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Imagens afro-atlânticas: usos e circuitos transnacionais da fotografia de populações negras nos tempos do colonialismo

Afro-Atlantic images: transnational uses and circuits of photographs of Black people in colonialist times

Resumo:

O presente artigo aborda os modos de representação e circulação de fotografias de populações negras nos anos iniciais da expansão colonialista europeia, entre o final do século XIX e início do século XX. Com base em cartes de visite e especialmente cartões-postais com imagens de africanos, afro-caribenhos e afro-brasileiros, o texto propõe uma abordagem transnacional acerca dos modos como os cânones visuais e produções de sentido oriundos da cultura visual/racial do colonialismo europeu foram reproduzidos nas fotografias comerciais do período.

Palavras-chave:
Atlântico Negro; Fotografia; Colonialismo

Abstract:

This article addresses the modes of representation and circulation of photographs of Black people in the early years of European colonialist expansion, between the late nineteenth and the early twentieth centuries. Drawing oncartes de visiteand especially on postcards with images of Africans, Afro-Caribbeans and Afro-Brazilians, the text proposes a transnational approach to the ways in which the visual canons and the productions of meaning stemming from the visual/racial culture of European colonialism have been reproduced in commercial photographs of the period.

Keywords:
Black Atlantic; Photography; Colonialism

E era da expansão industrial europeia e a ofensiva sobre os continentes africano e asiático, entre as últimas décadas do século XIX e início do XX, foram acompanhadas pelo desenvolvimento e propagação da fotografia. O império das imagens tecnicamente reproduzidas atingiu escalas milionárias nos primeiros anos de um século que elegeu a máquina e a velocidade como seus ícones. A imagem, outrora fadada à apreciação de poucos, inseriu-se em uma rede de circulação transnacional que conduziu novos padrões, regras e apreciações do olhar.

Sob esse cenário, fotografias de populações negras africanas e afrodiaspóricas, produzidas na segunda metade do século XIX e comercializadas em cartões-postais do início do século XX, inscreveram-se em um regime de visualidade marcado por uma sintonia estreita entre produção imagética e ideário racial/civilizacional do colonialismo.

A noção de regime de visualidade, incorporada dos estudos da cultura visual (Foster, 1988FOSTER, Hal(org.). Vision and visuality. Seattle: Bay Press, 1988.; Evans e Hall, 1999EVANS, Jessica; HALL, Stuart(orgs.). Visual culture: the reader. London: Sage, 1999.; Elkins, 2003; Dikovitskaya, 2005DIKOVITSKAYA, Margaret. Visual culture: the study of the visual after the cultural turn. Cambridge, MA: The MIT Press, 2005.; Schiavinato e Costa, 2016), define-se, de modo geral, como um conjunto de práticas discursivas e técnicas historicamente construídas que organizam, homogeneízam e estabelecem a partilha do visível. Nesse sentido, visualidade, como bem define Hal Foster (1988), é mais do que a visão (aspecto físico): trata-se de uma construção social que influencia, molda, direciona e até mesmo determina o “modo como vemos, como somos capazes, autorizados ou levados a ver, como vemos esse ver ou o não-visto dentro dele” (p. IX).

Esse é um dos pontos-chave que pretendo assinalar neste artigo: a dimensão atlântica, transnacional do circuito das imagens de populações negras estampadas nas fotografias comerciais, mais precisamente nas reproduzidas em cartão-postal, sob um regime de visualidade colonialista que estabeleceu convenções de apreensão do olhar e condicionou hábitos visuais, interferindo direta ou indiretamente na construção de alteridades e discursos de subalternidades, principalmente no tocante a questões de cunho racial e de gênero.

A adoção de uma abordagem de viés transnacional como opção analítica permite evidenciar, de modo empírico, como padrões e convenções visuais operadas no âmbito tanto tecnológico quanto ideológico, assentados em uma “cultura colonialista” (Thomas, 1994THOMAS, Nicholas. Colonialism’s culture: anthropology, travel and governement. Cambridge: Princeton University Press, 1994.), desdobraram-se em diferentes espaços atlânticos por meio da circulação de imagens de homens e, principalmente, mulheres negras reproduzidas em cartões-postais do Brasil, do continente africano, em especial os da África Ocidental, e das Antilhas, especificamente da Martinica e Guadalupe, estas últimas, partes do chamado Caribe francês.

O corpus de fontes da pesquisa foi constituído por cartões-postais da América caribenha, pertencentes à Biblioteca Schoelcher, na Martinica. O acervo, formado por mais de mil cartões, reúne registros de imagens de “tipos” e paisagens de Fort-de-France, na Martinica, e outros de Guadalupe, de Cuba e da Guiana francesa. Em meio a essa documentação, também foi possível consultar postais com imagens do continente africano, já que a Martinica, atualmente, departamento do ultramar francês, foi colônia da França, assim como grande parte da África Ocidental, até meados do século XX.

Cartões-postais de africanos e brasileiros também foram consultados nos acervos do Centro de Documentação e de Estudos da História Brasileira da Fundação Joaquim Nabuco (Cehibra), além de acervos pessoais da autora. Fotografias em outros suportes como carte de visite e carte cabinet foram consultadas predominantemente em coleções da Fundação Joaquim Nabuco, Instituto Moreira Salles e Museu Histórico Nacional/ Brasiliana Fotográfica.

As imagens analisadas, embora produzidas em localidades e situações políticas distintas, foram atravessadas por matrizes discursivas racializadas que estruturaram a visualidade de corpos negros no período. Uma abordagem transnacional dessas fontes permite identificar padrões e enunciados impressos nessas imagens que nos remetem a pensá-las como com­modities produzidas por uma rede formada por estúdios fotográficos, empresas tipográficas, empresas de edição, distribuidores e locais de venda, cuja divisão de trabalho e funcionamento ultrapassaram as barreiras nacionais.

O estudo da história transnacional se popularizou nos últimos anos como uma janela historiográfica situada para além da história comparada (Seigel, 2005SEIGEL, Micol. Beyond compare: historical method after the transnational turn. Radical History Review. v. 91, p. 62-90, 2005.). Alguns dos historiadores que acolheram com entusiasmo a “virada transnacional” buscaram definir uma abordagem pautada no estabelecimento de conexões e interações, não simplesmente comparações (Purdy, 2012PURDY, Sean. A história comparada e o desafio da transnacionalidade. Revista de História Comparada(Rio de Janeiro). v. 6, n. 1, p. 64-84, 2012., p. 67). Sob esse viés, longe de se conformar com estudos comparativos de recortes nacionais, os estudos transnacionais buscaram observar as circularidades de “corpos, ideias e objetos de consumo” (Weinstein, 2013WEINSTEIN, Barbara. Pensando a história fora da nação: a historiografia da América Latina e o viés transnacional. Revista Eletrônica da ANPHLAC. n. 14, p. 13-29, jan.-jun. 2013., p. 19) em suas múltiplas interações, sobreposições e agenciamentos.

