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“A ESCRITURA A ESCREVIVÊNCIA A INVENÇÃO A POEMA”: PERFORMANCES E DECOLONIALIDADES NAS GRAMÁTICAS CULTURAIS DAS COLETIVAS DE POETAS PERIFÉRICAS

“WRITING. EXPERIENCE. INVENTION. POEM”: PERFORMANCE AND DECOLONIALITY IN CULTURAL GRAMMARS WRITTEN BY POETS COLLECTIVES FROM THE OUTSKIRTS

RESUMO

Este artigo é resultante de uma proposta teórico-metodológica de pesquisa participante e interventiva nos estudos da linguagem, a Pragmática Cultural (ALENCAR, 2014ALENCAR, C. (2014). Pragmática Cultural: uma visada antropológica sobre os jogos de linguagem. In: SILVA, D.; ALENCAR, C.; FERREIRA, D. (org.). Nova Pragmática: modos de fazer. São Paulo: Cortez. p.78-100., 2015ALENCAR, C. (2015). Pragmática cultural: uma proposta de pesquisa-intervenção nos estudos críticos da linguagem. In RODRIGUES, M. G. et al. (org.). Discurso: sentidos e ação, Franca, Universidade de Franca, v.10, 2015, p.141-162., 2019ALENCAR, C. (2019). Tudo aqui é poesia: a pragmática cultural como pesquisa participante com movimentos sociais e coletivos juvenis em territórios de violência urbana. Interdisciplinar, v. 31, p. 237-256, jan./jun.), que busca a horizontalidade, a colaboração entre saberes populares e acadêmicos, por meio de metodologias simétricas que valorizem formas de vida e resistência, visando à transformação social. Sob essa perspectiva, analiso a constituição de uma gramática cultural de resistência pelas mulheres participantes de três coletivas de poetas da periferia de Fortaleza. O arcabouço teórico se assentou nas concepções de performatividade de raça e interseccionalidades, a partir do trabalho de Glenda Melo (MELO; MOITA LOPES, 2013MELO, G. C. V.; MOITA LOPES, L. P. (2013). As performances discursivo-identitárias de mulheres negras em uma comunidade para negros na Orkut. DELTA, São Paulo, v. 29, n. 2, p. 237-265., 2014MELO, G. C. V.; MOITA LOPES, L. P. (2014). A performance narrativa de uma blogueira: “Tornando-se preta em um segundo nascimento”. Alfa, São Paulo, v. 58, n. 3, p. 541-569.; MELO; PAULA, 2019MELO, G. C. V.; PAULA, L. (2019). Apresentação: Discursos de gênero, sexualidade e raça. Cadernos Discursivos, v. 1, n. 1, p. 1-7.); gramática cultural e gramática da dor, discutidas nos trabalhos de Veena Das (DAS, 1995DAS, V. (1995). Critical events: an anthropological perspective on contemporary India. New Delhi: Oxford University Press., 1999DAS, V. (1999). Fronteiras, violência e o trabalho do tempo: alguns temas wittgensteinianos. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 14, n. 40, p. 31-42., 2007DAS, V. (2007). Life and words: violence and the descent into the ordinary. Berkeley: University of California Press.; DAS et al., 2004DAS, V. et al. (2004). Violence and subjectivity. Berkeley: University of California Press.) e em minhas pesquisas (ALENCAR, 2014ALENCAR, C. (2014). Pragmática Cultural: uma visada antropológica sobre os jogos de linguagem. In: SILVA, D.; ALENCAR, C.; FERREIRA, D. (org.). Nova Pragmática: modos de fazer. São Paulo: Cortez. p.78-100., 2019ALENCAR, C. (2019). Tudo aqui é poesia: a pragmática cultural como pesquisa participante com movimentos sociais e coletivos juvenis em territórios de violência urbana. Interdisciplinar, v. 31, p. 237-256, jan./jun.); e o conceito de escrevivência, de Conceição Evaristo (EVARISTO, 2007EVARISTO, C. (2007). Da grafia-desenho de minha mãe, um dos lugares de nascimento de minha escrita. In: Alexandre, M. A. (org.). Representações performáticas brasileiras: teorias, práticas e suas interfaces. Belo Horizonte: Mazza, p. 16-21., 2008EVARISTO, C. (2008). Escrevivências da afro-brasilidade: história e memória. Releitura, Belo Horizonte, Fundação Municipal de Cultura, n. 23, nov., 2009EVARISTO, C. (2009). Literatura negra: uma poética de nossa afro-brasilidade. Scripta, Belo Horizonte, v. 13, n. 25.). As categorias metapragmática, indexicalidade (SILVERSTEIN, 1993SILVERSTEIN, M. (1993). Metapragmatic discourse and metapragmatic function. In: Lucy, J. (ed.). Reflexive language, reported speech and metapragmatics. Cambridge: Cambridge University Press, p. 33-58., 2003SILVERSTEIN, M. (2003). Indexical order and the dialectics of sociolinguistic life. Language amp; Communication, v. 23, n. 3/4, p. 193-229, July/Oct.), performance e entextualização (BAUMAN; BRIGGS, 1990BAUMAN, R.; BRIGGS, C. (1990). Poetics and performance as critical perspectives on language and social life. American Review of Anthropology, v. 19, p. 59-88.) também fazem parte do nosso construto analítico. Com a investigação, percebi que práticas literárias, culturais e políticas dessas poetas constituem uma gramática cultural que anuncia uma sociedade sem dominação, construída pela feminização da resistência.

Palavras-chave:
coletivas de poetas; periferia; performance; gramática cultural; escrevivência

ABSTRACT

The present article is the result of a theoretical-methodological proposal for a participatory and interventional research in language studies called Cultural Pragmatics (ALENCAR, 2014ALENCAR, C. (2014). Pragmática Cultural: uma visada antropológica sobre os jogos de linguagem. In: SILVA, D.; ALENCAR, C.; FERREIRA, D. (org.). Nova Pragmática: modos de fazer. São Paulo: Cortez. p.78-100., 2015ALENCAR, C. (2015). Pragmática cultural: uma proposta de pesquisa-intervenção nos estudos críticos da linguagem. In RODRIGUES, M. G. et al. (org.). Discurso: sentidos e ação, Franca, Universidade de Franca, v.10, 2015, p.141-162., 2019ALENCAR, C. (2019). Tudo aqui é poesia: a pragmática cultural como pesquisa participante com movimentos sociais e coletivos juvenis em territórios de violência urbana. Interdisciplinar, v. 31, p. 237-256, jan./jun.). It aims at establishing horizontality, the collaboration between popular and academic knowledge, through symmetrical methodologies that value different forms of life and resistance, and seek social transformation. From this perspective, I analyze the compilation of a cultural grammar of resistance by women who participate in three poets collectives on the outskirts of the city of Fortaleza (Brazil). The theoretical framework is based on the concepts of performativity of race and intersectionality according to Glenda Melo (MELO; MOITA LOPES, 2013MELO, G. C. V.; MOITA LOPES, L. P. (2013). As performances discursivo-identitárias de mulheres negras em uma comunidade para negros na Orkut. DELTA, São Paulo, v. 29, n. 2, p. 237-265., 2014MELO, G. C. V.; MOITA LOPES, L. P. (2014). A performance narrativa de uma blogueira: “Tornando-se preta em um segundo nascimento”. Alfa, São Paulo, v. 58, n. 3, p. 541-569.; MELO; PAULA, 2019MELO, G. C. V.; PAULA, L. (2019). Apresentação: Discursos de gênero, sexualidade e raça. Cadernos Discursivos, v. 1, n. 1, p. 1-7.); on the cultural grammar and the grammar of pain as discussed in the works of Veena Das (DAS, 1995DAS, V. (1995). Critical events: an anthropological perspective on contemporary India. New Delhi: Oxford University Press., 1999DAS, V. (1999). Fronteiras, violência e o trabalho do tempo: alguns temas wittgensteinianos. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 14, n. 40, p. 31-42., 2007DAS, V. (2007). Life and words: violence and the descent into the ordinary. Berkeley: University of California Press.; DAS et al., 2004DAS, V. et al. (2004). Violence and subjectivity. Berkeley: University of California Press.); on the notion of escrevivência by Conceição Evaristo (EVARISTO, 2007EVARISTO, C. (2007). Da grafia-desenho de minha mãe, um dos lugares de nascimento de minha escrita. In: Alexandre, M. A. (org.). Representações performáticas brasileiras: teorias, práticas e suas interfaces. Belo Horizonte: Mazza, p. 16-21., 2008EVARISTO, C. (2008). Escrevivências da afro-brasilidade: história e memória. Releitura, Belo Horizonte, Fundação Municipal de Cultura, n. 23, nov., 2009EVARISTO, C. (2009). Literatura negra: uma poética de nossa afro-brasilidade. Scripta, Belo Horizonte, v. 13, n. 25.), and on my own research (ALENCAR, 2014ALENCAR, C. (2014). Pragmática Cultural: uma visada antropológica sobre os jogos de linguagem. In: SILVA, D.; ALENCAR, C.; FERREIRA, D. (org.). Nova Pragmática: modos de fazer. São Paulo: Cortez. p.78-100., 2019ALENCAR, C. (2019). Tudo aqui é poesia: a pragmática cultural como pesquisa participante com movimentos sociais e coletivos juvenis em territórios de violência urbana. Interdisciplinar, v. 31, p. 237-256, jan./jun.). Other parts of our analytical construct are represented by the categories metapragmatics, indexicality (SILVERSTEIN, 1993SILVERSTEIN, M. (1993). Metapragmatic discourse and metapragmatic function. In: Lucy, J. (ed.). Reflexive language, reported speech and metapragmatics. Cambridge: Cambridge University Press, p. 33-58., 2003SILVERSTEIN, M. (2003). Indexical order and the dialectics of sociolinguistic life. Language amp; Communication, v. 23, n. 3/4, p. 193-229, July/Oct.), performance and entextualization (BAUMAN; BRIGGS, 1990BAUMAN, R.; BRIGGS, C. (1990). Poetics and performance as critical perspectives on language and social life. American Review of Anthropology, v. 19, p. 59-88.). Investigating this subject matter I realized that the literary, cultural and political practices of these poets constitute a cultural grammar that announces a society without domination which will be created by the feminization of resistance.

