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LINGUAGEM E NEOLIBERALISMO NA AMÉRICA LATINA: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

LANGUAGE AND NEOLIBERALISM IN LATIN AMERICA: A LITERATURE REVIEW

RESUMO

Este artigo revisa a produção bibliográfica sobre neoliberalismo e linguagem sob uma perspectiva performativa, para disputar o sentido de neoliberalismo, ressaltando-o como efeito discursivo. São discutidos artigos revisados por pares, publicados em revistas científicas latino-americanas indexadas pela CAPES que tensionem a relação entre linguagem, discurso ou semiose e nossa racionalidade econômica. A crítica antineoliberal é emoldurada teoricamente pelos feminismos, pela performatividade e pelo trabalho conceitual (BAL, 2009). Observa-se que a produção científica na América Latina atribui importante papel à linguagem em uso na pedagogia neoliberal, na sedução capital e no apaziguamento da violência colonial, concedendo à linguagem um papel central na cooptação neoliberal e legitimação ideológica do neoliberalismo colonial-patriarcal.

Palavras-chave:
neoliberalismo; linguagem; revisão bibliográfica narrativa; performatividade; feminismo

ABSTRACT

This article reviews the literature on neoliberalism and language from a performative perspective, to dispute the definition of neoliberalism, outlining it as discursive effect. It discusses peer-reviewed articles published in Latin American scientific journals that debate the relationship between language, discourse or semiosis and our economic rationality. The anti-neoliberal critique is framed theoretically by feminism, performativity and conceptual work (BAL, 2009). It is observed that the scientific production in South America attributes an important role to language in use in neoliberal pedagogy, capital seduction and appeasement of colonial violence, granting language a central role in neoliberal cooptation and ideological legitimization of colonial-patriarchal neoliberalism.

Keywords:
neoliberalism; language; narrative literature review; performativity; feminism

INTRODUÇÃO

Neoliberalismo é uma das coisas que se faz com a linguagem. É efeito e resíduo de práticas linguajeiras hegemônicas. Embora essa asserção nos informe da natureza performativa da linguagem e do neoliberalismo, ela diz pouco sobre o que o neoliberalismo é. E se sua indefinição se deve a seu dinamismo conceitual, também se deve a sua monstruosidade.

Como política econômica, neoliberalismo é monstruoso pois implica necessariamente na agudização da desigualdade social. Neoliberalismo é efeito histórico da inculcação de um desejo de radicalização do capitalismo, baseado na extinção do Estado de bem-estar e individualização dos problemas sociais, na produção proposital de desemprego e desigualdade econômica e de condições ideais para os livres fluxos de capital privado. Triunfante na arena política como curso de ação governamental desde os anos 1980, a razão neoliberal transbordou os limites da economia e fundou uma paisagem política e linguística em que a produção de direitos e a inclusão social passaram a se realizar através da mediação financeira e do consumo (GAGO, 2018GAGO, V. (2018) A razão neoliberal: economias barrocas e pragmática popular. Trad. Igor Peres. São Paulo: Elefante.; GALO, 2022).

À medida que se interroga o fenômeno por distintos ângulos e perspectivas, sua definição, ou entendimento pode variar. Disputas em torno da definição de neoliberalismo se dão comumente em três eixos: como a continuação do capitalismo; com conceitos em disputa; e pelas suas características definidoras. Vejamos. A definição de neoliberalismo como fenômeno atado ao capitalismo, ao liberalismo ou como uma continuação deles é muito corrente, pois, para muitos, o neoliberalismo é o velho com sorriso novo. Assim, “capitalismo recente” (HELLER, 2010HELLER, M. (2010) The commodification of language. Annual Review of Anthropology, vol. 39, pp. 101-114. https://doi.org/10.1146/annurev.anthro.012809.104951.
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; GARCEZ, JUNG, 2021GARCEZ, P; JUNG, N M. (2021) Mercantilização da linguagem no capitalismo recente: diversidades e mobilidades. Trabalhos em Lingüística Aplicada, Campinas, vol. 60 n. 2, p. 338-346. https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/tla/article/view/8666196.
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) e “liberalismo tardio” (POVINELLI, 2019POVINELLI, E. A. (2021) Between Gaia and ground: four axioms of existence and the ancestral catastrophe of late liberalism. Durham, Londres: Duke university press.) são qualificações populares para esse fenômeno econômico-cultural.

Diferentes perspectivas conceituais também disputam o termo. Para Preciado, neoliberalismo é descrito como um regime farmacopornográfico que articula consumo audiovisual a consumo químico em um “regime de visibilidade pós-industrial, global e midiático” (PRECIADO, 2008, p. 32PRECIADO, P. B. (2008) Testo yonqui. Madrid: Editorial Espasa Calpe S. A.). Para o filósofo, neoliberalismo é um tipo de “capitalismo psicotrópico e punk” (2008, p. 31). Povinelli (2019)POVINELLI, E. A. (2021) Between Gaia and ground: four axioms of existence and the ancestral catastrophe of late liberalism. Durham, Londres: Duke university press., interessada em promover uma crítica anticolonial à “catástrofe ancestral” do liberalismo tardio, propõe neoliberalismo como “capitalismo extrativista” (2019, p. xi). Valencia (2010)VALENCIA, S. (2010) Capitalismo gore. Editorial Melusina., retomando os contornos sanguinários do neoliberalismo em Tijuana deflagra neoliberalismo como capitalismo gore. García-Corales (2015)GARCÍA-CORALES, G. (2015) Nostalgia, extravío y carnavalización en “La casa de Dostoievsky” de Jorge Edwards. Confluencia. Greeley, vol 31, n.1, p. 42-55. https://www.jstor.org/stable/44074991.
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sinonimiza neoliberalismo com mercantilização radical. E, em artigo recente, Heller (2020)HELLER, M. (2020) Neoliberalism as a regime of truth: studies in hegemony. In: MARTÍN ROJO, L; Del PERCIO, A. (Ed.) Language and neoliberal governmentality. Londres: Routledge. explica neoliberalismo como regime de verdade. Neoliberalismo também foi conceitualizado como aparato ideológico (GUERRA-LYONS; MENDINUETA, 2021, p. 3GUERRA-LYONS, J. D.; MENDINUETA, N. R. (2021) On the notion of “owning a forest”: ideological awareness and Genrebased Pedagogy in university critical literacy. DELTA. São Paulo vol. 36, n. 4, p. 1-30. https://doi.org/10.1590/1678-460X2020360412.
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) no qual os interesses pessoais sobrepujam interesses comunais. Eles propõem neoliberalismo “como um sistema de representações e valorações do indivíduo em relação a seu ecossistema societal” (GUERRA-LYONS; MENDINUETA, 2021, p. 4GUERRA-LYONS, J. D.; MENDINUETA, N. R. (2021) On the notion of “owning a forest”: ideological awareness and Genrebased Pedagogy in university critical literacy. DELTA. São Paulo vol. 36, n. 4, p. 1-30. https://doi.org/10.1590/1678-460X2020360412.
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), cuja conceitualização é baseada em posse (ownership) e consumo (consumption).

Finalmente, também se descreve neoliberalismo por suas características. Casara (2021) elenca cinco normas neoliberais. Primeiramente, “as decisões devem ser tomadas a partir da exclusiva satisfação pessoal” (p. 205); além disso, “os direitos e as garantias fundamentais devem ser afastados sempre que necessário à eficiência do mercado” (p. 220); em terceiro lugar, “os concorrentes-inimigos devem ser vencidos ou destruídos” (p. 231); quarta norma: “tudo e todos devem ser tratados como coisas” (p. 244); e, finalmente, “tudo deve ser simples e transparente” (p. 257). Também Brown (2019)BROWN, W. (2019) In the ruins of neoliberalism: the rise of antidemocratic politics in the west. Nova York: Columbia University Press. estabelece traços neoliberais ao explorar a imbricação entre neoliberalismo e neoconservadorismo: demonização do status social e político, valorização da moral tradicional e dos mercados, desintegração da sociedade e descrédito do bem público, ataque à igualdade e agressões à democracia constitucional. Brown (2019)BROWN, W. (2019) In the ruins of neoliberalism: the rise of antidemocratic politics in the west. Nova York: Columbia University Press. estabelece três desejos neoliberais: primeiramente, a “sociedade deve ser desmantelada” (p. 23); a “política deve ser destronada” (p. 55); e, finalmente, a “esfera privada e protegida deve ser estendida” (p. 89). Já, Pardo-Abril e Celis também estabelecem diretrizes de ação política impulsionadas pela emergência do discurso neoliberal. Interessados pelas economias sul-americanas, eles listam:

investimento estrangeiro, a eliminação do Estado de bem-estar – que nunca alcançara seu pleno desenvolvimento – e a individualização da responsabilidade pelos riscos sociais, o que implica na eliminação gradual do acesso aos direitos de cidadania social. (PARDO-ABRIL; CELIS, 2016, p. 10PARDO ABRIL, N. G. P; CELIS J. R. (2016) Construccíon de la matriz neoliberal en el discurso público: estrategias de semiotización. Cadernos de Linguagem e Sociedade, Brasília, vol. 17, n. 1, p. 9-31. DOI: https://doi.org/10.26512/les.v17i1.4426.
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).

Ao contrário de estabelecer características comuns ao neoliberalismo, Gago (2018)GAGO, V. (2018) A razão neoliberal: economias barrocas e pragmática popular. Trad. Igor Peres. São Paulo: Elefante. propõe a desconstrução de alguns mitos neoliberais. Primeiramente, neoliberalismo consistiria apenas em um conjunto de macropolíticas promovidas por centros imperialistas; e, assim, ele se referiria a uma racionalidade que compete exclusivamente a grandes atores político-econômicos. Em decorrência dessa incompreensão, acredita-se depender sua “superação” de políticas macro-estatais conduzidas por atores institucionais. O trabalho de Gago sugere que neoliberalismo é uma força pragmática que também age de baixo pra cima, o que atesta sua profunda penetração ideológica.

Embora a concepção de neoliberalismo não seja pacífica, e sua variabilidade seja o fenômeno que proponho observar, a concepção de linguagem será estável ao longo do texto: uma visão performativa (AUSTIN, 1990, BUTLER, 1993BUTLER, J. (1993) Bodies that matter: on the discursive limits of sex. Nova York: Routledge.). A perspectiva performativa postula que a linguagem constrói, cria, traz à realidade os fatos terrenos que se acreditava apenas representar ou expressar. Postula, enfim, que o discurso é formativo (BUTLER, 1993BUTLER, J. (1993) Bodies that matter: on the discursive limits of sex. Nova York: Routledge.). O performativo não prevê que a linguagem deixe de representar, mas entende que a representação seja criativa e produtiva, abrindo espaço filosófico para novas potencialidades pragmáticas na relação entre linguagem e mundo social e para a responsabilidade ética pelos efeitos de nossas intervenções linguísticas. Performatividade é uma perspectiva teórica e epistemológica comprometida com transformação social, porque estabelece fluidez discursiva e potencialidade à existência, que não é fixa e imutável, mas performada por atos de fala e pela circulação do/no discurso. Segdwick (2003)SEGDWICK, E. K. (2003) Touching feelings: affect, pedagogy, performativity. Duke University Press, London, Durham. argumenta que, via Judith Butler e sua compreensão do discurso como formativo, a performatividade carrega o estandarte ideológico da desconstrução, mantendo-se fiel à Teoria dos atos de fala (AUSTIN, 1962AUSTIN, J. L. (1962) Quando dizer é fazer: palavras e ação. Trad. Danilo Marcondes. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990.) e ao potencial agentivo do discurso. Entender que a linguagem age, que ela intervém no e interage com o mundo de forma dinâmica e criativa, significa que não há uma relação de anterioridade entre língua e mundo, já que a realidade como a percebemos emerge da cumplicidade entre eles. A linguagem performativa não se isenta da realidade que ajuda a erigir.

A questão da realidade em sua conexão com a linguagem nos coloca frente ao debate mais conhecido sobre neoliberalismo na linguística aplicada. Detalho agora muito brevemente as principais vertentes internacionais de pensamento linguístico sobre neoliberalismo.