A noção de regime de visualidade considera o estudo do visual a partir de arranjos gerados pela interdependência entre aspectos materiais das imagens (produção, consumo), modelos epistêmicos e relações de poder que atuam na organização e no ordenamento da experiência visível. Faço uso da definição de visualidade como “um conjunto de discursos e práticas que constituem formas distintas de experiência visual em circunstâncias historicamente específicas” (Chaney, 2000CHANEY, David C. Contemporary socioscapes: books on visual culture. Theory, Culture & Society (London). v. 17, n. 6, p. 111-24, 2000., p. 118 apud Meneses, 2003MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. Fontes visuais, cultura visual, história visual: balanço provisório, propostas cautelares. Revista Brasileira de História (São Paulo). v. 23, n. 45, p. 11-36, 2003., p. 31). Da mesma forma, tomo de empréstimo as reflexões de Nicholas Mirzoeff (1999MIRZOEFF, Nicholas. The right to look: a counterhistory of visuality. London: Routledge , 1999. E-book.), para quem visualidade é “ao mesmo tempo, um meio de transmissão e disseminação de autoridade”, sintetizado em um conjunto de operações que “classifica, separa e estetiza grupos” (idem, n.p), para pensar a relação entre imagens fotográficas de populações negras e a cultura imperialista de fins do Oitocentos e início do Novecentos.

Diante do mercado internacional de imagens do período em tela, é possível identificar as recorrências nos modos como populações negras foram retratadas em diferentes espaços atlânticos e como suas imagens foram transformadas em artefato colecionável e cambiável dentro de uma lógica de consumo do início do século XX. O estudo desses produtos visuais ganha sentido mais amplo na medida em que interrogamos o regime, ou como nomeia Mirzoeff (1999MIRZOEFF, Nicholas. The right to look: a counterhistory of visuality. London: Routledge , 1999. E-book.), o complexo de visualidade que estruturou as condições de possibilidade - sociais e subjetivas - desse tipo de produção iconográfica.

Assim, ao identificar estereótipos e convenções visuais acionados na elaboração dessas fotografias e em suas respectivas reproduções postais, não se pretende considerá-los como mera adoção ou importação, no Brasil, dos modelos culturais europeus, mas de percebê-los como parte de uma vasta e complexa engrenagem que ultrapassa as contingências das histórias local e nacional.

A virada do século XIX para o XX representa uma nova etapa nos usos de representações visuais de populações negras africanas e afrodiaspóricas: o que McClintock (2010)MACCLINTOCK, Anne. Couro imperial: raça, gênero e sexualidade no embate colonial. Campinas: Editora da Unicamp , 2010. define como a passagem do racismo científico - materializado nos escritos de viajantes e etnólogos e nos periódicos científicos - para o racismo mercantil, que converteu essas teorias raciais e narrativas do progresso em espetáculos de consumo produzidos em massa (p. 62).

Sob esse contexto, a comoditização do “espetáculo do consumo” (McClintock, 2010MACCLINTOCK, Anne. Couro imperial: raça, gênero e sexualidade no embate colonial. Campinas: Editora da Unicamp , 2010.) solapou as distinções entre privado e público, levando para o espaço doméstico burguês, por meio de cartões-postais e selos armazenados em álbuns de colecionadores, revistas ou propagandas estampadas em rótulos (de sabonete, de perfumes e de outros produtos industrializados), uma “iconografia das raças” alinhada com o projeto imperial/colonial. A popularização e a domesticidade desses dispositivos visuais panópticos forneceram condições para pensar os atravessamentos transnacionais dessas imagens padronizadas de corpos negros modeladas a partir de epistemes e ideologias de cunho racial.

Por que o cartão-postal?

Objeto de coleção, de souvenir e de comunicação, o cartão-postal ou o bilhete postal, como era nomeado no Brasil durante as primeiras décadas do século XX, trata-se de um objeto transnacional por excelência: criado no âmbito das comunicações oceânicas e como propaganda imagética impulsionada pelas exposições universais - um dos primeiros bilhetes postais ilustrados foi lançado na exposição de 1889, em Paris, com uma gravura da Torre Eiffel - foi concebido como vitrine para o olhar “externo”. Principalmente a partir da fototipia, no caso, das reproduções fotográficas impressas em processo litográfico (1891), além de impressão direta em papel fotográfico (nos primeiros anos do século XX), os cartões-postais se transformaram em um material sobre o qual foram projetadas geografias e comunidades imaginadas, onde se expunham ícones do progresso ladeados de cenários e de seres classificados como exóticos que, por sua vez, eram apartados da cartilha e das promessas da modernidade ocidental.

Essas imagens já nasceram com a marca de produto colecionável. No caso dos tipos etnográficos, paisagens naturais e ruínas, estes passaram a existir como acervos visuais de costumes, de culturas e de indivíduos considerados em vias de desaparecimento diante do rolo compressor do progresso e da “civilização”. Empalhadas em vida pelo dispositivo da câmera, essas imagens já carregavam os signos de uma suposta destruição, reforçando, assim, as mitologias de superioridade próprias do pensamento colonial ocidental.

Desse modo, o conjunto de fotografias produzido na segunda metade do século XIX e difundido no início do século XX, em cartões-postais, apresenta dois elementos indispensáveis ao estudo de uma história cultural transnacional. O primeiro consiste na adoção de padrões internacionais de apreensão e produção de imagens: parte considerável dos postais da chamada Era de Ouro (de 1900 até a Primeira Guerra Mundial) foi constituída por edições de fotografias já existentes, vendidas anteriormente nos formatos carte de visite e carte cabinet. No caso do Brasil, muitos dos cartões-postais que se popularizaram no início do século XX guardavam representações de mulheres e de homens negros herdadas dos tempos da escravidão, adaptando e mantendo estruturas objetificantes dessas populações, desta vez sob modelos visuais e legendas integradas aos critérios europeus de edição e circulação de imagens “exóticas” e “etnográficas.”