Keywords:
poets collectives; outskirts; performance; cultural grammar; escrevivência

INTRODUÇÃO

A poeta Nina Rizzi, em um trecho do ensaio “A poema, caminho para alcançar a própria voz e tantas outras”, diz que “no processo de descoberta y escritura da nossa poema, refletimos, produzimos teoria y descobrimos também quem somos. é empoderador, libertador y amoroso conosco y com nossa história” (RIZZI, 2020RIZZI, N. (2020). A poema, caminho para alcançar a própria voz e tantas outras. Suplemento Pernambuco, nov. 2020. Disponível em: https://www.suplementopernambuco.com.br/edi%C3%A7%C3%B5es-anteriores/71-ensaio/2579-nina-rizzi-a-poema,-caminho-para-alcan%C3%A7ar-a-pr%C3%B3pria-voz-e-tantas-outras.html. Acesso em: 10 dez. 2020.
https://www.suplementopernambuco.com.br/...
). E eu me sinto amorosamente tocada para iniciar essa escrita com esse “quem somos”, iniciar esse artigo lhes apresentando o meu lócus de enunciação, de contar um pouco da história da pesquisa que originou esse trabalho1 1 Uma versão preliminar deste trabalho foi apresentada em seminário que ministrei na Faculty of Medieval and Modern Languages da Universidade de Oxford, em novembro de 2020, com o título Resistências feminizadas: coletivos de poetas afro-basileiras da periferia de Fortaleza. Agradeço à Capes pela bolsa (edital nº1/2019) do Programa Professor Visitante no Exterior (PVEx) que me permitiu desenvolver pesquisa na Universidade de Oxford sobre a Literatura escrita por mulheres, durante todo o ano de 2020. .

Em 2014, um grupo de ativistas, participantes de movimentos sociais, coletivos e professores extensionistas da Universidade Estadual do Ceará (Uece) reuniram-se para pensar em ações coletivas com o intuito de enfrentar uma realidade alarmante: o extermínio da juventude pobre e negra da periferia. Motivados pelo questionamento de jovens participantes da Caravana da Periferia — movimento social que atuava na Serrinha, bairro de Fortaleza onde se situa o campus principal da Uece — sobre como a universidade precisava assumir um projeto popular de transformação social, aquele grupo gestou o Programa Viva Palavra2 2 Viva a Palavra: Circuitos de Linguagem, Paz e Resistência da Juventude Negra na Periferia de Fortaleza. Proposta aprovada no Edital PROEXT MEC/SESU 2015. .

Viva a Palavra é um projeto colaborativo, um programa de pesquisa, ensino e extensão. Constituído por vários projetos — que incluem ações como saraus poéticos, contação de histórias, oficinas de escrita criativa, teatro, música, cenopoesia, criação literária e bibliotecas livres —, é realizado por coletivos e movimentos culturais da periferia em articulação com professores e estudantes da Uece. Atualmente, esse grande coletivo de artistas, ativistas e acadêmicos faz parte do movimento de saraus, slams e rolezinhos do Ceará.

Como filha de agricultores e participante de movimentos populares desde cedo, sou uma das que quebraram a “cerca do latifúndio do saber” ao ingressar na universidade pública. Depois, como professora da Uece, usufruindo desse lugar do privilégio, sempre considerado próprio da branquitude (KILOMBA, 2019KILOMBA, G. (2019). Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó.), me senti comprometida a me engajar naquele processo. Fui uma das pessoas presentes àquelas reuniões que pautavam a violência contra a população periférica como um problema também da realidade universitária e ali me tornei uma das idealizadoras do Programa Viva a Palavra. Hoje atuo na gestão colaborativa, na coordenação partilhada desse programa que defende a literatura como um direito humano, como escreveu Candido (2004)CANDIDO, A. (2004). O direito à literatura e outros ensaios. Coimbra, PT: Angelus Novus., e a palavra como um modo de resistência ao extermínio da população pobre e negra em territórios de violência. Dessa resistência faz parte a luta para que toda a população tenha acesso aos bens culturais, tenha direito à educação de qualidade, incluindo aqui o letramento literário.

Por meio do Programa Viva a Palavra, sou pesquisadora-participante dos movimentos culturais e literários da periferia de Fortaleza. Talvez mais participante que pesquisadora, uma participante-pesquisadora. Desse lugar, pude conhecer as mulheres que atuam na cena cultural das periferias da cidade; pude compreender o espaço, o papel, a arte, o ativismo dessas mulheres. Desse lugar, vi nascer os coletivos culturais de mulheres escritoras; nos saraus conheci as poetas da periferia. Por isso, trago essas poetas comigo nessas falas, nessa pesquisa3 3 Esta pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará, Protocolo 47530621.0.0000.5534, Parecer 4.775.705 de 13/06/2019. , que nunca será um trabalho individual, mas sempre coletivo.

Com elas, teço nossas teorias a partir da perspectiva do feminismo negro e me inspiro em bell hooks para considerar a escrita de mulheres negras como produtora de conhecimentos (HOOKS, 2015HOOKS, B. (2015). Mulheres negras: moldando a teoria feminista. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n. 16, p. 193-210, jan./abr.). Quero, pois, considerar a escrita literária de mulheres como inventividade, criação de conceitos e categorias para ler e compreender literatura como forma de vida. Assim, vou me apropriar de alguns conceitos de mulheres escritoras para ler outras escritoras: o conceito de gramática cultural, de Veena Das (DAS et al., 2004DAS, V. et al. (2004). Violence and subjectivity. Berkeley: University of California Press.); escrevivência, de Conceição Evaristo (EVARISTO, 2007EVARISTO, C. (2007). Da grafia-desenho de minha mãe, um dos lugares de nascimento de minha escrita. In: Alexandre, M. A. (org.). Representações performáticas brasileiras: teorias, práticas e suas interfaces. Belo Horizonte: Mazza, p. 16-21., 2008EVARISTO, C. (2008). Escrevivências da afro-brasilidade: história e memória. Releitura, Belo Horizonte, Fundação Municipal de Cultura, n. 23, nov.); feminização da resistência, de Sara Motta (2013a)MOTTA, S. (2013a). “We are the ones we have been waiting for”: the feminization of resistance in Venezuela. Latin American Perspectives, v. 40, n. 4, p. 35-54.; e as pesquisas sobre performatividade de raça e interseccionalidades de Glenda Melo (MELO; MOITA LOPES, 2013MELO, G. C. V.; MOITA LOPES, L. P. (2013). As performances discursivo-identitárias de mulheres negras em uma comunidade para negros na Orkut. DELTA, São Paulo, v. 29, n. 2, p. 237-265., 2014MELO, G. C. V.; MOITA LOPES, L. P. (2014). A performance narrativa de uma blogueira: “Tornando-se preta em um segundo nascimento”. Alfa, São Paulo, v. 58, n. 3, p. 541-569.; MELO; PAULA, 2019MELO, G. C. V.; PAULA, L. (2019). Apresentação: Discursos de gênero, sexualidade e raça. Cadernos Discursivos, v. 1, n. 1, p. 1-7.), para entender a proposta literária e o projeto político cultural dos coletivos de mulheres da periferia de Fortaleza.

1. COLETIVAS DE POETAS PERIFÉRICAS: PERFORMANCES DE RAÇA E INTERSECCIONALIDADES

Os trabalhos da linguista aplicada Glenda Melo têm contribuído para a articulação entre os estudos de linguagem e de raça no Brasil (ver MELO; MOITA LOPES, 2013MELO, G. C. V.; MOITA LOPES, L. P. (2013). As performances discursivo-identitárias de mulheres negras em uma comunidade para negros na Orkut. DELTA, São Paulo, v. 29, n. 2, p. 237-265., 2014MELO, G. C. V.; MOITA LOPES, L. P. (2014). A performance narrativa de uma blogueira: “Tornando-se preta em um segundo nascimento”. Alfa, São Paulo, v. 58, n. 3, p. 541-569.; MELO; PAULA, 2019MELO, G. C. V.; PAULA, L. (2019). Apresentação: Discursos de gênero, sexualidade e raça. Cadernos Discursivos, v. 1, n. 1, p. 1-7.). Tais estudos mostram a importância de se considerar o marcador performativo de raça de modo intersecional com os marcadores de gênero, sexualidade e classe social. As interseccionalidades podem ser vistas como marcadores que performatizam formas de vida contra-hegemônicas, “questionando as identidades como fixas e homogêneas” para “desestabilizar sentidos cristalizados na sociedade também sobre raça” (MELO; MOITA LOPES, 2013, p. 243MELO, G. C. V.; MOITA LOPES, L. P. (2013). As performances discursivo-identitárias de mulheres negras em uma comunidade para negros na Orkut. DELTA, São Paulo, v. 29, n. 2, p. 237-265.).

