qual estão inseridos. Como resultados, destacam-se o entendimento da violação dos direitos praticados pelo estado, a valoração dos danos materiais e a identificação dos danos imateriais, dando subsídios aos órgãos de justiça às ações de revisão dos valores de indenização. O trabalho contribui para potencializar a denúncia e dar visibilidade às violações de direitos humanos, bem como para a construção de novos modelos de gestão das cidades, em respeito aos direitos humanos e à moradia digna.

Palavras-chave:
Direito à cidade; Informalidade urbana; Territórios populares; Violações dos direitos humanos; Reparação justa e integral

Abstract

The struggle for land and permanence in the territory is one of the most heated issues today, enhanced by the pandemic context, with increasing flagrant violations of human rights. This work aims to reflect on the forced eviction proceeding in Salvador/BA, based on the discourse and concept of urban informality, and on the resistance of communities, through the collective construction of the matrix for repairing material and immaterial damage. The text is mainly based on the theoretical approaches of Jacques (2001), Rolnik (2015) and Zibechi (2015) about popular territories, which go beyond the notion of precariousness and constitute spaces full of meaning. The qualitative methodology is based on an action-research with the participation of the communities representatives affected, understood as subjects aware of the political importance of the reality they are inserted. As a result, it is highlighted the understanding of the violation of rights practiced by the state, the valuation of material damages and the identification of immaterial damages, providing subsidies to the justice agencies for actions to review the compensation values. Thus, this work contributes to enhancing the denunciation and giving visibility to human rights violations, as well as to the construction of new management models for cities, with respect for human rights and decent housing.

Keywords:
Right to the city; Urban Informality; Popular territories; Human rights violation; Fair and full compensation

Introdução

A conjuntura atual escancarou as desigualdades socioestruturais - de classe, étnico-raciais e gênero - nos territórios populares, principalmente em cidades brasileiras e do Sul global. Se por um lado fomos assolados pela pandemia da covid-19, que impactou sobremaneira as comunidades mais vulneráveis, por outro temos um cenário político e econômico, particularmente no Brasil, de flagrante retrocesso, tanto em termos de legislação quanto em relação ao aporte de recursos públicos em política urbana e ações com vistas à garantia dos direitos humanos.

Os territórios populares são concebidos como espaços apropriados pelos moradores e organizados enquanto base de reprodução social, cultural e econômica. Contrapõem-se, portanto, à compreensão destas áreas como “espaço-problema” (Valladares, 2005Valladares, L. A. (2005). A invenção da favela: do mito de origem a favela.com (1ª ed., Vol. 1). Rio de Janeiro: Editora FGV.), de irregularidade da ocupação, de pobreza, de ausências no sentido restrito de carência das condições físicas, de habitabilidade e de irregularidade fundiária. Vinculam-se também, conforme Massey (2008)Massey, D. B. (2008). Pelo espaço: uma nova política da espacialidad (Vol. 1). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil., à “terra-território”, relacionadas às disputas territoriais. Além disso, os territórios (e as territorialidades) populares revelam diferentes formas de organização socioespacial de comunidades, coletividades ou grupos sociais que lutam pela preservação da cultura, dos recursos ambientais e pelo respeito aos diferentes modos do viver.

Esses territórios foram constituídos a partir da “lógica da necessidade” (Abramo, 2007Abramo, P. (2007). A cidade com-fusa a mão inoxidável do mercado e a produção da estrutura urbana nas grandes metrópoles latino-americanas. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, 9(2), 25-54. http://dx.doi.org/10.22296/2317-1529.2007v9n2p25.
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), em um processo caracterizado pelos ciclos de ocupação/autoconstrução/autourbanização/consolidação, tornando possível o acesso à cidade por seus moradores. Segundo Rolnik (2015, pRolnik, R. (2015). “Informal, ilegal, ambíguo”: a construção da transitoriedade permanente. In R. Rolnik (Ed.), Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças (pp. 169-194). São Paulo: Boitempo Editorial.. 174), são “[...] territórios de definições cambiantes entre legal e ilegal, construídos a partir de pressões, mediações políticas e camadas de legalidade”.

No Brasil, o discurso da “informalidade” vem respaldando as iniciativas autoritárias do Estado, partindo do princípio de que trata-se de áreas homogêneas, em situação de transitoriedade, associadas ao estigma da pobreza e da precariedade. Conforme expõe Rolnik (2015, pRolnik, R. (2015). “Informal, ilegal, ambíguo”: a construção da transitoriedade permanente. In R. Rolnik (Ed.), Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças (pp. 169-194). São Paulo: Boitempo Editorial.. 179), essa “[...] permanente transitoriedade [é] fundamental para a constituição jurídica desses espaços como reservas de terras”. Desse modo, projetos de infraestrutura urbana realizados em áreas historicamente ocupadas por moradores de baixa renda vêm sendo utilizados como forma de “limpeza” do território e abertura de frente de atuação do mercado imobiliário, sob o discurso da qualificação da área (Azevedo, 2017Azevedo, A. P. S. (2017). A urbanização como estratégia do biopoder e a resistência dos movimentos sociais urbanos: entre Movimento #Ocupe Estelita e novos Recifes (Dissertação de mestrado). Universidade Católica de Pernambuco, Recife; Fix, 2001Fix, M. (2001). Parceiros da exclusão: duas histórias da construção de uma “nova cidade” em São Paulo: Faria Lima e Água Espraiada (1ª ed., Vol. 1). São Paulo: Boitempo.; Lopes, 2010Lopes, E. (2010). O projeto Linha Verde e a remoção de cinco vilas: um estudo de caso da prática de desfavelamento de novo tipo no espaço urbano de Belo Horizonte (Dissertação de mestrado). Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais.; Mourad, 2014Mourad, L. (2014). Renovação do capital: monetarização e gentrificação no bairro Dois de Julho. In I. M. Carvalho, S. B. M. Silva, A. Gordilho-Souza, & G. C. Pereira (Eds.), Metrópoles na atualidade brasileira: a Região Metropolitana de Salvador (Vol. 1). pp. 7-351). Salvador: EDUFBA.; Santos et al., 2015Santos, O. A., Jr., Gaffney, C., & Ribeiro, L. C. Q. (Eds.). (2015). Brasil: os impactos da Copa do Mundo 2014 e das Olimpíadas 2016 (1ª ed, Vol. 1, pp. 50-75). Rio de Janeiro: E-papers.).

Nesse contexto, vale destacar também o papel desempenhado pelo planejamento urbano, segregador e seletivo, que contribui ainda mais para a estigmatização desses territórios, transformando seus habitantes em “violadores da ordem doméstica” (Carvalho & Pereira, 2013Carvalho, I., & Pereira, G. C. (2013). A cidade como negócio. EURE, 39(118), 5-26. http://dx.doi.org/10.4067/S0250-71612013000300001.
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; Fernandes, 2013Fernandes, A. (2013). Decifra-me ou te devoro: urbanismo corporativo, cidade fragmento e dilemas da prática do urbanismo no Brasil. In S. F. N. Gonzales, J. G. Francisconi, & A. Paviani (Eds.), Planejamento e urbanismo na atualidade brasileira: objeto teoria prática (Vol. 1, pp. 83-107). São Paulo: Livre Expressão.; Nobre, 2018Nobre, E. A. C. (2018). Dos planos diretores às operações urbanas consorciadas: a ascensão do discurso neoliberal e dos grandes projetos urbanos no planejamento paulistano (Tese de livre docência). Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo.). Segundo Rolnik (2015, pRolnik, R. (2015). “Informal, ilegal, ambíguo”: a construção da transitoriedade permanente. In R. Rolnik (Ed.), Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças (pp. 169-194). São Paulo: Boitempo Editorial.. 174), o planejamento urbano e suas normativas têm “[...] o poder de declarar a suspensão da ordem urbanística, determinando o que é ilegal e o que não é, assim como quais formas de ilegalidade poderão subsistir e quais devem desaparecer”.