Block, Gray e Holborow (2012)BLOCK, D. GRAY, J. e HOLBOROW, M. (2012) Neoliberalism and Applied Linguistics Nova York: Routledge, 2017. criticam a ausência de estudos em linguagem sobre neoliberalismo, dada a clara relação entre linguagem e economia. Embora concorde com a crítica, discordo que essa relação seja clara, pois neoliberalismo é uma política dos desejos que dissimula a relação entre linguagem e capital. O trabalho deles foi pioneiro a discutir essa relação, paralelamente aos estudos de Heller (2010)HELLER, M. (2010) The commodification of language. Annual Review of Anthropology, vol. 39, pp. 101-114. https://doi.org/10.1146/annurev.anthro.012809.104951.
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, Duchêne e Heller (2012)DUCHÊNE, A.; HELLER, M. (Ed.) (2012) Language in late capitalism: Pride and profit. Nova York: Routledge.. E mais tarde Block (2018)BLOCK, D. (2018) Political Economy and Sociolinguistics: Neoliberalism, Inequality and Social Class. Nova York, Bloomsburry. e Martin Rojo e del Percio (2020)MARTÍN ROJO, L; Del PERCIO, A. (2020) Neoliberalism, language, and governmentality. In: MARTÍN ROJO, L; Del PERCIO, A. (Ed.) Language and neoliberal governmentality. Londres: Routledge.. Estipulo essas três perspectivas como as mais difundidas formas de pensar a relação entre linguagem e política econômica na contemporaneidade. Heller (2010)HELLER, M. (2010) The commodification of language. Annual Review of Anthropology, vol. 39, pp. 101-114. https://doi.org/10.1146/annurev.anthro.012809.104951.
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, Duchêne e Heller (2012)DUCHÊNE, A.; HELLER, M. (Ed.) (2012) Language in late capitalism: Pride and profit. Nova York: Routledge. seguem Bordieu para discutir mudanças nas dinâmicas econômicas em torno da linguagem. Interessadas pela expansão do setor de serviços, elas estipulam a mercantilização linguística como uma das faces do capitalismo recente. Block, Gray e Holborow pensam neoliberalismo por uma perspectiva marxista e se dizem interessados pelo “mundo real” ao criticar a proposição de Heller de que línguas poderiam se tornar mercadorias. Esse debate, que pode ser retomado em Silva (2021)SILVA, D. N. (2021) “‘Favela não se cala’: mercantilização, materialidade e ideologia da linguagem na cooperação transperiférica”, Trabalhos em Linguística Aplicada. Campinas, 60(2), p. 439–454. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/tla/article/view/8664755.
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é, ao meu ver, um debate teórico entre uma linguística aplicada da mercantilização (de cunho pragmático) e uma linguística aplicada marxista que pretere uma tradição de pensamento materialista sobre linguagem, ignorando seu funcionamento pragmático e aludindo a uma distinção entre linguagem e realidade. Fundamentalmente, eles disputam uma visão de linguagem: enquanto Heller e Duchêne atribuem à linguagem certa flexibilidade performativa para ser comoditizada, Block, Gray e Holborow distinguem teoricamente a linguagem - ferramenta crítica - e a realidade material - dimensão em que a linguagem intervém politicamente. Finalmente, a perspectiva de Martin Rojo e Del Percio pensa neoliberalismo pelas lentes foucaultianas da governamentalidade, privilegiando a subjetivação, o governo e o poder como questões sobressalentes referente a forma como a linguagem e neoliberalismo se tocam. Ao contrário de abraçar alguma dessas posições, abraço os próprios embates como forma de performar o neoliberalismo, produzido pela sua própria circulação discursiva.

Por perspectiva que entende linguagem como performativa, pragmática e central à economia, este artigo é proposto como uma ferramenta para pesquisadores em linguagem que queiram se aventurar pelo tema neoliberalismo. Ele convida, ademais, a refletir sobre as imbricações neoliberais de nossas práticas linguísticas cotidianas, sugerindo que o neoliberalismo também é efeitos e resíduos de práticas discursivas. É, pois, inevitável tratar como uma preocupação linguística os “efeitos perlocucionários” (AUSTIN, 1962AUSTIN, J. L. (1962) Quando dizer é fazer: palavras e ação. Trad. Danilo Marcondes. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990.) que se seguem à performance dos valores neoliberais como medida da vida. O que não é fácil, visto que estamos engajados discursiva, semiótica e ideologicamente com o neoliberalismo: ele não é apenas um “discurso hegemônico” (FORTES, FERRARI, 2021, p. 392FORTES, L.; FERRARI, L. (2021) Agency and subjectivity in pandemic (neoliberal) times: a duoethnografic study. Revista Brasileira de Linguística Aplicada. Vol. 21 n.2, p. 371-398. https://doi.org/10.1590/1984-6398202117291.
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), mas consentido, pois “hegemonia funciona muito melhor com consenso” (HELLER, 2020, p. 224HELLER, M. (2020) Neoliberalism as a regime of truth: studies in hegemony. In: MARTÍN ROJO, L; Del PERCIO, A. (Ed.) Language and neoliberal governmentality. Londres: Routledge.).

Assim, os objetivos do texto são dois: fornecer um quadro teórico-conceitual sobre neoliberalismo no Brasil e América Latina nos últimos 20 anos e investir na disputa conceitual sobre o neoliberalismo como forma de discutir o fenômeno. Para alcançar os objetivos, seguiremos o seguinte percurso. Seção 1 propõe uma retomada histórica do neoliberalismo. Seção 2 trata da metodologia de seleção de textos e da metodologia de trabalho com conceitos. Seção 3, dividida em 7 subseções, apresenta a revisão bibliográfica organizada pelos sentidos avizinhados ao neoliberalismo: consumo, religião, trabalho, educação, economia, violência, e empreendedorismo. Seção 4 delineia uma crítica feminista ao neoliberalismo e, então, concluo o texto, fornecendo uma lista dos resíduos e efeitos neoliberais na América do Sul. Teoricamente, o texto celebra uma perspectiva crítica inspirada pelos feminismos e pela performatividade da linguagem, duas formas de pensar que, ao contrário do neoliberalismo, são comprometidas com a transformação.

1. O BEBÊ DE FRIEDRICH: BREVE HISTÓRIA DO NEOLIBERALISMO

Tradicionalmente tratado como uma racionalidade econômica (HARVEY, 2007HARVEY, D. (2007) Neoliberalism as creative destruction. Annals of the American Academy of Political and Social Science, vol. 610, NAFTA and Beyond: Alternative Perspectives in the Study of Global Trade and Development, p. 22-44. https://doi.org/10.1177/0002716206296780.
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), o monstro que se atribui a Friedrich Hayek é um “conceito polissêmico” (FAIR, 2019, p. 201FAIR, H. (2019) El discurso capitalista neoliberal desde una perspectiva lacaniana. Desafíos. Bogotá, vol. 31, n.1, p. 193-235. DOI: https://doi.org/10.12804/revistas.urosario.edu.co/desafios/a.5586.
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). Apesar do interesse declarado pela polissemia nessa revisão bibliográfica, forneço uma revisão histórica do termo neoliberalismo, como ponto de entrada na discussão.

Ele nasceu como uma apaixonada reação teórica e política contra o Estado intervencionista e de bem-estar. Brown (2019)BROWN, W. (2019) In the ruins of neoliberalism: the rise of antidemocratic politics in the west. Nova York: Columbia University Press. localiza a cunhagem do termo em 1938 no colóquio Walter Lippman em Paris. Embora seu textonascimento remonte a publicação de O caminho da servidão de Friedrich Hayek em 1944HAYEK, F. A. (1944) Der Weg zur Knechtschaft. Tübingen: Mohr Siebeck, 2004., apenas em 1973, com a crise financeira da economia pós-guerra, os ideais neoliberais ganharam relevância num cenário mundial. Em 1974, Hayek recebeu, por seu pensamento neoliberal, o prêmio Nobel de economia.

Também se identifica o início do neoliberalismo com a fundação da Sociedade de Mont Pèlerin, idealizada por Hayek em 1947, como um tipo de “franco-maçonaria neoliberal, altamente dedicada e organizada, com reuniões internacionais a cada dois anos. Seu propósito era combater o keynesianismo e o solidarismo reinantes e preparar as bases de um outro tipo de capitalismo, duro e livre de regras para o futuro” (ANDERSON, 1995, p. 9ANDERSON, P. (1995) Balanço do Neoliberalismo. In SADER, E.; GENTILI, P. (Eds.) Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, p. 9-23.). Para Hayek, “mercado e moral juntos são o fundamento da liberdade, ordem e do desenvolvimento da civilização” (BROWN, 2019, p. 12BROWN, W. (2019) In the ruins of neoliberalism: the rise of antidemocratic politics in the west. Nova York: Columbia University Press.), pois o Estado de bem-estar enfraqueceria a moral. Seu projeto global que previa tornar os princípios de governamentalidade em princípios mercadológicos, possui uma agenda moral: o neoliberalismo de Hayek pretendeu “proteger tradicionais hierarquias negando a própria ideia de social e restringindo radicalmente o alcance do poder político democrático” (BROWN, 2019, p. 13BROWN, W. (2019) In the ruins of neoliberalism: the rise of antidemocratic politics in the west. Nova York: Columbia University Press.). O neoliberalismo se desenhou desde berço esplêndido como uma ideologia da precariedade que teve seu momentum em 1979, na Inglaterra com a eleição de Margareth Thatcher:

O modelo inglês foi, ao mesmo tempo, o pioneiro e o mais puro. Os governos Thatcher contraíram a emissão monetária, elevaram as taxas de juros, baixaram drasticamente os impostos sobre os rendimentos altos, aboliram controles sobre os fluxos financeiros, criaram níveis de desemprego massivos, aplastaram greves, impuseram uma nova legislação antissindical e cortaram gastos sociais. E, finalmente - esta foi uma medida surpreendentemente tardia -, se lançaram num amplo programa de privatização, começando por habitação pública e passando em seguida a indústrias básicas como o aço, a eletricidade, o petróleo, o gás e a água. Esse pacote de medidas é o mais sistemático e ambicioso de todas as experiências neoliberais em países de capitalismo avançado. (ANDERSON, 1995, p. 12ANDERSON, P. (1995) Balanço do Neoliberalismo. In SADER, E.; GENTILI, P. (Eds.) Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, p. 9-23.)

O ideário do neoliberalismo vê seu triunfo nos anos 1980, não apenas pela sua maciça implementação nos países capitalistas seguindo a liderança da Dama de Ferro, mas pela sua infiltração ideológica em governos que diziam combatê-lo: governos sociais-democratas ultrapassaram os conservadores de direita com programas de governo radicalmente neoliberais, ajudando a desvelar a hegemonia alcançada pelo neoliberalismo como ideologia, como discurso e como força pragmática.

Contudo, antes do apogeu neoliberal, a América Latina fora uma cobaia de testagem do neoliberalismo. Uma década antes de Thatcher, o Chile de Pinochet se inscrevera na História do Neoliberalismo de maneira exemplar: desregulação democrática, desemprego alto, repressão sindical, redistribuição de renda em favor dos ricos, privatização de bens e empresas públicas acompanhada da desmontagem de serviços públicos, crescimento de capital corrupto e a extrema violência repressiva. O neoliberalismo chileno, aguçado pela figura do ditador, foi exemplo cabal de que a democracia é um desafeto neoliberal incontornável. Também sugeriu, em comparação com a história da neoliberalização de outros países latinos como Bolívia, Peru e Argentina que o autoritarismo político foi essencial para a implementação dessa ideologia monetária na América do Sul, onde o neoliberalismo é um pós-colonialismo recalibrado pelo hiperconsumismo e pela frustração, seu elemento motor (VALENCIA, 2010, p.74VALENCIA, S. (2010) Capitalismo gore. Editorial Melusina.). Para Anderson, os governos latinos usavam o “trauma da ditadura militar como mecanismo para induzir democrática e não coercitivamente um povo a aceitar políticas neoliberais das mais drásticas” (1995, p. 20).