Um dos modos de desestabilizar sentidos cristalizados que podem construir relações sociais de crueldade é considerar como performatizamos nossas identidades através de narrativas. Bauman e Briggs (1990)BAUMAN, R.; BRIGGS, C. (1990). Poetics and performance as critical perspectives on language and social life. American Review of Anthropology, v. 19, p. 59-88. trazem a contribuição da antropologia linguística para compreender os discursos como performances socialmente situadas. Essas performances permitem narrar e ressignificar a vida social, situando nós mesmos em contextos histórico-sociais. São narrativas que textualizam contextos, contextualizando e descontextualizando discursos. Nesse sentido, construímos e contestamos identidades com nossas performances narrativas. A esse respeito, Melo e Moita Lopes (2014)MELO, G. C. V.; MOITA LOPES, L. P. (2014). A performance narrativa de uma blogueira: “Tornando-se preta em um segundo nascimento”. Alfa, São Paulo, v. 58, n. 3, p. 541-569. afirmam:

A narrativa como performance é um ato performativo, em que sujeitos sociais podem ser reinventados e modificados; por meio dela, as práticas e normas sociais podem ser transformadas, já que é uma performance discursiva ou um fazer pela linguagem. Os participantes estariam, então, construindo a vida social ao focalizar certas histórias, optar por alguns posicionamentos interacionais e ao interagir com outros na performance (MELO; MOITA LOPES, 2014, p. 549MELO, G. C. V.; MOITA LOPES, L. P. (2014). A performance narrativa de uma blogueira: “Tornando-se preta em um segundo nascimento”. Alfa, São Paulo, v. 58, n. 3, p. 541-569.).

Nesta seção, apresento os perfis, da rede social Instagram, de três coletivas de mulheres na periferia de Fortaleza: baRRósas; PRETARAU — Sarau das Pretas; e Elas Poemas — Escritas Periféricas. O intuito é analisar as performances identitárias encenadas por mulheres poetas da periferia da cidade que se reúnem em coletivos culturais, ou melhor, em coletivas, como elas denominam.

E como nasceram essas coletivas? É preciso entender que mesmo espaços que se pretendem emancipatórios, como os saraus periféricos, carregam as contradições que subjazem o sistema produtor de desigualdades. Por estarem situados em uma sociedade capitalista, patriarcal e racista, os eventos na periferia são também atravessados por essas ideologias. Os saraus e slams, por exemplo, ainda são eventos predominantemente masculinos. Percebendo isso, as mulheres poetas da periferia decidiram se organizar em coletivos culturais, como elas próprias narram nos perfis desses grupos nas redes sociais. É o que diz a narrativa da coletiva baRRósas.

Figura 1.
Imagem do perfil baRRósas no Instagram

BaRRósas, criado por moradoras e moradores do bairro Barroso…

O “gatilho” para essa ideia começou de uma reflexão, após a segunda edição do Slam Violeta, no Conjunto Violeta que fica colado com o bairro Barroso, onde percebemos que dos 15 participantes da batalha apenas 2 (dois) eram LGBT’s e os demais todos homens héteros, mas NENHUMA era MULHER.

Com isso veio a inquietação… Por quê? Se nas vivências da nossa Biblioteca (a @bibliotecavivaoficial) são as mulheres que mais leem e escrevem? (…)

Como um espaço para elas e demais mulheres leitoras e escritoras que tantas vezes não se sentem bem participando de eventos culturais tão protagonizados por homens.(...). Mas não estão sozinhas, existem sim diversas mulheres como vocês, como nós, poetas, escritoras maravilhosas que resistem, nesse longo processo de confiança que é sentir-se bem com o outro ouvindo nossos mais escondidos pensamentos. Aqui as manas são as protagonistas, o espaço é nosso, das mulheres!

Vamos juntas!

Ao narrar o episódio que gerou a coletiva, com a constatação de que não havia mulheres participando do slam, as poetas da coletiva baRRósas encenam performances de mulheres escritoras. Desse modo, as sequências de atos de fala que poderiam ser considerados constativos (“apenas 2 (dois) eram LGBT’s e os demais todos homens héteros, mas NENHUMA era MULHER”; “São as mulheres que mais leem e escrevem”) são atos performativos que buscam reinventar e modificar as práticas artísticas dos saraus e slams como espaços para o protagonismo das mulheres (“Aqui as manas são as protagonistas, o espaço é nosso, das mulheres!”). Podemos perceber que o texto de apresentação da coletiva baRRósas encena performances identitárias de mulheres como “nós, poetas, escritoras maravilhosas que resistem”. Nessa narrativa não se percebe outros marcadores performativos, além do gênero e do lugar periférico.

A próxima coletiva, PRETARAU — Sarau das Pretas, narra seu nascimento encenando performances identitárias de raça, gênero e classe social, a partir da performance identitária de pretas periféricas.

Figura 2.
Imagem do perfil PRETARAU — Sarau das Pretas, no Instagram

A Pretarau — Sarau das Pretas é uma iniciativa inédita e independente de mulheres negras poetas e slammers da cidade de Fortaleza e Região Metropolitana, que surge no ano de 2019 por meio da necessidade de um espaço voltado para a celebração de nossos poemas. (…) O Pretarau — Sarau das Pretas tem como principal valor e missão protagonizar mulheres poetas negras, especialmente as pretas que vivem e resistem na periferia. (…) Sabemos que o contexto de surgimento e maior expressão dos saraus, está localizado na periferia e, em decorrência disso, valoriza-se esse espaço como local de potência artística e cultural. Também pela urgência que é construir ações capazes de gerar renda e visibilidade para o movimento de mulheres negras e poetas do Ceará.

Quando a coletiva PRETARAU — Sarau das Pretas apresenta sua principal missão “protagonizar mulheres poetas negras, especialmente as pretas que vivem e resistem na periferia”, ela remete o texto a uma semântica que para muitos estaria fora dele. No entanto, tal semântica atravessa a própria narrativa, em um movimento de indexicalidade, ou seja, a semântica seria uma pragmática. Para Silverstein (1993, p. 36)SILVERSTEIN, M. (1993). Metapragmatic discourse and metapragmatic function. In: Lucy, J. (ed.). Reflexive language, reported speech and metapragmatics. Cambridge: Cambridge University Press, p. 33-58. a palavra, o signo, indexa, pressupõe ou indicia o seu contexto; o fenômeno da indexicalidade corresponderia à própria pragmática. Desse modo, a frase “protagonizar mulheres negras” traz o implícito de que essas mulheres não têm tido espaço e visibilidade. Na sequência, a frase “especialmente as mulheres pretas” indexicaliza o contexto cruel de que as mulheres negras retintas sofrem ainda mais as consequências do racismo estrutural do que as mulheres pardas.

A terceira coletiva de mulheres, Elas Poemas — Escritas Periféricas, encena uma performance que marca a identidade de “poetas”, articulada pelas marcas performativas de gênero, raça e classe social.

Figura 3.
Imagem do perfil Elas Poemas — Escritas Periféricas, no Instagram

Elaspoemas: escritas periféricas é uma coletiva de mulheres que se afirmam como poetas e que se movem para fortalecer a potente arte das palavras das mulheres, por meio dos cuidados e das práticas culturais colaborativas, unindo umas às outras na luta por nosso direito de existência e dignidade. Queremos incentivar as mulheres da periferia a ler e escrever poesia e outros gêneros literários e a colocar a sua arte para o mundo! Também refletir sobre o papel das mulheres nos saraus, na literatura periférica, na cena artística da periferia, discutindo as questões de gênero, de raça e de classe social. (…) Primeiro o estar juntas seria mais para agregar, somar, fortalecer as mulheres em torno da arte da palavra e dar visibilidade a essa arte! E pensarmos em conseguir financiamento, por meio de editais ou práticas de economia solidária para essa coletiva de mulheres se tornar autossustentável. Chega mais perto!

Uma performance de cooperação e solidariedade é encenada na autodesignação “coletiva de mulheres que se afirmam como poetas e que se movem para fortalecer a potente arte das palavras das mulheres”. A coletiva procura articular “as questões de gênero, de raça e de classe social” como temas a serem discutidos. Essa articulação implica que nas práticas sociais da coletiva Elas Poemas — Escritas Periféricas as identidades são mostradas como desessencializadas. Assim, as interseccionalidades nas performances de gênero, sexualidade, raça e classe social apontam, segundo Glenda Melo, uma preocupação em desnaturalizar sentidos que indicariam desigualdades e sofrimentos. Nessa perspectiva, Melo e Moita Lopes (2013)MELO, G. C. V.; MOITA LOPES, L. P. (2013). As performances discursivo-identitárias de mulheres negras em uma comunidade para negros na Orkut. DELTA, São Paulo, v. 29, n. 2, p. 237-265. afirmam:

Entendemos que ser mulher e negra mudaria de acordo com o momento histórico e social em que o sujeito social estaria inserido. Ser mulher e negra estaria relacionado à identificação e à política, dessencializando toda ideia de qualquer pureza racial, pré-existente ao discurso (MELO; MOITA LOPES, 2013, p. 247MELO, G. C. V.; MOITA LOPES, L. P. (2013). As performances discursivo-identitárias de mulheres negras em uma comunidade para negros na Orkut. DELTA, São Paulo, v. 29, n. 2, p. 237-265.).

