Acessibilidade / Reportar erro

Intimidade ou ostentação? As estantes dos booktubers e os sentidos sobre a leitura e o livro nas redes sociais na contemporaneidade

Intimacy or ostentation? The bookshelves of booktubers and the meanings of reading and books on social media in contemporary times

Resumo

O objetivo deste artigo é refletir sobre os discursos que circulam acerca do livro e da leitura e, especificamente, analisar, sob a ótica da Análise do Discurso, a partir das contribuições de Foucault ( 2006FOUCAULT, Michel. A escrita de si. In: FOUCAULT, Michel (ed.). O que é um autor? Tradução: António Fernando Cascais e Eduardo Cordeiro. 6. ed. Lisboa: Nova Vega, 2006. , 2009FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Tradução: Luiz Felipe Baeta Neves. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. , 2010FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso: aula inagural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. Tradução: Laura Fraga de Almeida Sampaio. 20. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2010. , 2014FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade 3: o cuidado de si. Tradução: Maria Thereza da Costa Albuquerque. São Paulo: Paz e Terra, 2014. ) a este campo, vídeos de booktubers com apresentações de estantes dos comentadores em uma prática chamada por eles de bookshelf tour . Destacam-se os sentidos de: mostrar que se é um leitor; de capital social para aquele que lê; e de socialização das práticas leitoras, por meio da fluidez e da dinamicidade da web, em suas possíveis correlações com o ensino de leitura e escrita no Brasil. Questiona-se, com a regularidade de tais práticas, novas pluralidades para os significados da leitura, abertas a formatos audiovisuais e a formas variadas de falar sobre livros e leituras. O corpus é composto por três vídeos do YouTube nos quais acontece a montagem de estantes e organização desses espaços. O conceito fundamental da Análise do Discurso para este estudo é o conceito de sujeito, na perspectiva foucaultiana, além dos conceitos de poder e saber também mobilizados por este autor. A concepção de leitura adotada advém dos estudos de Chartier ( 1998CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador: conversações com Jean Lebrun. Tradução: Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, Editora da UNESP, 1998. , 1999CHARTIER, Roger. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII. Tradução: Mary del Priore. Brasília: Ed. da UnB, 1999. , 2019CHARTIER, Roger. Ler sem livros. Linguasagem, São Carlos, v. 32, Número temático, p. 6–17, dez. 2019. ) e da história cultural da leitura.

Palavras-chave:
Discurso; Leitura; Sujeito; Booktubers

Abstract

The objective of this article is to reflect on the discourses that circulate about books and reading and, specifically, to analyze, from the perspective of Discourse Analysis, based on the contributions of Foucault ( 2006FOUCAULT, Michel. A escrita de si. In: FOUCAULT, Michel (ed.). O que é um autor? Tradução: António Fernando Cascais e Eduardo Cordeiro. 6. ed. Lisboa: Nova Vega, 2006. , 2009FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Tradução: Luiz Felipe Baeta Neves. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. , 2010FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso: aula inagural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. Tradução: Laura Fraga de Almeida Sampaio. 20. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2010. , 2014FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade 3: o cuidado de si. Tradução: Maria Thereza da Costa Albuquerque. São Paulo: Paz e Terra, 2014. ) to this field , videos of booktubers with presentations of commentators’ shelves in a practice they call bookshelf tour. The meanings of: showing that you are a reader; of social capital for those who read; and socialization of reading practices, through the fluidity and dynamism of the web, in its possible correlations with the teaching of reading and writing in Brazil. With the regularity of such practices, new pluralities for the meanings of reading are questioned, open to audiovisual formats and varied ways of talking about books and reading. The corpus consists of three YouTube videos in which the assembly of shelves and organization of these spaces takes place. The fundamental concept of Discourse Analysis for this study is the concept of subject, from a Foucauldian perspective, in addition to the concepts of power and knowledge also mobilized by this author. The concept of reading adopted comes from the studies of Chartier ( 1998CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador: conversações com Jean Lebrun. Tradução: Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, Editora da UNESP, 1998. , 1999CHARTIER, Roger. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII. Tradução: Mary del Priore. Brasília: Ed. da UnB, 1999. , 2019CHARTIER, Roger. Ler sem livros. Linguasagem, São Carlos, v. 32, Número temático, p. 6–17, dez. 2019. ) and the cultural history of reading.

Keywords:
Discourse; Reading; Subject; Booktubers

“Passeando pela nova estante”: novas configurações da leitura e representações do leitor contemporâneo na cultura digital

Falar de livros, falar de filmes, falar dos mais variados objetos culturais não é prática nova. Contudo, com o advento das redes sociais e, mais precisamente, da plataforma audiovisual YouTube, comentar um livro tem se tornado prática rotineira e realizada, ao contrário da crítica literária profissional, por pessoas amadoras, ou estudantes do universo das Letras, denominadas booktubers . Os sujeitos adeptos dessa prática, geralmente, são pessoas jovens que comentam livros em diversas ações. Marcam uma certa regularidade em não só resenhar os livros, mas apresentar estantes, leituras coletivas, compras de livros, inventários, entre tantas outras.

Observando diversos canais que têm por objetivo comentar livros por meio de resenhas, percebeu-se entre eles uma prática comum, que é chamada de bookshelf tour , ou seja, um passeio pela estante onde o apresentador guarda seus livros. Além dessa, outras práticas surgem no universo dos booktubers como, por exemplo, a prática do bookhaul , que consiste em comentar os livros recebidos de editoras que os enviam para terem suas obras comentadas pelos resenhistas amadores.

Neste artigo, pretende-se mostrar em análise de discurso, a partir das contribuições de Michel Foucault a este campo, algumas problematizações acerca dessa prática em dois vídeos que, antes de serem um bookshelf tour , mostram a montagem da estante como um suporte, algo que questionamos se é da ordem da intimidade ou da ostentação, ou de ambas, e, ainda, sobre quais sentidos faz circular a respeito da leitura e dos livros na contemporaneidade.

Para a fundamentação teórica da análise, adotamos o conceito de sujeito em Foucault ( 2009FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Tradução: Luiz Felipe Baeta Neves. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. ), perpassado pelos mecanismos de saber e poder. Trazemos também a reflexão foucaultiana de escrita de si, para pensarmos na demonstração das estantes como uma “leitura de si”. Também é preciso considerar a história do livro e da leitura em Chartier ( 1998CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador: conversações com Jean Lebrun. Tradução: Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, Editora da UNESP, 1998. , 1999CHARTIER, Roger. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII. Tradução: Mary del Priore. Brasília: Ed. da UnB, 1999. , 2019CHARTIER, Roger. Ler sem livros. Linguasagem, São Carlos, v. 32, Número temático, p. 6–17, dez. 2019. ) e outros estudiosos da história cultural.