O segundo aspecto é sua finalidade como objeto de circulação internacional que exponenciou modelos visuais já existentes, levando ao paroxismo sua dimensão mercadológica. O bilhete, ou cartão-postal como mercadoria visual, passou a seguir regras de oferta e de demanda inseridas em uma “economia visual” (Poole, 1997POOLE, Deborah.Vision, race and modernity: a visual economy of the Andean image world. Princeton: Princeton University Press, 1997.): as edições, legendas e curadoria de imagens foram geradas por empresas de edição que instituíram a gramática que atribuiu os sentidos daquelas imagens dentro de uma lógica de consumo visual de colecionadores ou de camadas médias que passaram a comprar esses cartões a preços módicos.

Do cartão de visita fotográfico (carte de visite) ao cartão-postal

Os retratos em formatos carte de visite (cartão de visita) e carte cabinet (cartão cabinet), anteriores ao cartão-postal ilustrado, inicialmente apresentavam usos distintos do que viria a ser o postal: como grande parte dessas fotos tinha como destino os álbuns de família, os acessórios, indumentária, poses e gestos funcionavam como símbolos de afirmação em meio ao círculo pessoal do retratado. Com relação às mulheres e aos homens negros, quando na condição de forros ou libertos, alguns negociavam com o fotógrafo os códigos visuais que pudessem conferir-lhes distinção e reconhecimento (Koutsoukos, 2006KOUTSOUKOS, Sandra Sofia Machado. No estúdio do fotógrafo: representação e auto-representação de negros livres, forros e escravos no Brasil da segunda metade do século XIX. Tese (Doutorado em Multimeios), Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2006.) e, desse modo, recorriam a cenários e vestimentas à moda europeia (Figuras 1 e 2). Como bem pontua Brizuela (2012BRIZUELA, Natalia. Fotografia e império: paisagens para um Brasil moderno. São Paulo: Companhia da Letras; Instituto Moreira Salles, 2012., p. 133) os cartes de visite serviam como moeda social na medida em que permitiam que o “indivíduo realizasse sua fantasia de pertencer a outros círculos sociais”. Em São Paulo, por exemplo, o fotógrafo Militão de Azevedo (1837-1905) registrou, em seu estúdio, fotografias de famílias negras em trajes e cenários abastados, por demanda dos próprios fotografados, provavelmente, a primeira geração de famílias negras livres do período pós-abolição.

Figura 1:
Louvre (estúdio?). Idalina Magalhães [Empregada da família de Jayme Romaguera]. Retrato tirado em Paris. Carte cabinet (Coleção Francisco Rodrigues. Acervo Fundação Joaquim Nabuco).

Figura 2:
Oliveira & Tondella. João Paulino Marques. Recife. Carte de visite (Coleção Francisco Rodrigues. Fundação Joaquim Nabuco).

Já os indivíduos escravizados que trabalhavam em espaços domésticos, muitas vezes, eram levados pelos seus senhores para serem fotografados. Após a abolição no Brasil, empregados de famílias abastadas também foram fotografados, a exemplo de Idalina Magalhães, empregada da família Romaguera, de Pernambuco, retratada em pose e vestes aristocráticas, em um estúdio parisiense, no ano de 1908 (Figura 1). Em ambos os casos, tanto na condição de senhores de escravizados quanto de patrões de trabalhadores livres após 1888, era comum integrantes das elites usarem a fotografia dos seus subordinados em trajes finos como meio de atestar sua suposta “benevolência” ou mesmo o seu grau de poder e prestígio (Barbosa, Couceiro, 2018BARBOSA, Cibele; COUCEIRO, Sylvia Costa. Cotidianos afrodescendentes: um percurso visual pelo acervo da Fundação Joaquim Nabuco. Recife: Fundação Joaquim Nabuco; Editora Massangana, 2018., p. 38).

No caso das babás, amas de leite ou as chamadas “mães pretas” escravizadas ou forras, parte considerável dessas mulheres também era retratada com vestimentas emprestadas pelo estúdio ou vestes providenciadas pelos senhores/patrões. No entanto, cabe ressaltar que outra parte foi fotografada com panos da costa, turbantes e outros acessórios utilizados no cotidiano, indumentárias que destacam suas origens africanas (Figura 3). Embora a maioria dessas fotos de amas e babás dos tempos da escravidão tenha sido destinada às trocas restritas como souvenir entre membros de famílias, algumas foram comercializadas e, no século XX, reproduzidas em cartões-postais. Como bem analisa Koutsoukos (2010KOUTSOUKOS, Sandra Sofia Machado. Negros no estúdio do fotógrafo: Brasil, segunda metade do século XIX. Campinas: Editora da Unicamp, 2010.), essas imagens, no período em que foram produzidas (principalmente entre as décadas de 1860 e 1870), buscavam, em muitos casos, fornecer uma suposta impressão de “harmonia e afeto” na relação entre a “mãe preta” e a criança, provavelmente em resposta a um período no qual o recurso às amas de leite estava sofrendo ataques sistemáticos da parte de doutores em medicina e de moralistas (Koutsoukos, 2009LANDAU, Paul S. Empires of the visual: photography and colonial administration in Africa. In: LANDAU, Paul; KASPIN, Deborah D. (eds.). Images and empires: visuality in colonial and postcolonial Africa. Berkeley and Los Angeles: University of California Press, 2002, p. 141-171.; Martins, 2006MARTINS, Luiz Carlos Nunes. No seio do debate: amas de leite, civilização e saber médico no Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em História das Ciências e da Saúde), Fiocruz. Rio de Janeiro, 2006.).

Figura 3:
F. Villela. Augusto Gomes Leal com a ama de leite Mônica. Carte de visite (Coleção Francisco Rodrigues. Acervo Fundação Joaquim Nabuco).

Outro aspecto a ser destacado é a invisibilidade dos nomes dessas mulheres nas descrições de boa parte das fotos nos álbuns, onde normalmente só figuravam os nomes das crianças. Algumas exceções podem ser observadas em duas fotografias nas quais a ama, de nome Mônica, tem seu nome registrado, ao lado do menino Augusto Gomes Leal (Figura 3) e, anos depois, em um outro retrato onde posa com Isabel Gomes Leal, irmã de Augusto (Figura 4). Outro exemplo, encontrado na coleção Francisco Rodrigues, é o retrato onde a parteira e ama de leite, de nome Petrolina, posa para a câmera (Figura 5).

Figura 4:
Alberto Henschel & C°. Isabel Adelaide Fernandes e sua ama de leite Mônica. Carte de visite (Coleção Francisco Rodrigues. Acervo Fundação Joaquim Nabuco).