Se por um lado a resistência dessas mulheres em assumir um lugar que sempre lhes foi negado, o lugar de escritoras de suas próprias narrativas, é feminizada (MOTTA, 2013aMOTTA, S. (2013a). “We are the ones we have been waiting for”: the feminization of resistance in Venezuela. Latin American Perspectives, v. 40, n. 4, p. 35-54.), por outro, a articulação entre marcas performativas interseccionais, na constituição de performances identitárias, situa o projeto literário dessas mulheres como um projeto político mais amplo, para além das questões de gênero: um projeto decolonial.

2. GRAMÁTICA CULTURAL: AS PALAVRAS-SEMENTES DE MULHERES POETAS PERIFÉRICAS

A Pragmática Cultural procura estudar as práticas de linguagem como modos de agir e conhecer, com o intuito de realizar pesquisas que promovam ação-reflexão-ação. A partir da ideia de que estudar a linguagem é voltar-se para as formas de vida (WITTGENSTEIN, 1989WITTGENSTEIN, L. (1989). Investigações filosóficas. São Paulo: Nova Cultural.), a Pragmática Cultural busca alianças entre pesquisadores e participantes de coletivos e movimentos sociais, para o desenho de uma proposta de pesquisa que não apenas realize a descrição das formas de vida, mas que também promova intervenções, por meio da horizontalidade e da simetria entre participantes, que possibilitem a construção e a transformação social no enfrentamento às formas de violência e crueldade, resultantes do sistema capitalista colonial, patriarcal e racista (ALENCAR, 2019ALENCAR, C. (2019). Tudo aqui é poesia: a pragmática cultural como pesquisa participante com movimentos sociais e coletivos juvenis em territórios de violência urbana. Interdisciplinar, v. 31, p. 237-256, jan./jun.).

Assim, sob a perspectiva da Pragmática cultural, foi construído um coletivo de pesquisa, ensino e extensão, o Coletivo Viva a Palavra, que tem estabelecido alianças com as coletivas de poetas periféricas de Fortaleza. Em 2020, o Viva a Palavra participou de uma roda de conversa e de saraus organizados pelas coletivas BaRRósas e Pretarau e, em 2021, tem recebido a Pretarau e a Elas Poemas em seus saraus4 4 Devido à pandemia da COVID-19, esses encontros foram realizados de modo remoto, por meio das plataformas Google Meet, Instagram e Youtube. . Além disso, promoveu um encontro com as poetas das três coletivas intitulado “Mulheres Negras poetizando as re-existências”5 5 Realização do encontro “Mulheres Negras poetizando as (re)existências” em 27 de julho de 2020, transmitido pelo canal do Youtube do Viva a Palavra, em alusão ao Julho das Pretas: https://www.youtube.com/watch?v=RBHDx3bR-5g&t=524s . A partir desses vários encontros, como participante do Coletivo de Pesquisa Viva a Palavra, tenho refletido sobre a gramática cultural das coletivas de poetas periféricas, com o intuito de fortalecer o projeto literário dessas mulheres.

Preciso dizer que a ideia de gramática cultural é fruto da leitura decolonial que faz Veena Das (1999DAS, V. (1999). Fronteiras, violência e o trabalho do tempo: alguns temas wittgensteinianos. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 14, n. 40, p. 31-42., 2007DAS, V. (2007). Life and words: violence and the descent into the ordinary. Berkeley: University of California Press.; DAS et al., 2004DAS, V. et al. (2004). Violence and subjectivity. Berkeley: University of California Press.) sobre o trabalho de Wittgenstein (1989)WITTGENSTEIN, L. (1989). Investigações filosóficas. São Paulo: Nova Cultural.. A antropóloga, em seu trabalho etnográfico sobre as relações entre gênero, violência e subjetividade, retoma a ideia wittgensteiniana de que as experiências de dor e sofrimento são mostradas a partir de uma gramática, uma vez que, para Wittgenstein, linguagem é sempre coletiva, só existindo enquanto prática, em forma de atividades comuns, como os jogos de linguagem. Nesse caminho, Veena Das (2007)DAS, V. (2007). Life and words: violence and the descent into the ordinary. Berkeley: University of California Press. procura mostrar como o nosso cotidiano, nossas formas de vida familiares, em seus jogos de linguagem ordinários, estão articulados com as produções, estruturas e eventos violentos mais amplos. Ela estuda o modo como as mulheres, vítimas de sofrimentos atrozes, provocados por guerras e conflitos políticos, reinscrevem sua dor e sofrimento em jogos de linguagem ordinários, constituindo uma gramática cultural.

Nesse sentido, gramáticas culturais dizem respeito à construção de cenários, traços e rotas, muitas vezes ocultos, construídos na historicidade de nossas formas de vida, que respondem pela produção de discursos e de subjetividades (ALENCAR, 2014ALENCAR, C. (2014). Pragmática Cultural: uma visada antropológica sobre os jogos de linguagem. In: SILVA, D.; ALENCAR, C.; FERREIRA, D. (org.). Nova Pragmática: modos de fazer. São Paulo: Cortez. p.78-100.). Vale lembrar que as regras de uma gramática cultural não são pré-determinadas, mas são frutos das ações cotidianas, portanto são sempre fluidas e provisórias.

O título deste artigo, um verso de Nina Rizzi, uma das poetas da Coletiva Pretarau, “ a escritura a escrevivência a invenção a poema” (RIZZI, 2020RIZZI, N. (2020). A poema, caminho para alcançar a própria voz e tantas outras. Suplemento Pernambuco, nov. 2020. Disponível em: https://www.suplementopernambuco.com.br/edi%C3%A7%C3%B5es-anteriores/71-ensaio/2579-nina-rizzi-a-poema,-caminho-para-alcan%C3%A7ar-a-pr%C3%B3pria-voz-e-tantas-outras.html. Acesso em: 10 dez. 2020.
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) indica caminhos de construção de uma proposta em Pragmática Cultural que considere a escritura dessas mulheres a partir de sua escrevivência, de suas formas de vida, mas também como invenção, como performance, atos de linguagem que ressignificam suas vidas. Assim, elas constroem a poema, índice de uma gramática cultural que reinscreve a violência do sistema colonial e patriarcal, em novas formas de vida.

Conceição Evaristo (2020, p. 30)EVARISTO, C. (2020). A escrevivência e seus subtextos. In: Duarte, C.; Nunes, I. (org.). Escrevivência: a escrita de nós: reflexões sobre a obra de Conceição Evaristo. Rio de Janeiro: Mina Comunicação e Arte. fala dessa reinscrição da violência, quando nos diz que “escrevivência, em sua concepção inicial, se realiza como um ato de escrita das mulheres negras, como uma ação que pretende borrar, desfazer uma imagem do passado (...)”. Evaristo se refere a um passado em que o “corpo-voz de mulheres negras era controlado pela violência do sistema colonial escravocrata. A escrevivência é a reinscrição desse corpo- voz na escrita de mulheres que performatizam sua potência em formas de libertação. A escritura das poetas periféricas é “escrita e existência, é amalgamar vida e arte, Escrevivência” (EVARISTO, 2020, p.31EVARISTO, C. (2020). A escrevivência e seus subtextos. In: Duarte, C.; Nunes, I. (org.). Escrevivência: a escrita de nós: reflexões sobre a obra de Conceição Evaristo. Rio de Janeiro: Mina Comunicação e Arte.). Por isso, trago nos versos de Nina Rizzi as palavras- sementes que situam a proposta deste artigo em uma perspectiva da Pragmática Cultural. Pelo caminho da palavramundo (FREIRE,1982FREIRE, P. (1982). A Importância do Ato de Ler - em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez Editora amp; Autores Associados.), seguindo as pistas das palavras-sementes de Nina Rizzi (2020)RIZZI, N. (2020). A poema, caminho para alcançar a própria voz e tantas outras. Suplemento Pernambuco, nov. 2020. Disponível em: https://www.suplementopernambuco.com.br/edi%C3%A7%C3%B5es-anteriores/71-ensaio/2579-nina-rizzi-a-poema,-caminho-para-alcan%C3%A7ar-a-pr%C3%B3pria-voz-e-tantas-outras.html. Acesso em: 10 dez. 2020.
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, articulo o conceito de performance como reinscrição, a partir de uma gramática cultural que ressignifica a dor, em atos de escrevivência: a poema é a linguagem que cura.