O corpus geral do estudo é composto por sete canais literários no YouTube e, para este artigo, foram recortados dois canais, sem deixarmos de fazermos uma apresentação geral das práticas que se repetem em regularidades enunciativas ( Foucault, 2009FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Tradução: Luiz Felipe Baeta Neves. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. ).

Baseados em outro estudo, Vizibeli ( 2016 VIZIBELI, Danilo. Contrastes entre a crítica literária especializada e amadora: os booktubers e os discursos sobre o livro e a leitura. Texto Livre, v. 9, n. 2, p. 1–12, dez. 2016. ISSN 1983-3652. DOI: 10.17851/1983-3652.9.2.1-12. Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/textolivre/article/view/16723 . Acesso em: 19 mar. 2024.
https://periodicos.ufmg.br/index.php/tex...
), partimos do pressuposto de que a crítica promovida pelos booktubers guarda características próprias que se distinguem da crítica literária especializada. Avançando nesse e em outros estudos referentes à temática, percebemos que os leitores denominados como booktubers são colocados à margem e que apresentar a estante é, ao mesmo tempo, que uma forma de gerar intimidade, também uma demonstração de quem são os leitores hoje, parafraseando a indagação foucaultiana de “Quem somos nós hoje?”.

Exibir o livro, ler o quê? Práticas do sujeito-leitor moderno entre a leitura e a exibição

Escrever: gesto e prática que mudou a história, que constitui sociedades grafocêntricas e que colocou à margem tantas outras sociedades que insistiram em suas práticas orais. O homem da escrita, o homem da letra, é cultuado na sociedade contemporânea como o homem que sabe, fazendo jus à nomenclatura latina homo sapiens . A escrita endossa o poder e permite a vigilância da sociedade, uma vez que o que é escrito permanece e marca atos, gestos, pensamentos e idiossincrasias do sujeito no movimento da vida. Dos sinais gráficos nas cavernas, das plaquetas de argila na Mesopotâmia ao códex e, atualmente, ao livro eletrônico, a escrita e a leitura deixam seus registros ao longo da história humana.

Não bastasse termos um jeito novo de ler nos suportes de telas, luzes, cores e sons, temos também um jeito novo, não tão novo assim, de se falar do que lemos e de como consumimos o que lemos. Perscrutamos, brevemente, com Chartier ( 1998CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador: conversações com Jean Lebrun. Tradução: Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, Editora da UNESP, 1998. , 1999CHARTIER, Roger. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII. Tradução: Mary del Priore. Brasília: Ed. da UnB, 1999. , 2019CHARTIER, Roger. Ler sem livros. Linguasagem, São Carlos, v. 32, Número temático, p. 6–17, dez. 2019. ) e outros, um pouco da historicidade do livro, da leitura e do leitor, concentrados aqui nesta historicidade de se mostrar que se é um leitor. Fundamentamos com Foucault ( 2009FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Tradução: Luiz Felipe Baeta Neves. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. ) esse sujeito autocentrado, politizado nas tramas dos poderes e saberes, que escreve (e lê) a si em práticas das “artes da existência”, para problematizar, complexificar e marcar sua posição no mundo.

Antes de apresentarmos as conceituações de Chartier ( 1999CHARTIER, Roger. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII. Tradução: Mary del Priore. Brasília: Ed. da UnB, 1999. ) sobre a história da leitura, precisamos esboçar como é o sujeito na concepção foucaultiana. Pode-se dizer que tal conceito – o de sujeito – está presente em toda a trajetória teórica de Foucault. Segundo Revel ( 2005, p. 84REVEL, Judith. Foucault: conceitos essenciais. Tradução: Maria do Rosário Gregolin, Nilton Milanez e Carlos Piovezani. São Carlos: Claraluz, 2005. ), no pensamento foucaultiano, “trata-se, portanto, de pensar o sujeito como um objeto historicamente constituído sobre a base de determinações que lhe são exteriores”. Esse sujeito, percebido na ótica foucaultiana, é uma posição. Abordaremos ainda mais sobre este conceito no tópico a seguir.

Na história cultural da leitura e do livro, Chartier ( 1999, p. 13CHARTIER, Roger. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII. Tradução: Mary del Priore. Brasília: Ed. da UnB, 1999. ) pontua que “a leitura é sempre uma prática encarnada em gestos, em espaços, em hábitos”. Temos no ato de mostrar a estante gestos singulares e representativos – em espaços diversos, como a própria casa daquele que grava e ao mesmo tempo apresenta o vídeo – de hábitos multifacetados que caracterizam a leitura dos booktubers . Essas condutas de exibição hodiernas corroboram o pensamento de Chartier ( 1999CHARTIER, Roger. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII. Tradução: Mary del Priore. Brasília: Ed. da UnB, 1999. ), uma vez, que por meio das ações de exposição audiovisual desses booktubers , revelam-se hábitos que tipificam as especificidades da prática de leitura dos jovens leitores da internet.

Falar dos livros e mostrar-se como um leitor é uma prática há muito tempo cotejada e praticada tanto que “escrever sobre suas próprias leituras tornou-se um verdadeiro gênero ‘literário’, praticado com prazer por intelectuais e escritores” ( Chartier, 2019, p. 7CHARTIER, Roger. Ler sem livros. Linguasagem, São Carlos, v. 32, Número temático, p. 6–17, dez. 2019. ). Nos textos que são publicados acerca das práticas de memórias das leituras, Chartier concebe dois tipos de leitor: o herdeiro e o leitor que nasceu num mundo sem livros. No primeiro caso:

[...] os livros estão desde sempre presentes. A história dos leitores nascidos em um mundo pleno de livros é como uma viagem iniciada bem cedo entre títulos, autores e gêneros. A seleção da memória e a maneira de se apresentar nessas narrativas enfatizam a precocidade da capacidade de ler, as descobertas furtivas, as leituras transgressivas e sempre opostas às leituras escolares, pesadas e chatas. Tal como se tivesse nascido em uma biblioteca, o leitor “herdeiro” constrói suas leituras de infância à distância do modelo e do repertório escolar

( Chartier, 2019, p. 7–8CHARTIER, Roger. Ler sem livros. Linguasagem, São Carlos, v. 32, Número temático, p. 6–17, dez. 2019. ).

No segundo caso:

Os leitores que nasceram em um mundo sem livros, ou quase sem nenhum, escolhem outro padrão narrativo: aquele segundo o qual a leitura é uma conquista e não uma herança. Nas suas memórias a escola desempenha um papel fundamental. Suas leituras mais pessoais são, de fato, as leituras requeridas ou recomendadas pelos professores. Seus livros e autores preferidos, seus gostos mais íntimos, se conformam aos repertórios mais canônicos. Esse leitor não entra no universo da leitura graças a uma biblioteca familiar. Ele se torna leitor na sala de aula de uma escola

( Chartier, 2019, p. 8CHARTIER, Roger. Ler sem livros. Linguasagem, São Carlos, v. 32, Número temático, p. 6–17, dez. 2019. ).