Em estudos recentes, a discussão acerca do termo “informalidade” vem sendo revisitada para além da temática da irregularidade ou da polaridade formal/informal (Rolnik, 2015Rolnik, R. (2015). “Informal, ilegal, ambíguo”: a construção da transitoriedade permanente. In R. Rolnik (Ed.), Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças (pp. 169-194). São Paulo: Boitempo Editorial.), ainda que a desigualdade socioespacial seja o elemento-chave para o entendimento dessa realidade. O termo abrange ainda a dimensão política, envolvendo arranjos e negociações, e não pode ser compreendido apenas como um problema a ser resolvido (Gonçalves, 2019Gonçalves, R. S. (2019). Reflexões preliminares sobre a reforma urbana e o direito à cidade. In J. G. Sousa Jr., N. Saule Jr., A. N. V. Lima, H. B. Frota, K. F. Martins, L. M. S. M. Casimiro, M. E. Cafrune, M. Leão, M. L. P. Fontes, R. F. G. Iacovini, & S. D. Marques (Eds.), O direito achado na rua: introdução crítica ao direito urbanístico (Vol. 9, pp. 187-192). Brasília: Editora Universidade de Brasília.). Portanto, considerar a legitimidade desses territórios é legitimar a diversidade e disputar políticas públicas de acesso à cidade.

A luta dos movimentos sociais e populares no Brasil, em especial a dos movimentos de moradia, está inserida no contexto da luta pela reforma urbana iniciada na década de 1960, no âmbito das discussões levantadas no Seminário de Habitação e Reforma Urbana (Bonduki, 2018Bonduki, N. (2018). A luta pela reforma urbana no Brasil: do Seminário de Habitação e Reforma Urbana ao Plano Diretor de São Paulo (1ª ed., Vol. 1). São Paulo: Instituto Casa da Cidade.). Esse processo histórico das lutas por moradia teve avanços e retrocessos ao longo das últimas décadas, sofrendo, recentemente, um brutal recrudescimento. Vale destacar que o movimento da reforma urbana conseguiu introduzir, no capítulo de política urbana da Constituição de 1988, os artigos 182 e 183, que tratam da função social da propriedade, regulamentados posteriormente pela Lei do Estatuto da Cidade (Brasil, 2001Brasil (2001, 10 de julho). Lei do Estatuto da Cidade. Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Brasília: Diário Oficial da União, seção 1.). A atuação dos movimentos se dá através da denúncia à especulação imobiliária e da legítima ocupação de imóveis ociosos, para dar-lhes a função social de moradia. Entretanto, a reação do poder público, principalmente do Executivo e do Judiciário, tem sido predominantemente de determinar as reintegrações de posse com o uso abusivo da força policial (FNRU, 2021, pFórum Nacional de Reforma Urbana - FNRU. (2021). Relatório de 2019-2020- GT conflitos urbanos. Panorama dos conflitos fundiários urbanos no Brasil. Porto Alegre: CDES Direitos Humanos. Recuperado em 15 de junho de 2022, de https://forumreformaurbana.org.br/wp-content/uploads/2021/12/PanoramaConflitos_2019-2020.pdf
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. 8).

Segundo o documento “Panorama dos Conflitos Fundiários (2019-2020)”, realizado pelo Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU, 2021Fórum Nacional de Reforma Urbana - FNRU. (2021). Relatório de 2019-2020- GT conflitos urbanos. Panorama dos conflitos fundiários urbanos no Brasil. Porto Alegre: CDES Direitos Humanos. Recuperado em 15 de junho de 2022, de https://forumreformaurbana.org.br/wp-content/uploads/2021/12/PanoramaConflitos_2019-2020.pdf
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), registram-se 647 casos de conflitos fundiários no Brasil, com destaque para os estados do Rio de Janeiro (RJ), São Paulo (SP) e Paraíba (PB). Como característica comum desses conflitos, registram-se as violações aos direitos humanos, em particular ao direito à moradia digna e ao desrespeito à função social da propriedade. Conforme o último levantamento da Campanha Despejo Zero, que cobriu o período de março a junho de 2020, mais de 14.301 famílias foram alvo de ações de despejo. Os movimentos ainda contabilizam outras 84.092 famílias ameaçadas, o que indica que a ameaça de remoção forçada é hoje vivenciada por pelo menos 400 mil pessoas (Assunção, 2021Assunção, C. (2021, 5 de agosto). Bolsonaro veta PL que suspendia despejos na pandemia e mantém mais de 85 mil famílias em risco. Rio de Janeiro: Brasil de Fato. Recuperado em 20 de agosto de 2021, de https://www.brasildefato.com.br/2021/08/05/bolsonaro-veta-pl-que-suspendia-despejos-na-pandemia-e-mantem-mais-de-85-mil-familias-em-risco
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).

Em Salvador/BA, tem-se cerca de 1.531.000 moradores nos territórios populares1 1 A Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder), através dos Sistemas de Informações Geográficas Urbanas do Estado da Bahia (Informs), realizou o cruzamento das informações de Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) em Salvador com os setores censitários do IBGE (2010), o que resultou em 1.531.815 habitantes. Embora este artigo utilize os dados censitários dos aglomerados subnormais do IBGE, o conceito aqui mobilizado é o de territórios populares. , representando 57% da população total do município e uma área de 6.150 ha. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), havia 275.593 domicílios em Salvador, em 2010, que saltaram para 375.291, em 2019. Isso significa um acréscimo de 36%, enquanto no restante da cidade o acréscimo foi de apenas 4,4% (IBGE, 2020Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2020). Aglomerados subnormais 2019: classificação preliminar e informações de saúde para o enfrentamento à Covid-19. Rio de Janeiro: IBGE. Recuperado em 13 julho de março de 2021, de https://www.ibge.gov.br
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). Conforme Gordilho-Souza (2001, pGordilho-Souza, A. (2001). Favelas, invasões e ocupações coletivas nas grandes cidades brasileiras - (Re)Qualificando a questão para Salvador - BA. Cadernos Metrópole, 1(5), 64-87.. 80), esses territórios estão concentrados

[...] na área do miolo da cidade, ao longo da BR-324 e na orla do Subúrbio Ferroviário, na borda da Baía de Todos os Santos. As áreas salteadas na Zona Sul, próxima ao Centro, e na zona da orla do Oceano Atlântico são, na maior parte, pequenas e segmentadas.

As comunidades localizadas em áreas de interesse do mercado imobiliário têm resistido aos processos de remoção forçada. Um dos casos emblemáticos vem sendo praticado pelo governo do estado da Bahia (gestões 2015/2018; 2019/2022) nas comunidades localizadas próximas à Av. Luiz Viana Filho (Av. Paralela), importante eixo viário norte de expansão urbana, ligando Salvador ao município de Lauro de Freitas. Nesta área vem sendo implantado o projeto urbano de macrodrenagem dos rios Jaguaribe-Mangabeira, iniciado em 2016 e ainda em fase de implantação, que tem como finalidade a contenção e drenagem das águas, evitando as enchentes. Trata-se de projeto polêmico, com desdobramentos perversos, tanto sob o aspecto social quanto ambiental, resultando na remoção de aproximadamente 480 famílias nas localidades do km 17 de Itapuã, Jardim Abaeté, Vila Romana e parte do Bairro da Paz. Ressalta-se que esse território vem sofrendo pressão do mercado imobiliário há alguns anos, e a comunidade vem resistindo historicamente aos processos de expulsão.