Como nos saraus, olho e sinto o movimento dos círculos. Ao analisar a literatura das poetas periféricas, utilizo os círculos de cultura de inspiração freireana como procedimento metodológico da Pragmática Cultural (ALENCAR, 2015ALENCAR, C. (2015). Pragmática cultural: uma proposta de pesquisa-intervenção nos estudos críticos da linguagem. In RODRIGUES, M. G. et al. (org.). Discurso: sentidos e ação, Franca, Universidade de Franca, v.10, 2015, p.141-162.), não apenas para gerar dados na pesquisa-intervenção, mas também para traçar um mapa, como modo de análise em três percursos, seguidos neste trabalho: 1. escolha das palavras-semente, as palavras-mundo que se transformam em temas geradores; análise dos temas geradores mapeados nas formas de vida, indicadas pelas palavras-sementes; 3. discussão dos temas geradores em determinada forma de vida para compreender as gramáticas culturais.

Desse modo, colhidas as palavras geradoras, as palavras-sementes dos versos das poetas, em rodas de conversas, saraus e encontros em que discutimos a poema6 6 Agradeço especialmente ao convite de Nina Rizzi para a mediação de sua participação no Festival Literário Carnavárias pelo perfil @ carnavalhame da plataforma Instagram, no dia 25 de maio de 2020, quando tivemos uma longa conversa sobre a poema, mesmo quando Nina ainda não havia publicado o seu Ensaio sobre a Poema, aqui referenciado neste texto (RIZZI, 2020). Aquele encontro e, posteriormente, o envio do ensaio por Nina, me permitindo uma leitura antes da sua publicação, foram inspiradores para a produção deste artigo. , seguirei a trilha dessas palavras para análise dos temas geradores, nas próximas seções.

3. A ESCRITURA

Como parte da gramática cultural de coletivas culturais de mulheres poetas da periferia de Fortaleza, chama a atenção a maneira como a escritura, palavra-semente que traz o tema da escrita literária dessas poetas, mobiliza a enunciação das mulheres sobre a agência da própria escrita, sobre o poder das palavras e a força que tem o seu uso, seja para instaurar relações de opressão, seja para perturbar essas opressões, provocando emancipações.

Podemos reconhecer nessa escritura uma metapragmática, uma vez que reflete sobre o uso das palavras. Conforme Pinto (2019)PINTO, J. P. (2019). É só mimimi? Disputas metapragmáticas em espaços públicos online. Interdisciplinar, v. 31, p. 221-236, jan./jun., a metapragmática é um recurso fundamental para direcionar o movimento de um ato de fala em “contextos” específicos. Para a autora, “metapragmáticas são racionalizações sobre o uso da linguagem, inseridas em sistemas locais de interação, e relacionadas às formas metalinguísticas que permitem referenciar e predicar a própria linguagem” (PINTO, 2019, p. 227PINTO, J. P. (2019). É só mimimi? Disputas metapragmáticas em espaços públicos online. Interdisciplinar, v. 31, p. 221-236, jan./jun.).

No caso das poetas da periferia, as vozes poéticas enunciadas procuram subverter o sexismo na língua, e o fazem de modo interseccional trazendo as questões de raça e classe social em articulação com as pautas de gênero e sexualidade.

As linguistas feministas já chamavam atenção para o modo como as línguas representam o gênero, reforçando as desigualdades sexuais, tendo no uso genérico de pronomes masculinos seu exemplo mais gritante (CAMERON, 1995CAMERON, D. (1995). Verbal hygiene. Routledge: London.; CALDAS-COULTHARD, 2007CALDAS-COULTHARD, C. R. (2007). Caro colega: exclusão linguística e invisibilidade. Discurso amp; Sociedad, v. 1, n. 2, p. 230-246.). As poetas dos coletivos culturais estudados procuram alterar essa prática linguística sexista não apenas na busca de pronomes neutros para um uso mais igualitário, mas modificando a morfossintaxe das palavras, ao transformar sintagmas considerados masculinos em língua portuguesa, tais como “o coletivo cultural” e “o poema”, em sintagmas femininos. Daí teremos o uso dos sintagmas “a coletiva” e “a poema”. Vejamos a poema de Nina Rizzi:

1. pela cruz pela espada pela doença e pela linguagem se deu a dominação a língua castra a língua de um pai de um estuprador de uma igreja de [uma polícia de um estado de um genocida de um passado que é presente e é fascista racista [misógino homofóbico vidafóbico e é colonial não se encaixar em partículas totalizadoras masculinais do poder branco soltar os punhos a língua a linguagem chamar a ela: ela e a quem quiser: querer A poema é um dialeto originário é um pretuguês é uma [gíria (RIZZI, 2020RIZZI, N. (2020). A poema, caminho para alcançar a própria voz e tantas outras. Suplemento Pernambuco, nov. 2020. Disponível em: https://www.suplementopernambuco.com.br/edi%C3%A7%C3%B5es-anteriores/71-ensaio/2579-nina-rizzi-a-poema,-caminho-para-alcan%C3%A7ar-a-pr%C3%B3pria-voz-e-tantas-outras.html. Acesso em: 10 dez. 2020.
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).

Essa ação sobre a língua faz parte do projeto político das poetas de usar a sua poesia para decolonizar os corpos e as vidas marcadas e performadas pela linguagem, como enuncia a voz poética em Nina Rizzi: “A poema é um dialeto original é um pretuguês é uma gíria”.

Na poema acima, a menção ao “dialeto original pretuguês” entextualiza o pensamento de Lélia Gonzalez, professora universitária, feminista negra, antropóloga e intelectual brasileira que trouxe a grande contribuição de mostrar que o português brasileiro é fruto da diáspora africana. Gonzalez (1988)GONZALEZ, L. (1988). A categoria político-cultural de amefricanidade. Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, n. 92/93, p. 69-82, jan./jun. reivindica que negras e negros que vieram vítimas de escravização para o Brasil construíram comunidades culturais e constituíram o que chamamos de português brasileiro, que deveria ser chamado de português afro-brasileiro.

[…] aquilo que chamo de ‘pretuguês’ e que nada mais é do que marca de africanização do português falado no Brasil […] O caráter tonal e rítmico das línguas africanas trazidas para o Novo Mundo, além da ausência de certas consoantes (como o l ou o r, por exemplo), apontam para um aspecto pouco explorado da influência negra na formação histórico-cultural do continente como um todo (e isto sem falar nos dialetos ‘crioulos’ do Caribe) (GONZALEZ, 1988, p. 70GONZALEZ, L. (1988). A categoria político-cultural de amefricanidade. Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, n. 92/93, p. 69-82, jan./jun.).

A antropóloga também afirma que o Brasil nada mais é do que uma América Africana, ou seja, uma Améfrica Ladina. Os textos de Lélia Gonzalez representam um legado importante ao movimento negro feminista e se tornaram uma das principais referências nos estudos de raça, gênero e classe no Brasil.

Podemos perceber o pretuguês nas poemas das coletivas, fazendo-se tanto na escolha lexical das poemas, com forte presença de palavras e expressões do cotidiano, inclusive com o uso recorrente de gírias, bem como na entonação conferida às performances das poemas que, apesar de não apresentarem rimas, trazem um ritmo próprio da linguagem oral.

Vale lembrar o cuidado para não se estereotipar o projeto literário das coletivas da periferia afirmando que a literatura periférica apenas retrata a realidade por meio de uma linguagem pobre e de um português não padrão. Sobre a visão preconceituosa e estigmatizante por parte sociedade branca elitista acerca dos falares populares que seriam marcas do pretuguês, Gonzalez (1984)GONZALEZ, L. (1984). Racismo e sexismo na cultura brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje, p. 223-244. afirma:

É engraçado como eles gozam a gente quando a gente diz que é Framengo. Chamam a gente de ignorante dizendo que a gente fala errado. E de repente ignoram que a presença desse r no lugar do l nada mais é do que a marca lingüística de um idioma africano, no qual o l inexiste. Afinal quem é o ignorante? Ao mesmo tempo acham o maior barato a fala dita brasileira que corta os erres dos infinitivos verbais, que condensa você em cê, o está em tá e por aí afora. Não sacam que tão falando pretuguês (GONZALEZ, 1984, p. 238GONZALEZ, L. (1984). Racismo e sexismo na cultura brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje, p. 223-244.).

Ressalto que, como mostram os estudos sociolinguísticos, o estigma que recebem algumas variantes linguísticas é também motivado por uma visão preconceituosa contra seus falantes (BAGNO, 2001BAGNO, M. (2001). Norma linguística e preconceito social. Veredas, Juiz de Fora, v. 5, n. 2, p. 71-83.). Como as favelas e a periferia têm sido representadas negativamente na sociedade, moradores/as desses locais sofrem preconceitos, de modo que as variantes linguísticas produzidas por esses/as falantes sejam estigmatizadas. Com a contribuição de Lélia Gonzalez, podemos entender que o preconceito sociolinguístico é igualmente uma manifestação do racismo.

