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Sob o signo da iconologia: uma exploração do livro Saturno e a melancolia, de R. Klibansky, E. Panofsky e F. Saxl

Resumos

Ao ser publicado, na Inglaterra, em 1964, o livro Saturno e a melancolia perdera os referenciais históricos e culturais que marcaram sua versão embrionária, na Hamburgo da década de 1920. As turbulências do século XX levaram à obsolescência um aspecto decisivo do projeto inicial: o realce, através da obra de Albrecht Dürer, da contribuição da Alemanha ao ideal renascentista do homem superior e temperamental, numa prefiguração do conceito romântico de "gênio". Os autores, judeus assimilacionistas, começaram o trabalho quando a crise da República de Weimar coincidia com a internação num hospital psiquiátrico de seu patrono intelectual, o historiador da arte Aby Warburg. A ascensão do nazismo os dispersou e eles se afastaram cada vez mais da figura e das idéias de Warburg.


When it was published in England in 1964, the book Saturn and Melancholy had lost the historical and cultural references that have framed its original version, in the Hamburg of the 1920's. The turmoil of the 20th Century led to obsolescence one of its main scopes: the focus on the German contribution, with Albrecht Dürer's work, to the Renaissance ideal of the temperamental, superior man, as a forerunner of the romantic concept of "genius". The authors, assimilacionist Jews, had begun their work while the Weimar Republic was starting to collapse, just as their intellectual patron, the art historian Aby Warburg, retired to a psychiatric hospital. The rise of Nazism scattered them and they increasingly moved away from Warburg's character and ideas.