Com mão de ferro, o programa neoliberal colheu os frutos esperados já nos anos 1980: foi exitoso na deflação, no aumento do lucro privado, no aumento agudo do número de desempregados, na contenção de salários e desmantelamento dos sindicatos. Êxito que inspira Díaz (2020)DÍAZ, D. P. (2020) Norman Fairclough y el análisis crítico de discurso: armas para una linguística materialista. Pensamiento Al Margen. Vol 12, p. 103-116. https://redib.org/Record/oai_articulo2640347-norman-fairclough-y-el-an%C3%A1lisiscr%C3%ADtico-de-discurso-armas-para-una-ling%C3%BC%C3%ADstica-materialista.
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a descrever o neoliberalismo como uma ‘transformação dramática das condições de degradação da vida humana’. No entanto, sua promessa de reanimar o capitalismo mundial, alavancando taxas de crescimento utópicas, fracassou miseravelmente, pois a recuperação dos lucros não levou a recuperação dos investimentos. Perry Anderson explica que “a desregulamentação financeira, elemento tão importante do programa neoliberal, criou condições muito mais propícias para a inversão especulativa do que para a produtiva” (ANDERSON, 1995, p. 16ANDERSON, P. (1995) Balanço do Neoliberalismo. In SADER, E.; GENTILI, P. (Eds.) Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, p. 9-23.). Assim, em vista de melhores lucros, os investimentos deixaram de ser convertidos em melhorias sociais concretas e passaram a ser especulativos e virtuais. O segundo fracasso do Neoliberalismo foi na redução dos gastos estatais. Apesar do esforço para limar gastos com o bem-estar, o Estado continuou pesado não apenas porque a expectativa de vida subiu, aumentando gastos previdenciários, mas também, e ironicamente, porque o desemprego é caro.

Ao olhar para o passado do neoliberalismo se faz impossível não senti-lo como presente. Com razão, “a constelação de princípios, políticas, práticas, e formas de razão governamental que pode ser reunida sob o signo de neoliberalismo teve papel importante na constituição do presente catastrófico” (BROWN, 2019, p. 9BROWN, W. (2019) In the ruins of neoliberalism: the rise of antidemocratic politics in the west. Nova York: Columbia University Press.): embora tenha fracassado em termos econômicos, não alcançando a prometida revitalização do capitalismo, ele foi bemsucedido em termos sociais: aprofundou a desigualdade social e praticamente extinguiu a identificação popular com a classe trabalhadora. Muito embora não tenha conseguido privatizar tanto quanto almejasse, parece ter privatizado o nosso futuro, no qual tenta apagar o sócius. E, assim, o bebê de Frederico se faz temer também como sombra no futuro e na língua, sem nome exato nem forma precisa como todo monstro.

A inexatidão e indefinição do neoliberalismo opera por vezes como camuflagem de seu nefasto poder persuasivo e “pervasivo” (ZACCHI, 2016ZACCHI, V. J. (2016) Neoliberalism, Applied Linguistics and the PNLD. Ilha do Desterro. Florianópolis v. 69, n. 1, p. 161-172. https://doi.org/10.5007/2175-8026.2016v69n1p161.
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) e se reflete em uma instabilidade conceitual em intensa fricção semântica com seus contextos de aparição. As distintas formas com que neoliberalismo é conceitualizado oferecem outros pontos de vistas sobre o bebê de Friedrich e de suas sombras na linguagem. É esse meu interesse ao rever essa literatura. A metodologia para tal revisão é explicitada na seção que segue.

2. METODOLOGIA

Aqui descrevo primeiramente a metodologia para pesquisa e seleção dos artigos revistos e, depois, o interesse conceitual pelo neoliberalismo.

A seleção de textos para revisão da produção acadêmica sobre linguagem e neoliberalismo se deu no Diretório CAPES e respeitou os seguintes critérios: a) artigos publicados em periódicos revisados por pares no Brasil e em revistas latino-americanas indexadas pela CAPES; b) publicados entre 2002 e 2022; c) português1 1 Foi impossível respeitar esse critério, visto a qualidade e quantidade de publicações em inglês e espanhol sobre neoliberalismo em revistas brasileiras. Ademais, o diretório CAPES sugere como artigo publicado em português todos artigos que apresentam um resumo nessa língua, dificultando a apuração do critério. como língua da publicação. Os termos de busca foram: d) “Neoliberalismo” ou “neoliberal” em qualquer campo (título, palavras-chave, resumo); e, e) “Linguagem” ou “Linguística” ou “discurso” ou “pragmática” em qualquer campo (título, palavras-chave, resumo). A compilação seguiu um fluxo narrativo subjetivo, interessado pelos itinerários do sentido de neoliberalismo na escrita latino-americana.

É importante ressaltar algumas dificuldades: o diretório CAPES não forneceu todos os resultados relevantes de modo que repetir a busca por “neoliberal” e “neoliberalismo” na página de revistas científicas brasileiras na área de linguística forneceu novos resultados. Assim, se sabe que esse texto não esgota a bibliografia sobre o tema, nem poderia. Ademais, qualquer “balanço atual do neoliberalismo só pode ser provisório. Este é um movimento ainda inacabado.” (ANDERSON, 1995, p. 22ANDERSON, P. (1995) Balanço do Neoliberalismo. In SADER, E.; GENTILI, P. (Eds.) Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, p. 9-23.). A relevância dos artigos em espanhol e inglês para o panorama brasileiro sobre linguagem e neoliberalismo tornou imperativa a inclusão destes, o que, por sua vez, expandiu o escopo da revisão pensada como originalmente sobre a produção do Brasil para América Latina. Os resultados sugerem que a pesquisa publicada no Brasil é mais multilíngue do que se acredita. Ao compilar literatura relevante sobre linguagem e neoliberalismo, era interesse observar quais relações semânticas neoliberalismo possui em texto, observando sua trajetória como conceito, para pensá-lo em sintonia com a forma como o povo latino-americano experiencia localmente os efeitos neoliberais de práticas discursivas globais.

Em seguida, explico o interesse conceitual pelo neoliberalismo. A flexibilidade semântica dos conceitos alude a um manancial potencial de sentidos feitos e refeitos discursivamente, que tentamos controlar momentaneamente na produção de conhecimento. Controlar os efeitos simbólicos de textos é a razão pela qual se disputam conceitos. Se, para Foucault (1971)FOUCAULT, M. (1971) Ordem do Discurso. São Paulo: Edições Loyola, 2014., os discursos são o motivo da luta política e não seu instrumento, penso as disputas conceituais em torno do termo neoliberalismo como a própria produção de conhecimento sobre o tema. Inspirado pela proposta de “análise conceitual” (BAL, 2009BAL, M. (2009) Working with Concepts. European Journal Of English Studies, [S.L.], v. 13, n. 1, p. 13-23. http://dx.doi.org/10.1080/13825570802708121.
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), emprego um conceito como “ferramenta de análise” (p. 16), nomeadamente neoliberalismo. Entendo que há um ganho político em fazê-lo, dado que o caminho metodológico de Bal (2009)BAL, M. (2009) Working with Concepts. European Journal Of English Studies, [S.L.], v. 13, n. 1, p. 13-23. http://dx.doi.org/10.1080/13825570802708121.
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atribui prioridade à crítica social em detrimento da teoria. Sua metodologia enfatiza as disputas conceituais em torno do conceito de interesse, observando os significados contextualmente de acordo com as relações linguajeiras em que se metem, e sentidos que inauguram em cada novo ato discursivo. Observando como os conceitos se relacionam com outros conceitos, torna-se possível produzir inteligibilidade sobre como o significado do neoliberalismo é composto intertextualmente nas suas tomadas científicas. A discussão do conceito é per se uma forma de produzir conhecimento, pois a descrição dos embates discursivos sobre os conceitos destaca a forma como o poder se move pelas palavras. Ademais, Bal sugere “buscar a base heurística e metodológica de nossas pesquisas nos conceitos e não nos métodos” (BAL, 2009, p.14BAL, M. (2009) Working with Concepts. European Journal Of English Studies, [S.L.], v. 13, n. 1, p. 13-23. http://dx.doi.org/10.1080/13825570802708121.
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) como forma de garantir clareza conceitual, metapragmática e interdisciplinar.

Nessa empreitada conceitual, nosso comprometimento ético é essencial, pois, “dentro das lógicas mercantis, tudo é suscetível de ser comercializado, incluindo os conceitos” (VALENCIA, 2010, p. 33VALENCIA, S. (2010) Capitalismo gore. Editorial Melusina.). Para Valencia, a ideologia neoliberal exerce monopólio não apenas econômico, mas epistêmico, de forma que conceitos são empregados para cooptação neoliberal, sujeitando a própria produção de conhecimento às leis do capital. Zaidan (2019)ZAIDAN, J. C. S. M. (2019) Um letramento (no) singular: a retomada da agenda revolucionária em tempos de educação ultraliberal. Trabalhos em Linguística Aplicada. Campinas, vol. 58, n.3, p. 1310-1330. https://doi.org/10.1590/010318138654526476561.
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concorda com Valencia, argumentando que o conceito de letramento “foi sofrendo certa captura pelo modo de produção capitalista a ponto de ser incorporado ao discurso acadêmico, sem, contudo, apresentar lastro na realidade social” (2019, p. 1311). Zaidan sugere que o conceito de letramento foi “comoditizado” (2019, p. 1326). Povinelli também se preocupa com a comoditização dos conceitos e adverte que: “atentar a como eles operam é crucial, se desejamos evitar que eles sejam cooptados pelo capitalismo tardio liberal ou iliberal.” (2021, p. 1). Assim, esse artigo empreende por meio da revisão bibliográfica, uma discussão conceitual como modo de compreender o neoliberalismo: serão discutidas as escolhas metalinguísticas, aportes alegóricos e comparações que descrevem e delineiam o fenômeno nas ciências da linguagem latinas.

3. LINGUAGEM E NEOLIBERALISMO NO BRASIL E AMÉRICA LATINA: QUO VADIS?

A discussão a seguir revê a produção acadêmica sobre linguagem e neoliberalismo. Seu fio argumentativo é guiado pelos conceitos circundantes do neoliberalismo na América Latina, ou seja, os conceitos que o avizinham semanticamente no discurso como consumo, religião, trabalho, educação, economia, violência, e empreendedorismo. Meu argumento é que essas vizinhanças semânticas, que emergiram na pesquisa, ajudam a delinear um entendimento de neoliberalismo mais próximo da realidade latina. A primeira questão que emerge da interação com a literatura revisada é o fato de a língua ter se convertido em uma mercadoria regida pelas lógicas mercantis da oferta e da procura (HELLER, 2010HELLER, M. (2010) The commodification of language. Annual Review of Anthropology, vol. 39, pp. 101-114. https://doi.org/10.1146/annurev.anthro.012809.104951.
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; GARCEZ; JUNG, 2021GARCEZ, P; JUNG, N M. (2021) Mercantilização da linguagem no capitalismo recente: diversidades e mobilidades. Trabalhos em Lingüística Aplicada, Campinas, vol. 60 n. 2, p. 338-346. https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/tla/article/view/8666196.
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).