Nesse contexto, o Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) foi acionado pelas comunidades, denunciando as ações de violação de direitos do governo do estado. A partir daí, foi constituído um grupo de estudos e projeto de extensão na Universidade Católica de Salvador (UCSAL), com ações junto às comunidades, como forma de subsidiar os órgãos de justiça, o que resultou inicialmente na Ação Civil Pública, posteriormente apoiada pela Defensoria Pública do Estado da Bahia.

Este artigo tem como objetivo refletir acerca deste processo de remoção forçada, que vem sendo forjado através do discurso e conceito construídos sobre a informalidade, e a luta e resistência dos moradores, mediante a construção coletiva da matriz de danos materiais e imateriais, com vistas à reparação plena e integral.

A metodologia qualitativa adotada fundamenta-se na pesquisa-ação, com a participação de integrantes dos grupos de pesquisa e dos representantes das comunidades impactadas, que se reconhecem enquanto sujeitos históricos, a partir da própria realidade na qual se inserem e interagem. Nesse contexto, foram realizadas oficinas e rodas de conversa com as comunidades, durante o período de janeiro a dezembro de 2021, bem como pesquisa sobre o mercado imobiliário e fundiário das áreas atingidas e do entorno.

O artigo está estruturado em três seções. A primeira versa sobre a construção do discurso da informalidade e da sua adoção pela lógica hegemônica, que desqualifica e estigmatiza os territórios populares. Em sentido contrário, postula-se o seu entendimento como locais produtores de sentido e que abrigam modos de vida diferenciados. A segunda seção trata do projeto de macrodrenagem dos rios Jaguaribe e Mangabeira e a remoção forçada das famílias atingidas. Por fim, a terceira seção registra o processo de construção da matriz de reparação plena e integral dos danos materiais e imateriais. Por fim, na terceira seção busca-se contribuir, junto às comunidades, para a reparação dos danos materiais e imateriais, fundamentado nos tratados internacionais da reparação integral.

A construção do discurso da informalidade

O conceito de informalidade foi construído a partir de um modelo centrado no projeto modernizador das cidades e sociedades. Robinson (2006)Robinson, J. (2006). Ordinary cities: between modernity and development. New York: Routledge. afirma que as cidades dos países do Sul e seus cidadãos mais pobres foram profundamente excluídas do urbanismo moderno. No Brasil, são vários os exemplos que evidenciam este pensamento. Em 1930, o plano do urbanista francês Alfred Agache, voltado para a remodelação e embelezamento do Rio de Janeiro, expressa o pensamento da época, explicitado pelo engenheiro Mattos Pimenta, que lança junto à imprensa carioca e aos poderes públicos a primeira grande campanha contra a favela, em nome do projeto de remodelação do Rio de Janeiro. Mattos Pimenta (1926)Mattos Pimenta, J. A. (1926). Para a remodelação do Rio de Janeiro: discursos pronunciados no Rotary Club do Rio de Janeiro (Vol. 1). Rio de Janeiro: Rotary Club. sinalizou a transformação da favela em problema com uma denúncia que combinava o discurso médico-higienista com o reformismo progressista e o pensamento urbanístico em ascensão. Ele afirmava:

[...] antes mesmo de sua adopção [do plano de remodelamento do Rio de Janeiro] é mister se ponha um paradeiro immediato, se levante uma barreira prophilactica contra a infestação avassaladora das lindas montanhas do Rio de Janeiro pelo flagello das “favellas” - lepra da esthetica, que surgiu ali no morro[...] e foi se derramando por toda a parte, enchendo de sujeira e de miséria preferentemente os bairros mais novos e onde a natureza foi mais pródiga de beleza. (Mattos Pimenta, 1926, pMattos Pimenta, J. A. (1926). Para a remodelação do Rio de Janeiro: discursos pronunciados no Rotary Club do Rio de Janeiro (Vol. 1). Rio de Janeiro: Rotary Club.. 7-8).

A favela aparece associada à “lepra da esthetica”, a um “antro de marginais” e “desocupados”. A este pensamento têm-se acrescido, ao longo do tempo, outros discursos, resultado das conquistas sociais. Entretanto, as favelas ainda são desconsideradas como:

[...] parte do nosso patrimônio cultural e artístico, constituídas através de um processo arquitetônico e urbanístico vernáculo singular, que não somente difere, ou é o próprio oposto, do dispositivo projetual tradicional da arquitetura e urbanismo eruditos, mas também compõe uma estética própria, uma estética das favelas, que é completamente diferente da estética da cidade dita formal e possui características peculiares (Jacques, 2001, nJacques, P. B. (2001). Estética das favelas. Arquitextos, 2(13). Recuperado em 7 julho de 2021, de https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/02.013/883. p.).

Esta é a lógica de perpetuação do discurso da informalidade forjada na cidade capitalista, que desqualifica e busca cercear o fato de as favelas fazerem “[...] parte da cidade há mais de um século” (Jacques, 2001, nJacques, P. B. (2001). Estética das favelas. Arquitextos, 2(13). Recuperado em 7 julho de 2021, de https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/02.013/883.p.). É em contraposição a essa lógica que Jacques questiona:

Por que o “Pattern” bairro é sempre o exemplo a ser seguido em detrimento do inventivo e rico, tanto culturalmente quanto formalmente, “Pattern” favela? Por que não tentar seguir o “Pattern” Favela, tentando aprender com a sua complexidade e riqueza formal? Essa forma diferente de intervenção, inspirada nas favelas, poderia ser interessante para se atuar também na própria cidade formal (Jacques, 2001, nJacques, P. B. (2001). Estética das favelas. Arquitextos, 2(13). Recuperado em 7 julho de 2021, de https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/02.013/883. p.).

Na contramão desse pensamento, evidenciam-se as ações que o Estado e Mercado exercem nos territórios populares, que interferem na valorização especulativa da terra urbana e resultam na exclusão socioespacial e manutenção do estigma territorial.

Esse debate vem sendo definido na literatura, por teóricos brasileiros e latino-americanos, como informalidade urbana (Abramo, 2003Abramo, P. (2003). A cidade da informalidade: o desafio da cidade latino-americana (1ª ed., Vol. 1). Rio de Janeiro: Livraria Sete Letras/FAPERJ.; Maricato, 1996Maricato, E. (1996). Metrópole na periferia do capitalismo: ilegalidade, desigualdade e violencia (Vol. 1). São Paulo: Hucitec., 2009Maricato, E. (2009). Informalidade urbana no Brasil: a lógica da cidade fraturada. Pósfacio. In L. E. Wanderley, & R. Raichelis (Eds.), A cidade de São Paulo: relações internacionais e gestão pública (pp. 269-292). São Paulo: EDUC., 2011Maricato, E. (2011). O impasse da política urbana no Brasil (Vol. 1). Petrópolis: Vozes.; Ribeiro & Azevedo, 1996Ribeiro, L. C. Q., & Azevedo, S. (1996). A produção da moradia nas grandes cidades: dinâmica e impasses. In L. C. Q. Ribeiro, & S. Azevedo (Eds.), A crise da moradia nas grandes cidades: da questão da habitação à reforma urbana (Vol. 1, pp. 15-45). Rio de Janeiro: Editora UFRJ.; Smolka, 2003Smolka, M. (2003). Informalidad, pobreza urbana y precios de la tierra. Land Lines, (15), 14-19. Recuperado em 7 de julho de 2021, de https://www.lincolninst.edu/publications/articles/informalidad-pobreza-urbana-precios-la-tierra
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), estando, de forma geral, associada “[...] à questão fundiária e à disputa pela apropriação das rendas imobiliárias”. Segundo Maricato (2009, pMaricato, E. (2009). Informalidade urbana no Brasil: a lógica da cidade fraturada. Pósfacio. In L. E. Wanderley, & R. Raichelis (Eds.), A cidade de São Paulo: relações internacionais e gestão pública (pp. 269-292). São Paulo: EDUC.. 277-280), “[...] a informalidade urbana pode ser definida a partir da [...] condição pré-capitalista de produção do espaço. [...] A ilegalidade urbana é sem dúvida um critério que mantém relações como a exclusão social, a segregação e a pobreza”. Ainda, segundo a autora, o espaço da informalidade urbana está associado à “generalização da ilegalidade e da precariedade, estrutural e necessária ao processo de acumulação” (Maricato, 2011, pMaricato, E. (2011). O impasse da política urbana no Brasil (Vol. 1). Petrópolis: Vozes.. 105).