Um outro aspecto da escritura das poetas periféricas é a menção à corporalidade dessa produção poética. As poetas encenam uma poema encarnada. A poesia tem carne, tem sangue, tem suor, tem vida. O dizer sobre essa poesia encarnada expressa uma metapragmática, um dizer sobre o uso da linguagem como reinscrição da vida com a pujança de suas dores. Um dizer-fazer sobre língua, sobre a poema, conduzindo-nos a uma metaliteratura ou metapoética. Essa metapragmática também performatiza as poetas em sua potência de vida, transformando suas dores em alegria e prazer, como uma terapia pelo uso sempre social da linguagem, como podemos ler na poema de Mika Andrade:

ii eu leio a poeta como quem come um prato quente com calma engulo suas poemas me queimo a língua o corpo inteiro suas poemas-brasas me deixam em vermelho-vivo escorre entre as pernas o sangue o gozo de se parir uma poema também (ANDRADE, 2020aANDRADE, M. (2020a). [Eu leio a poeta…]. In: Rizzi, N. Mika Andrade. Escamandro, 17 jun. 2020. Disponível em: https://escamandro.wordpress.com/2020/06/17/mika-andrade/. Acesso em: 9 nov. 2020.
https://escamandro.wordpress.com/2020/06...
).

Essa metapragmática traz sempre a poesia encarnada, mostrando que o ato de fala é um ato do corpo (PINTO, 2018PINTO, J. P. (2018). Corpo como contexto-de-ocorrência de metapragmáticas sobre o português em socializações de estudantes migrantes para o Brasil. Linguagem em (Dis)curso, v. 18, n. 3, p. 751-768, set./dez.). Os versos “me queimo/ a língua/ o corpo inteiro” nos fazem sentir essa corporalidade da linguagem, mostrando que poematizar é além das palavras um ato de corpo. O corpo feminino é performatizado também na escrita, o corpo com seus fluidos, o corpo erotizado que sempre foi um signo do incômodo, atravessa o projeto poético dessas mulheres: “escorre entre as pernas// o sangue/ o gozo”. Vale lembrar que as poemas das coletivas não são escritas somente para serem lidas, mas para serem declamadas, vivenciadas com o corpo inteiro7 7 Considerar a performance das poetas periféricas é considerar tanto as “estruturas reguladoras pelas quais sujeitos corporificados atingem inteligibilidade cultural (BORBA, 2014, p. 450) “, as estruturas de regulação que sustentam a performatividade (BUTLER, 1993), quanto a materialidade das corpas dessas mulheres que se movimentam e gesticulam com liberdade e força nos formatos circulares dos saraus. O corpo, que é significado pela regulação da performatividade, também reinventa a dor, a violência e as subjetividades em reinscrições da vida, a partir das gramáticas culturais de resistência contra os silenciamentos impostos pelo sistema capitalista colonial e patriarcal. Desse modo, quando trato de performance, não me refiro ao desempenho físico-corporal próprio de uma encenação teatral, mas ao modo como os corpos, em atos de linguagem, são significados e ressignificam a vida, construindo cenários cotidianos de superação da dor e da violência. Observe corpos e cenários em performances poéticas no Sarau da B1 com a presença da Coletiva Pretarau, no link: https://www.youtube.com/watch?v=8H0QafB9qZ4 .

4. A INVENÇÃO

Com relação à prática literária de produção, a palavra-semente invenção nos conduz a outro tema gerador na gramática das coletivas de poetas periféricas: a inventividade, a invenção poética. Nos versos “eu leio a poeta/ como quem come um prato quente// com calma engulo suas poemas/ […] escorre entre as pernas// o sangue/ o gozo// de se parir/ uma poema/ também”, tanto na leitura como na escuta das performances em que o texto é declamado, uma poeta é estimulada a criar poemas a partir da poema de outra poeta. Nessas coletivas, há sempre uma preocupação com a escrita das demais participantes. As poetas dizem que não pretendem escrever sozinhas, alcançar apenas o sucesso de uma carreira individual. O mote é “queremos que você venha junta”. O “Vamos juntas!”, que está na descrição da coletiva baRRósas em seu perfil do Instagram, enuncia essa perspectiva colaborativa de produção poética. Como dizem as palavras de Tony Morrison, citadas por Rizzi (2020)RIZZI, N. (2020). A poema, caminho para alcançar a própria voz e tantas outras. Suplemento Pernambuco, nov. 2020. Disponível em: https://www.suplementopernambuco.com.br/edi%C3%A7%C3%B5es-anteriores/71-ensaio/2579-nina-rizzi-a-poema,-caminho-para-alcan%C3%A7ar-a-pr%C3%B3pria-voz-e-tantas-outras.html. Acesso em: 10 dez. 2020.
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:

Conta a tua história! Para nos ajudar a ficarmos mais fortes. Conta sobre o mundo que é só teu. Desenvolve uma história. A narrativa é radical, cria a nós próprias no momento exato em que está sendo criada. (…) Mas tenta. Por nós, e por você mesma (MORRISON apud RIZZI, 2020RIZZI, N. (2020). A poema, caminho para alcançar a própria voz e tantas outras. Suplemento Pernambuco, nov. 2020. Disponível em: https://www.suplementopernambuco.com.br/edi%C3%A7%C3%B5es-anteriores/71-ensaio/2579-nina-rizzi-a-poema,-caminho-para-alcan%C3%A7ar-a-pr%C3%B3pria-voz-e-tantas-outras.html. Acesso em: 10 dez. 2020.
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).

Nesse sentido, a invenção é uma afirmação. E a escrita literária é vista como um ato político, como enuncia a poema a seguir:

escrever o que eu quiser como eu quiser como vem a mim a minha linguagem como chega a mim a escritura a escrevivência a invenção a poema ninguém vai dizer que o que faço é ruim é menor não é literatura A poema é uma afirmativa (RIZZI, 2020RIZZI, N. (2020). A poema, caminho para alcançar a própria voz e tantas outras. Suplemento Pernambuco, nov. 2020. Disponível em: https://www.suplementopernambuco.com.br/edi%C3%A7%C3%B5es-anteriores/71-ensaio/2579-nina-rizzi-a-poema,-caminho-para-alcan%C3%A7ar-a-pr%C3%B3pria-voz-e-tantas-outras.html. Acesso em: 10 dez. 2020.
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).

A voz poética enuncia que não há uma escrita feminina com temas “de mulher”. Quebrando os estereótipos sobre o feminino, oferece uma contrapalavra ao discurso de que a mulher escreve “temas de mulher”, nos versos “escrever/ o que eu quiser/ como eu quiser”. A metapragmática, a reflexão sobre o uso dessa escrita presente no verso “ninguém vai dizer que o que faço/ é ruim é menor não é literatura”, mostra a consciência política nessa metaliteratura sobre os jogos de poder na constituição do cânone. O cânone é, assim, posto à prova por essas poetas, como na antipoema de Ma Njanu:

antipoema é preciso rasurar o cânone distorcer as regras as rimas as métricas o padrão a norma que prende a língua os milionários que se beneficiam do nosso silêncio do medo de se dizer poeta, só assim será livre a palavra. (NJANU, 2020aNJANU, M. (2020a). Antipoema. In: Andrade, M. Como se faz o poema de Ma Njanu. LiteraturaBr, 23 set. 2020. Disponível em: https://www.literaturabr.com/2020/09/23/como-se-faz-o-poema-de-ma-njanu/. Acesso em: 26 set. 2020.
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).

O verso “é preciso rasurar o cânone”, de Ma Njanu, indexicaliza o contexto de disputa por poder no campo literário, o que determinaria a constituição do cânone. Segundo Dalcastagnè (2012)DALCASTAGNÈ, R. (2012). Um território contestado: literatura brasileira contemporânea e as novas vozes sociais. Iberic@l: revue d’études ibériques et ibéro-américaines, Paris, n. 2, automne.,

desde os tempos em que era entendida como instrumento de afirmação da identidade nacional até agora, quando diferentes grupos sociais procuram se apropriar de seus recursos, a literatura brasileira é um território contestado (DALCASTAGNÈ, 2012, p. 13DALCASTAGNÈ, R. (2012). Um território contestado: literatura brasileira contemporânea e as novas vozes sociais. Iberic@l: revue d’études ibériques et ibéro-américaines, Paris, n. 2, automne.).

Para a autora, não se trata de “estilos ou escolhas repertoriais”, mas de uma política de representação, a partir da qual “autores e críticos se movimentam na cena literária em busca de espaço — e de poder, o poder de falar com legitimidade ou de legitimar aquele que fala” (DALCASTAGNÈ, 2012, p. 13DALCASTAGNÈ, R. (2012). Um território contestado: literatura brasileira contemporânea e as novas vozes sociais. Iberic@l: revue d’études ibériques et ibéro-américaines, Paris, n. 2, automne.).

Desse território em disputa, que é o campo literário, são excluídas as mulheres, as escritoras e escritores afro-diaspóricas/os e pertencentes aos povos originários, as pessoas pobres, faveladas e outros tantos grupos minoritários que não são autorizados a ocupar esse espaço de poder. “Daí os ruídos e o desconforto causados pela presença de novas vozes, vozes ‘não autorizadas’”, como afirma Dalcastagnè (2012, p. 13)DALCASTAGNÈ, R. (2012). Um território contestado: literatura brasileira contemporânea e as novas vozes sociais. Iberic@l: revue d’études ibériques et ibéro-américaines, Paris, n. 2, automne.. Os que se ressentem são representantes de uma elite capitalista neocolonial mascarada de erudição, referidos pela poeta Ma Njanu como “os milionários que se beneficiam do nosso silêncio/ do medo de se dizer poeta”. O cânone atuaria nesse apagamento/silenciamento, conforme mostra a poema de Nina Rizzi:

2. uma máscara branca chamada cânone apaga rasura silencia — ainda vivas! porém não não não queima queima queima o trauma colonial A poema é uma ferida (RIZZI, 2020RIZZI, N. (2020). A poema, caminho para alcançar a própria voz e tantas outras. Suplemento Pernambuco, nov. 2020. Disponível em: https://www.suplementopernambuco.com.br/edi%C3%A7%C3%B5es-anteriores/71-ensaio/2579-nina-rizzi-a-poema,-caminho-para-alcan%C3%A7ar-a-pr%C3%B3pria-voz-e-tantas-outras.html. Acesso em: 10 dez. 2020.
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).