No artigo “Ler sem livros”, Chartier ( 2019CHARTIER, Roger. Ler sem livros. Linguasagem, São Carlos, v. 32, Número temático, p. 6–17, dez. 2019. ) nos dá pistas de uma prática que pode estar sendo realizada com os booktubers , deslocando o nosso olhar dos produtores dos vídeos para o público espectador. Será que os vídeos sobre livros e leituras, fazem com que adolescentes e jovens (público que parece ser a maioria deste tipo de canal no YouTube) e até mesmo adultos leiam mais (ou melhor), a partir destas ferramentas audiovisuais nesta famosa plataforma da internet? Mostrar a montagem de uma estante de livros revela uma intimidade com a leitura, aproxima o público leitor e fomenta as práticas leitoras? E de qual leitura estamos falando? Ao tratarmos da questão destes resenhistas ou blogueiros literários no YouTube, precisamos também pensar nas formas de comunicação e linguagem que se transformam com as plataformas digitais. Para Chartier ( 2019CHARTIER, Roger. Ler sem livros. Linguasagem, São Carlos, v. 32, Número temático, p. 6–17, dez. 2019. ),

[...] o mundo digital produz sobretudo a transformação das categorias mais fundamentais da experiência humana, por exemplo, as noções de amizade multiplicada até o infinito, de identidade fictícia ou pluralizada, de privacidade ocultada ou exibida, como a invenção de novas formas de cidadania – ou de controle e de censura

( Chartier, 2019, p. 15CHARTIER, Roger. Ler sem livros. Linguasagem, São Carlos, v. 32, Número temático, p. 6–17, dez. 2019. ).

O interesse do historiador da leitura está também no suporte material do livro. Uma vez que há uma comunidade virtual do livro e da leitura e com o advento do livro eletrônico, fica, para o autor, mais evidente a cada dia a possibilidade de ler sem livro, tomado como o objeto material da forma que o conhecemos, o códex.

A digitalização de todas essas práticas e relações sociais (entre os indivíduos, com o mercado, ou com as instituições) impõe uma ubiquidade da escrita e da leitura sobre as mesmas telas (do computador, do tablet, do smartphone) e sob as mesmas formas breves, segmentadas, maleáveis. Se até agora o livro ainda manteve sua presença como objeto no mercado editorial e como tipo de discurso na edição digital, devemos considerar que as práticas cotidianas, multiplicadas, incessantes, de escrita e de leitura se afastam e nos afastam radicalmente do livro em sua dupla natureza, material e textual. Cada dia se lê mais sem livro

( Chartier, 2019, p. 15–16CHARTIER, Roger. Ler sem livros. Linguasagem, São Carlos, v. 32, Número temático, p. 6–17, dez. 2019. ).

O objeto livro físico, impresso, ainda é muito comum nos canais dos booktubers tanto que há a montagem das estantes para se guardar os livros. Essa prática pode ter uma influência muito forte do mercado livreiro e, como outros estudos já mostraram ( Costa; Sampaio, 2018COSTA, Andressa Souza; SAMPAIO, Inês Silvia Vitorino. Booktubers e construções narrativas no YouTube. In: XI Simpósio Nacional da ABCiber– Associação Brasileira de Pesquisadores em Cibercultura. Juiz de Fora: Universidade Federal de Juiz de Fora, 2018. ; Aguiar, 2017AGUIAR, Christiano. A crítica literária na internet: literatura contemporânea brasileira e valores literários nas críticas de booktubers. In: ANAIS do XV Congresso Internacional da ABRALIC – Associação Brasileira de Literatura Comparada. Rio de Janeiro: [s. n.], 2017. ), esse mercado utiliza-se dos booktubers como iscas, ou possibilidades de aquecer o mercado e fazer um marketing indireto para que, por meio de suas resenhas e de suas práticas, consigam captar e formar novos leitores que comprarão livros nas editoras que patrocinam, enviam mimos, livros e outros para os comentadores do YouTube. Para Fialho e Neves ( 2023 FIALHO, Lia Machado Fiuza; NEVES, Vanusa Nascimento Sabino. Booktubers brasileiros: canais literários de incentivo à leitura. Texto Livre, Belo Horizonte, v. 16, e.39079, 2023. Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/textolivre/article/view/39079/31759 . Acesso em: 5 out. 2023.
https://periodicos.ufmg.br/index.php/tex...
), em se tratando do fenômeno booktuber no geral e, mais especificamente, dos booktubers brasileiros, “as narrativas, na perspectiva multimodal, perpassam por outros aspectos vinculados à leitura, a exemplo da indicação de marcas de leitores digitais e das recomendações de compras das obras apresentadas” ( Fialho; Neves, 2023, p. 12 FIALHO, Lia Machado Fiuza; NEVES, Vanusa Nascimento Sabino. Booktubers brasileiros: canais literários de incentivo à leitura. Texto Livre, Belo Horizonte, v. 16, e.39079, 2023. Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/textolivre/article/view/39079/31759 . Acesso em: 5 out. 2023.
https://periodicos.ufmg.br/index.php/tex...
). Nesse sentido, permitem-nos inferir que não se trata mais apenas dos livros e dos seus conteúdos, mas de todo um modo próprio de dizer sobre a prática da leitura e dos leitores que marcam a si. Dessa forma, esse contexto nos permite refletirmos também sobre a ordem dos livros na sociedade atual. Quem tem a possibilidade de comprar livros e ter uma estante requintada no quarto ou na sala de estar? Outro ponto que é preciso olhar com cautela é que os vídeos dos jovens resenhistas são vídeos bem editados, com cores, linguagem atrativa e jovial, marcando, nas práticas de linguagem, o sujeito que se constitui e faz emergir os jogos de poderes e saberes na tessitura da rede que pluraliza os sentidos, mascarando uma inclusão, que muitas vezes exclui e coloca à margem leitores outros a quem são interditados esses espaços da internet bem como o acesso aos livros e à leitura.