Figura 5:
Alberto Henschel & C°. Maria Cavalcanti de Queirós Monteiro com Petrolina, parteira e ama de leite. Carte de visite (Coleção Francisco Rodrigues. Acervo Fundação Joaquim Nabuco).

Apesar de grande parte dessas fotografias ter como destino os álbuns familiares, algumas atravessaram a fronteira do privado para o público, transformando-se em itens comercializáveis e colecionáveis. Quando reproduzidas no formato cartão-postal, as imagens dessas mulheres ganharam outros rótulos, desta vez como “tipos” conforme o léxico serial das legendas. No caso de uma fotografia vendida pelo fotógrafo e editor Rodolpho Lindemann (Figura 6), como bilhete postal, a escolha daquela ama atendia, provavelmente, a alguns aspectos que a exotizavam aos olhos do público, em especial o estrangeiro, a exemplo do modo como a mulher carregava o menino branco amarrado às costas.

Figura 6:
Rodolpho Lindemann. A. Ama - Bahia. Cartão-postal. Reprodução para a exposição “O negro: um século de cartão-postal” (Acervo pessoal da autora)

Figura 7:
Edmond Fortier. África Ocidental. Femme Malinkée (mulher Malinkée). Cartão-postal (Collection Génerale de l’A.O.F. - Fortier. Dakar. Acervo Bibliothèque Schoelcher).

A maneira como mulheres africanas e afro-brasileiras transportavam seus bebês foi fartamente ilustrada e retratada em gravuras, pinturas e fotografias, não só no Brasil como em diferentes regiões do continente africano, despertando o interesse de editores e colecionadores europeus. No caso da ama retratada por Lindemann1 1 A fotografia em suporte carte de visite foi reproduzida por George Ermakoff (2004) em O negro na fotografia brasileira no século XIX. O documento, pertencente à coleção Aparecido Jannir Salatinni, é apresentado por Ermakoff com a descrição “negra com criança”. No cartão-postal do século XX, a legenda escolhida pelo editor e fotógrafo Lindemann é “A. Ama - Bahia.” As fotografias produzidas para álbuns, comumente não apresentavam legenda descritiva das imagens e, por essa razão, as referências são variáveis de acordo com o proprietário do álbum, colecionador ou instituição de guarda do documento. em estúdio, não se sabe se a fotografia foi encenada ou se, de fato, a mulher tinha o hábito de carregar o bebê dos senhores da mesma maneira que carregava (ou talvez fosse privada de carregar) seus filhos.

Fotógrafos que retrataram essas mulheres e homens negros também se tornaram editores de postais na virada para o século XX, a exemplo de Marc Ferrez (1843-1923) e Rodolpho Lindemann (1852-?), que seguiram, à risca, os ditames da cartilha do “olhar europeu” (Kossoy e Carneiro, 1994KOSSOY, Boris; CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. O olhar europeu: o negro na iconografia brasileira do século XIX. São Paulo: Edusp, 1994.). Suas fotografias incorporavam cenários, acessórios e apetrechos etnográficos que visavam identificar os lugares sociais ocupados por aqueles indivíduos retratados. Mais uma vez, as imagens fabricadas majoritariamente para olhares externos eram elaboradas com elementos que pedagogizavam e instruíam o olhar: vestimentas, acessórios e cenários simulavam atividades desempenhadas nas ruas das grandes cidades. No caso dos cartes de visite comerciais, o fotógrafo açoriano Christiano Júnior anunciava em 1866, no Almanak Laemmert, a venda de uma “variada coleção de costumes e tipos de pretos, coisa muito própria para quem se retira para a Europa” (Leite, 2011LEITE,MarceloEduardo. Typos de pretos: escravos na fotografia deChristiano Jr. Visualidade(Goiânia). v. 9, p. 25-47, jan-jun. 2011., p. 32).

O anúncio do estúdio de Christiano Júnior (1832-1902) é indicativo da curadoria de imagens operada por esses fotógrafos diante das expectativas do público consumidor europeu. No período anterior à abolição e ao cartão-postal, esse tipo de “fotografia de pretos”, conforme se anunciava na época, despertava interesse por duas vias: primeiramente, por se tratar de clichês de escravizados, tornava-se um produto que despertava a curiosidade em um momento no qual a escravidão já tinha sido abolida em vários países e já era alvo de ataques de abolicionistas e viajantes estrangeiros que passavam pelo Brasil. Para suavizar a imagem do país, não eram raros registros fotográficos, apresentados em feiras e exposições internacionais ou vendidos como souvenir, que expunham uma “violência apaziguada” (Muaze, 2017MUAZE, Mariana. Violência apaziguada: escravidão e cultivo do café nas fotografias de Marc Ferrez (1882-1885). Revista Brasileira de História (São Paulo). v. 37, n. 74, p. 33-62, 2017.), uma visão asséptica e até mesmo romantizada da escravidão: “a imagem que se queria exibir no exterior era a de uma escravidão que não era cruel. Daí a extrema raridade de registros, em forma de fotografia, de escravos sendo castigados” (Koutsoukos, 2010KOUTSOUKOS, Sandra Sofia Machado. Negros no estúdio do fotógrafo: Brasil, segunda metade do século XIX. Campinas: Editora da Unicamp, 2010., p. 122).

Uma segunda via de apreciação dessas imagens de “tipos humanos” pelos consumidores esteve imersa em um modelo de consumo visual do final do século XIX, alimentado pelo incremento da mobilidade turística, pela expansão colonialista e pela prática do colecionismo, que ansiava por imagens na fronteira entre o exótico e o etnográfico.

Como bem define Muaze (2017MUAZE, Mariana. Violência apaziguada: escravidão e cultivo do café nas fotografias de Marc Ferrez (1882-1885). Revista Brasileira de História (São Paulo). v. 37, n. 74, p. 33-62, 2017., p. 38): “os registros dos corpos negros tinham valor de venda, eram mercadorias passíveis de consumo público em razão de sua peculiaridade, particularidade e exotismo”. Nesse sentido, as séries de “tipos e costumes” tornaram-se uma febre na Europa, principalmente com o surgimento do cartão ilustrado no final dos anos 1800. Nesse caso, é possível observar uma padronização massiva dessas séries nas quais figuras de corpos negros ocupavam uma posição central. Conforme as reflexões de Prussat (2008PRUSSAT, Margrit. Bilder der Sklaverei: Fotografien der afrikanischen Diaspora in Brasilien, 1860-1920. Berlin: Dietrich Reimer, 2008., p. 68 apud Cardim, 2012CARDIM, Mônica. Identidade branca e diferença negra: Alberto Henshel e a representação do negro no Brasil do século XIX. Dissertação (Mestrado em Estética e História da Arte), Universidade de São Paulo. São Paulo, 2012., p. 48), a “posição social das africanas e ‘mulatas’ parecia decididamente ser definida, para além de suas atividades domésticas, a partir do exercício de suas atividades públicas na rua como vendedoras, empregadas, carregadoras”.