Segundo Abramo (2007), aAbramo, P. (2007). A cidade com-fusa a mão inoxidável do mercado e a produção da estrutura urbana nas grandes metrópoles latino-americanas. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, 9(2), 25-54. http://dx.doi.org/10.22296/2317-1529.2007v9n2p25.
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informalidade urbana resulta de três lógicas que atuam nos países latino-americanos: do mercado, do Estado e da necessidade. Se, por um lado, o Estado não atua de forma contínua e sistemática na provisão pública de habitação de qualidade - quer seja mediante a implantação de conjuntos habitacionais ou lotes urbanizados -, por outro, a lógica da necessidade é a que move as ações individuais e coletivas e o ciclo de ocupação/autoconstrução/autourbanização/consolidação da cidade popular. O autor afirma que os dois movimentos “[...] são uma das principais características da formação socioespacial das grandes cidades da América Latina”, definindo a informalidade urbana como “[...] um conjunto de irregularidades em relação aos direitos: irregularidade urbanística, irregularidade construtiva e irregularidade em relação ao direito de propriedade da terra” (Abramo, 2007, pAbramo, P. (2007). A cidade com-fusa a mão inoxidável do mercado e a produção da estrutura urbana nas grandes metrópoles latino-americanas. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, 9(2), 25-54. http://dx.doi.org/10.22296/2317-1529.2007v9n2p25.
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. 28).

Nesse contexto, tem sido recorrente a produção de legislações para proteger e ampliar os territórios dos ricos e beneficiar o mercado imobiliário. Isso se dá através da apropriação dos territórios populares consolidados e da negação do protagonismo desses sujeitos na produção do espaço e na sua própria emancipação. Essa concepção considera esses territórios como subproduto das relações hegemônicas, como algo marginal, economicamente improdutivo (informal, ilegal, clandestino), socialmente perigoso (marginal) e politicamente moralmente desajustado (imoral).

Desse modo, para além do entendimento dos territórios populares como à margem da lei e das normativas, deve-se entendê-los como áreas pulsantes, produtoras de sentido e de um “direito autoconstruído” (Lima, 2019Lima, A. (2019). Do direito autoconstruído ao direito à cidade: porosidades, conflitos e insurgências em Saramandaia (1ª ed., Vol. 1). Salvador: Edufba.), tornando possível que os moradores consigam ter acesso à cidade.

Os territórios populares, em oposição ao conceito de informalidade, são vinculados aos sujeitos que os constituem e onde se “[...] desenvolvem relações sociais diferentes das capitalistas hegemônicas; aqueles lugares onde os coletivos podem praticar modos de vida diferenciados” (Zibechi, 2015, pZibechi, R. (2015). Territórios em resistência: cartografia política das periferias urbanas latino-americana (1ª ed., Vol. 1). Rio de Janeiro: Conseqüência Editora.. 39). Concordando com o autor, constituem-se “sociedade outra”, territórios complexos, onde há espaços e tempos para a diversidade, cujas relações estão baseadas na expansão da lógica familiar-comunitária, centrada nas relações afetivas e de cuidados mútuos, onde existem formas de vida heterogêneas e não mercantis, não colonizadas pelo capital (Zibechi, 2015, pZibechi, R. (2015). Territórios em resistência: cartografia política das periferias urbanas latino-americana (1ª ed., Vol. 1). Rio de Janeiro: Conseqüência Editora.. 110).

O projeto de macrodrenagem e a remoção forçada

Comunidades do Bairro da Paz, km 17 de Itapuã, Jardim Abaeté e Vila Romana estão localizadas entre uma das principais avenidas de Salvador, a Av. Paralela (Av. Luis Viana Filho) e a orla atlântica (Av. Otávio Mangabeira). Trata-se de comunidades majoritariamente compostas por população negra, concentradas na faixa de renda de 0 a 3 salários mínimos, com a maioria de pessoas do sexo feminino. Embora cada uma tenha um processo identitário e de transformação do espaço em território diferenciado, todas estão conectadas, por mais de três décadas, à luta pela terra e permanência no território (Figura 1). Após vários processos de expulsão, seguidos de reocupação, as comunidades conquistaram o reconhecimento de posse, com títulos de Concessão de Direitos Real de Uso (CDRU) e Concessão de Uso Especial para fins de Moradia (CUEM). Essa área tem a sua ocupação ligada à expansão da cidade ao longo da Av. Paralela, a partir da década de 1970, e nos últimos anos vem passando por um acelerado processo de urbanização e crescente valorização imobiliária. Esse processo ocorre em um contexto de grandes obras de infraestrutura financiadas pelo governo do estado, ao mesmo tempo em que há maior incentivo, permissão e, até recentemente, conjuntura favorável para a realização de empreendimentos imobiliários por parte da iniciativa privada.

Figura 1
- Localização das comunidades impactadas pelo projeto de macrodrenagem. Fonte: Autores (2020).

A área no entorno das avenidas Orlando Gomes, 29 de Março e Paralela é representativa desse contexto. Destaca-se a implantação da linha de metrô na Av. Paralela, em direção ao Aeroporto Internacional Luís Eduardo Magalhaes, inclusive com duas estações de metrô (Bairro da Paz e Mussurunga); a implantação da Av. 29 de Março, conectando a orla atlântica à BR-324 (com ligação para o condomínio Alphaville II e a nova rodoviária); e, ainda, a ampliação recente da Av. Orlando Gomes, que faz a ligação da orla atlântica com a Av. Paralela, com implantação de luxuosos empreendimentos imobiliários.

A produção de legislação urbanística voltada para ampliar as fronteiras de atuação do mercado imobiliário coloca em risco, inclusive, as comunidades do Bairro da Paz e km 17 de Itapuã, inseridas no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano do Salvador (Salvador, 2016aSalvador. (2016a, 8 de setembro). Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano do Município de Salvador (PDDU). Lei n. 9.069, de 30 de junho de 2016. Dispõe sobre o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano do Município de Salvador - PDDU 2016 e dá outras providências. Salvador: Diário Oficial do Município, seção 2.) como Zona Especial de Interesse Social (ZEIS). Esse instrumento urbanístico reconhece a produção socioespacial de determinada parcela do território para fins de manutenção e produção de habitação social. Entretanto, esses mesmos bairros foram introduzidos na Macroárea de Integração Metropolitana (Salvador, 2016aSalvador. (2016a, 8 de setembro). Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano do Município de Salvador (PDDU). Lei n. 9.069, de 30 de junho de 2016. Dispõe sobre o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano do Município de Salvador - PDDU 2016 e dá outras providências. Salvador: Diário Oficial do Município, seção 2.), que tem como objetivo “[...] induzir à conformação de nova centralidade metropolitana, promover maior adensamento demográfico” e implantar usos mais rentáveis. As comunidades do km 17 de Itapuã e Jardim Abaeté foram inseridas na Macroárea de Requalificação da Borda Atlântica, exatamente onde a Lei de Ordenamento do Uso e da Ocupação do Solo (Salvador, 2016bSalvador. (2016b, 8 de setembro). Lei de Ordenamento do Uso e da Ocupação do Solo (LOUOS). Lei n. 9.148, de 8 de setembro de 2016. Dispõe sobre o Ordenamento do Uso e da Ocupação do Solo do Município de Salvador e dá outras providências. Salvador: Diário Oficial do Município, seção 2.) permitiu ampliar até 75 metros de altura o gabarito, evidenciando o interesse do capital imobiliário na reconfiguração desse espaço.