Para Chartier ( 1998, p. 16CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador: conversações com Jean Lebrun. Tradução: Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, Editora da UNESP, 1998. ), “o texto eletrônico torna possível uma relação muito mais distanciada, não corporal”. É por isso, talvez, que esse contato mais íntimo com os livros e com os aparatos ou objetos do universo da leitura ganham cada vez mais a cena e precisam até mesmo ser divulgados em vídeos no YouTube. Uma vez que a leitura nos formatos eletrônicos e digitais é fria, para aqueles que são amantes da cultura impressa é preciso se aproximar ainda mais para não deixar que o impresso se perca. É por isso que Chartier ( 1998CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador: conversações com Jean Lebrun. Tradução: Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, Editora da UNESP, 1998. ) pontua que não há uma ruptura muito brusca entre o livro impresso e o livro eletrônico, assim como não houve entre o manuscrito e o impresso. Dessa forma a estante aparece como um subterfúgio para aproximar leitores e ao mesmo tempo ostentar a sua aquisição, o seu espaço de leitura que supostamente torna o sujeito exibidor um leitor. O sujeito não mais fala do livro em si, mas dos objetos ligados a ele, pois há um envolvimento afetivo. E é nisso que podemos pensar numa “leitura de si 1 1 Tomamos como “leitura de si”, o fato de sujeitos leitores desenvolverem técnicas para falarem e problematizarem suas práticas de leitura, os livros que leem, o que fazem com suas leituras como as práticas que são realizadas no espaço virtual denominado YouTube e que ficaram conhecidas como booktubers . Dessa forma, o que chamamos “leitura de si” não difere muito do conceito foucaultiano de “escrita de si”, pois pode-se dizer que o ato de produzir vídeos sobre suas leituras é também uma escrita de si, apesar de que essa concepção foucaultiana se ligava mais à escrita de diários como os hyponemmata , por exemplo, quando a partir da escrita o sujeito se subjetivava. Outro ponto a destacar é que não se pode tomar as técnicas de si apenas como um mostrar e que elas seriam conscientes do sujeito. Enfatizamos, com isso que o trabalho de exibição dos booktubers com suas estantes é sim um trabalho de amostragem, mas não só por isso se constituem uma prática de si. Tal prática é inconsciente a eles e se faz em diversos imbricamentos de seus posicionamentos enquanto sujeitos da leitura. ”, pensamento este advindo da escrita de si em Foucault ( 2006FOUCAULT, Michel. A escrita de si. In: FOUCAULT, Michel (ed.). O que é um autor? Tradução: António Fernando Cascais e Eduardo Cordeiro. 6. ed. Lisboa: Nova Vega, 2006. ), que nos faz apontar para o leitor mostrando a si como leitor, num transbordamento daquilo que na História da Sexualidade é chamado cultura de si, como mostraremos a partir de agora.

Leitura como prática de si: apontamentos foucaultianos

O interesse pelas práticas de si surgiu em Foucault ( 2014FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade 3: o cuidado de si. Tradução: Maria Thereza da Costa Albuquerque. São Paulo: Paz e Terra, 2014. ) no terceiro volume da História da Sexualidade 3: o cuidado de si. Todo o volume é dedicado a sondar as artes de si mesmo. Miranda e Cascais ( 2006MIRANDA, José A. Bragança de; CASCAIS, António Fernando. A lição de Foucault. In: O que é um autor? Tradução: António Fernando Cascais e Eduardo Cordeiro. 6. ed. Lisboa: Nova Vega, 2006. ), no prefácio ou introdução intitulado “A lição de Foucault” do livro O que é um autor? , coletânea de textos na qual está inserido o texto foucaultiano “A escrita de si”, publicado em 1983, pontuam que: “As teses de Foucault sobre a ‘estética da existência’ entroncarão neste novo espaço, que é um espaço onde a própria crítica do que somos e do que fizeram de nós emerge como um problema histórico” ( Miranda; Cascais, 2006, p. 11MIRANDA, José A. Bragança de; CASCAIS, António Fernando. A lição de Foucault. In: O que é um autor? Tradução: António Fernando Cascais e Eduardo Cordeiro. 6. ed. Lisboa: Nova Vega, 2006. ). No capítulo segundo do terceiro volume da História da Sexualidade, intitulado “A cultura de si”, Foucault ( 2014FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade 3: o cuidado de si. Tradução: Maria Thereza da Costa Albuquerque. São Paulo: Paz e Terra, 2014. ) descreve detalhadamente do que se trata a “arte da existência” e o que seria esta “cultura de si”.

Ora, é esse tema do cuidado de si, consagrado por Sócrates, que a filosofia ulterior retomou, e que ela acabou situando no cerne dessa “arte da existência” que ela pretende ser. É esse tema que, extravasando de seu quadro de origem e se desligando de suas significações filosóficas primeiras, adquiriu progressivamente as dimensões e as formas de uma verdadeira “cultura de si”. Por essa expressão é preciso entender que o princípio do cuidado de si adquiriu um alcance bastante geral: o preceito segundo o qual convém ocupar-se consigo mesmo é, em todo caso, um imperativo que circula entre numerosas doutrinas diferentes; ele também tomou a forma de uma atitude, de uma maneira de se comportar, impregnou formas de viver; desenvolveu-se em procedimentos, em práticas e em receitas que eram refletidas, desenvolvidas, aperfeiçoadas e ensinadas; ele constituiu, assim, uma prática social, dando lugar a relações interindividuais, a trocas e comunicações e até mesmo a instituições; ele proporcionou, enfim, um certo modo de conhecimento e a elaboração de um saber

( Foucault, 2014, p. 58FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade 3: o cuidado de si. Tradução: Maria Thereza da Costa Albuquerque. São Paulo: Paz e Terra, 2014. ).

A citação de Foucault corrobora a percepção de Miranda e Cascais ( 2006MIRANDA, José A. Bragança de; CASCAIS, António Fernando. A lição de Foucault. In: O que é um autor? Tradução: António Fernando Cascais e Eduardo Cordeiro. 6. ed. Lisboa: Nova Vega, 2006. ) uma vez que a cultura de si se dá no desenvolvimento da história e por meio de práticas diversas. Como o cuidado de si tem um alcance geral, podemos perceber nas práticas de mostrar as estantes todo um modo próprio de mostrar a si que arrola um processo de subjetivação, ou seja, de constituição dos sujeitos imbricados em diferentes práticas discursivas.

Em toda sua obra, Foucault procura debater sobre os diferentes modos de constituição do sujeito (seja quanto às formas de sujeição, seja quanto às aberturas e às possibilidades de recusa e de resistência, seja ainda quanto à constituição ética de si). É esta última - a constituição ética de si - que o filósofo escreve no capítulo “A cultura de si”, desde os gregos para depois chegar aos primeiros séculos da era cristã no restante do livro. Também não há como isolar, na sua concepção de discurso, aquilo que ele pensa sobre sujeito e o que afirma sobre relações de poder.

O sujeito na visão foucaultiana é tomado como posição. As posições ocupadas pelo sujeito advém da inscrição em determinadas formações discursivas. Portanto, a título de compreendermos o sujeito leitor na contemporaneidade e entender em quais formações discursivas seus discursos, ou seus dizeres, se inscrevem atentamos para a conceituação que Foucault ( 2009FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Tradução: Luiz Felipe Baeta Neves. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. ) já traz desde A arqueologia do saber . Este conceito está ligado com a função enunciativa, e para Foucault o enunciado não é a frase ou a proposição. Ele assim o define: “Descrever uma formulação enquanto enunciado não consiste em analisar as relações entre o autor e o que ele disse (ou quis dizer, ou disse sem querer), mas em determinar qual é a posição que pode e deve ocupar todo indivíduo para ser seu sujeito” ( Foucault, 2009, p. 108FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Tradução: Luiz Felipe Baeta Neves. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. ).