Figura 8:
Christiano Júnior. Escrava de ganho vendedora, 1864-1865. Rio de Janeiro. Carte de visite (Acervo Museu Histórico Nacional disponibilizado pela Brasiliana Fotográfica).

No caso antilhano, mais especificamente nas colônias francesas da Martinica e Guadalupe, na América Central, a representação ou a simulação em estúdio de atividades de trabalho nas ruas é também um marcador de diferenciação social. Muitos homens e mulheres fotografados em simulações de atividades de comércio, embora não estivessem na condição de escravizados (a abolição ocorre em 1848), foram retratados como pertencentes ao mundo do trabalho, do qual as elites dirigentes queriam se distanciar.

Figura 9:
Phos (editor). Vendedora de accras.2 2 Accras é um tipo de empanado ou bolinho de peixe. Pointe-à-Pitre, Guadalupe. Cartão-postal (Acervo Bibliothèque Schoelcher).

No Brasil, fotografias de Marc Ferrez e Lindemann, quando comercializadas em cartões-postais, foram acompanhadas da descrição do tipo de trabalho exercido pelos retratados. Tomemos como exemplo a fotografia de uma mulher com um filho amarrado ao peito, vestida de turbante, pano da costa e uma cesta de bananas na cabeça. A imagem foi produzida no formato carte de visite, assinada por Marc Ferrez (Figura 11). No entanto, ela circulou em um cartão-postal editado e referenciado como uma fotografia de autoria de Lindemann (clichê R. Lindemann).3 3 As teses de Ermakoff (2004, p. 116) e Santos (2014, p. 63) são de que Lindemann tenha se apropriado de imagens produzidas por Marc Ferrez que teriam ficado no acervo da Gaensly & Lindemann. Em sua dissertação, Isis dos Santos (2014)SANTOS, Isis dos. “Gosta dessa baiana?” A construção da “baiana” como símbolo local e as dinâmicas sociais que a envolvem na Bahia (1880-1920). Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal da Bahia. Salvador, 2014., ao observar alguns detalhes das duas imagens - como a posição dos pés da criança ou a direção do olhar da mulher - comprovou que consistiam em fotografias distintas. No caso, esses retratos compunham uma sequência de várias fotos com a mesma modelo.

No cartão-postal editado por Lindemann, a imagem é descrita como “vendedora de Fructas-Bahia”.4 4 Santos (2014) encontrou esse postal no Arquivo Histórico Municipal de Salvador. A reprodução desse documento consta em sua dissertação de mestrado, p. 64. A imagem do cartão-postal é, portanto, uma reprodução da fotografia de Ferrez, originalmente vendida no formato carte de visite e sem legenda impressa.5 5 Na coleção Gilberto Ferrez, atualmente no Instituto Moreira Salles, o retrato é descrito com a frase “negra com seu filho, 1884”, provavelmente a fotografia foi assim nomeada pelo colecionador. A imagem presente neste mesmo carte de visite, reproduzida por George Ermakoff (2004) em sua obra, foi referenciada como “vendedora de bananas com criança às costas, em uma fotomontagem de 1885 produzida por Marc Ferrez”.

Em um outro cartão-postal, comercializado na primeira década do século XX,6 6 O bilhete postal foi enviado pelo missivista em 1909, porém o cartão provavelmente foi impresso antes de 1906, quando os países membros da União Postal Universal passaram a adotar o padrão atual do cartão-postal com o verso dividido em duas seções e o anverso inteiramente tomado pela imagem (Daltozo, 2006, p. 17). editado por Ferrez (Figura 12), a impressão fotolitografada destaca a mesma mulher com bebê retratada anos antes em formato carte de visite (Figura 11), desta vez com o atributo genérico de “negra da Bahia”.

Figura 10:
Rodolpho Lindemann (editor). Vendedoras de fructas - Bahia. Cartão-postal (Fundo Renato Berbet de Castro. Arquivo Histórico Municipal de Salvador).7 7 Reproduzido na dissertação de Santos (2014, p. 64).

Figura 11:
Marc Ferrez. Negra com criança. Carte de visite. Salvador - BA, circa 1884 (Coleção Gilberto Ferrez. Acervo Instituto Moreira Salles).

Em um catálogo de leilão de postais, encontrei a reprodução de um outro cartão, datado de 1903 (Figura 13), no qual o missivista do Rio de Janeiro, provavelmente um colecionador pertencente à Association Philatélique Nancéienne8 8 A associação, fundada em 1889 por Georges Goury, abriu uma seção para membros de outros países em 1900. (Associação Filatélica de Nancy), em razão da sigla APN, envia-o para um destinatário da cidade de Troyes, na França, que também faz parte da mesma associação (APN 543).9 9 Os membros dos clubes de filatelia e cartofilia possuíam números de identificação que eram escritos nos postais ao lado do nome.

Figura 12:
Marc Ferrez. Négresse de Bahia (negra da Bahia). Bilhete postal datado de 8 de janeiro de 1909 (Acervo pessoal da autora).

No centro do cartão, o colecionador do Rio descreve a imagem com os seguintes dizeres escritos à mão: “tipo negro descendente da raça africana, importada ao Brasil pelos portugueses, em 1600 e 1700. Raça forte, limpa e boa para o serviço de limpeza e agricultura, aquela que resiste [...] ao clima quente”.10 10 Traduzido do francês pela autora. As imagens impressas são duas reproduções de fotografias de mulheres: uma delas, retratada por Marc Ferrez, é a mesma vendedora de bananas da Bahia com a criança nas costas (Figura 11). A outra mulher aparece em um cartão-postal editado por Lindemann com a descrição “J- Creoula-Bahia” (Santos, 2014SANTOS, Isis dos. “Gosta dessa baiana?” A construção da “baiana” como símbolo local e as dinâmicas sociais que a envolvem na Bahia (1880-1920). Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal da Bahia. Salvador, 2014.), no entanto, é possível encontrá-la registrada em fotografias de Marc Ferrez, produzidas no final do século XIX, em diferentes poses (Figuras 14 e 15). Um dos aspectos que chama atenção na fotomontagem do cartão-postal (Figura 13) é o fato de essas mulheres serem identificadas com o rótulo “negra do Rio” (négresse de Rio) ao passo que, em outros postais, serem associadas à Bahia (Figuras 10 e 12).

