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EDITORIAL

Há 10 anos, a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio lançou o primeiro número da revista Trabalho, Educação e Saúde. Em uma instituição que ainda não tinha pósgraduação, a publicação nascia ousada, com a proposta de ser um periódico científico que mobilizasse a discussão e a produção de conhecimento na interface dos campos que conformam o seu título.

Hoje, após a publicação de 10 volumes com 28 fascículos, a revista já é reconhecida no cenário da produção científica como um importante veículo interdisciplinar, capaz de publicar estudos que contribuam para a formação e o trabalho em saúde. Para os próximos anos, a Trabalho, Educação e Saúde mantém seu compromisso de apoiar o campo da Educação Profissional em Saúde, alinhado a princípios éticos da publicação científica e políticas de acesso aberto à informação.

Neste número, o ensaio e um artigo desvelam características dos processos históricos que constituem construções sociais naturalizadas no discurso hegemônico, como forma de refletir sobre os desdobramentos atuais e potenciais dessas construções. O ensaio de Ana Elizabeth Alves, Divisão sexual do trabalho: a separação da produção do espaço reprodutivo da família, trata da divisão do trabalho entre homens e mulheres no capitalismo, focalizando o final do século XIX e meados do século XX. A autora reflete sobre as práticas e estratégias que, por exemplo, definiram para as mulheres a ocupação de lugares desvalorizados na hierarquia profissional, criando desigualdades na remuneração, bem como nos processos que atribuem ao trabalho fora de casa o significado de extensão do trabalho doméstico. No artigo de Gabriel Gimenes, Usos e significados da qualidade de vida nos discursos contemporâneos de saúde, o autor discute os deslocamentos e significados difusos que a expressão 'qualidade de vida' vem assumindo nos campos de saber/poder epistemológico, cultural, político, econômico. E sinaliza que esta noção se apoia em uma concepção de indivíduo autônomo, na qual se sustenta um conjunto de conceitos que orientam políticas e práticas da saúde.

O tema diretrizes curriculares na saúde é discutido em dois artigos. No primeiro, de autoria de Ingrid D'avila Pereira e Itamar Lages, Diretrizes curriculares para a formação de profissionais de saúde: competências ou práxis?, encontramos uma pesquisa que articula os referenciais da saúde e da educação, produz um resgate histórico de elementos que interagem com as políticas de educação profissional e se volta para a análise da consistência entre os pressupostos que balizam a formação por competências e o princípio que situa a saúde como direito. Os autores alertam para possíveis efeitos da perspectiva individualista e competitiva que permeia a pedagogia das competências e questionam sobre as possibilidades dadas no plano da definição curricular de tensionar a formação em saúde no sentido da transformação da realidade.

O segundo artigo parte das diretrizes curriculares estabelecidas em face da formação em Odontologia para indagar aos formandos a compatibilidade alcançada entre a formação proporcionada pelo curso da Universidade Estadual de Ponta Grossa e as diretrizes selecionadas. Assim, o estudo conduzido por Cristina Fadel e Márcia Helena Baldani, Percepções de formandos do curso de odontologia sobre as diretrizes curriculares nacionais, propõe colocar sob exame o projeto pedagógico do curso, dialogando tanto sobre orientações mais gerais do currículo, como a dimensão clínica da formação, quanto sobre as práticas docentes. Os autores indicam a necessidade de dirigir esforços para efetivar um currículo que integre teoria e prática no Sistema Único de Saúde (SUS).

A interação entre as diretrizes curriculares e o projeto político pedagógico do curso de enfermagem também subsidiam as reflexões sobre metodologias de ensino, presentes no relato de Miriam Buogo e Gardenia de Castro, Memorial de formação: um dispositivo de aprendizagem reflexiva para o cuidado em saúde, no contexto do curso de enfermagem da faculdade Metodista IPA. No artigo O arco ocupacional saúde nas políticas de educação profissional, as autoras Neise Deluiz e Bianca Veloso constroem uma análise do programa, por meio de uma pesquisa qualitativa, na qual abordam as concepções e estratégias pedagógicas utilizadas nos cursos, as mudanças ocorridas na situação social dos jovens nas dimensões educacional, econômica, psicossocial e político-social e as expectativas projetadas pelos jovens em torno do programa. Precede a análise dos resultados uma revisão sobre políticas sociais situadas na interface entre trabalho, educação e dirigidas aos jovens. Deluiz e Veloso sinalizam tendências à redução dessas políticas ao plano das ações compensatórias e emergenciais, com reduzido potencial de produzir a superação do ciclo da desigualdade.

O envelhecimento da população é um tema que tem dado origem a diversos tipos de estudo, mas, a despeito do espaço que as atividades educativas voltadas para os idosos tem ocupado, o debate sobre a especificidade dessas iniciativas merece ser ampliado. É nesse cenário que se inclui o estudo de Wanda Patrocínio e Beltrina Pereira, intitulado Efeitos da educação em saúde sobre atitudes de idosos e sua contribuição para a educação gerontológica. As autoras avaliaram um programa de educação popular em saúde, que ocorreu em uma localidade de Campinas, e concluíram que esse tipo de intervenção alcança resultados positivos no sentido de reverter a visão negativa do envelhecimento. Reiteram ainda a necessidade de valorizar a formação profissional daqueles que se dedicam à educação em saúde de idosos.

A produção de linhas de cuidado e o apoio matricial são dois elementos fundamentais em torno dos quais se desenvolve e operacionaliza a política de desinstitucionalização em saúde mental. São igualmente pontos críticos para o funcionamento integral da rede de cuidado. Assim, pesquisar os modos como os profissionais que coordenam os serviços de saúde compreendem avanços e desafios presentes na gestão dessa rede, objeto de investigação no artigo de Luciene Gama Paes et al., Rede de atenção em Saúde Mental na perspectiva dos coordenadores dos serviços de saúde, contribui para mapear questões que permanecem como obstáculos importantes na qualidade da atenção em saúde mental, tais como a desarticulação entre a atenção primária, atenção hospitalar e os serviços substitutivos.

De que modo as políticas púbicas de formação em saúde, consubstanciadas em programas como o PET-Saúde, produzem efeitos capazes de atualizar a formação médica, distanciando-a do ideário neoliberal e tornando-a mais coerente com o projeto do SUS? O artigo de Guilherme Souza Cavalcanti, Educação pelo trabalho para a formação do médico, traz o resultado de uma pesquisa que investiga diferentes programas e conclui que, a partir de uma filiação político-pedagógica, é possível o desenvolvimento de programas de formação que acentuem características adaptativas dos sujeitos, baseadas na aplicação de tecnologias para a solução de problemas. Ou, por outro lado, que aprofundem o investimento no conhecimento científico, contribuindo para a formação de uma consciência crítica que vise à apresentação de alternativas de intervenção nos gargalos da área da saúde.

A primeira resenha deste número é de autoria de Marcia de Oliveira Teixeira, sobre a obra de Jessé de Souza, Os batalhadores brasileiros: nova classe média ou nova classe trabalhadora?, e a segunda, de Mauricio Vieira Martins, sobre o livro Trabalho e dialética: Hegel, Marx e a teoria social do devir.

Angélica Ferreira Fonseca

Carla Macedo Martins

Marcela Alejandra Pronko

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Maio 2013
  • Data do Fascículo
    Ago 2013
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