Qual posição o(s) sujeito(s) ocupa(m) diante das práticas de leitura? De qual sujeito leitor moderno podemos falar nos entremeios destes canais de booktubers no YouTube que analisamos? Neste texto, a maioria dos booktubers analisados são famosos e com grande visualização dentro desta famosa rede social audiovisual. Há também produtores de vídeos deste tipo do universo literário que não são famosos, mas também marcam as suas leituras de si na grande rede e com isso pode-se ter um movimento mais democrático da crítica literária e do incentivo à leitura. Ao mesmo tempo em que há esse movimento democrático, podemos perceber uma ordem da repetição e se há tantos canais no YouTube deste mesmo nicho e com as mesmas práticas que são as bookshelf tour tal acontecimento vão ao encontro daquilo que Chartier ( 2019CHARTIER, Roger. Ler sem livros. Linguasagem, São Carlos, v. 32, Número temático, p. 6–17, dez. 2019. ) pontua como “A ilusão biográfica”, que “conduz o indivíduo a pensar-se como irredutivelmente único e singular quando na verdade seu discurso ou sua memória se pautam em modelos amplamente compartilhados” ( Chartier, 2019, p. 8CHARTIER, Roger. Ler sem livros. Linguasagem, São Carlos, v. 32, Número temático, p. 6–17, dez. 2019. ). Essa ilusão é muito característica nas práticas que vamos analisar logo mais.

Enfatizando a revolução do texto eletrônico, ( ChartierCHARTIER, Roger. Ler sem livros. Linguasagem, São Carlos, v. 32, Número temático, p. 6–17, dez. 2019. ) no mesmo estudo chama a atenção para aspectos que vão estar presentes nesta construção de si que traz elementos não do universo dos livros, mas da afetividade que como estamos designando carrega sentidos de intimidade. O historiador destaca:

[...] ela [a revolução do texto eletrônico] redefine a materialidade das obras porque desata o laço visível que une o texto e o objeto que o materializa e a partir do qual chega ao leitor, não se limitando mais ao autor ou ao editor o domínio sobre a forma e o formato das unidades textuais que se quer ler. Assim, é todo o sistema de percepção e de uso dos textos que se encontra transformado

( Chartier, 2019, p. 13–14CHARTIER, Roger. Ler sem livros. Linguasagem, São Carlos, v. 32, Número temático, p. 6–17, dez. 2019. ).

É nesta transformação do sistema de percepção dos livros e da leitura que os booktubers se inscrevem. Não se pode pensar a percepção destes espaços apenas com um critério avaliativo se isso é bom ou ruim, mas é preciso observar a sua existência, as condições de possibilidade (cf. Foucault ( 2009FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Tradução: Luiz Felipe Baeta Neves. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. )) que pactuam para que a cultura de si aí se exerça como posicionamento de um sujeito que lê a si e ao mundo. Chartier resgata ainda Lajolo e Zilberman ( 2017LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN, Regina. Literatura infantil brasileira: uma nova outra história. Curitiba: PUCPR, 2017. ) oferecendo-nos suporte de análise desta transformação que são os booktubers que não mais mostram apenas livros ou resenhas clássicas, mas até a montagem de suas estantes ou de sua biblioteca. Vejamos:

Por outro lado, a inventividade dos criadores (particularmente no campo da literatura infantil e juvenil) aproveita as possibilidades digitais para propor gêneros, objetos, criações irredutíveis à forma impressa. As inovações não se limitam a introduzir no “livro” os gêneros da rede ( e-mails , blogs , links ). Elas também produzem criações, segundo as expressões de Lajolo e Zilberman ( 2017LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN, Regina. Literatura infantil brasileira: uma nova outra história. Curitiba: PUCPR, 2017. ), explorando o “hibridismo de linguagens” ou “amálgamas de linguagens”. O “site” substitui o livro, a liberdade do leitor, que pode escolher entre opções narrativas, substitui o absolutismo do texto, e, muitas vezes, a gratuidade do acesso substitui o comércio editorial. Essa aposta não é sem importância, pois pode nos levar tanto à introdução, na textualidade eletrônica, de alguns dispositivos capazes de perpetuar os critérios clássicos de identificação de obras tal como é no impresso, relativos a sua identidade e propriedade, quanto também ao abandono dessas categorias para inventar uma nova maneira de compor novas produções estéticas que explorem uma “plurimidialidade”, mais rica que a simples relação entre texto e imagens e que localizem o leitor numa posição que lhe permita fazer escolhas ou participar do processo criativo. Na primeira hipótese, o desaparecimento do livro como objeto material não significaria seu desaparecimento como modalidade de discurso que supõe a percepção e compreensão da coerência e totalidade da obra. Na segunda hipótese, ao contrário, se desenha uma nova ordem do discurso na qual o leitor produz, corta, desloca, associa ou reconstrói fragmentos móveis e maleáveis

( Chartier, 2019, p. 14–15CHARTIER, Roger. Ler sem livros. Linguasagem, São Carlos, v. 32, Número temático, p. 6–17, dez. 2019. ).

Para finalizar essa conceituação da leitura como prática de si numa nova espacialidade que é o YouTube encarnada em gestos e práticas que são talvez os mesmos de outros tempos, mas deslocados e ressignificados pelos mecanismos digitais, como Chartier ilustrou e demonstrou com Lajolo e Zilberman ( 2017LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN, Regina. Literatura infantil brasileira: uma nova outra história. Curitiba: PUCPR, 2017. ), os booktubers também fazem parte dessa perpetuação do discurso dos livros e da leitura e ajudam a reconstruir significados da leitura enquanto se marcam como sujeitos leitores e muitos deles já como sujeitos autores, escrevendo e publicando suas próprias narrativas, ou seja, livros. Em seu clássico A ordem dos livros Chartier ( 1999CHARTIER, Roger. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII. Tradução: Mary del Priore. Brasília: Ed. da UnB, 1999. ) escreve que: “A mais interessante pergunta formulada pela história da leitura hoje é, sem dúvida, aquela que diz respeito às relações entre esses três conjuntos de mutações: as tecnológicas, as formais e as culturais”. ( Chartier, 1999, p. 24CHARTIER, Roger. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII. Tradução: Mary del Priore. Brasília: Ed. da UnB, 1999. ). Percebemos que todos esses conjuntos das mutações estão também na perspectiva da leitura como prática desenvolvida pelos comentadores e resenhadores de obras literárias no YouTube e que num movimento ora intimista e ora de ostentação mostram suas estantes desde a sua montagem e que, de agora em diante, passaremos a analisar nas práticas discursivas destes sujeitos como se dá as emergências destes acontecimentos.