Figura 13:
Marc Ferrez. Negrèsse de Rio (negra do Rio). Bilhete postal datado de 1903 (Coleção particular).11 11 A imagem se encontra publicada no catálogo do leilão nº 774 do leiloeiro Franklin Levy, disponível em <www.levyleiloeiro.com.br>. Acesso em: 10 ago. 2020.

Figura 14:
Marc Ferrez. Negra vendedora. Albúmen, 12 x 8 cm. Salvador, 1875 (Acervo Gilberto Ferrez).12 12 Reproduzido em Ferrez (1985, p. 130).

Outro aspecto que detém a atenção de quem observa o cartão-postal, enviado em 1903, é o teor desconcertante das palavras escritas pelo remetente brasileiro (Figura 13) cujo léxico racializado dos “tipos” espelha o modo como parte considerável das elites brancas ainda se dirigia às populações negras nos anos subsequentes à abolição: apropriando-se de determinismos biológicos ao se referir à “raça negra” como “boa para serviço doméstico e agricultura”, o autor adota os mesmos dispositivos discursivos racistas e escravistas para delimitar, determinar e naturalizar as atividades de trabalho dessas populações aos moldes dos tempos da escravidão: serviços domésticos e serviços no campo.

Figura 15:
Negra da Bahia. Salvador - BA, circa 1885 (Coleção Gilberto Ferrez. Acervo Instituto Moreira Salles).

No início do século XX, os cartões-postais veiculavam a chave do exótico por meio de rótulos genéricos como “negra da Bahia” ou “africanos no Brasil”. As imagens mais recorrentes nestes postais, ao representarem populações de origem africana, eram reapropriações de velhas fotografias captadas nos tempos da escravidão ou novos clichês que evidenciavam situações de trabalho cotidiano (dentro ou fora do estúdio) e cenas pitorescas de “tipos” ou “habitações” populares marcadas pela pobreza (Figura 16).

Figura 16:
Lunana. Idylle à 70 ans. (Africains au Brézil). Idílio aos 70 anos (Africanos no Brasil). Porto Alegre. Cartão-postal datado de 24 jun. 1902 (Coleção Josebias Bandeira. Fundação Joaquim Nabuco).

Em um cartão editado em Pernambuco (Figura 17), com legenda escrita em três línguas, as choupanas (casebres) são nomeadas como “dos negros”. A lógica curatorial desses cartões-postais, da virada do século XIX para o XX, reproduzia lugares de subalternidade e marginalização atrelados a essas populações, tanto pela via discursiva quanto imagética. De modo semelhante, nas Antilhas, como bem destaca Massé (2006MASSÉ, Marie-Christine. Étude des cartes postales des Antilles françaises et de la Guyane des années 1900-1920. The French Review. v. 80, p. 372-382, dec. 2006., p. 380), as séries de postais de indivíduos típicos e pitorescos inscreviam esses grupos em lugares específicos (mercados, ruas, feiras), como se esses sujeitos retratados fossem naturalmente pertencentes a esses espaços. Essa naturalização constituiu “um gesto político de negação e marginalização” dessas populações (p. 380).

Figura 17:
Negerhütten - Negreries - Negroes-House - Choupanas dos negros. Cartão-postal. Pernambuco (Coleção Josebias Bandeira. Fundação Joaquim Nabuco).

Um outro cartão, composto de uma montagem de duas fotografias sem autoria, apenas com a referência ao estado de Pernambuco, exemplifica o modo como a estandardização dessas imagens pelo comércio de postais objetificou indivíduos negros a tal ponto que suas fotografias poderiam ser reapropriadas para retratar diferentes localidades. Essa “política de anonimato e invisibilidade” (Schwarcz, 2018SCHWARCZ, Lilia Moritz. Sobre as imagens: entre a convenção e a ordem. In: GOMES, Flavio dos Santos; SCHWARCZ, Lilia Moritz (orgs.). Dicionário da escravidão e da liberdade: 50 textos críticos. São Paulo: Companhia das Letras , 2018, p. 43-48., p. 47) é evidenciada no cartão (Figura 18), onde foi possível identificar que o homem, retratado sem legenda específica, é inegavelmente o “ganhador africano”13 13 “Ganhador,” neste caso, consiste em uma atribuição genérica para “atividades de ganho” desempenhada por escravizados ou livres. No caso seriam atividades variadas, em espaços urbanos, como carregamento de cargas ou de pessoas (em cadeiras de arruar), consertos, venda de artefatos etc. Para mais detalhes, ver Reis (2019). representado em um outro cartão-postal editado por Lindemann na Bahia (Ermakoff, 2004ERMAKOFF, George. O negro na fotografia brasileira do século XIX. Rio de Janeiro: George Ermakoff Casa Editorial, 2004.; Kosoy, Carneiro, 1994KOSSOY, Boris; CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. O olhar europeu: o negro na iconografia brasileira do século XIX. São Paulo: Edusp, 1994.; Negro, 2020NEGRO, Antônio Luigi. O cartão-postal no Brasil do início do século XX: suporte para o encontro entre imagem e ação. História, Ciências, Saúde - Manguinhos (Rio de Janeiro). v. 27, n. 3, p. 967-982, 2020.). Nesse caso, porém, o mesmo indivíduo, supostamente da Bahia, é mostrado como um “tipo” de Pernambuco, sem qualquer outro elemento que o identifique.14 14 Em 1917, Manuel Querino escreveu um ensaio intitulado “A raça africana e seus costumes na Bahia”, no qual fez um estudo com fotografias de africanos, dentre as quais estava a do “ganhador africano” descrito por Lindemann. Querino, porém, identificou-o como pertencente à etnia ijexá na legenda: “integrante da tribu Igê Chá” (Vasconcellos, 2006, p. 90). A hipótese de Negro (2020) é a de que Querino obteve essas imagens por meio de bilhetes postais (cartões-postais) vendidos na época, como os editados por Lindemann.

Figura 18:
Retrato de homem negro e mulher negra. Pernambuco (Coleção Josebias Bandeira. Fundação Joaquim Nabuco).