3.1 Consuno

O neoliberalismo fabrica “homens úteis, dóceis ao trabalho, dispostos ao consumo” (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 325DARDOT, P; LAVAL, C. (2016) A nova razão do mundo: ensaios sobre a sociedade neoliberal. Trad Mariana Echalar. São Paulo: Boitempo.). Consumo é central ao espectro semântico neoliberal. Referente à linguagem, o conhecimento de inglês (NASCIMENTO, 2018NASCIMENTO, A. K. (2018) Neoliberalismo e língua inglesa: um estudo de caso por meio do PIBID. Ilha do Desterro. Florianópolis, v. 71, n. 3, p. 39-58. https://doi.org/10.5007/2175-8026.2018v71n3p39.
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), os estímulos linguísticos no Twitter (BONFANTE, 2022BONFANTE G. M. (2022) Gatilhos afetivos do discurso e a compra e venda de estímulos semióticos no Twitter, Revista da Anpoll, 53(1), p. 199-214. https://doi.org/10.18309/ranpoll.v53i1.1627.
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), o conceito de letramento (ZAIDAN, 2019ZAIDAN, J. C. S. M. (2019) Um letramento (no) singular: a retomada da agenda revolucionária em tempos de educação ultraliberal. Trabalhos em Linguística Aplicada. Campinas, vol. 58, n.3, p. 1310-1330. https://doi.org/10.1590/010318138654526476561.
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) e competências linguística para líderes (URCIOLLI, 2020URCIOLLI, B. (2020) Leadership communication “skills” and undergraduate neoliberal subjectivity. In: MARTÍN ROJO, L; Del PERCIO, A. (Ed.) Language and neoliberal governmentality. Londres: Routledge.), entre outros fenômenos semióticos, se convertem em mercadorias. Garcez e Jung (2021)GARCEZ, P; JUNG, N M. (2021) Mercantilização da linguagem no capitalismo recente: diversidades e mobilidades. Trabalhos em Lingüística Aplicada, Campinas, vol. 60 n. 2, p. 338-346. https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/tla/article/view/8666196.
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editaram dossiê sobre mercantilização da linguagem no capitalismo recente, com discussões sobre mercantilização de língua e cultura indígena (CARVALHO, 2021CARVALHO, S. C. (2021) Mercantilização da linguagem na promoção do turismo de luxo na Selva Iryapú (Misiones, Argentina): autenticidade, deslocamentos e resistência, Trabalhos em Linguística Aplicada. Campinas, 60(2), p. 347–363. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/tla/article/view/8664778.
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), orgulho e lucro (JUNG, SILVA, 2021JUNG, N. M.; MACHADO E SILVA, R. C. (2021) Deutsches Fest: vergonha e orgulho em um evento de mobilizações simbólicas e econômicas. Trabalhos em Linguística Aplicada, Campinas, SP, v. 60, n. 2, p. 364–378. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/tla/article/view/8664776. Acesso em: 10 jul. 2023.
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), autenticidade (ALBERTONI, 2021; CARVALHO, 2021CARVALHO, S. C. (2021) Mercantilização da linguagem na promoção do turismo de luxo na Selva Iryapú (Misiones, Argentina): autenticidade, deslocamentos e resistência, Trabalhos em Linguística Aplicada. Campinas, 60(2), p. 347–363. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/tla/article/view/8664778.
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), reflexividade sobre a demanda neoliberal de luta semiótica (SILVA, 2021SILVA, D. N. (2021) “‘Favela não se cala’: mercantilização, materialidade e ideologia da linguagem na cooperação transperiférica”, Trabalhos em Linguística Aplicada. Campinas, 60(2), p. 439–454. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/tla/article/view/8664755.
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). Seguindo o legado de Heller e colegas, o dossiê de Garcez e Jung (2021)GARCEZ, P; JUNG, N M. (2021) Mercantilização da linguagem no capitalismo recente: diversidades e mobilidades. Trabalhos em Lingüística Aplicada, Campinas, vol. 60 n. 2, p. 338-346. https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/tla/article/view/8666196.
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sinonimiza mercantilização e neoliberalismo, fornecendo o ponto de vista de uma “mercantilização neoliberal” (SILVA, 2021, p. 443SILVA, D. N. (2021) “‘Favela não se cala’: mercantilização, materialidade e ideologia da linguagem na cooperação transperiférica”, Trabalhos em Linguística Aplicada. Campinas, 60(2), p. 439–454. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/tla/article/view/8664755.
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) sobre as habilidades linguísticas no panorama globalizado. A entrada teórica dos autores foi a globalização2 2 Em sua dissertação de Mestrado, Souza (2007) sugere que neoliberalismo é o discurso de base da globalização. e transnacionalização que implicam novas dinâmicas sociolinguísticas e trabalhistas. O dossiê, cujos textos são descritos como “flagrantes de mercantilização da linguagem” (GARCEZ; JUNG, 2021, p. 341GARCEZ, P; JUNG, N M. (2021) Mercantilização da linguagem no capitalismo recente: diversidades e mobilidades. Trabalhos em Lingüística Aplicada, Campinas, vol. 60 n. 2, p. 338-346. https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/tla/article/view/8666196.
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), entendem linguagem como central às atividades capitais (HELLER, 2010HELLER, M. (2010) The commodification of language. Annual Review of Anthropology, vol. 39, pp. 101-114. https://doi.org/10.1146/annurev.anthro.012809.104951.
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; DUCHÊNE; HELLER, 2012DUCHÊNE, A.; HELLER, M. (Ed.) (2012) Language in late capitalism: Pride and profit. Nova York: Routledge.). Se a linguagem pode ser mercantilizada, é porque ela também é objeto de consumo. E, por vezes, de sobrevivência: Silva (2021)SILVA, D. N. (2021) “‘Favela não se cala’: mercantilização, materialidade e ideologia da linguagem na cooperação transperiférica”, Trabalhos em Linguística Aplicada. Campinas, 60(2), p. 439–454. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/tla/article/view/8664755.
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, por exemplo, discute a reflexividade das comunidades sobre o papel da língua para o ativismo num cenário neoliberal, sugerindo que “os moradores de favelas que sentem, de maneira mais aguda, o lado ‘penal’ e punitivo da reorganização neoliberal do Estado, demonstram estar atentos ao processo em que a linguagem se torna um elemento material para a sobrevivência às desigualdades do capital.” (SILVA, 2021, p. 443-444SILVA, D. N. (2021) “‘Favela não se cala’: mercantilização, materialidade e ideologia da linguagem na cooperação transperiférica”, Trabalhos em Linguística Aplicada. Campinas, 60(2), p. 439–454. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/tla/article/view/8664755.
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).

Questões de linguagem, desigualdade e consumo também incidem sobre a socialização. No neoliberalismo, a socialização pelo consumo é descrita como única forma de socialização possível, e o ethos consumista se espalha por todas as camadas sociais, esbarrando nos afetos. Jung e Silva (2021)JUNG, N. M.; MACHADO E SILVA, R. C. (2021) Deutsches Fest: vergonha e orgulho em um evento de mobilizações simbólicas e econômicas. Trabalhos em Linguística Aplicada, Campinas, SP, v. 60, n. 2, p. 364–378. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/tla/article/view/8664776. Acesso em: 10 jul. 2023.
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escrevem sobre o consumo de performances e bens culturais, para o qual a linguagem não apenas possui papel central, mas transformativo. Elas notam como a valorização mercantil de certas práticas semióticas foram capazes de transformações afetivas, atribuindo orgulho às práticas identitárias entre colonos alemães antes consideradas vergonhosas. Bonfante (2022)BONFANTE G. M. (2022) Gatilhos afetivos do discurso e a compra e venda de estímulos semióticos no Twitter, Revista da Anpoll, 53(1), p. 199-214. https://doi.org/10.18309/ranpoll.v53i1.1627.
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, por sua vez, descreve como o consumo de estímulos semióticos no Twitter é um mercado consolidado em torno do uso da linguagem para estimulação sexual mediante pagamento. O autor também delineia como a desigualdade econômica é norteadora dessas relações sexuais que se dão online. Essa desigualdade também é ressaltada como um fator fundador de um mercado neoliberal no aplicativo Grindr, nutrido pela sexualização e consumo da precariedade (BONFANTE, AUGUSTINIS SILVA; 2023BONFANTE, G. M., AUGUSTINIS SILVA, D. (2023). Language, neoliberalism and human rights Erotics of signs on a dating app. Gragoatá 28 (60):e-53406. https://doi.org/10.22409/gragoata.v28i60.53406.
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). O consumo (de produtos e estímulos linguísticos), nas condições presentes, constrói grande parte da identidade (LIPOVETSKY, 2007LIPOVETSKY, G. (2007) La felicidad paradójica. Ensayo sobre la sociedad hiperconsumista. Barcelona: Anagrama.; DOMINGUEZ, 2009) e a própria liberdade. Consumo é, não apenas, faceta conceitual neoliberal, mas alçado como ética, pela sua pretensa igualdade. Nesse nexo hayekiano, mercado seria ironicamente a única dimensão que igualaria a todos. O neoliberalismo globalizado performa a pretensa igualdade “através das janelas do consumo e do ciberespaço” (VALENCIA, 2010, p. 208VALENCIA, S. (2010) Capitalismo gore. Editorial Melusina.). Contudo, essa perspectiva reduz a igualdade ao compartilhamento das igualitárias possibilidades de desejar o mesmo, obscurecendo a distinção entre desejar e possuir, tão relevante para a América Latina. O consumo da falta é o mais sensível propulsor e consolo da decadência do discurso humanista em favor do hiperconsumista. A mercantilização dos fenômenos linguísticos reforça a ideologia neoliberal que prevê o consumo como base da igualdade e da existência. O ativista Paulo Galo explica que “capitalismo não é exterior, é interior” (GALO, 2022, s.p.). Ele critica a descrição das classes populares como ‘apegadas ao consumo’. Eles estariam “apegados à existência” (GALO, 2022, s.p.), já que consumir tem se tornado a única forma de existir democraticamente. Por outro lado, Baysha (2020)BAYSHA, O. (2020) Deconstructing the coloniality of the West-centric democratic imaginary. Cadernos de Linguagem e Sociedade. Brasília, vol. 21, n. 1, p. 21–41. DOI: https://doi.org/10.26512/les.v21i1.30389.
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nos lembra que a mercantilização neoliberal pode andar de mãos dadas com o discurso da democratização universal, o que contribui para a perpetuação da injustiça neocolonial, tal como ela se manifesta nos projetos neoliberais em curso, de que são exemplos os discursos religiosos.

3.2 Neoliberalismo e discursos religiosos

A proximidade entre religiões neopentecostais e o neoliberalismo é flagrante pela popularização da Teologia da Prosperidade no Brasil. Rodrigues, Silva e Freitas (2022)RODRIGUES, E. G. B.; da SILVA, A. B.; FREITAS, F. C. (2022) “Pare de sofrer!”: os discursos da Igreja Universal sobre depressão na pandemia da Covid-19. Galáxia. São Paulo, vol. 47, p. 1-22. https://revistas.pucsp.br/index.php/galaxia/article/view/55059.
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mapearam ideologias neoliberais nas construções discursivas da Igreja Universal sobre o sofrimento, observando a culpabilização individual por problemas sociopolíticos e a redescrição da “depressão como carência espiritual” - um sentido para depressão “que foge do escopo dos campos da medicina e da psicologia” (2022, p. 19). A instituição vê a depressão como uma doença da alma, cuja cura efetiva só “é possível pelo exercício da fé que pressupõe sacrifícios individuais” (RODRIGUES et al, 2022, p. 19RODRIGUES, E. G. B.; da SILVA, A. B.; FREITAS, F. C. (2022) “Pare de sofrer!”: os discursos da Igreja Universal sobre depressão na pandemia da Covid-19. Galáxia. São Paulo, vol. 47, p. 1-22. https://revistas.pucsp.br/index.php/galaxia/article/view/55059.
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): para alcançar a cura, o depressivo é submetido a uma série de ações sociais protagonizadas pela instituição.

Ao ilustrar como a depressão é construída no site da instituição, autores contestam a autoproclamação da Igreja Universal como um serviço de saúde, pois ela oferece pequenas violências neoliberais não comprometidas com o bem-estar, mas com a manutenção de uma gramática do sofrimento e da individualização neoliberal da salvação: “A fé em Deus, medida através de investimentos de tempo e dinheiro, apresenta-se nessa teologia como o meio para alcançar o sucesso em todas as esferas da vida”, no entanto, “as causas para qualquer infortúnio são apontadas como de inteira responsabilidade individual” (RODRIGUES et al, 2022, p. 5RODRIGUES, E. G. B.; da SILVA, A. B.; FREITAS, F. C. (2022) “Pare de sofrer!”: os discursos da Igreja Universal sobre depressão na pandemia da Covid-19. Galáxia. São Paulo, vol. 47, p. 1-22. https://revistas.pucsp.br/index.php/galaxia/article/view/55059.
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). A Igreja Universal “alinha-se às mesmas prerrogativas e atua segundo os mesmos imperativos da ordem social neoliberal” (RODRIGUES et al, 2022, p. 20RODRIGUES, E. G. B.; da SILVA, A. B.; FREITAS, F. C. (2022) “Pare de sofrer!”: os discursos da Igreja Universal sobre depressão na pandemia da Covid-19. Galáxia. São Paulo, vol. 47, p. 1-22. https://revistas.pucsp.br/index.php/galaxia/article/view/55059.
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), pregando o enriquecimento material como um direito divino. Em consonância, Cunha (2016)CUNHA, M. N. (2016) A linguagem e o discurso do neoliberalismo. Conferência a Fundação Perseu Ábramo. Disponível em: https://fpabramo.org.br/tv-fpa/magali-cunha-a-linguagem-e-o-discurso-do-neoliberalismo/ Acesso: setembro/2022.
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compara as mídias digitais às novas religiões pentecostais, para sugerir que o mercado é como a religião: faz sua catequese pelos serviços que oferece. Ela identifica, tanto nas mídias quanto na religião, a predominância de um discurso proselitista: capta seguidores e faz assimilar tanto as leis divinas quanto as do mercado. A penetração do neoliberalismo nas Igrejas fez acender a promessa do enriquecimento como a terra prometida e da acumulação material como um modo de viver Deus. Esse caráter semântico divino do neoliberalismo faz parte de seu sentido nas experiências espirituais neopentecostais no Brasil.