Da intimidade à ostentação: a leitura de si como exibição, o livro e a leitura como mercado e autopromoção nas teias capitalistas do YouTube

Para efetivar as análises que aqui apresentamos e constituir o corpus e os recortes que submeteremos à análise, fizemos uma busca na plataforma YouTube por meio dos termos “estantes de livros”, “ booktubers e estantes” e “ bookshelf tour ”. Encontramos um grande número de vídeos, cerca de 15 mil indicações que aparecem nas buscas, e optamos por aqueles que tinham mais visualizações. Depois disso, selecionamos os perfis e os vídeos que se aproximam da hipótese que aventamos, ou seja, que mostrar a estante é um movimento de intimidade e de ostentação e que repercute em sentidos outros para a constituição de si como sujeitos leitores. Feita essa seleção adotamos quatro recortes para analisarmos neste texto devido a sua brevidade.

O primeiro vídeo analisado intitula-se “Minha estante nova: montagem, projeto, como ficou (antes da organização)”, produzido pela booktuber Mell Ferraz cujo canal intitula-se “Literature-se” 2 2 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=NdVi4FZ05sc . Nele, Mell Ferraz apresenta sua nova estante de madeira, ampla, bonita e imponente, sem os livros. Na apresentação do vídeo a booktuber diz:

Recorte 1: Olá pessoal! Eu sou a Mell Ferraz e, sim, você está no canal Literature-se, apesar deste cenário super diferente . Eu estou na minha casa e esta é a minha estante , que estou há muito tempo falando para vocês que um dia ela chegaria, apesar de todos os percalços , que eu vou contar neste vídeo para vocês e explicar melhor de onde surgiu a ideia , como foi o desenvolvimento dessa ideia e também como colocar ela (sic) em prática e chegarmos até hoje que é a finalização da montagem desta minha estante nova aqui em casa.

Logo após esta apresentação é veiculada a vinheta de abertura do canal e em seguida um clipe de 4 minutos mostrando a montagem da estante pelos marceneiros, com furadeiras e todo material de marcenaria. Nomear a minha estante é algo comum nos diversos vídeos encontrados, não só dos recortes aqui apresentados, mas de todo o corpus . O lugar da estante parece simbolizar um sentido não para todo e qualquer espectador do vídeo, mas para aqueles que também são adeptos desta prática, outros booktubers . As regularidades enunciativas mostram que os dizeres são direcionados a um público específico formado pelo que Foucault denominou em A ordem do discurso de sociedades do discurso “cuja função é conservar ou produzir discursos, mas para fazê-los circular em um espaço fechado, distribuí-los somente segundo regras estritas, sem que seus detentores sejam despossuídos por essa distribuição” ( Foucault, 2010, p. 39FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso: aula inagural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. Tradução: Laura Fraga de Almeida Sampaio. 20. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2010. ). Apesar de os vídeos serem abertos para o grande público, percebe-se a formação de grupos ou nichos que se organizam a partir de estruturas prévias, visto o número enorme de vídeos de estantes que mostram uma forma de ostentar para o seu semelhante e compartilharem entre si suas “leituras de si”.

O grau da novidade - super diferente - é um modo próprio de dizer, pois, grosso modo, não há nada de diferente numa estante, ainda mais vazia, mas o enunciado faz o seu percurso de sentido, uma vez que não cumpre uma comunicação para qualquer um, mas para aqueles que esperam e aguardam ansiosamente por vídeos como este.

Ainda nesse recorte, podemos verificar que a sequência - percalços, a ideia, o desenvolvimento - remetem a um sentido de projeto. A estante de Mell Ferraz foi projetada e ao marcar a sua leitura de si, a alma que entrega a si por meios dos livros precisa definir que passou por todos os passos de um projeto e que a leitura que desenvolve em seu canal é uma leitura projetada, não é qualquer leitura. Assim, planejar a estante e mostrar o resultado final deste planejamento gera uma ligação fortuita com os espectadores do vídeo que acompanham não só os vídeos mas todo o desenrolar, como se fosse uma websérie, dos projetos da booktuber .

No segundo recorte, assim como a nomeação “minha estante” do vídeo anterior, a apresentação do booktuber Christian Assunção no vídeo “Nova estante: como fazer” 3 3 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=0O1tq_CCr1g&list=WL&index=177 traz uma nomeação interessante como a “A saga da estante”. Vejamos

Recorte 2: Oi gente! A saga da estante tá acabando, né? Primeiro, eu vou contar o que aconteceu, de ontem pra hoje... Quem me segue lá no Instagram já sabe o que tá acontecendo, viu? Eu tava procurando uma estante e aí as estantes tudo cara, muito cara e as que eu tava encontrando eram frágeis pra livros...

Em todos os vídeos sobre estantes, o que mais importa não é falar de leituras, mas falar do material, da compra, da forma espacial como se vai organizar os livros na estante fazendo uma junção de discursos que vêm de outros campos como a economia, o comércio, a arquitetura. Neste recorte, ao intitular como “a saga da estante” também vemos a mesma regularidade do sentido de projeto do recorte anterior. Há aqui ainda o trocadilho com o mundo dos livros, uma vez que sagas são narrativas e desloca-se o sentido da narrativa dos livros com trama e enredo, para uma narrativa própria que são os projetos de estante. O autor se marca e se subjetiva, singularizando dizeres que estão nas regularidades dos discursos que todos os vídeos de bookshelf tour , mais precisamente de montagem de estantes guardam.

No decorrer do vídeo, Christian Assunção detalha como foi produzindo sua estante de forma artesanal, como foi à loja da Leroy Merlin e comprou tábuas avulsas, depois envernizou, afixou as mãos francesas na parede, todo um percurso que não condiz com um percurso de leitura, mas que gera interesse, uma vez que o vídeo tem quase 12 mil visualizações. Depois de apresentar a montagem da estante, o material feito, as medidas de cada repartição, Christian Assunção enuncia que vai organizar os livros.

Recorte 3: Vou organizar depois mostro pra vocês, aqui mesmo nesse Vlog...

É preciso destacar que a nova estante de Christian é colocada ao lado de uma outra estante abarrotada de livros e que não é qualquer estante (assim como todas que são mostradas nos vídeos deste tipo). É uma estante bonita, na cor branca, de material de boa qualidade. Ninguém mostra uma estante de ferro, mal organizada, cheia de poeira ou estantes simples. O verbo mostrar foi destacado na enunciação da organização da estante com os livros para inferenciar que os sentidos caminham para a exibição, a ostentação, a necessidade da estante estar organizada para que possa ser mostrada. O sujeito mostra-se a si, mas não se mostra de qualquer jeito. Há toda uma encenação, uma cenografia, que precisa ser performizada para alcançar a circulação do discurso que se quer fazer veicular e dos sentidos produzidos na referida ação. Logo após, aparecer com a estante organizada, já com alguns livros, Christian faz outra enunciação.