Nos cartões-postais do Caribe francês, a lógica de “tipificação” não foi muito diferente. Na Martinica, é comum observarmos séries de tipos e costumes semelhantes às encontradas na iconografia postal brasileira, ambas seguindo os modelos europeus. Um diferencial, porém, é assinalado por Saada (1995SAADA, Emmanuelle. Le poids des mots, la routine des photos: photographies de femmes martiniquaises, 1880-1930. Genèses. v. 21, p. 134-147, 1995.): com a implantação da Segunda República na França e a abolição da escravidão em 1848 [a Martinica foi colônia da França até meados do século XX, quando se transformou em departamento ultramarino do país] “a burguesia de cor”, no afã de se integrar ao quadro nacional francês, exigiu a retirada de termos racializados em suas reproduções de imagens, solicitando ser designada sob os mesmos critérios das demais regiões francesas. Desse modo, legendas de fotografias e postais passaram a exibir nomenclaturas geográficas como “martiniquesa” (Figura 19), “tipo do país” (Figura 21) ou étnica como “tipo créole (crioula)” (Figura 20) e “dança créole (crioula)” (Figura 22). Nesse caso, o termo crioulo incluía não apenas a designação de cunho racial (populações locais nascidas de pais negros), mas ganhou contornos que abarcavam aspectos mais amplos, tanto em relação ao fenótipo quanto no tocante a elementos da cultura local, como língua, festejos, danças, ritmos ou culinária.

No entanto, as legendas com classificações de cunho racial não foram de todo abandonadas nas colônias francesas do Caribe. Alguns editores mantiveram termos como “mulata” (Figura 21) ou “tipo de negra”, como se pode observar em um cartão de Guadalupe (Figura 22).

Figura 19:
Henri Cunge. Martiniquaise (Martiniquesa). Cartão-postal. Fort-de-France, Martinica (Acervo Bibliothèque Schoelcher).

Figura 20:
Etienne Neurdein. Type créole (Tipo crioula). Cartão-postal. Martinica (Acervo Bibliothèque Schoelcher).

Figura 21:
Leboullanger. Martinique - Type du pays (Martinica - Tipo do país). Cartão-postal. Fort-de-France, Martinica (Acervo Bibliothèque Schoelcher).

Figura 22:
Camille Le Cammus (coleção). Martinique - Danse créole (Martinica - dança crioula). Cartão--postal datado de 1916. Martinica (Acervo Bibliothèque Schoelcher).

Figura 23:
Henri Cunge. Martinique, Fort-de-France. Mulâtresse en coustume national. (Mulata com indumentária nacional). Martinica (Acervo Bibliothèque Schoelcher).

Figura 24:
Type de négresse (Tipo de negra). Guadalupe (Acervo Bibliothèque Schoelcher).

Alteridade à venda: A África performática do colonialismo

No caso do continente africano, a lógica colonial de construção de um conhecimento visual visava instituir realidades a partir de imagens fotográficas, cujos efeitos de verdade conduziam os olhares dos seus consumidores. Fotografar uma África nomeada como “profunda”, “tribal” “autêntica” e “primitiva” e, portanto, distante e despolitizada, ofuscava outras formas de representação do continente e dos seus povos ao criar uma “comunidade imaginada” homogeneizada e fetichizada para atender expectativas do público europeu e também tornar-se uma ferramenta de convencimento e de poder.

A fotografia, portanto, torna-se um dos componentes-chave para aplacar os temores do “homem branco” diante de um continente extremamente complexo, múltiplo e variado. Não é inocente a escolha de imagens que buscaram generalizar o “africano”: fotografias de indivíduos despersonalizados, pasteurizados e fetichizados em “tipos humanos” anacrônicos e tradicionais, moldavam a imagem ideal do colonizado supostamente apolítico. Essa mise-en-scène pouco realista permeou grande parte da produção imagética destinada a turistas ocidentais: era o modelo da África ideal, palatável aos gestores e financistas da empresa colonial civilizatória, atraente aos olhos dos cientistas e antropólogos em busca de comprovação de seus postulados raciais e cenário de curiosidades para um público sequioso do espetáculo do exótico.

Os cartões-postais, assim como outros objetos-imagens da virada do século, exprimem a tônica de apropriação visual do mundo nos tempos do imperialismo. Em um de seus trabalhos, Geary (2007GEARY, C. Mondes virtuels: les représentations des peuples d’Afrique de l’Ouest par les cartes postales, 1895-1935.Le Temps des Médias. v. 8, n. 1, p. 75-104, 2007.), ao estudar as representações dos povos da África do Oeste nos cartões-postais e o papel desempenhado pelos chamados cartões de “tipos” e de “dirigentes locais” na produção de sentidos sobre a África e os africanos, destaca que qualquer retrato de um(a) africano(a) poderia se tornar um “tipo” a partir de legendas como “tipo negro”, “tipo de senegalês”, “tipo indígena” (designação para populações locais, nativas) ou mesmo descrições mais específicas como “tipo soussou”, “tipo peul” ou “tipo oulof” (p. 83). Dessa forma, a linguagem dos “tipos” se tornou o léxico analítico dominante para moldar e entender as fotografias no Oitocentos.

Por outro lado, como aponta Geary (apud Landau, 2002LANDAU, Paul S. Empires of the visual: photography and colonial administration in Africa. In: LANDAU, Paul; KASPIN, Deborah D. (eds.). Images and empires: visuality in colonial and postcolonial Africa. Berkeley and Los Angeles: University of California Press, 2002, p. 141-171., p. 159), negociações entre africanos e europeus se fizeram presentes, em alguns casos, na composição de imagens de África para o público estrangeiro, a exemplo do rei Baum dos Camarões que, ao aprender os usos da câmera, passou a utilizá-la para suas finalidades políticas, escolhendo poses e selecionando trajes para ser fotografado. Outro exemplo é o rei zulu Cetshwayo, prisioneiro do império britânico, que foi fotografado a bordo do vapor SS Natal a caminho do exílio em Cape Town, no ano de 1879. De acordo com o relato do fotógrafo Thomas Ross, após muitas negociações e convencimentos, quando a câmera estava sendo ajustada, o rei retirou as vestimentas europeias que portava e vestiu-se com trajes tradicionais do seu povo (Mokoena, 2013MOKOENA, Hlonipha. “Being Zulu”: A history in portraits. In: GARB, Tamar (org.). African photography from the Walther Collection: distance and desire: encounters with the African archive. Göttingen: Steidl/The Walther Collection, 2013, p. 104-112.).