3.3 Trabalho

As origens etimológicas da palavra trabalho remontam ao latim tripalium, instrumento arcaico de tortura. Apesar dos investimentos ideológicos no trabalho como direito e sublimação (BONFANTE, AUGUSTINIS SILVA, 2023BONFANTE, G. M., AUGUSTINIS SILVA, D. (2023). Language, neoliberalism and human rights Erotics of signs on a dating app. Gragoatá 28 (60):e-53406. https://doi.org/10.22409/gragoata.v28i60.53406.
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), ele é um dever capital forçoso para a sobrevivência que se assemelha para muitos com a tortura física. Neoliberalismo ressignifica a precariedade do trabalho, transferindo os riscos e a insegurança para a classe trabalhista, ao vozear a competição como principal ética das relações profissionais (CANDIDO, 2021CANDIDO, G. G. (2021) Precarização do trabalho: a nova cepa da lógica capitalista autofágica. Lex Humana. Petrópolis vol. 13, n. 1, p. 50-74. https://seer.ucp.br/seer/index.php/LexHumana/article/view/2062.
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). Embora essa reinterpretação neoliberal do trabalho esteja “completamente afastada dos sistemas éticos e humanistas” (VALENCIA, 2010, p. 55VALENCIA, S. (2010) Capitalismo gore. Editorial Melusina.), precaridade e competição são as facetas trabalhistas mais conhecidas pela minha geração. A competição é elemento definidor do trabalho precário, assim como intensificação do trabalho, aumento do desemprego, violação de direitos, vulnerabilidade de vínculo empregatício, perda de benefícios, riscos à saúde e vida. “Esta reinterpretação do trabalho e da vida humana em favor do lucro econômico também desloca a consciência da morte.” (VALENCIA, 2010, p. 111VALENCIA, S. (2010) Capitalismo gore. Editorial Melusina.), sugere Valencia ao denunciar o estabelecimento dos negócios da morte no neoliberalismo gore. Além da própria morte, o conceito de trabalho no neoliberalismo é tranversalizado pelo hiperconsumismo e pela afirmação individual. O consumo é o consolo do trabalho, o oásis prometido ao suor e a principal forma de receber reconhecimento, performar cidadania e existir. “A ética do trabalho [neoliberal] não é uma ética da abnegação” (DARDOT; LAVAL, 2016, p.334DARDOT, P; LAVAL, C. (2016) A nova razão do mundo: ensaios sobre a sociedade neoliberal. Trad Mariana Echalar. São Paulo: Boitempo.), por isso, não pressupõe o rompimento com o eu, mas a satisfação dos desejos pessoais, pelo consumo. A sobredeterminação do consumo reinterpreta o trabalho pela semântica do desespero ou desesperança econômica, o que incide na língua. Heller (2010)HELLER, M. (2010) The commodification of language. Annual Review of Anthropology, vol. 39, pp. 101-114. https://doi.org/10.1146/annurev.anthro.012809.104951.
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explica que, na nova economia, a língua recebeu centralidade nas relações trabalhistas e como produto de trabalho. Tornou-se mercadoria e recurso profissional relevante para trabalhadores precarizados, como os professores de língua (MANGHI; BADILLO VARGAS, 2021MANGHI, D. H.; BADILLO VARGAS, C. (2021) Resemiotizando prácticas educativas como responsabilidad individual, rastreando significados en ensamblajes multimodales. Cadernos de Linguagem e Sociedade, vol. 22 n. 1, p. 365–382. https://periodicos.unb.br/index.php/les/article/view/37236.
https://periodicos.unb.br/index.php/les/...
).

Trabalho é conceito produtivo na teorização do neoliberalismo. Rivas Rivas (2005)RIVAS RIVAS, A. M. (2005) El neoliberalismo como proyecto lingüístico. Política y Cultura. Cidade do México vol. 24, p. 9-30. https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=26702402.
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encontrou na linguagem dos trabalhadores marcas da miséria neoliberal. Analisando metáforas da precariedade laboral e vulnerabilidade social em entrevistas com grupos de trabalhadores, ela identifica que jovens em busca do primeiro emprego utilizam metáforas de jogos e baralho, associando sua situação profissional com “incerteza, insegurança, risco, falta de controle sobre a situação, dependência e subordinação a circunstâncias que não podem ser previstas ou evitadas” (2005, p. 14), enquanto trabalhadores com contratos temporários descrevem suas experiências laborais como um pêndulo, sempre a recomeçar, ritmado, esgotado, ocupado e sem saída. Ela detecta que trabalhadores mais vulneráveis fornecem explicações neoliberais para seu sofrimento, expondo o poder simbólico do capitalismo para gerar modelos explicativos que docilizam o trabalhador pela individualização dos problemas sociais. Rivas Rivas torna “visíveis os quadros semânticos de natureza metafórica nos quais estão inseridos os discursos de alguns dos coletivos mais afetados pelo capitalismo global e cuja capacidade disciplinadora é a de ocultar a condição estrutural das situações que eles sofrem” (2005, p. 27).

O interesse linguístico pela precarização do trabalho se deve, pelo menos, a dois motivos. Primeiramente, a precarização do trabalho começa na educação. Guerra-Lyons e Mendinueta (2021)GUERRA-LYONS, J. D.; MENDINUETA, N. R. (2021) On the notion of “owning a forest”: ideological awareness and Genrebased Pedagogy in university critical literacy. DELTA. São Paulo vol. 36, n. 4, p. 1-30. https://doi.org/10.1590/1678-460X2020360412.
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, propõem que dentro do neoliberalismo o ensino tende a privilegiar a formação de mão de obra qualificada e flexível para alimentar o mercado em detrimento da formação de “sujeitos éticos responsáveis pela participação na democracia” (p. 6). Inversamente, a educação também é um palco para a precarização do trabalho: Manghi e Badillo Vargas (2021)MANGHI, D. H.; BADILLO VARGAS, C. (2021) Resemiotizando prácticas educativas como responsabilidad individual, rastreando significados en ensamblajes multimodales. Cadernos de Linguagem e Sociedade, vol. 22 n. 1, p. 365–382. https://periodicos.unb.br/index.php/les/article/view/37236.
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investigam como emergem as subjetividades de professores e outros profissionais de escolas públicas chilenas através dos processos de construção de sentido acerca da escola e de suas experiências. Elas sugerem que “o trabalho na escola é baseado em responsabilidades individuais, consistente com o discurso neoliberal” (p. 379), e que “grupos de profissionais estão insatisfeitos com as práticas sociais do contexto educacional e mostram o impacto das medidas neoliberais na formação de suas identidades como atores escolares” (p. 380). Esse último trabalho nos coloca em contato com outro tema popular na pesquisa em neoliberalismo e linguagem, os contextos educacionais.

3.4 Neoliberalismo e educação linguística

Neoliberalismo pode tomar contornos muito diversos, e “no Brasil, o neoliberalismo é marcado pelo colonialismo educacional” (NASCIMENTO, 2018, p. 42NASCIMENTO, A. K. (2018) Neoliberalismo e língua inglesa: um estudo de caso por meio do PIBID. Ilha do Desterro. Florianópolis, v. 71, n. 3, p. 39-58. https://doi.org/10.5007/2175-8026.2018v71n3p39.
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). Nascimento problematiza a ação de forças neoliberais em torno da língua inglesa, tanto em seu ensino-aprendizagem quanto na formação de professores. Ela sugere o ensino de inglês como mercadoria. Zaidan (2019)ZAIDAN, J. C. S. M. (2019) Um letramento (no) singular: a retomada da agenda revolucionária em tempos de educação ultraliberal. Trabalhos em Linguística Aplicada. Campinas, vol. 58, n.3, p. 1310-1330. https://doi.org/10.1590/010318138654526476561.
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, por sua vez, articula a emergência do letramento crítico ao momento político do Brasil, permeado pela despolitização da educação e por uma agenda neoliberal. A autora estipula o letramento como essencial para a refundação do Estado e de uma perspectiva educacional humanista. Ela acusa o currículo de ser “desfigurado pelo ultraliberalismo emergente” (2019, p. 1311). A interlocução de Ferraz e Morgan (2019)FERRAZ, D. M.; MORGAN, B. (2019) Transnational dialogue on language education in Canada and Brazil: how do we move forward in the face of neoconservative/neoliberal times? Trabalhos Em Lingüística Aplicada. Campinas, vol. 58, n. 1, p. 195-218. https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/tla/article/view/8654861.
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também nos conduz, entre outras questões, à agenda neoliberal nas práticas e políticas educacionais. Já Zacchi (2016)ZACCHI, V. J. (2016) Neoliberalism, Applied Linguistics and the PNLD. Ilha do Desterro. Florianópolis v. 69, n. 1, p. 161-172. https://doi.org/10.5007/2175-8026.2016v69n1p161.
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se interessa por material didático. Ele analisa como o uso de celebridades em livros de inglês seduzem a uma cidadania cosmopolita enquanto aludem ao individualismo neoliberal. Zacchi critica a ambiguidade dos livros quanto à justaposição dos valores neoliberais a uma experiência de diversidade e cosmopolitismo, mas fornece uma conclusão animadora: “adotar um discurso neoliberal que busca destacar o sucesso individual não garante sucesso comercial para os livros didáticos” (p. 170).

Ainda sobre educação linguística, Fortes e Ferrari (2021)FORTES, L.; FERRARI, L. (2021) Agency and subjectivity in pandemic (neoliberal) times: a duoethnografic study. Revista Brasileira de Linguística Aplicada. Vol. 21 n.2, p. 371-398. https://doi.org/10.1590/1984-6398202117291.
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escrevem na pandemia COVID-19: analisando suas próprias conversas sobre as mudanças pandêmicas, sugerem que somos produtos sociais e como tal estamos assujeitados a narrativas hegemônicas que criticamos, como o neoliberalismo. A análise fomenta uma discussão sobre agência e subjetividade de que o neoliberalismo seria parte como discurso tensionador. Elas acreditam que a pandemia exacerbou os efeitos neoliberais na vida e na educação. Pensando a educação universitária, Guerra-Lyons e Mendinueta (2021)GUERRA-LYONS, J. D.; MENDINUETA, N. R. (2021) On the notion of “owning a forest”: ideological awareness and Genrebased Pedagogy in university critical literacy. DELTA. São Paulo vol. 36, n. 4, p. 1-30. https://doi.org/10.1590/1678-460X2020360412.
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recomendam a adoção de uma abordagem explicitamente crítica para fomentar conhecimento sobre neoliberalismo e sobre sua conexão destrutiva com as políticas ecológicas, através da reflexão sobre as formas linguísticas correlatas à ideologia neoliberal. Semioticamente, o sucesso do neoliberalismo tem sido resultado de sua, sempre em transformação, capacidade de construir a diferença entre indivíduos e seu ambiente, e consequentemente celebrar politicamente essa diferença. Eles sugerem que a contestação ao surgimento do indivíduo neoliberal, “aquele que possui, adquire, escolhe e atua sobre o ambiente material social sem outras restrições além daquelas impostas pelo capital” (GUERRA-LYONS, MENDINUETA, 2021, p. 5GUERRA-LYONS, J. D.; MENDINUETA, N. R. (2021) On the notion of “owning a forest”: ideological awareness and Genrebased Pedagogy in university critical literacy. DELTA. São Paulo vol. 36, n. 4, p. 1-30. https://doi.org/10.1590/1678-460X2020360412.
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), começa na preocupação por como a ideologia neoliberal recorre à linguagem para decretar sanções sociais e valorizações morais, preconizando as virtudes de ‘contribuintes’ trabalhadores e ‘consumidores’ racionais, enquanto sanciona moralmente os indivíduos em termos de capacidade e propriedade. Questões relativas à posse, à propriedade nos coloca em conexão com o campo econômico, possivelmente o campo semântico mais popular que circunscreve neoliberalismo.