Com a metáfora “máscara branca” para representar o cânone literário, a poema traz, numa relação intertextual com o famoso título de Frantz Fanon, Pele negra, máscaras brancas, a crítica à violência do colonialismo que dizimou povos e línguas da América e a crítica à colonialidade que continua com suas políticas de embranquecimento a mostrar a ferida desse trauma colonial. O cânone seria constituído a partir dessas relações de colonialidade, uma vez que fornece ainda o lugar preponderante para escritores: homens brancos, hétero e burgueses.

Aqui a poeta também entextualiza a metáfora da máscara que era usada para torturar e silenciar as pessoas escravizadas. A artista negra Grada Kilomba retoma o signo, a máscara, para denunciar os processos de silenciamento das pessoas negras (KILOMBA, 2019KILOMBA, G. (2019). Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó.). Tal silenciamento atua como modus operandi do racismo na contemporaneidade. O cânone seria uma máscara, pois traria uma ordem de indexicalidade, delimitando quem pode falar, quem pode escrever e quem não pode escrever. Para as mulheres, e mais ainda para as mulheres negras, o cânone sempre funcionou como uma interdição.

5. A ESCREVIVÊNCIA

Se podemos falar em escrevivência, quando as poetas cantam a realidade das periferias, essa categoria deve ser entendida não só pelo fato de se tematizar a realidade, as suas vivências em seus escritos. O conceito de escrevivência precisa ser ampliado para além de um modo de escrever/descrever vivências, formas de vida. É preciso recuperálo como um modo de propor, pela escritura das poetas da literatura periférica, novas formas de vida. Temos sim uma escrevivência de denúncia, como a poema a seguir, de Mika Andrade, que tematiza a violência nas favelas e o extermínio do povo preto e pobre.

PERCURSO qual o percurso de uma bala? no brasil, seu ponto de chegada são corpos negros, de crianças e jovens henrico tiago lucas gabriel dyogo ágatha marcos vinicius lauane victor letícia kauã joão pedro uma lista sem fim quantos mais terão que morrer? mais um corpo mais uma hashtag pronto, resolvido o problema quem aperta o gatilho? o governo do estado não por engano, mas por empenho nos matam e a revolta segue imaginária impotente e suavizada (ANDRADE, 2020b, p. 36ANDRADE, M. (2020b). Percurso. In: Rizzi, N.; Andrade, M. (org.). Ofò: antologia poética Pretarau. [S.l.]: Pretarau, p. 36.)

Silva (2013)SILVA, M. A. M. (2013). A descoberta do insólito: literatura negra e periférica no Brasil (1960-2000). Rio de Janeiro: Aeroplano., em A descoberta do insólito: literatura negra e periférica no Brasil (1960-2000), coloca a literatura periférica como um espaço “onde estão pessoas que agora querem escrever suas vivências, falar de suas experiências, e de uma realidade crua que é seu lugar de enunciação”. No entanto, podemos dizer que o projeto literário das poetas das coletivas culturais da periferia de Fortaleza é muito mais do que isso. Em sua gramática cultural, esse projeto literário traz uma performance de denúncia, o que estaria ligado ao que o crítico Haroldo de Campos chama de princípio da realidade (CAMPOS, 1997CAMPOS, H. (1997). Poesia e modernidade: da morte do verso à constelação. O poema pós-utópico. In: Campos, H. O arco-íris branco. São Paulo: Imago, p. 243-270.), mas também traz em sua escrita, que performatiza corpos e espaços antirracistas e igualitários em uma escrevivência que anuncia o novo, uma proposição de estética e política diferente, o que corresponderia a um princípio da utopia, conforme Campos (1997)CAMPOS, H. (1997). Poesia e modernidade: da morte do verso à constelação. O poema pós-utópico. In: Campos, H. O arco-íris branco. São Paulo: Imago, p. 243-270.. É o que chamarei de escrevivência anunciativa. Podemos perceber esse movimento do princípio da realidade para o princípio de esperança na poema de Ma Njanu:

ensaio para o poema no muro desato nós no outdoor outro anúncio do problema social [ame as armas ou se mate] mas não questione, nunca, o capital [[[o sol nasceu para todos]]] … olho os muros vejo seu lambe aquele que eu adoro: vamos mudar o mundo e ainda sonho contigo uma vida onde não haja fome. (NJANU, 2020bNJANU, M. (2020b). Ensaio para o poema no muro. In: Carbonieri, D. Seis poemas de Ma Njanu. Ruído Manifesto, 18 maio 2020. Disponível em: http://ruidomanifesto.org/seis-poemas-de-ma-njanu/. Acesso em: 30 jul. 2021.
http://ruidomanifesto.org/seis-poemas-de...
).

Essa perspectiva de perceber o caráter propositivo e emancipatório da concepção da escrevivência está no seu compromisso com o questionamento das realidades injustas e com a defesa do direito de existir de vozes e modos de vida excluídos pelo sistema-mundo capitalista, racista, colonial e patriarcal. Como nos diz a escritora Conceição Evaristo:

Escrevivência, antes de qualquer domínio, é interrogação. É uma busca por se inserir no mundo com as nossas histórias, com as nossas vidas, que o mundo desconsidera. Escrevivência não está para a abstração do mundo, e sim para a existência, para o mundo-vida (EVARISTO, 2020, p. 35EVARISTO, C. (2020). A escrevivência e seus subtextos. In: Duarte, C.; Nunes, I. (org.). Escrevivência: a escrita de nós: reflexões sobre a obra de Conceição Evaristo. Rio de Janeiro: Mina Comunicação e Arte.).

Percebe-se, por um lado, a escrevivência da denúncia na ironia “mas não questione nunca o capital” e, por outro, a escrevivência que anuncia uma forma de vida diferente da resultante do sistema mundo capitalista colonial moderno e patriarcal.

6. A POEMA

Considerar a escrita literária de mulheres como inventividade, criação de conceitos e categorias para ler e compreender literatura como forma de vida, propósito enunciado por mim no início deste artigo, me trouxe a poema, como palavra-semente enunciada por Nina Rizzi. Palavra-semente que se cultiva como tema, traçado de um mapa, uma das muitas entradas para se alcançar a gramática das poetas das coletivas periféricas. A poema indexicaliza as formas de vida e de arte das poetas da periferia, como nos diz a poeta “ e nunca mais parei de dizer y escrever A poema, que também vem sendo dita y escrita por tantas minas, monas y manos aqui nas quebradas” (RIZZI, 2020RIZZI, N. (2020). A poema, caminho para alcançar a própria voz e tantas outras. Suplemento Pernambuco, nov. 2020. Disponível em: https://www.suplementopernambuco.com.br/edi%C3%A7%C3%B5es-anteriores/71-ensaio/2579-nina-rizzi-a-poema,-caminho-para-alcan%C3%A7ar-a-pr%C3%B3pria-voz-e-tantas-outras.html. Acesso em: 10 dez. 2020.
https://www.suplementopernambuco.com.br/...
).

Seguindo as pistas indexicais pelas palavras-sementes de Nina Rizzi (2020)RIZZI, N. (2020). A poema, caminho para alcançar a própria voz e tantas outras. Suplemento Pernambuco, nov. 2020. Disponível em: https://www.suplementopernambuco.com.br/edi%C3%A7%C3%B5es-anteriores/71-ensaio/2579-nina-rizzi-a-poema,-caminho-para-alcan%C3%A7ar-a-pr%C3%B3pria-voz-e-tantas-outras.html. Acesso em: 10 dez. 2020.
https://www.suplementopernambuco.com.br/...
, a poema é um pretuguês, uma voz ancestral, uma ferida, uma afirmativa, uma selvagem. Na poema, o marcador performativo de raça, articulado com outras interseccionalidades, performatiza formas de vida contra-hegemônicas pela arte, pela cultura, pela escritura dessas mulheres que constroem suas poemas em novas formas de vida, baseadas na afetuosidade, na solidariedade, na autogestão da coletividade. Se a poema é uma ferida, trazendo a dor da violência colonial, do racismo, ela também é arma. É uma selvagem porque, ao mesmo em que recupera a dor e o sofrimento vivenciado por essas mulheres, por meio da escrevivência, demonstrando o fracasso da gramática do cotidiano para expressar o sofrimento, a poema performatiza essa dor em versos, como se a dor habitasse em outro corpo (DAS, 2007DAS, V. (2007). Life and words: violence and the descent into the ordinary. Berkeley: University of California Press.). Esse outro corpo é a poema, um corpo selvagem que subverte o sofrimento, ressignificando-o no plano da realidade e da utopia, na denúncia-anúncio da poesia que explode em muitas outras poemas. Nesse sentido, a poema é cura.