É nesse contexto que o projeto de macrodrenagem dos rios Jaguaribe e Mangabeira vem sendo realizado, desde 2016, pela Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder), com recursos de R$ 265 milhões oriundos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O projeto é executado pelo Consórcio de Desenvolvimento Urbano do Jaguaribe, empresa contratada para a elaboração de projetos, desenvolvimento de trabalho social e execução das obras de canalização dos rios.

As principais críticas sobre as consequências desse projeto de macrodrenagem foram publicizadas no “Manifesto Jaguaribe - Por uma nova concepção de tratamento dos rios urbanos”, realizado em 2017, por ONG do setor ambiental. No texto foi evidenciada a concepção antiquada do projeto, pautada “[...] em uma única solução - a canalização em concreto - desconsiderando completamente a diversidade de situações dos diferentes trechos dos rios impactados pelas intervenções” (GAMBÁ, 2017Grupo Ambientalista da Bahia - GAMBA. (2017). Manifesto Rio Jaguaribe: por uma nova concepção de tratamento dos rios urbanos. Recuperado em 13 de agosto de 2021, de https://www.gamba.org.br/wp-content/uploads/2017/06/Manifesto_Rio_Jaguaribe.pdf
https://www.gamba.org.br/wp-content/uplo...
).

Também foram identificados os seguintes impactos: morte e fuga de animais; comprometimento da balneabilidade das praias e do último manguezal de Salvador; alteração da dinâmica de vida dos moradores e suas relações socioidentitárias; exclusão da população; alteração de aspectos da fauna, mas, sobretudo, flora; perda de conectividade entre áreas de preservação e biodiversidade, com consequente perda de serviços ecossistêmicos.

Além dos impactos ambientais, o Grupo de Estudos “Reparação Plena e Integral” - composto por pesquisadores dos Grupos de Pesquisa “Territórios em Resistência” e “Gestão Democrática das Cidades”, da UCSAL -, em atividades de extensão realizadas junto às comunidades, evidenciou diversas violações de direitos no processo de remoção involuntária da população atingida, na contramão do direito à moradia digna e em flagrante descumprimento dos tratados internacionais.

De forma sintética, a equipe identificou os seguintes direitos violados: falta de identificação dos fatos e da realidade vivenciada pelos moradores; elaboração do projeto de forma autoritária e sem participação popular; desrespeito às formas de sociabilidade e aos modos de vida; desrespeito ao direito real de posse das famílias; indenizações insuficientes2 2 Conforme consta nos laudos de vistoria realizados por empresa contratada pela CONDER, empresa pública vinculada à Secretaria Estadual de Desenvolvimento Urbano (SEDUR), responsável pela implementação do projeto e pelo trabalho de remoção das famílias. ; desconsideração das demais atividades de caráter comercial realizadas no imóvel, que representam formas de sobrevivência econômica; e falta de esclarecimento sobre seus direitos. Além disso, a metodologia utilizada na avaliação dos imóveis está em descumprimento à NBR 14.653-2/2011, que estabelece a necessária realização prévia de pesquisa de mercado.

Essas violações foram registradas em Nota Técnica elaborada pelos pesquisadores, fundamentada no documento realizado pela relatoria da Organização das Nações Unidas (ONU) para Moradia, intitulado “Princípios Básicos e Orientações para Remoções e Despejos Causados por Projetos de Desenvolvimento” (2007), em que foram sistematizadas as principais diretrizes a ser seguidas pelos agentes públicos para a redução dos danos em casos de remoção forçada. Caso os danos ocorram, o relatório indica a reparação integral. Segundo o referido documento, é preciso refletir preliminarmente se as remoções podem ser evitadas. Mas caso elas tenham que acontecer, é preciso instaurar um processo participativo para a busca de soluções coletivas que incluam o entendimento do projeto a ser desenvolvido e as formas de reparação dos danos a serem vivenciados.

Na reparação integral, deve ser considerada a possibilidade de restituição da moradia, compreendida como o retorno ao local original, com garantia de não remoção e de benefício ou usufruto do empreendimento responsável pela remoção. O “reassentamento justo” deve considerar todas as medidas que tornarão a moradia adequada no novo local, que devem ser concluídas antes da remoção, incluindo a construção das casas, escolas, instalação de saneamento básico, entre outras. Deve ser garantida a qualidade superior ou equivalente à moradia original, a localização próxima à anterior, as fontes ou meios de subsistência e a adequação cultural às tradições do grupo. Além disso, deve ser considerada a “justa compensação” da violação sofrida, com valores em dinheiro complementares à restituição ou ao reassentamento. Ela deve ocorrer por qualquer perda pessoal material e imaterial imposta pela remoção forçada. Deve-se, inclusive, garantir peritos independentes que arbitrem um valor justo.

Representantes das comunidades atingidas denunciaram a Conder junto ao MP-BA e à Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo (Comarca do Salvador), argumentando a angústia e o desespero das 480 famílias diante da pressão psicológica realizada pela empresa para constranger as famílias a aceitarem o valor irrisório das indenizações.

O estado da Bahia, desconsiderando todas as dimensões apontadas, tem removido as famílias, independentemente de seu desejo, o que configura a remoção forçada. Promove, portanto, a perda da terra e outros bens; perda ou restrição de acesso a recursos necessários à reprodução do modo de vida; perda ou redução de fontes de ocupação, renda ou meios de sustento; ruptura de circuitos econômicos; entre outras (Globoplay, 2021Globoplay. (2021). Moradores do bairro da Paz fazem protesto contra obra da CONDER. Jornal da Manhã. Recuperado em 15 de junho de 2022, de https://globoplay.globo.com/v/9422663/
https://globoplay.globo.com/v/9422663/...
; Oliveira, 2021Oliveira, A. A. A. (2021, 5 de maio). Reparação integral no contexto das remoções forçadas [Live]. Salvador: BrCidades. 1 vídeo (83 minutos). Recuperado em 15 de junho de 2022, de https://www.youtube.com/watch?v=t7hJxU5-OCg&t=468s
https://www.youtube.com/watch?v=t7hJxU5-...
).