3.5 Linguagem e política econômica

Esta seção estressa a produção científica que se volta para política e linguagem ou linguagem e economia, como sugerem Block et al (2012)BLOCK, D. GRAY, J. e HOLBOROW, M. (2012) Neoliberalism and Applied Linguistics Nova York: Routledge, 2017.. Em comum, suas perspectivas atribuem ao uso da linguagem um papel central na doutrinação neoliberal denunciando o “uso explícito das estratégias linguísticas para a legitimação do neoliberalismo” (GUERRA-LYONS; MENDINUETA, 2021, p. 14GUERRA-LYONS, J. D.; MENDINUETA, N. R. (2021) On the notion of “owning a forest”: ideological awareness and Genrebased Pedagogy in university critical literacy. DELTA. São Paulo vol. 36, n. 4, p. 1-30. https://doi.org/10.1590/1678-460X2020360412.
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). Rivas Rivas (2005)RIVAS RIVAS, A. M. (2005) El neoliberalismo como proyecto lingüístico. Política y Cultura. Cidade do México vol. 24, p. 9-30. https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=26702402.
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propõe que uma pedagogia do uso linguístico é parte integrante do projeto neoliberal. Para ela, o neoliberalismo seria um “regime linguístico”. Dentro do capitalismo global, é clara “a importância da linguagem como mecanismo ideológico de disciplinamento e consentimento dos trabalhadores, um dispositivo inibidor de resistência e mobilização dos sujeitos sobre os quais recaem as consequências do sistema econômico” (RIVAS RIVAS, 2005, p.10RIVAS RIVAS, A. M. (2005) El neoliberalismo como proyecto lingüístico. Política y Cultura. Cidade do México vol. 24, p. 9-30. https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=26702402.
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). Com a autora concordam Pardo Abril e Celis (2016)PARDO ABRIL, N. G. P; CELIS J. R. (2016) Construccíon de la matriz neoliberal en el discurso público: estrategias de semiotización. Cadernos de Linguagem e Sociedade, Brasília, vol. 17, n. 1, p. 9-31. DOI: https://doi.org/10.26512/les.v17i1.4426.
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ao observar categorias discursivo-semióticas no discurso de posse do presidente colombiano Juan Manuel Santos. Eles escrevem que a “tendência geral na América Latina para a supressão dos direitos sociais (...) baseia-se em uma disputa de longa data entre diferentes atores sociais sobre a distribuição da riqueza” (p. 10). Autor e autora se lançam à descrição das estratégias de discursivização dos preceitos neoliberais no discurso político para concluir que no discurso presidencial a linguagem foi empregada para promover

estruturas conceituais que contribuem para o fundamento representacional do regime de acumulação neoliberal. Essas estruturas tomam como ponto de referência a exaltação do esforço e da concorrência individual, a validação da propriedade privada, a mercantilização dos direitos e a securitização de todas as esferas da vida social. (PARDO ABRIL; CELIS, 2016, p. 28PARDO ABRIL, N. G. P; CELIS J. R. (2016) Construccíon de la matriz neoliberal en el discurso público: estrategias de semiotización. Cadernos de Linguagem e Sociedade, Brasília, vol. 17, n. 1, p. 9-31. DOI: https://doi.org/10.26512/les.v17i1.4426.
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).

Tais estruturas linguísticas, que são pedagogias neoliberais, também são reportadas por Lopes (2020)LOPES, C. R. (2020) Oi, meu nome é Bettina. Trabalhos em Linguística Aplicada, Campinas, vol. 59, n.2, p. 1117-1133. https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/tla/article/view/8658459.
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, que situa sua discussão sobre neoliberalismo no início do governo Bolsonaro “autoproclamado liberal na economia e conservador nos costumes” (LOPES, 2020, p. 1118LOPES, C. R. (2020) Oi, meu nome é Bettina. Trabalhos em Linguística Aplicada, Campinas, vol. 59, n.2, p. 1117-1133. https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/tla/article/view/8658459.
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). Ele propõe o conceito populismo neoliberal como instrumento analítico para um anúncio sobre finança pessoal que viralizou, revoltando internautas pela violência neoliberal de sua desconexão com a realidade financeira dos brasileiros, temperada pela precarização do trabalho e desigualdade econômica. Lopes (2020)LOPES, C. R. (2020) Oi, meu nome é Bettina. Trabalhos em Linguística Aplicada, Campinas, vol. 59, n.2, p. 1117-1133. https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/tla/article/view/8658459.
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trata os vídeos analisados como “pequenas janelas para a ordem neoliberal” (p. 1132), no entanto, termina com uma nota otimista de que a viagem semiótica do vírus-anúncio-Bettina surtiu uma reação negativa à ideologia do homo oeconimicous. Ainda sobre o populismo neoliberal brasileiro, Souza Santos (2022)SOUZA SANTOS, B. (2022) O golpe de Estado continuado. Lisboa: Jornal Público. Disponível em https://www.publico.pt/2022/10/31/opiniao/opiniao/golpe-estado-continuado-2025961. Acesso: novembro/2022.
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alega que o Brasil se transformou no laboratório da extrema direita global: “aí se testa a vitalidade do projeto fascista global em que o neoliberalismo joga um novo (último) fôlego” (SOUZA SANTOS, 2022, s.p.SOUZA SANTOS, B. (2022) O golpe de Estado continuado. Lisboa: Jornal Público. Disponível em https://www.publico.pt/2022/10/31/opiniao/opiniao/golpe-estado-continuado-2025961. Acesso: novembro/2022.
https://www.publico.pt/2022/10/31/opinia...
). Ele insinua que a próxima fase do golpe neoliberal-colonial continuado que o Brasil suporta desde 2016 seja o capitalismo gore de Valencia, do qual fazem parte o uso de crime organizado para intimidação de forças democráticas, cooptação de instituições e instabilidade governamental para impedir o fim do mandato. Embora o golpismo tenha se alastrado pela América Latina na última década, D’Angelo (2013)D’ANGELO, C. G. (2013) Serie documental sobre infancia y pobreza en un medio público de Argentina. Cadernos de Linguagem e Sociedade, vol.14, p. 173–192. DOI: https://doi.org/10.26512/les.v14i0.21953.
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localiza as raízes do neoliberalismo sul-americano nas ditaduras. E as raízes da pobreza na popularização de políticas neoliberais desde então, que resultaram num aumento da população de rua. Partindo de uma análise linguística e multimodal da representação midiática das narrativas de um menino de rua argentino, televisionadas pelo Ministério da Educação, no Canal Encuentro, o texto aponta a importância de políticas de reparação dos efeitos do neoliberalismo.

A dificuldade em admitir a necessidade de reparação se deve ao neoliberalismo ser também uma política do gozo. Para Dardot e Laval (2016)DARDOT, P; LAVAL, C. (2016) A nova razão do mundo: ensaios sobre a sociedade neoliberal. Trad Mariana Echalar. São Paulo: Boitempo., o “sujeito neoliberal é correlato de um dispositivo de desempenho e gozo” (p. 321). Pensar o gozo nos leva em direção à psicanálise lacaniana, perspectiva pela qual Fair (2019)FAIR, H. (2019) El discurso capitalista neoliberal desde una perspectiva lacaniana. Desafíos. Bogotá, vol. 31, n.1, p. 193-235. DOI: https://doi.org/10.12804/revistas.urosario.edu.co/desafios/a.5586.
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procura entender como se constrói a subjetividade política no capitalismo neoliberal. Ele explica que os discursos do neoliberalismo prometem em detrimento da escravização do trabalhador, gozo, que se transmuta em uma fantasia de liberdade baseada em outras fantasias neoliberais, como a ilusão da escolha, da participação livre no mercado, da horizontalização das relações profissionais, da flexibilidade e do acesso a um futuro de riquezas por meio do sacrifício. Ele critica radicalmente o fenômeno, alegando que a hegemonia política do neoliberalismo foi alcançada através de construção conceitual de um discurso capitalista, o qual

corresponde ao tipo de dominação social, característica da ordem capitalista, que se baseia na disseminação de mandatos superegóicos de acumulação ilimitada de capital e na criação discursiva de necessidades de consumo de mercadorias fetichistas como supostas fontes de plenitude para os sujeitos carentes de descanso. (FAIR, 2019, p. 210FAIR, H. (2019) El discurso capitalista neoliberal desde una perspectiva lacaniana. Desafíos. Bogotá, vol. 31, n.1, p. 193-235. DOI: https://doi.org/10.12804/revistas.urosario.edu.co/desafios/a.5586.
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)

A partir de Fair e de minha inspiração pragmática, torna-se imperativo ressaltar que um discurso neoliberal também é composto pelos efeitos materiais e ideológicos de práticas sociodiscursivas distintas. Assim, os discursos neoliberais se referem também a um tipo de ação sociopolítica por meio de discursos, e aos efeitos e resíduos dessas ações, os efeitos perlocucionários.

A ação política por via pragmática é tema do artigo de Ribeiro Rodrigues e coautores (2020)RIBEIRO RODRIGUES, F. C; RAMOS, L; MAIA, F. (2020) Capitalismo neoliberal: continuidades, descontinuidades ou transformações? Uma análise do caso chinês. Desafíos. Bogotá, vol. 32, n. 1, p. 1-32. https://revistas.urosario.edu.co/index.php/desafios/article/view/7709.
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, que analisaram “atos de fala em documentos oficiais nomeando conceitos de forma peculiar” (2020, p. 28), na promoção chinesa de políticas neoliberais em sintonia com suas ideologias do passado. Eles documentam a proposição de algo inédito: a denominação “economia socialista de mercado, através do uso pragmático de políticas de cunho neoliberal” (RIBEIRO RODRIGUES et al, 2020, p. 29RIBEIRO RODRIGUES, F. C; RAMOS, L; MAIA, F. (2020) Capitalismo neoliberal: continuidades, descontinuidades ou transformações? Uma análise do caso chinês. Desafíos. Bogotá, vol. 32, n. 1, p. 1-32. https://revistas.urosario.edu.co/index.php/desafios/article/view/7709.
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). Estudando a formação da economia socialista de mercado, o artigo nota uma mudança histórica na linguagem protagonizada pelo partido comunista chinês na produção de conceitos, definições e políticas neoliberais. Entre suas colaborações está o reconhecimento da pragmática neoliberal como aspecto central da política. Com um objetivo distinto, Montecino Soto (2011)MONTECINO SOTO, L. A. (2011) ¿Por qué marchan los estudiantes en Chile?: discurso electrónico y poder en un ciberperiódico chileno. Cadernos de Linguagem e Sociedade, vol. 12, n. 2, p. 179–209. DOI: https://doi.org/10.26512/les.v12i2.11510.
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também se preocupa com aquilo que se faz politicamente com a linguagem. Ele analisa a construção linguístico-discursiva da ameaça como traço negativo e constitutivo dos estudantes que protestam por melhores condições de ensino no Chile:

Os atores sociais que marcham nas ruas são retratados como eticamente desvalorizados; como agentes, são negativos e destrutivos da ordem pública; intelectualmente, são irracionais, meros ‘tolos úteis’ que constroem uma face visível do comunismo que corrompe e gera ódio de classe (MONTECINO SOTO, 2011, p. 205MONTECINO SOTO, L. A. (2011) ¿Por qué marchan los estudiantes en Chile?: discurso electrónico y poder en un ciberperiódico chileno. Cadernos de Linguagem e Sociedade, vol. 12, n. 2, p. 179–209. DOI: https://doi.org/10.26512/les.v12i2.11510.
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).

Ao observar as falácias políticas empregadas como estratégias de reificação dos discursos dominantes, ele mapeia a performance de uma identidade conservadora e neoliberal que aceita docilmente - ou por medo da violência estatal -, um estado de pobreza, medo e extremo endividamento, três formas canônicas de violência econômica no neoliberalismo.