Como uma terapia da linguagem, a poema performatiza o anúncio de uma outra forma de vida, transformando a gramática da dor das mulheres, que por serem mulheres pretas, indígenas, periféricas sofrem os efeitos da violência colonial, em uma gramática de resistência. As ações que constituem, não as regras, mas os traçados, as parecenças dessa gramática, desenham uma política da dignidade (MOTTA, 2013bMOTTA, S. (2013b). Pedagogies of possibility in, against and beyond the imperial patriarchal subjectivities of higher education. In: Cowden, S.; Singh, G. (ed.). Acts of knowing: critical pedagogy in, against and beyond the university. London: Bloomsbury Academic, p. 85-124.), na feitura de uma gramática de alegria e amorosidade, baseada no cuidado, no fortalecimento em desenvolver atividades colaborativas e horizontais, como as oficinas de escrita criativa e afetiva promovidas por essas mulheres. De minha participação em uma dessas oficinas com Nina Rizzi, colhi as aprendizagens para criar coletivamente a poema e nessa escritura coletiva pude reencontrar a esperança, mesmo em tempos de dor e sofrimento no Brasil8 8 No Brasil, o contexto de crise do capitalismo e sua produção de desigualdades e injustiças sociais, aprofundadas pela crise sanitária em decorrência da pandemia de Covid 19, tem provocado o sofrimento, a miséria e a morte da população periférica. Um sofrimento que se tem agravado devido às políticas neoliberais do governo federal que promovem o desmonte das conquistas sociais e trabalhistas, além de cortes nos investimentos em ciência, saúde e educação ( ver MAURIEL, 2021). . Por essa feitura coletiva, abracei a poema e pude compreender o que nos diz Nina Rizzi: a poema é uma arma, um manifesto:

nunca mais laçadas! nunca mais porões! nunca mais senzalas! nunca mais armários! nunca mais gavetas! nunca mais silenciadas! nunca mais caladas! erga sua voz! escreva! publique! podemos escrever tudo, o que desejamos mais [profundamente. A poema é uma feitiçaria, uma arma, uma bomba! (RIZZI, 2020RIZZI, N. (2020). A poema, caminho para alcançar a própria voz e tantas outras. Suplemento Pernambuco, nov. 2020. Disponível em: https://www.suplementopernambuco.com.br/edi%C3%A7%C3%B5es-anteriores/71-ensaio/2579-nina-rizzi-a-poema,-caminho-para-alcan%C3%A7ar-a-pr%C3%B3pria-voz-e-tantas-outras.html. Acesso em: 10 dez. 2020.
https://www.suplementopernambuco.com.br/...
).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através das palavras-sementes e dos temas geradores (escritura, escrevivência, invenção, poema), entextualizados nas poemas das mulheres participantes das coletivas de poetas da periferia, procurei descrever as performances constitutivas de uma gramática cultural tecida nas práticas cotidianas dessas mulheres contra uma sociedade de dominação.

Evidentemente, esse trabalho é apenas uma parte das pesquisas etnográficas e cartográficas que tenho desenvolvido no Programa Viva a Palavra em parceria com as coletivas culturais da periferia, sob a perspectiva da Pragmática Cultural. Pelos conceitos que aqui foram traçados dessa vivência, ouso dizer que as práticas literárias, culturais e políticas das poetas da periferia, participantes das coletivas, constroem uma gramática cultural que aponta para uma nova sociedade, uma sociedade que não seja patriarcal nem matriarcal, mas matríztica. Assim mesmo, com “z”, como escrevem Maturana e Dávila (2016)MATURANA, H.; DÁVILA, X. (2016). El arbol del vivir. Chile: MVP editores..

A partir da concepção de feminização da resistência trazida por Motta (2013a)MOTTA, S. (2013a). “We are the ones we have been waiting for”: the feminization of resistance in Venezuela. Latin American Perspectives, v. 40, n. 4, p. 35-54., que enfatiza a dimensão de gênero nos processos de resistência, posso entender a luta das mulheres na construção de uma sociedade matríztica, como um projeto político em que se instauram as dimensões horizontais do cuidado, da simetria de relações, resultando em políticas de dignidade (MOTTA, 2013aMOTTA, S. (2013a). “We are the ones we have been waiting for”: the feminization of resistance in Venezuela. Latin American Perspectives, v. 40, n. 4, p. 35-54., 2013bMOTTA, S. (2013b). Pedagogies of possibility in, against and beyond the imperial patriarchal subjectivities of higher education. In: Cowden, S.; Singh, G. (ed.). Acts of knowing: critical pedagogy in, against and beyond the university. London: Bloomsbury Academic, p. 85-124.). Na gramática cultural das poetas das coletivas, é composta essa feminização da resistência, baseada na autogestão, na autonomia, no respeito mútuo e na construção coletiva, uma sociedade em torno das políticas de dignidade e de esperança.

  • 1
    Uma versão preliminar deste trabalho foi apresentada em seminário que ministrei na Faculty of Medieval and Modern Languages da Universidade de Oxford, em novembro de 2020, com o título Resistências feminizadas: coletivos de poetas afro-basileiras da periferia de Fortaleza. Agradeço à Capes pela bolsa (edital nº1/2019) do Programa Professor Visitante no Exterior (PVEx) que me permitiu desenvolver pesquisa na Universidade de Oxford sobre a Literatura escrita por mulheres, durante todo o ano de 2020.
  • 2
    Viva a Palavra: Circuitos de Linguagem, Paz e Resistência da Juventude Negra na Periferia de Fortaleza. Proposta aprovada no Edital PROEXT MEC/SESU 2015.
  • 3
    Esta pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará, Protocolo 47530621.0.0000.5534, Parecer 4.775.705 de 13/06/2019.
  • 4
    Devido à pandemia da COVID-19, esses encontros foram realizados de modo remoto, por meio das plataformas Google Meet, Instagram e Youtube.
  • 5
    Realização do encontro “Mulheres Negras poetizando as (re)existências” em 27 de julho de 2020, transmitido pelo canal do Youtube do Viva a Palavra, em alusão ao Julho das Pretas: https://www.youtube.com/watch?v=RBHDx3bR-5g&t=524s
  • 6
    Agradeço especialmente ao convite de Nina Rizzi para a mediação de sua participação no Festival Literário Carnavárias pelo perfil @ carnavalhame da plataforma Instagram, no dia 25 de maio de 2020, quando tivemos uma longa conversa sobre a poema, mesmo quando Nina ainda não havia publicado o seu Ensaio sobre a Poema, aqui referenciado neste texto (RIZZI, 2020RIZZI, N. (2020). A poema, caminho para alcançar a própria voz e tantas outras. Suplemento Pernambuco, nov. 2020. Disponível em: https://www.suplementopernambuco.com.br/edi%C3%A7%C3%B5es-anteriores/71-ensaio/2579-nina-rizzi-a-poema,-caminho-para-alcan%C3%A7ar-a-pr%C3%B3pria-voz-e-tantas-outras.html. Acesso em: 10 dez. 2020.
    https://www.suplementopernambuco.com.br/...
    ). Aquele encontro e, posteriormente, o envio do ensaio por Nina, me permitindo uma leitura antes da sua publicação, foram inspiradores para a produção deste artigo.
  • 7
    Considerar a performance das poetas periféricas é considerar tanto as “estruturas reguladoras pelas quais sujeitos corporificados atingem inteligibilidade cultural (BORBA, 2014, p. 450BORBA, R. (2014). A linguagem importa? Sobre performance, performatividade e peregrinações conceituais. Cadernos Pagu. n. 43. p. 441-473.) “, as estruturas de regulação que sustentam a performatividade (BUTLER, 1993BUTLER, J. (1993). Bodies that Matter: On the Discursive Limits of “Sex”. Nova York, Routledge.), quanto a materialidade das corpas dessas mulheres que se movimentam e gesticulam com liberdade e força nos formatos circulares dos saraus. O corpo, que é significado pela regulação da performatividade, também reinventa a dor, a violência e as subjetividades em reinscrições da vida, a partir das gramáticas culturais de resistência contra os silenciamentos impostos pelo sistema capitalista colonial e patriarcal. Desse modo, quando trato de performance, não me refiro ao desempenho físico-corporal próprio de uma encenação teatral, mas ao modo como os corpos, em atos de linguagem, são significados e ressignificam a vida, construindo cenários cotidianos de superação da dor e da violência. Observe corpos e cenários em performances poéticas no Sarau da B1 com a presença da Coletiva Pretarau, no link: https://www.youtube.com/watch?v=8H0QafB9qZ4
  • 8
    No Brasil, o contexto de crise do capitalismo e sua produção de desigualdades e injustiças sociais, aprofundadas pela crise sanitária em decorrência da pandemia de Covid 19, tem provocado o sofrimento, a miséria e a morte da população periférica. Um sofrimento que se tem agravado devido às políticas neoliberais do governo federal que promovem o desmonte das conquistas sociais e trabalhistas, além de cortes nos investimentos em ciência, saúde e educação ( ver MAURIEL, 2021MAURIEL, A. P. O. (2021) Crise, pandemia e suas manifestações no Brasil. Direitos, Trabalho e Política Social, v. 7, p. 41-63.).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    30 Jul 2021
  • Aceito
    15 Out 2021
  • Publicado
    26 Out 2021
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