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Bibliografia

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  • Yates, Frances A. {1964}. Giordano Bruno and the Hermetic Tradition. Chicago: The University of Chicago Press, 1991.
  • 1
    Registre-se que Calvino começou a preparar suas Lezione americane em 1984, um ano depois da publicação da tradução italiana da obra de Klibansky, Panofsky e Saxl {Saturno e la melanconia. Studi di storia della filosofia naturale, religione e arte. Turim: Einaudi, 1983}.
  • 2
    Sobre a influência de Cassirer, ver E. Neiva: 1993, 20-24; quanto à apropriação muitoparticular que Panofsky faz da metodologia sociológica de Mannheim, J. Hart: 1993; o esquema tripartite de Mannheim está exposto no artigo "Sobre a interpretação da Weltanschauung", de 1922, citado por Hart.
  • 3
    Acerca das conseqüências dessa terminologia, remeto para as interessantes considera-ções de H. U. Gumbrecht {1994, 391}.
  • 4
    Enquadravam-se nesse tipo as críticas de Th. Frangenberg a Arquitetura gótica e escolástica {Panofsky: 1951}; cf. Frangenberg: 1979.
  • 5
    Cf. Ginzburg: 1966, 74-5; alguns pontos centrais da crítica de Gombrich encontram-se em Meditations on a Hobby Horse{Gombrich: 1963} e Symbolic Images {Gombrich: 1972}.
  • 6
    Compare-se, por exemplo, as duas versões americanas do texto hoje clássico sobre aiconologia {1939 e 1955} com a primeira exposição do método {1932}, bem menos didática.
  • 7
    Note-se que o texto de 1932, em certa medida, é uma reação às críticas de Heidegger às práticas de interpretação derivadas da filosofia kantiana {cf. Panofsky: 1932, 248-255}.
  • 8
    Refiro-me ao texto de apresentação impresso na contracapa da jaqueta protetora da edi-ção francesa.
  • 9
    Cito aqui o prefácio de Georges Leroux a seu livro de entrevistas com Klibansky; infelizente, não tive o livro em mãos e só pude consultar a transcrição integral do prefácio, no site da livraria Gallimard/Montreal, na internet; o endereço eletrônico consta da bibliografia.
  • 10
    Limito-me a citar os títulos que conheço melhor, nas áreas de História da Literatura eHistória das Idéias, pela ordem de publicação: B. G. Lyons {1975}.Voices of Melancholy. Studies in Literary Treatment of Melancholy in Renaissance England. Nova York: Norton; M. A. Screech {1983}.Montaigne & Melancholy. The Wisdom of the 'Essays'. Londres: G. Duckworth & Co.; K. H. Dolan {1990}. Cyclopen Song: Melancholy and Aestheticism in Góngora's 'Fábula de Polifemo y Galatea'. Chapel Hill: North Carolina Studies in the Romance Languages and Literatures; T. S. Soufas {1990}. Melancholy and the Secular Mind in Spanish Golden Age Literature. Columbia MI: University of Missouri Press; H. Ferguson {1995}. Melancholy and the Critique of Modernity. Søren Kierkegaard's Religious Psychology. Londres: Routledge.
  • 11
    Trata-se de "Beiträge zur Theorie der Weltanschauungsinterpretation" {"Contribuiçõesà teoria da interpretação da Weltanschauung"}, originalmente publicado no Jahrbuch für Kunsgeschichte de 1921-2.
  • 12
    Sobre a perspectiva interdisciplinar de Warburg, ver M. Diers: 1995, 60; e S. Weigel:1995, 139-40.
  • 13
    Ainda quanto ao conceito de Pathosformeln, ver S. Weigel:cit., 137-9.
  • 14
    Ver F. A. Yates: 1964, 62-83; registre-se a coincidência de este livro ter sido publicadono mesmo ano que Saturno e a melancolia, e sob os auspícios do Warburg Institute; uma das fontes secundárias de Yates é a obra primitiva de Panofsky e Saxl sobre Melencolia I.
  • 15
    Estou discordando, neste ponto, da perspectiva de S. Weigel em seu belo artigo analíti-co acerca das memórias de Wargurb sobre sua expedição {S. Weigel: 1995, 147}.
  • 16
    M. Diers {1995, 68} cita uma frase a esse respeito, retirada das anotações particularesde Warburg, com data de 1928: "O tesouro do sofrimento dos homens passa a pertencer à humanidade".
  • 17
    Sobre esse projeto inacabado, ver J. Assmann: 1995, 128-9; e M. Diers: 1995: 70-73..
  • 18
    Opinião de F. Saxl citada por Gertrud Bing, sua colega desde Hamburgo e sucessora nadireção do Warburg Institute, a partir de sua morte, em 1949;apud C. Ginzburg: 1966, n. 3.
  • 19
    W. S. Heckscher {1993, 180} conta que a primeira onda de hiperinflação foi suficientepara arruinar a fortuna da família de Panofsky, que parecia solidamente fundada em bancos e atividades comerciais na região de Hannover.
  • 20
    Quanto ao vínculo nacionalista disseminado entre os seguidores de Usener, ver S. Weigel:1995, 141.
  • 21
    Assim escreveu Mann, numa carta a Hermann Hesse, após o desfecho da SegundaGuerra: "Penso que nenhum vivente pode, hoje, esquivar-se do político. Uma recusa também é uma decisão política, mas em favor da causa errada" {apud W. H. Bruford: 1975, 255}.
  • 22
    Carlo Ginzburg {1966: 48-9} assinala que F. Saxl não dava tanta atenção aos pressupos-tos teóricos e conceituais de Warburg, preferindo insistir "nos resultados concretos obtidos pelo estudioso hamburgês".
  • 23
    Ver tabela em anexo.
  • 24
    Poucos anos antes do genocídio ainda havia uma União dos Judeus Nacional-Alemães;a Liga de Amigos Combatentes Judeus participava regularmente das cerimônias de louvor à bandeira nacional da Alemanha; cf. L. Richard: 1983, 147.
  • 25
    É interessante o contraste entre essa imagem (lembrando o "enxerto" vegetal) e a dinâ-mica "assimilação" dos judeus à cultura alemã, até a ascensão do nazismo.
  • 26
    W. S. Heckscher relembra uma engraçada boutade de Panofsky sobre William Blake: "Não agüento! Tudo bem se um sujeito é realmente doido, como Hölderlin; a verdadeira loucura até que produz flores poéticas. Mas não suporto gênios enlouquecidos que passam a vida caminhando à beira do abismo. Blake é muito negativo e nada confiável" {apud W. S. Heckscher: 1993, 173}.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2001
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