Valencio (2010)Valencio, N. (2010). Quem tem medo da remoção? A violência institucional contra moradores de áreas de risco. In Anais do Encontro Anual da Anpocs (pp. 1-38). Caxambu: ANPOCS. Recuperado em 13 de agosto de 2021, de http://www.ufscar.br/neped/conteudo.php?menu=publicacoes&submenu=anais
http://www.ufscar.br/neped/conteudo.php?...
, ao refletir sobre a política estatal de remoções em distintos territórios, nos coloca que:

Remoção é um termo que designa uma ação de deslocamento que envolve quatro variáveis, a saber: (a) um sujeito que exerce força sobre um objeto, (b) o objeto a ser deslocado e dois pontos no espaço, (c) aquele onde o mesmo se encontra inicialmente e (d) o outro ponto, onde o objeto é colocado. É, pois, um termo no qual subjazem dois aspectos relacionais: tanto o que atribui uma essência intrinsecamente inanimada e a-social àquilo que está sendo deslocado versus o arbítrio e poder absoluto de quem exerce a força, quanto uma origem e destino claros ao objeto, isto é, um percurso espacialmente identificável (Valencio, 2010, pValencio, N. (2010). Quem tem medo da remoção? A violência institucional contra moradores de áreas de risco. In Anais do Encontro Anual da Anpocs (pp. 1-38). Caxambu: ANPOCS. Recuperado em 13 de agosto de 2021, de http://www.ufscar.br/neped/conteudo.php?menu=publicacoes&submenu=anais
http://www.ufscar.br/neped/conteudo.php?...
. 13).

Enquanto famílias são removidas de forma involuntária, o governo do estado lançou, em outubro de 2020, um edital de chamamento para o setor privado apresentar projetos para aquisição de áreas públicas colocadas à venda. O chamamento é uma “[...] espécie de convocação para empreendedores particulares apresentarem projetos para utilização dos bens/sobretudo propostas que sejam mais vantajosas” (Bahia, 2020Bahia. Secretaria de Planejamento. (2020). Edital de chamamento 001/2020. Salvador: Governo do Estado da Bahia. Recuperado em 5 de julho de 2022, de seplan.ba.gov.br
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). Entre as áreas apresentadas destaca-se a área de 600 mil m2 do Parque de Exposições, situada na Av. Paralela, localizada entre a comunidade do Bairro da Paz e a Vila Romana, onde poderia ter sido proposto o plano de reassentamento.

A atuação do estado demonstra o descompromisso do governo quanto ao direito à moradia e à cidade, tendo em vista a não aplicação da normativa internacional sobre a matéria. Assim, em decorrência das inúmeras violações vivenciadas pelas famílias, deve o estado reparar integralmente, nos termos das decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).

A reparação integral é obrigação do estado, ou das empresas, em assumir a responsabilidade de seus danos, de forma a restituir e indenizar pessoas ou coletivos por suas perdas materiais ou imateriais. Esta deve atender seis dimensões: investigação dos fatos; restituição de direitos, bens e liberdades; reabilitação física, psicológica e social; satisfação das vítimas; garantia de não repetição de violações; e indenização compensatória por danos materiais (danos emergentes, lucros cessantes e danos ao patrimônio familiar) e imateriais (esfera moral, psicológica, física e projeto de vida) (Nash, 2009Nash, C. (2009). Las reparaciones ante la Corte Interamericana de Derechos Humanos (1988-2007). Santiago de Chile: Universidad de Chile.)

Em contraposição às ações de remoções forçadas, as comunidades, com o apoio da universidade, vêm construindo, de forma participativa, a matriz de danos materiais e imateriais, visando subsidiar, junto ao MP-BA e à Defensoria Pública do Estado da Bahia, medidas de indenização compensatória na perspectiva da reparação integral.

O processo de construção da matriz de danos para a reparação justa e integral

Na construção da matriz de danos de reparação justa e integral, utilizou-se como referência a metodologia de levantamento dos prejuízos sofridos pelas populações atingidas pelos desastres socioambientais ocorridos na Bacia do Rio Doce (Mariana/2015), na Bacia Hidrográfica do Rio Paraopeba (Brumadinho/2019) e na Barragem de Rejeitos da Mina Serra Azul (Itatiaiuçu/2020)3 3 É possível consultar a minuta do primeiro Termo de Acordo Complementar (TAC) relacionada à Barragem de Rejeitos da Mina Serra Azul (Itatiaiuçu/2020) (Minas Gerais, 2022). . Nessa metodologia, em decorrência da pressão dos movimentos dos atingidos, criou-se a possibilidade de participação livre e informada nas etapas de identificação das violações e reparação integral, assegurando a centralidade das vítimas nos processos decisórios e nas ações de reconstrução dos territórios e restituição dos modos de vida (Pinheiro, 2020Pinheiro, F. D. (2020). A participação popular nas pesquisas sobre desastres para a efetivação dos direitos dos atingidos: o caso da Região Serrana do Rio de Janeiro e do município de Mariana, MG, Brasil. In F. C. Mello, T. S. Rosa, M. B. Mendonça, F. Chateauraynaud, & J. Debaz (Eds.), Sociologia pragmática das transformações em diálogo: riscos e desastres no Brasil contemporâneo (Vol. 7, pp. 196-204). Vitória: Editora Milfontes.). Articulada com essas experiências, tanto do ponto de vista conceitual quanto dos processos de participação, está a construção da matriz de danos para as comunidades de Bairro da Paz, km 17 de Itapuã, Jardim Abaeté e Vila Romana.

A matriz de danos é um instrumento que sistematiza e organiza os danos materiais e imateriais, estabelece valores e busca operacionalizar as medidas de indenização compensatória no marco da reparação integral. Os dados que compõem essa matriz coletiva podem ser levantados a partir de diversas metodologias, porém os formulários são aplicados de forma individual ou familiar, na busca dos valores a serem indenizados individualmente.

A metodologia utilizada para a construção coletiva da matriz consistiu na realização de cinco oficinas4 4 1ª Oficina: “Violações de direitos humanos, danos materiais e imateriais nos processos de remoção forçada” (30 mar. 2021, 17 participantes); 2ª Oficina: “Violações de direito à moradia e a reparação plena e integral” (30 abr. 2021, 10 participantes); 3ª Oficina: “Discussão dos danos materiais e imateriais” (26 mai. 2021, 10 participantes); 4ª Oficina: “Quanto vale a sua casa? Venha discutir o valor justo da indenização” (19 jun. 2021, 16 participantes); 5ª Oficina: “Para definição dos valores de indenização pela perda da moradia digna” (26 nov. 2021, 20 participantes). e cinco rodas de conversa5 5 1ª Roda de Conversa: “Você sabia que tem direito a receber indenização pela terra que você ocupa?” (26 jan. 2021, 30 participantes); 2ª Roda de Conversa: “Elaboração dos questionários” (12 fev. 2021, 10 participantes); 3ª Roda de Conversa: “Levantamento das violações para a elaboração da matriz de danos materiais e imateriais” (25 fev. 2021, 17 participantes); 4ª Roda de Conversa: “Avaliação da aplicação do questionário” (5 mar. 2021, 10 participantes); 5ª Roda de Conversa: “Construção e sistematização das categorias de danos” (21 jul. 2021, 15 participantes). junto às comunidades atingidas. Foram realizadas atividades de escuta, debates conceituais em torno dos temas sobre direito à moradia e violações de direitos, enfatizando como as famílias percebem os danos ou prejuízos que precisam ser compensados. Nessas atividades foram reforçadas as noções de danos materiais (compreendendo as perdas econômicas vivenciadas no processo de remoção forçada) e os danos imateriais (como os sentimentos decorrentes do processo de remoção, no que tange às mudanças comunitárias, à atuação do estado junto à comunidade e aos projetos de vida). Em função do contexto pandêmico, as ações foram realizadas de modo remoto e, quando possível, no formato presencial (Figuras 2 e 3).