Recorte 4: Eu acho que é só isso que eu tenho de Cosac... Enfim, esses são os Cosac, eu deixei todos aqui nesse lugar. Que lindo, gente! Era o meu desejo deixá-los sempre assim expostos .

Temos neste enunciado uma construção metonímica, ao se tomar a editora como um todo no lugar dos seus livros publicados. Destacar a marca que faz referência à editora Cosac Naify de um modo íntimo chamando apenas pela primeira parte do nome, demonstra intimidade e ao mesmo tempo uma ordem consumista que coloca o capital sobreposto ao interesse leitor. O deslumbramento do sujeito - “Que lindo, gente!” - que revela os seus desejos, as suas aspirações - “Era meu desejo…” coloca um sentido de sacralização da estante, tomada como algo com um sentimento superior a apenas um suporte de livro. A estante é algo para ser cultuado, admirado, reverenciado, desde que tudo seja “exposto”.

Interessante pensarmos nessas novas, não tão novas assim, formas de se mostrar que se é um leitor entrecruzadas com aquilo que Galinari ( 2005GALINARI, Melliandro Mendes. A autorialidade do discurso literário. In: MELLO, Renato de (ed.). Análise do discurso & Literatura. Belo Horizonte: Núcleo de Análise do Discurso, Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos, Faculdade de Letras da UFMG, 2005. ) chama de “filosofia espetacular da autorialidade”. O autor parte das concepções de Debord ( 1997DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. e Subirats 1989SUBIRATS, Eduardo. A cultura como espetáculo. São Paulo: Nobel, 1989. ) acerca da “sociedade do espetáculo”. Segundo esta filosofia, proposta por Galinari ( 2005GALINARI, Melliandro Mendes. A autorialidade do discurso literário. In: MELLO, Renato de (ed.). Análise do discurso & Literatura. Belo Horizonte: Núcleo de Análise do Discurso, Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos, Faculdade de Letras da UFMG, 2005. ):

[…] o livro tende a ser apenas o suporte legitimante de um autor que se quer arte, que deseja trocar de lugar com a obra para, finalmente, ser lido e assimilado. Talvez seja justamente aí que se encontra pressuposto um novo arquétipo de leitor-modelo – o leitor-espectador – , o qual acaba fazendo do livro um duplo fetiche: (i) de decoração, ou seja, como um enfeite doméstico da sala de estar e (ii) de autopromoção, isto é, como uma forma cômoda de comunicar inteligência , mediante a exibição de uma vitrine

( Galinari, 2005, p. 52–53GALINARI, Melliandro Mendes. A autorialidade do discurso literário. In: MELLO, Renato de (ed.). Análise do discurso & Literatura. Belo Horizonte: Núcleo de Análise do Discurso, Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos, Faculdade de Letras da UFMG, 2005. ).

O autor está tratando da questão da autoria, mas aqui pode ser transposta para a questão da leitura e da formação do leitor na contemporaneidade, uma vez que os destaques em itálico na citação mostram essa prática que aqui apresentamos nos dizeres/enunciados materializados linguisticamente em vídeos que se discursivizam. Galinari ( 2005GALINARI, Melliandro Mendes. A autorialidade do discurso literário. In: MELLO, Renato de (ed.). Análise do discurso & Literatura. Belo Horizonte: Núcleo de Análise do Discurso, Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos, Faculdade de Letras da UFMG, 2005. ) continua:

A produção de toda essa “cultura”, provavelmente, efetivaria o autor como uma boa estratégia de marketing . Seria, por exemplo, o caso de autores-celebridades como Jô Soares ou Chico Buarque: o Xangô de Baker Street e o Budapeste não venderiam antes pela paternidade do que por qualquer outra coisa? A autoria não seria o principal fator responsável pelo sucesso das vendas, ao invés dos sentidos imanentes à obra?

( Galinari, 2005, p. 53GALINARI, Melliandro Mendes. A autorialidade do discurso literário. In: MELLO, Renato de (ed.). Análise do discurso & Literatura. Belo Horizonte: Núcleo de Análise do Discurso, Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos, Faculdade de Letras da UFMG, 2005. )

Mais uma vez o excerto de Galinari ( 2005GALINARI, Melliandro Mendes. A autorialidade do discurso literário. In: MELLO, Renato de (ed.). Análise do discurso & Literatura. Belo Horizonte: Núcleo de Análise do Discurso, Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos, Faculdade de Letras da UFMG, 2005. ) contempla aqui a estratégia de marketing da qual lançam mão os booktubers , pois muitas vezes, ao citar Cosac Naify, por exemplo, o booktuber está ganhando um patrocínio da editora, nem que seja um livro novo na sua caixa de correio. Em um outro vídeo que compõe o corpus da pesquisa, não aqui analisado em detalhes, a bookotuber Isabella Lubrano inicia seu bookshelf tour 4 4 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=abKuqpybE_0&t=517s com o pedido para as pessoas curtirem determinada página na internet ou rede social para que ela possa ser contemplada com uma viagem para a Alemanha, promoção de um instituto citado pela influencer literária.

Neste sentido, respaldados pelas análises já feitas por outros estudiosos, nossas análises discursivas permitem-nos chegar ao movimento da “intimidade” para a “ostentação”. Uma prática simples e que se marca com um gesto de intimidade, de proximidade com o público leitor, se desmascara em uma prática de ostentação, de mostrar quem pode mais, quem tem mais livros, qual estante é mais bonita e mais equipada, numa competição indireta entre os booktubers . Esses apontamentos conclusivos são possíveis de serem elaborados, uma vez que a gigantesca quantidade de vídeos desse formato - mostrando a montagem de uma estante, compra de materiais, desenvolvimento, organização - é muito frequente no YouTube. Esses vídeos não estão ali por um simples acaso, ou por uma prática despretensiosa por parte dos seus executores, mas representam uma prática mercadológica que gera não só capital social para os seus autores, mas capital material mesmo, movimentam e fazem aquecer o mercado literário das editoras e autores.

Tentando fechar ideias: uma conclusão inacabada

Exibir as estantes é uma forma de marcar-se como leitor, algo que, para o espectador que assiste a esses vídeos, constitui um sentido escasso, que foge, escapa, pois o que ele muitas vezes busca são indicações de leitura. Alguns vídeos atentam para isso: destacar livros, comentar que eles estão na estante e que podem ser uma leitura interessante para aquele que assiste. Outros vídeos, porém, mostram o material de que é feita a estante, a montagem, práticas que não interferem de forma alguma na aprendizagem da leitura e no desenvolvimento das habilidades leitoras. Se antes os professores de ensino de leitura e escrita sofriam quando o aluno optava por ler o resumo do livro em vez da obra em si, hoje muitos jovens preferem “assistir” aos (comentários dos) livros a lê-los.