3.6 Violência

“A economia é uma forma de violência” (VALENCIA, 2010, p. 58-59VALENCIA, S. (2010) Capitalismo gore. Editorial Melusina.). A violência neoliberal pode ser estatal (GAGO, 2018GAGO, V. (2018) A razão neoliberal: economias barrocas e pragmática popular. Trad. Igor Peres. São Paulo: Elefante.), de gênero (de MIGUEL, 2016DE MIGUEL, A. (2016) Neoliberalismo sexual: el mito de la libre elección. Madrid: Ediciones Cátedra/Universidad de Valencia.), performada pela sociedade civil (MONTECINO SOTO, 2011MONTECINO SOTO, L. A. (2011) ¿Por qué marchan los estudiantes en Chile?: discurso electrónico y poder en un ciberperiódico chileno. Cadernos de Linguagem e Sociedade, vol. 12, n. 2, p. 179–209. DOI: https://doi.org/10.26512/les.v12i2.11510.
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), propagada pelo crime (VALENCIA, 2010VALENCIA, S. (2010) Capitalismo gore. Editorial Melusina.), auto-aplicada (DARDOT; LAVAL, 2016DARDOT, P; LAVAL, C. (2016) A nova razão do mundo: ensaios sobre a sociedade neoliberal. Trad Mariana Echalar. São Paulo: Boitempo.), ou masculina, branca e ressentida (BROWN, 2019BROWN, W. (2019) In the ruins of neoliberalism: the rise of antidemocratic politics in the west. Nova York: Columbia University Press.). Na América Latina, o crescimento da violência e crime organizado estão associados com a neoliberalização da política que remonta às ditaduras (ANDERSON, 1995ANDERSON, P. (1995) Balanço do Neoliberalismo. In SADER, E.; GENTILI, P. (Eds.) Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, p. 9-23.; D’ANGELO, 2013D’ANGELO, C. G. (2013) Serie documental sobre infancia y pobreza en un medio público de Argentina. Cadernos de Linguagem e Sociedade, vol.14, p. 173–192. DOI: https://doi.org/10.26512/les.v14i0.21953.
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; GAGO, 2018GAGO, V. (2018) A razão neoliberal: economias barrocas e pragmática popular. Trad. Igor Peres. São Paulo: Elefante.). Acima de tudo, a violência neoliberal não se faz apenas com capital, mas com a linguagem, com discursos e capital simbólico. Sua banalização faz da violência econômica um paradigma interpretativo da realidade neoliberal, visto que o neoliberalismo promove uma racionalização distópica da desigualdade econômica. Precariedade laboral, romantização midiática da violência e marginalização econômica produzem a violência como meio de vida no paradigma neoliberal. O neoliberalismo suga o capital humano sem desperdiçar uma gota e cospe as carcaças, explicitando a relação da violência com a pobreza e precariedade, ou, nas palavras de Casara (2020), com a “miséria neoliberal”, uma relação complexa, que contudo, evidencia o mal-estar social que nasce da conformação e da popularização da “violência como meio de subsistência” (VALENCIA, 2010, p. 96VALENCIA, S. (2010) Capitalismo gore. Editorial Melusina.). A violência individualista é uma das matérias-primas do empreendedorismo, cuja presença na literatura discutimos a seguir.

3.7 Empreendorismo

Schumpeter (1947)SCHUMPETER, J. A. (1947) Kapitalismus, Sozialismus und Demokratie. Tübingen: Ed. A. Francke, 2018. cunhou o conceito de criação destrutiva para caracterizar a dinâmica do empreendedorismo, uma força econômica que se baseia na destruição do estabelecido e simultânea criação de mercados novos. Empreendedor é o conceito basal para o triunfo das lógicas neoliberais (VALENCIA, 2010, p. 45VALENCIA, S. (2010) Capitalismo gore. Editorial Melusina.; DARDOT, LAVAL, 2016DARDOT, P; LAVAL, C. (2016) A nova razão do mundo: ensaios sobre a sociedade neoliberal. Trad Mariana Echalar. São Paulo: Boitempo.), na medida em que o empreendedor cria soluções individuais para problemas econômicos sociais. A participação popular na economia por meio do empreendedorismo é uma das forças que distinguem o liberalismo do neoliberalismo. Ao analisar a promoção discursiva de uma cultura empreendedora, Salgado (2013)SALGADO, J. (2013) A cultura empreendedora nos discursos sobre a juventude. Galáxia. São Paulo. Vol. 13, n. 25, pp. 193-204. https://revistas.pucsp.br/index.php/galaxia/article/view/10239.
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examina as retóricas que celebram o empreendedorismo juvenil em duas séries televisivas voltadas ao público jovem separadas por 15 anos. Nas séries impregnadas pelos valores neoliberais, empreendedorismo passa a ser veiculado à identidade adolescente ao ser sugerido como a solução para um desejo pessoal de sucesso e problemas sociopolíticos como o desemprego. Ela percebe, nas narrativas, uma mudança no entendimento de sucesso: de uma experiência educacional nos anos 1990 para uma empreendedora depois dos anos 2000. Ademais, ela disponibiliza uma ótima revisão bibliográfica sobre o empreendedorismo, assim como Castro (2014)CASTRO, J. C. L. (2014) O amor virtual como instância de empreendedorismo e de reificação. Galáxia. São Paulo vol. 14, n. 27, p. 72-84. https://doi.org/10.1590/1982-25542014115069.
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, que se interessa pela relação curiosa do empreendedorismo com o amor digital. Ele descreve que empreendedorismo é frequentemente entendido como um fortalecimento da agência subjetiva. É esse entendimento que o propulsa como uma característica desejada nas relações amorosas e no sujeito político. Também na arena política, brasileira jaz a presença marcante do empreendedorismo: Nunes (2022)NUNES. R. (2022) Do transe à vertigem: ensaios sobre bolsonarismo e um mundo em transição. São Paulo: Ubu editora. explica que “o bolsonarismo não é apenas próempreendedorismo, mas deve ser entendido como fenômeno empreendedorístico” (NUNES, 2022, p. 31NUNES. R. (2022) Do transe à vertigem: ensaios sobre bolsonarismo e um mundo em transição. São Paulo: Ubu editora.). Nos dados que apresenta, 85% dos senadores e 47% dos deputados federais eleitos em 2018 eram políticos de primeira viagem caroneiros da onda de popularidade da política do ressentimento de Bolsonaro, na qual o empreendedorismo é proposta3 3 É preciso lembrar que Lula, presidente eleito em 2022, também valorizou o empreendedorismo em seu discurso de posse na noite de 30 de Outubro. política, para substituir o emprego formal amparado pelo Estado.

Empreendedorismo é um fenômeno identificado com a criatividade, inventividade e ganho de capital, contudo, é também um exemplo concreto de conduta financeira e discursiva dentro da “ética do self help” (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 332DARDOT, P; LAVAL, C. (2016) A nova razão do mundo: ensaios sobre a sociedade neoliberal. Trad Mariana Echalar. São Paulo: Boitempo.) do neoliberalismo. Assim, empreendedorismo é um conceito essencialmente individualista. A solidariedade intelectual na América Latina se dá pelo interesse na produção de micropolíticas de resistência a esse individualismo do qual a publicação de Stone (2019)STONE, L. K. (2019) Compañeros and Protagonismo: The Ethics of Anti-Neoliberal Activism and the Frente De Pueblos En Defensa De La Tierra (FPDT) of Atenco, Mexico. The Journal of Latin American and Caribbean Anthropology. Vol. 24, n. 3, pp. 709-726. https://doi.org/10.1111/jlca.12415.
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é um excelente exemplo. Ela discorre sobre a Frente de Pueblos en Defensa de la Tierra (FDTP), movimento mexicano antineoliberal que pretere o protagonismo em detrimento de práticas éticas que privilegiem a coletividade. O artigo provê uma breve história do movimento e expõe a problemática do protagonismo, estabelecendo, ao contrário, o companheirismo como o que jaz nas raízes dessas relações político-afetivas. A ênfase na coletividade parece ser o caminho mais seguro para a contestação dos discursos políticos antidemocráticos e das concepções neoliberais de cidadania. Logo, demanda o cultivo de práticas discursivas comprometidas com a ética feminista em torno da coletividade e do companheirismo.

4. COISAS DE HOMEM: NEOLIBERALISMO E SEUS ALGOZES

“O momento neoliberal caracteriza-se por uma homogeneização do discurso do homem em torno da figura da empresa” (DARDOT, LAVAL, 2016, p. 326DARDOT, P; LAVAL, C. (2016) A nova razão do mundo: ensaios sobre a sociedade neoliberal. Trad Mariana Echalar. São Paulo: Boitempo.). Porém, sem que o homem deixe os holofotes, como discutimos a seguir, na composição de uma crítica feminista ao neoliberalismo latino-americano.

Para Brown, os movimentos globais contemporâneos de extrema direita estão interlaçados ideologicamente a um modelo de neoliberalismo patriarcal hayekiano, que propõe o estabelecimento da moral e do mercado como bases para o desenvolvimento econômico e o da família mononuclear heteropatriarcal como ponto de apoio para esse projeto de poder antidemocrático. No atual enlace com forças conservadoras e reacionárias, o neoliberalismo se nutre da educação consumista da sociedade, da desregulação tanto econômica quanto social, da divisão sexual do trabalho e reificação dos papéis de gênero, de modo que não é possível enfrentar esse fenômeno sem uma crítica antineoliberal feminista que preveja democratização econômica e ética, e principalmente, a revisão profunda das desigualdades patriarcais e da violência destrutiva masculina. A responsabilidade feminista em engajar-se reflexivamente com o neoliberalismo e propor respostas para seus problemas sociais se deve ao fato de que “neoliberalismo não sabe propor nenhum modelo de integração social” (ZIZEK, 2005 p. 6ZIZEK, S. (2005) Bienvenidos al desierto de lo real. Madrid: Akal.), enquanto o feminismo tem sido apontado como “desejo de mudar tudo” (GAGO, 2020, p. 9GAGO, V. (2020) Für eine feministische Internationale: wie wir alles verändern. Trad. Katja Rameil. Münster: Ed. Unrast, 2021.), uma ferramenta que propulsiona mudança, transformação (de MIGUEL, 2016DE MIGUEL, A. (2016) Neoliberalismo sexual: el mito de la libre elección. Madrid: Ediciones Cátedra/Universidad de Valencia.; HOLLANDA, 2020HOLLANDA, H. B. (Ed.) (2020) Pensamento feminista hoje: perspectivas decoloniais. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo.) e inclusão.

O monstro de Hayek é um filho sem mãe, um discurso economicista cujos efeitos preveem a organização e distribuição dos dividendos patriarcais. O macho se aninha na economia-discurso-modo de subjetividade neoliberal como hiperconsumidor e provedor enquanto o status da masculinidade passa a ser mantido não apenas pela violência física, mas por uma violência capital geradora de desigualdades. Penso a virilidade não apenas como um exercício de violência, mas do capital. A virilidade também é um prelúdio da destruição. Para Anna Tsing (2015)TSING, L. Anna. A Feminist approach to the Anthropocene: Earth stalked by men. Conferência ao Barnard Center of Research on Women. Nova York, 2015. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=ps8J6a7g_BA. Acesso: outubro/2022.
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a masculinidade tem consumido o planeta e, assim, as catástrofes do Antropoceno estão imbricadas na dominação masculina por meio da destruição. Se Tsing se volta para a destruição do planeta, Valencia (2010)VALENCIA, S. (2010) Capitalismo gore. Editorial Melusina. assegura que neoliberalismo se baseia na exploração dos corpos como mercadoria: gera capital, destruindo corpos. Tal destruição sustenta um sistema patriarcal que reafirma as narrativas do macho como um ser capital e equaliza sua masculinidade com sua capacidade de prover e matar, legitimando atores sociais agressivos e ressentidos. A seguir, perturbamos o neoliberalismo, a partir das feministas Brown, de Miguel, Gago e Valencia.

Brown (2019)BROWN, W. (2019) In the ruins of neoliberalism: the rise of antidemocratic politics in the west. Nova York: Columbia University Press., ao pensar a ascensão dos discursos antidemocráticos nos Estados Unidos, deixa ver como uma atitude niilista e ressentida, manifesta pelo rompimento com a verdade, facticidade e valores sociais fundantes, é parte integrante do discurso conservador que se agarra à austeridade neoliberal como uma forma de revanchismo contra melhorias políticas que beneficiam grupos sociais historicamente marginalizados. Para a cientista política, o novo populismo de extrema direita nasce da concessão de humanidade a quem antes não era alguém: “foi sangrado da ferida do privilégio destituído da branquitude, cristandade, masculinidade” (BROWN, 2019, p. 5BROWN, W. (2019) In the ruins of neoliberalism: the rise of antidemocratic politics in the west. Nova York: Columbia University Press.). Explicando como a extrema direita floresce das ruínas do neoliberalismo, Brown sugere que as agendas progressivas e neoliberais geraram uma experiência de abandono, traição e raiva por parte das novas populações despossuídas, a classe média branca. Brown fornece uma revisão dos trabalhos de Hayek, Friedman e outros neoliberais que idealizaram a transformação dramática do liberalismo, deixando claro que neoliberalismo é partidário de um projeto de expansão das moralidades tradicionais. Niilismo, fatalismo e ressentimento são as coisas de macho que, para a autora, se acoplam ao neoliberalismo. Brown imbrica a masculinidade niilista na branquitude. Com niilismo ela se refere à “desvalorização dos valores sociais” e da “desublimação da participação democrática no poder” (p. 164), e a consequente “trivialização e instrumentalização política dos valores sociais” (p.161). Como efeitos do niilismo neoliberal ela sugere “a politicização dos valores religiosos” (p. 95), a “dissolução de laços e significados sociais” (p. 122) e o “destronamento da verdade na vida pública” (p. 160).