Figura 2
-Cards das Oficinas “Violações de direito à moradia e a reparação plena e integral” (30 abr. 2021) e “Quanto vale a sua casa?” (19 jun. 2021). Fonte: Autores (2020).
Figura 3
- Primeiros encontros entre as comunidades e o grupo de estudo (31 out. 2020) e ações de incidência política das comunidades pelo direito à moradia e contra a remoção forçada na pandemia (9 nov. 2020). Fonte: Autores (2020).

Inicialmente, foram realizadas as análises de 116 laudos de avaliação dos imóveis6 6 De um total de 360 laudos disponibilizados pela Conder, por solicitação do MP-BA. , buscando identificar quais direitos deixaram de ser considerados nos cálculos apresentados, a partir dos marcos legais de proteção à moradia em situações de remoção forçada e das decisões da CIDH, que definem o que

é e como reparar nos casos de violações de direitos humanos. Nessa perspectiva, foram analisados os seguintes aspectos em relação às famílias e aos imóveis: profissão; renda; tamanho e tipologias diferenciadas de casas; pessoas com deficiência; existência de animais, quintal, árvores frutíferas e/ou plantas ornamentais; pequeno comércio; uso misto do local. Cabe ressaltar que os laudos indenizatórios produzidos pela Conder desconsideram o direito de posse e, consequentemente, a indenização pela terra, desvalorizando muito o patrimônio dos moradores.

Posteriormente, a partir do entendimento da violação ao direito à moradia, e reconhecendo seus impactos na vida das pessoas, foi possível descrever, a partir da escuta aos moradores nas oficinas e rodas de conversa, quais direitos haviam sido violados nos aspectos materiais e imateriais.

Como danos materiais, foram apontados: desconhecimento da posse e do valor da terra para as indenizações; desvalorização do preço da posse em relação ao da propriedade; valor dado à edificação abaixo do mercado; danos comunitários decorrentes da obra que desvaloriza a terra urbanizada; desvalorização das benfeitorias; danos às propriedades de quem não estava sendo atingido diretamente pelo empreendimento; aumento de despesas para deslocamento para o trabalho; perda de renda decorrente da falta de acesso ao local de trabalho; perda de aluguel; perda de atividade comercial; despesas decorrentes da ausência de plano de reassentamento ou remoção; aumento dos preços de aluguéis em consequência do aumento da procura por imóveis; perda da infraestrutura, como escola/creche, equipamentos sociais, água, luz, esgoto, metrô, lazer, mercado, feira etc.; aumento do custo de vida por valorização imobiliária dos imóveis; desconsideração da valorização imobiliária no preço da indenização, inviabilizando a compra de outro imóvel.

Os principais danos imateriais identificados estão relacionados ao sofrimento psíquico pela expulsão de seu território e de sua história, danificando projetos de vida, retirando chances ou oportunidades, desfazendo relações comunitárias, parentais e entre amigos e vizinhos. Além disso, registra-se a violência nos processos de remoção forçada, aliada à difamação praticada para legitimar as ações do estado na imposição de suas vontades. Ressalta-se que os danos imateriais continuam em processo de valoração.

Quanto à valoração dos danos materiais, além do trabalho das oficinas e rodas de conversa, foi elaborada pesquisa sobre o mercado imobiliário e fundiário, na comunidade e no entorno, a partir de estudo de valoração do preço da terra e edificação. O intuito da pesquisa foi de subsidiar a reavaliação dos preços propostos para as indenizações individuais, no que tange ao dano material relacionado à violação do direito de moradia e da posse da terra. A pesquisa foi composta por levantamentos, realizados através de formulários aplicados por pesquisadoras populares das comunidades, relacionados às glebas urbanizáveis7 7 Glebas urbanizáveis são terrenos passíveis de receber obras de infraestrutura urbana. e lotes ofertados que não estivessem inseridos em condomínios; às ofertas dos imóveis nos sites de comercialização imobiliária e aos empreendimentos de habitação social executados pela Conder.

A pesquisa evidenciou que o acesso à moradia se dá majoritariamente através da compra (58,1%); posse originária de três décadas de ocupação (29%); aluguel (9,7%); troca (1,6%); e outras formas (1,6%). Quanto ao valor dos imóveis comercializados nas comunidades, 69% estão acima de R$ 70.000,00. Para o levantamento de preços praticados pelo governo do estado da Bahia, referente aos empreendimentos de Habitação de Interesse Social (HIS), foram utilizados como parâmetro três conjuntos habitacionais implantados recentemente em Salvador/BA, a partir de informações oficiais e sites institucionais8 8 São eles: Residencial Mirante do Bonfim (144 unidades) – 2017; Conjunto Paraíso Azul (31 unidades) – 2014; e Residencial Colina Solar (600 unidades) – 2017. . Mediante a atualização dos valores dos imóveis para o ano de 2021, obteve-se o valor aproximado de R$ 100.000,009 9 Neste valor não está incluído o preço do terreno. para as unidades habitacionais construídas pelo estado para essa faixa de renda. Desse modo, tanto os imóveis na comunidade e no entorno quanto os empreendimentos realizados pelo governo do estado têm valores muito acima do valor de indenização constante nos laudos.

Em relação às glebas urbanizáveis e lotes existentes no entorno das comunidades, constatou-se que o valor médio de solo urbano praticado pelo mercado imobiliário é de R$ 1.931,41/m2. Esse deveria ser o valor de restituição por metro quadrado de terreno, correspondente ao dano relacionado à violação do direito de posse da terra para as comunidades.

Durante o processo de implementação da obra foi apresentada uma narrativa, pelo estado da Bahia, dos benefícios sociais do projeto de macrodrenagem para as comunidades. Entretanto, não foi garantido o princípio de memória, verdade e justiça, já que essa narrativa é falsa e viola os direitos humanos, porque desconsidera o histórico da ocupação da comunidade e as formas de produção do desenvolvimento comunitário. Estas abrangem, inclusive, conquistas de direitos sociais, como a concessão real de uso e de usucapião, tendo em vista a instalação de equipamentos públicos e o tempo longo e pacífico de ocupação.

Nesse sentido, a narrativa desenvolvimentista nos leva a indagar: por que certos grupos sociais devem pagar desigualmente pelos projetos de desenvolvimento? Desenvolvimento como e para quem? Esse modelo de desenvolvimento que privilegia certos grupos sociais em detrimento de outros, para uso dos territórios e de seus benefícios, é conceitualmente apresentado como injustiça ambiental. A obra de melhoria ambiental, visando a redução de enchentes e a melhora da qualidade de vida local, impõe seu preço aos mais vulneráveis, que, além de excluídos dos benefícios da obra, passam a pagar por ela através das economias do estado no pagamento das indenizações.

Dialogando com Maluf (2000)Maluf, R. S. (2000). Atribuindo sentido(s) ao desenvolvimento econômico. Estudos Sociedade e Agricultura, 8(15), 53-86. Recuperado em 7 de julho de 2021, de https://revistaesa.com/ojs/index.php/esa/article/view/177
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, ao refletir sobre o sentido do desenvolvimento econômico, é preciso considerar as melhorias para todos, através de processo participativo em que as políticas públicas sejam uma representação dos anseios comunitários:

[...] é o de atribuir sentido ao desenvolvimento econômico aqui associado à busca de melhoria da qualidade de vida através de processos com ativa participação das respectivas comunidades na definição dos seus fins e dos meios para persegui-lo (Maluf, 2000, pMaluf, R. S. (2000). Atribuindo sentido(s) ao desenvolvimento econômico. Estudos Sociedade e Agricultura, 8(15), 53-86. Recuperado em 7 de julho de 2021, de https://revistaesa.com/ojs/index.php/esa/article/view/177
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. 19).