Os discursos analisados mostram a regularidade de uma prática que intercala enunciados interdiscursivos, ou seja, enunciados que se relacionam entre si discursivamente, retomando discursos que se entrelaçam na formação da intimidade e da ostentação como subjetividades enunciativas das leituras do eu. Dessa forma, apresenta-se um sujeito marcando-se a si no discurso, pela circulação e veiculação, numa prática do mostrar-se que é um leitor, muitos mais do que se é. O fato de ser realmente ou não um leitor se perde no espaço e no tempo. Não há como comprovar. O que se indicia, todavia, é que o mostrar antecede o ler e que os formatos audiovisuais, outras formatações de obras em vídeos, em cores, imagens, sons repercutem como sentidos estabilizados, congelados de que o leitor só assim o será se mostrar a si como leitor na grande rede.

A leitura está em todos os lugares, mesmo naqueles lugares colocados à margem. Alguns lugares ora tidos como leituras à margem como é o caso dos canais literários no YouTube, outras vezes se organizam entre si e formam sociedades fechadas de leitura que não promovem, nem estimulam a leitura, apenas mantêm a ordem e os sentidos dessa prática. Toda e qualquer leitura, contudo, produz sentido e deve ser analisada dentro de uma história discursiva da leitura, porque a mídia e a grande massa muitas vezes censuram e negam essas leituras. Verificar, não se isso é bom ou ruim, mas traduzir interpretações em condições próprias de enunciados de sujeitos imbricados na cultura de si, aproxima-nos dos mecanismos do saber, do poder e das tecnologias de si, pensando numa sociedade da resistência, como enfatizava Foucault.

Referências

  • AGUIAR, Christiano. A crítica literária na internet: literatura contemporânea brasileira e valores literários nas críticas de booktubers. In: ANAIS do XV Congresso Internacional da ABRALIC – Associação Brasileira de Literatura Comparada. Rio de Janeiro: [s. n.], 2017.
  • CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador: conversações com Jean Lebrun. Tradução: Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, Editora da UNESP, 1998.
  • CHARTIER, Roger. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII. Tradução: Mary del Priore. Brasília: Ed. da UnB, 1999.
  • CHARTIER, Roger. Ler sem livros. Linguasagem, São Carlos, v. 32, Número temático, p. 6–17, dez. 2019.
  • COSTA, Andressa Souza; SAMPAIO, Inês Silvia Vitorino. Booktubers e construções narrativas no YouTube. In: XI Simpósio Nacional da ABCiber– Associação Brasileira de Pesquisadores em Cibercultura. Juiz de Fora: Universidade Federal de Juiz de Fora, 2018.
  • DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
  • FIALHO, Lia Machado Fiuza; NEVES, Vanusa Nascimento Sabino. Booktubers brasileiros: canais literários de incentivo à leitura. Texto Livre, Belo Horizonte, v. 16, e.39079, 2023. Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/textolivre/article/view/39079/31759 . Acesso em: 5 out. 2023.
    » https://periodicos.ufmg.br/index.php/textolivre/article/view/39079/31759
  • FOUCAULT, Michel. A escrita de si. In: FOUCAULT, Michel (ed.). O que é um autor? Tradução: António Fernando Cascais e Eduardo Cordeiro. 6. ed. Lisboa: Nova Vega, 2006.
  • FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Tradução: Luiz Felipe Baeta Neves. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009.
  • FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso: aula inagural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. Tradução: Laura Fraga de Almeida Sampaio. 20. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2010.
  • FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade 3: o cuidado de si. Tradução: Maria Thereza da Costa Albuquerque. São Paulo: Paz e Terra, 2014.
  • GALINARI, Melliandro Mendes. A autorialidade do discurso literário. In: MELLO, Renato de (ed.). Análise do discurso & Literatura. Belo Horizonte: Núcleo de Análise do Discurso, Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos, Faculdade de Letras da UFMG, 2005.
  • LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN, Regina. Literatura infantil brasileira: uma nova outra história. Curitiba: PUCPR, 2017.
  • MIRANDA, José A. Bragança de; CASCAIS, António Fernando. A lição de Foucault. In: O que é um autor? Tradução: António Fernando Cascais e Eduardo Cordeiro. 6. ed. Lisboa: Nova Vega, 2006.
  • REVEL, Judith. Foucault: conceitos essenciais. Tradução: Maria do Rosário Gregolin, Nilton Milanez e Carlos Piovezani. São Carlos: Claraluz, 2005.
  • SUBIRATS, Eduardo. A cultura como espetáculo. São Paulo: Nobel, 1989.
  • VIZIBELI, Danilo. Contrastes entre a crítica literária especializada e amadora: os booktubers e os discursos sobre o livro e a leitura. Texto Livre, v. 9, n. 2, p. 1–12, dez. 2016. ISSN 1983-3652. DOI: 10.17851/1983-3652.9.2.1-12. Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/textolivre/article/view/16723 . Acesso em: 19 mar. 2024.
    » https://doi.org/10.17851/1983-3652.9.2.1-12» https://periodicos.ufmg.br/index.php/textolivre/article/view/16723
  • 1
    Tomamos como “leitura de si”, o fato de sujeitos leitores desenvolverem técnicas para falarem e problematizarem suas práticas de leitura, os livros que leem, o que fazem com suas leituras como as práticas que são realizadas no espaço virtual denominado YouTube e que ficaram conhecidas como booktubers . Dessa forma, o que chamamos “leitura de si” não difere muito do conceito foucaultiano de “escrita de si”, pois pode-se dizer que o ato de produzir vídeos sobre suas leituras é também uma escrita de si, apesar de que essa concepção foucaultiana se ligava mais à escrita de diários como os hyponemmata , por exemplo, quando a partir da escrita o sujeito se subjetivava. Outro ponto a destacar é que não se pode tomar as técnicas de si apenas como um mostrar e que elas seriam conscientes do sujeito. Enfatizamos, com isso que o trabalho de exibição dos booktubers com suas estantes é sim um trabalho de amostragem, mas não só por isso se constituem uma prática de si. Tal prática é inconsciente a eles e se faz em diversos imbricamentos de seus posicionamentos enquanto sujeitos da leitura.
  • 2
  • 3
  • 4

Editado por

Editor de seção:
Daniervelin Pereira
Editor de layout:
João Mesquita

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    18 Dez 2023
  • Aceito
    23 Fev 2024
  • Publicado
    04 Mar 2024
Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG Av. Antônio Carlos, 6627 - Pampulha, Cep: 31270-901, Belo Horizonte - Minas Gerais / Brasil, Tel: +55 (31) 3409-6009 - Belo Horizonte - MG - Brazil
E-mail: revistatextolivre@letras.ufmg.br