Para de Miguel (2016)DE MIGUEL, A. (2016) Neoliberalismo sexual: el mito de la libre elección. Madrid: Ediciones Cátedra/Universidad de Valencia., neoliberalismo se propõe como antídoto para as desigualdades estruturantes que não pretende sanar. Ao contrário de favorecer a liberdade e autonomia das mulheres em um mundo igualitário, a igualdade neoliberal é substituída por novas formas de dominação física e simbólica, independentemente da existência de legislações mais igualitárias. Ao contrário de igualdade, ela argumenta por uma desigualdade consentida por expectativas neoliberais de liberdade. E acredita que o patriarcado do consentimento se apoia e fortifica em duas práticas: amor romântico e prostituição. Gago (2018)GAGO, V. (2018) A razão neoliberal: economias barrocas e pragmática popular. Trad. Igor Peres. São Paulo: Elefante., por sua vez, discute o enraizamento do neoliberalismo nas subjetividades populares e sua penetração na América Latina através da análise da realidade subjetivo-econômica de uma periferia em Buenos Aires. Para a feminista, o neoliberalismo na América do Sul remonta à autoridade político-econômica instaurada pelas ditaduras e consolidadas pelo estrangulamento do Estado de bem-estar social e pela financeirização da vida popular. Ela nota um conjunto de atitudes populares e crenças que se concretizam numa rede de práticas e saberes que passam a assumir a individualização como ethos. A isso ela chama de “neoliberalismo de baixo pra cima” (GAGO, 2018GAGO, V. (2018) A razão neoliberal: economias barrocas e pragmática popular. Trad. Igor Peres. São Paulo: Elefante.). Ela argumenta que maior presença do Estado não necessariamente implica ausência da austeridade neoliberal. A governabilidade neoliberal “captura tramas vitais que produzem valor” (GAGO, 2018, p. 32GAGO, V. (2018) A razão neoliberal: economias barrocas e pragmática popular. Trad. Igor Peres. São Paulo: Elefante.) de baixo pra cima. O neoliberalismo captura e se instala nas micropolíticas cotidianas populares inventando e reinventando sua realidade material e capital e criando modos de vida às margens da produção de valor. Seu trabalho mostra como uma pedagogia neoliberal faz parte da vida discursiva da classe trabalhadora na América Latina, apontando para a articulação latino-americana entre desenvolvimento econômico e extrativismo. Já Valencia (2010)VALENCIA, S. (2010) Capitalismo gore. Editorial Melusina., faz a conexão entre extrativismo neoliberal e violência, introduzindo na discussão sobre neoliberalismo as execuções brutais em Tijuana, área fronteiriça onde o colonialismo se talha nos corpos. Valencia teoriza o que chamou de capitalismo gore: uma das faces do neoliberalismo feroz que se expressa em uma dinâmica brutal de pós-colonialismo oriunda da pobreza. Para a autora, capitalismo gore que recoloniza homens através dos desejos de consumo, autoafirmação e empoderamento capital, é a dimensão sistematicamente descontrolada do projeto neoliberal e da globalização econômica que investe na frustração do trabalhador terceiro-mundista como principal combustível de cooptação neoliberal. Capitalismo gore é a consequência da produção de capital desprovido do respeito a vida: ele produz riquezas através de práticas masculinas aterrorizantes, como a decapitação, dissolução em ácido, estupro, tráfico de pessoas, venda de órgãos, entre outras.

Leitora de Brown e Valencia, a feminista brasileira Joana Plaza Pinto sugere que o projeto neoliberal foi uma proposta de revisão e correção das falhas da modernidade tendo como modelo a tradição. Tal projeto previa o esfacelamento de qualquer sentimento comunal não previsto na família patriarcal e a “radicalização do modelo colonial” (PINTO, 2022). O poder colonial é a proposta neoliberal para solução de problemas contemporâneos, de modo que patriarcado, neoliberalismo e colonialismo se retroalimentam (de MIGUEL, 2016DE MIGUEL, A. (2016) Neoliberalismo sexual: el mito de la libre elección. Madrid: Ediciones Cátedra/Universidad de Valencia.; VALENCIA, 2010VALENCIA, S. (2010) Capitalismo gore. Editorial Melusina.; BROWN, 2019BROWN, W. (2019) In the ruins of neoliberalism: the rise of antidemocratic politics in the west. Nova York: Columbia University Press.; PINTO, 2022) e respondem à mesma lógica masculinista de competição, violência e luta por poder (BROWN, 2019BROWN, W. (2019) In the ruins of neoliberalism: the rise of antidemocratic politics in the west. Nova York: Columbia University Press.; TSING, 2015TSING, L. Anna. A Feminist approach to the Anthropocene: Earth stalked by men. Conferência ao Barnard Center of Research on Women. Nova York, 2015. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=ps8J6a7g_BA. Acesso: outubro/2022.
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). Seguindo a revisão de literatura, a crítica feminista ao neoliberalismo nos ajuda a desafiar um cacoete maniqueísta masculino e nos permite abordar, por outros ângulos, problemas sociais naturalizados pelos desejos individualistas de manutenção de hierarquia e desigualdade econômica. Assim, “o feminismo é um humanismo” (MIGUEL, 2016, p. 27), que, ao defender a humanidade, contesta as ameaçadoras “coisas de homem”, que resplandecem no neoliberalismo: violência, autoritarismo, niilismo, competição e individualismo, que jazem nas práticas do consumo, economia, educação e empreendedorismo, na experiência neoliberal de trabalho e religião. A perspectiva humanista dos feminismos é essencial por contestar a normalização de práticas econômicas distópicas e criminosas e a dominação masculina capital, destrutiva de corpos, discursos e do planeta.

PALAVRAS FINAIS

A literatura discutida tem em comum um desejo de desafiar a ordem neoliberal vigente, para gerar novas e melhores condições para a vida humana, a partir de uma ética discursivo-econômica que privilegia a coletividade. Os textos - estudados em conjunto - sugerem que neoliberalismo é um regime linguístico que circula e se reifica através da performatividade de algumas ideologias como: consumo como ética; proselitismo e doutrinação (comum a discursos religiosos); precarização do trabalho; violência capital e empreendedorismo individualista. Os textos também ressaltam a educação, sobretudo a linguística, como viabilizadora de transformação a partir do letramento crítico e da responsabilidade político-econômica da linguagem.

Em comum, a produção científica atribui um caráter cúmplice ao uso da linguagem na doutrinação neoliberal da vida política latino-americana, circunscrevendo o neoliberalismo nos efeitos e resíduos de sua própria circulação discursiva. Autoras e autores revisados sugerem que a linguagem é um campo privilegiado para a observação do neoliberalismo e outras racionalidades político-econômicas. Eles nos convidam a revisar nossos motivos teóricos e cartografar possibilidades de ação eticamente justificáveis que reconfigurem nosso campo linguístico como político, que se relacionem com os problemas sociais que enfrentamos atualmente, e que sejam sensíveis a questões econômicas. Ao mapear as formas como o neoliberalismo coloniza discursivamente, podemos questionar, ou desautorizar, as inscrições de lógicas de consumo-ação em nossos corpos e em nossas linguagens, discursos e desejos. Podemos também desenvolver outras formas de gestão econômica e simbólica que desmercantilize e descolonize a vida, a linguagem, os discursos.

O texto argumenta por uma visão de neoliberalismo como constituído por esparsos fenômenos simbólicoeconômicos, diluídos no tempo movente da história. Em uma perspectiva performativa, neoliberalismo seria um conjunto de práticas discursivas que tem por efeito fomentar uma racionalidade que está sendo feita e refeita continuamente na vida política e nas tramas do discurso, seja como produto – um efeito performativo desejado – ou resíduo – efeitos performativos colaterais ou subprodutos – semiótico. Entre os produtos e resíduos semióticos de práticas linguageiras neoliberais estão: a invocação da religião ou família na votação pelo golpe de Estado em Dilma Rousseff em 2016, e a votação da reforma trabalhista em 2017, que distribui os riscos econômicos a classes menos privilegiadas. Estão as propagandas políticas de Bolsonaro, as fake news, a compra e supressão de votos, além de nossa relação doentia com empresas lucrativas, que se dissimulam como redes sociais. Entre os produtos e resíduos de práticas discursivas neoliberais estão a exaltação do patriarcado e a tentativa de equacionar liberdade individual com autoritarismo antidemocrático. Entre as práticas linguísticas neoliberais no Brasil, estão a projeção do mercado como lei para qualquer relação social, a penetração das demandas de patente e inovação para área das humanidades, a infiltração da universidade pública por discursos empreendedores. Entre as ações realizadas com discurso neoliberal estão o ódio pelo Outro, a falta de consciência de classe e a Teologia da Prosperidade. Neoliberalismo é resíduo no Curso de Linguística Geral (SILVA, 2016SILVA, D. N. (2016) Saussure’s treasure, humiliation and other (neo)liberal tropes. Revista da Anpoll nº 40, pp. 141-150. DOI: https://doi.org/10.18309/anp.v1i40.1023.
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), e está na expansão da produção de mercadorias associada à exclusão pelo consumo, e na constituição da identidade pelo consumo (LIPOVETSKY, 2007LIPOVETSKY, G. (2007) La felicidad paradójica. Ensayo sobre la sociedad hiperconsumista. Barcelona: Anagrama.; DOMINGUEZ, 2008DOMINGUEZ, M. (2008) Técnicas de subjetivacción y interacción virtual en tiempo real. Tienen algo en comum michel foucault y los chats? In: SABADA, I; GORDO, A. (Ed.) Cultura digital y movimientos sociales. Madri; Catarata.). Entre os efeitos neoliberais alcançados pela linguagem está a inflação, o endividamento e a fome. O neoliberalismo é produto e resíduo na boca de Paulo Guedes. Ele descampa e mina a Amazônia. Sorri nas lágrimas do Chile, nas execuções nas favelas, no narcotráfico gore miliciano. Neoliberalismo jaz no assassinato de Marielle. Está no empreendedorismo e na linguagem do capital. São seus produtos, a moeda, câmbio e juros. Está na “crescente vulnerabilidade da população trabalhadora a mentiras e conspirações” (BROWN, 2019, p. 6BROWN, W. (2019) In the ruins of neoliberalism: the rise of antidemocratic politics in the west. Nova York: Columbia University Press.). A sedução neoliberal adoça o café e os sonhos dos trabalhadores da América Latina.

AGRADECIMENTO

Este trabalho foi possibilitado pela FAPERJ, a quem manifesto minha gratidão pelo financiamento Pós-Doutorado Nota 10, processo SEI-260003/019705/2022.

  • DECLARAÇÃO DE DISPONIBILIDADE DE DADOS DA PESQUISA
    Por se tratar de um trabalho de revisão bibliográfica, os dados públicos que apoiam as conclusões deste estudo se referem a uma densa bibliografia referida na seção cabível, sendo sua localização online de fácil alcance, assim como os dados históricos tomados na construção da narrativa também podem ser averiguados online sem grande dificuldade.
  • 1
    Foi impossível respeitar esse critério, visto a qualidade e quantidade de publicações em inglês e espanhol sobre neoliberalismo em revistas brasileiras. Ademais, o diretório CAPES sugere como artigo publicado em português todos artigos que apresentam um resumo nessa língua, dificultando a apuração do critério.
  • 2
    Em sua dissertação de Mestrado, Souza (2007)SOUZA, M. I. (2007) A mão (in)visível do neoliberalismo na língua: índices de têndencias discursivas no português brasileiro contemporâneo. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem. Universidade Federal do Mato Grosso. sugere que neoliberalismo é o discurso de base da globalização.
  • 3
    É preciso lembrar que Lula, presidente eleito em 2022, também valorizou o empreendedorismo em seu discurso de posse na noite de 30 de Outubro.

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Disponibilidade de dados

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    12 Jan 2022
  • Aceito
    27 Set 2023
  • Publicado
    06 Nov 2023
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