Ao dialogarmos com os conceitos teóricos iniciais, constata-se que o processo participativo de construção da matriz de danos materiais e imateriais reafirma o vínculo dos moradores com esse território e a sua relação com a construção coletiva do bairro. Além de socioafetiva, esse processo abrange o tempo de vivência e convivência, a questão cultural e, ainda, as diferentes formas de economia popular, que se contrapõem ao entendimento dessas comunidades como “espaço-problema” e à lógica fundamentada na informalidade e precariedade.

Conclusão

As remoções forçadas evidenciam as feições do estado, quando concebido como projeto e instrumento de uma elite que controla, oprime e mantém, intencionalmente e por interesse próprio, as relações desiguais e assimétricas na sociedade. Nesse sistema de dominação, as instituições tendem a homogeneizar e engolir “o outro” - enquanto indivíduo, cultura e território - no tecido social e urbano dominante, através das políticas governamentais e da lógica mercadológica contemporânea.

Desse modo, o estado da Bahia utilizou o discurso da informalidade urbana (Abramo, 2007Abramo, P. (2007). A cidade com-fusa a mão inoxidável do mercado e a produção da estrutura urbana nas grandes metrópoles latino-americanas. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, 9(2), 25-54. http://dx.doi.org/10.22296/2317-1529.2007v9n2p25.
http://dx.doi.org/10.22296/2317-1529.200...
; Maricato, 2009Maricato, E. (2009). Informalidade urbana no Brasil: a lógica da cidade fraturada. Pósfacio. In L. E. Wanderley, & R. Raichelis (Eds.), A cidade de São Paulo: relações internacionais e gestão pública (pp. 269-292). São Paulo: EDUC.) para legitimar a implantação do projeto de macrodrenagem, reforçando a “permanente transitoriedade” (Rolnik, 2015Rolnik, R. (2015). “Informal, ilegal, ambíguo”: a construção da transitoriedade permanente. In R. Rolnik (Ed.), Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças (pp. 169-194). São Paulo: Boitempo Editorial.) dessas comunidades em áreas valorizadas da cidade. A ação intencional de violação dos direitos por parte do estado é uma estratégia para a remoção dos “inconvenientes” (Pinheiro, 2014Pinheiro, F. D. (2014). Quando a casa sai? A política de reconstrução de moradias para os afetados em desastres no Vale do Cuiabá, Petrópolis, RJ (Tese de doutorado). Rio de Janeiro: Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.), liberando territórios para a ação do capital.

O processo que vem sendo vivenciado pelas comunidades atingidas com a implantação desse projeto urbano resultou na remoção forçada e na desvalorização econômica da produção social do espaço, do valor individual e do coletivo. Com isso, além de serem excluídas historicamente dos modelos de desenvolvimento, passam a custear as obras de melhorias da cidade para grupos sociais abastados.

Além disso, não se pode esquecer da crueldade dos processos de remoção no contexto da pandemia da Covid-19. Embora o isolamento social tenha sido o mais importante instrumento de cuidado das vidas humanas, esse direito também deixou de ser garantido para as famílias atingidas, pois tiveram que receber assistentes sociais, buscar casas para morar e conviver com as obras de macrodrenagem, demonstrando a reiterada falta de compromisso com a proteção à vida por parte do estado.

A pesquisa junto às comunidades contribuiu para compreensão da dinâmica e dos impactos da violência praticada nas remoções forçadas e a necessidade de repará-la integralmente nos marcos internacionais da reparação integral. Através da valoração dos danos materiais e da identificação dos danos imateriais impostos pelo estado a essas famílias, foi possível gerar subsídios aos órgãos de justiça nas ações de revisão dos valores indenizatórios, de forma que as famílias possam receber o justo e consigam exercer plenamente os direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal de 1988, principalmente o direito à moradia digna.

O trabalho contribuiu, ainda, para potencializar a denúncia e garantir visibilidade aos casos de despejos e de violações de direitos humanos, que propositalmente são silenciados e invisibilizados para sonegar direitos e cidadania.

  • 1
    A Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder), através dos Sistemas de Informações Geográficas Urbanas do Estado da Bahia (Informs), realizou o cruzamento das informações de Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) em Salvador com os setores censitários do IBGE (2010), o que resultou em 1.531.815 habitantes. Embora este artigo utilize os dados censitários dos aglomerados subnormais do IBGE, o conceito aqui mobilizado é o de territórios populares.
  • 2
    Conforme consta nos laudos de vistoria realizados por empresa contratada pela CONDER, empresa pública vinculada à Secretaria Estadual de Desenvolvimento Urbano (SEDUR), responsável pela implementação do projeto e pelo trabalho de remoção das famílias.
  • 3
    É possível consultar a minuta do primeiro Termo de Acordo Complementar (TAC) relacionada à Barragem de Rejeitos da Mina Serra Azul (Itatiaiuçu/2020) (Minas Gerais, 2022Minas Gerais. (2022). Primeiro Termo de Acordo Complementar - TAC. Recuperado em 28 de junho de 2022, de https://www.mpmg.mp.br/data/files/19/72/8A/63/AD44A7109CEB34A7760849A8/Itatiaiu_u_Termo de Acordo Complementar.pdf
    https://www.mpmg.mp.br/data/files/19/72/...
    ).
  • 4
    1ª Oficina: “Violações de direitos humanos, danos materiais e imateriais nos processos de remoção forçada” (30 mar. 2021, 17 participantes); 2ª Oficina: “Violações de direito à moradia e a reparação plena e integral” (30 abr. 2021, 10 participantes); 3ª Oficina: “Discussão dos danos materiais e imateriais” (26 mai. 2021, 10 participantes); 4ª Oficina: “Quanto vale a sua casa? Venha discutir o valor justo da indenização” (19 jun. 2021, 16 participantes); 5ª Oficina: “Para definição dos valores de indenização pela perda da moradia digna” (26 nov. 2021, 20 participantes).
  • 5
    1ª Roda de Conversa: “Você sabia que tem direito a receber indenização pela terra que você ocupa?” (26 jan. 2021, 30 participantes); 2ª Roda de Conversa: “Elaboração dos questionários” (12 fev. 2021, 10 participantes); 3ª Roda de Conversa: “Levantamento das violações para a elaboração da matriz de danos materiais e imateriais” (25 fev. 2021, 17 participantes); 4ª Roda de Conversa: “Avaliação da aplicação do questionário” (5 mar. 2021, 10 participantes); 5ª Roda de Conversa: “Construção e sistematização das categorias de danos” (21 jul. 2021, 15 participantes).
  • 6
    De um total de 360 laudos disponibilizados pela Conder, por solicitação do MP-BA.
  • 7
    Glebas urbanizáveis são terrenos passíveis de receber obras de infraestrutura urbana.
  • 8
    São eles: Residencial Mirante do Bonfim (144 unidades) – 2017; Conjunto Paraíso Azul (31 unidades) – 2014; e Residencial Colina Solar (600 unidades) – 2017.
  • 9
    Neste valor não está incluído o preço do terreno.
  • Como citar: Mourad, L. N., Teixeira, A. N., Pinheiro, F. D., & Rocha, N. M. (2022). Remoção forçada e reparação justa e integral em territórios populares: a experiência da construção da matriz de danos. urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, v.14, e20210287. https://doi.org/10.1590/2175-3369.014.e20210287
  • Declaração de disponibilidade de dados

    O conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste artigo está disponível no SciELO DATA e pode ser acessado em https://doi.org/10.48331/scielodata.94LJDH

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Editado por

Editores convidados: Vasco Barbosa, Lakshmi Rajendran e Mónica Suárez.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    12 Set 2021
  • Aceito
    04 Ago 2022
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