Mulheres das “Áfricas”

Em meio às demandas e preferências do exotismo visual, as mulheres ocuparam um lugar central como “marcadoras das fronteiras do imperialismo” (MacClintock, 2010MACCLINTOCK, Anne. Couro imperial: raça, gênero e sexualidade no embate colonial. Campinas: Editora da Unicamp , 2010., p. 48), presentes nas “zonas de contato” (Pratt, 1999PRATT, Mary Louise. Os olhos do império: relatos de viagem e transculturação. Bauru: Edusc, 1999.) como fetiches em que as relações coloniais se processavam. Em cartões-postais de “lembranças” ou de “bons votos” do Senegal, por exemplo, a seleção de imagens, editada pelo fotógrafo Edmond Fortier para representar os senegaleses aos olhos dos visitantes, é majoritariamente formada por fotografias de mulheres.

Figura 25:
Edmond Fortier. Bons souhaits (Bons votos). Cartão-postal multivues, 1906. Dakar, Senegal. Cartão da coleção Daniele Moureau, reproduzido em Moureau (2015).

No caso das representações das mulheres da chamada África subsaariana, há uma clara dicotomia entre as assimiladas que, ao conhecerem e incorporarem convenções das poses da fotografia de estúdio, encomendavam a reprodução de suas imagens para compor álbuns de família, e as indígenas, mulheres nativas que não adotavam a língua nem os costumes europeus, que eram exotizadas em fotografias onde as margens de negociação com o fotógrafo eram escassas ou mesmo inexistentes.

Sob esse contexto, as fotografias, encomendadas por famílias africanas realizadas em estúdios nas principais cidades de fins do século XIX e início do XX, não despertavam tanto o interesse de editores de postais dedicados aos colecionadores europeus. Pelo contrário, interessavam-lhes fotos de potencial exótico, atreladas, por exemplo, à ideia de uma natureza “atávica”, tradicional, tribal, representada por mulheres amamentando seus filhos, reunidas em família, no exercício de trabalhos perenes no campo (Landau, 2002LANDAU, Paul S. Empires of the visual: photography and colonial administration in Africa. In: LANDAU, Paul; KASPIN, Deborah D. (eds.). Images and empires: visuality in colonial and postcolonial Africa. Berkeley and Los Angeles: University of California Press, 2002, p. 141-171.).

Nos circuitos de representação e poder da era do colonialismo, essa era a imagem conveniente aos poderes metropolitanos, compondo a “curadoria” dos corpos considerados naturais (atávicos, anacrônicos ou erotizados) a serem visualizados e dos corpos políticos a serem obliterados da construção imagética acerca das africanas. Mulheres que ocupavam posições desafiadoras do horizonte de expectativa visual do imperialismo, ou que quebravam os papéis sexuais dos padrões patriarcais, eram normalmente percebidas como promíscuas, bestiais, selvagens ou degeneradas. Corpos abjetos ou corpos sexualizados. Sob esse aspecto, as palavras de Mbembe são esclarecedoras, quando ele afirma que “na distribuição colonial do olhar e da voz, há sempre um desejo de objetificação ou de apagamento”15 15 Tradução do francês feita pela autora. (Mbembe, 2007MBEMBE, Achille. De la scène coloniale chez Frantz Fanon.Rue Descartes. n. 58, p. 37-55, avr. 2007., p. 43).

No entanto, é preciso atentar para o uso da atribuição genérica da expressão “mulher africana”, afinal, a cultura visual do colonialismo, em seu afã de classificar ao máximo possível a alteridade e a heterogeneidade, também estabeleceu padrões hierarquizados para as representações femininas tanto em textos quanto em imagens.

No âmbito do imaginário colonial, alguns autores fazem uma distinção entre as africanas do Norte da África e as africanas subssarianas. Para o grande público, a imagem de mulheres despidas e sensualizadas em cartões-postais, como bem aponta Malek Alloula (1986ALLOULA, Malek. The colonial harem. Minnesota: Universisty of Minnesota Press, 1986.), correspondia à fantasia do orientalismo, então em voga nas artes plásticas do período (Said, [1978] 1990SAID, Edward. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras , 1990.). No caso dos cartões-postais das mulheres do norte da África, a imagem fotográfica conferia uma suposta credibilidade ao imaginário do harém colonial adornado e encenado para atender aos anseios de um mercado consumidor. Aparentemente o registro captado pela câmera pressupunha um conhecimento desinteressado sobre aqueles corpos e cenários ali representados ao passo que os gestos e acessórios conferiam a imagem icônica da sedução tida como um atributo natural daquelas mulheres.

O Orientalismo como invenção ocidental (Said, [1978] 1990SAID, Edward. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras , 1990.) gerou efeitos na prática do retrato. Desse modo, a fotografia orientalista (Behdad, 2013BEHDAD, Ali. The Orientalist photograph. In: BEHDAD Ali; GARLAND Luke(orgs.). Photography’s Orientalism: new essays on colonial representation. Los Angeles: Getty Publications, 2013, p. 11-32.), que incorporou padrões imagéticos e enunciados fantasiosos produzidos pelos ocidentais na fabricação de cenários, indumentárias e poses capturadas pela câmera, conferia força ao exotismo que já vigorava, na época, nas telas dos pintores e nos textos de viajantes e literatos. A diferença entre as mulheres árabes sexualizadas no imaginário do harém colonial se distinguia da imagem da mulher negra rotulada como “primitiva”. Para Boëtsch e Savarese (1999BOËTSCH, Gilles; SAVARESE, Eric. Le corps de l’Africaine: erotisation et inversion, Cahiers d’Études Africaines. v. 39, n. 153, p. 123-144, 1999.), assim como para McClintock (2010)MACCLINTOCK, Anne. Couro imperial: raça, gênero e sexualidade no embate colonial. Campinas: Editora da Unicamp , 2010., as “mouras”, ao serem desnudadas, foram atreladas à imagem erótica, enquanto parte das africanas subsaarianas, expostas em sua nudez, foram atreladas ao natural, ao selvagem (p. 59).

Embora esses autores procurem diferenciar percepções e apreciações sobre as mulheres negras africanas a partir de divisões entre as do norte da África e as subsaarianas, é importante ressaltar que essas divisões guardavam ambivalências. Desde os primeiros anos do tráfico humano de populações africanas na era moderna, os europeus criaram uma gramática para as gradações de cor. O termo “mulata”, por exemplo, é introduzido no século XIV, na Europa ocidental, e não são poucos os textos que buscaram justificar as relações entre senhores e escravas a partir de uma espécie de “fenótipo do prazer”, dos traços considerados “aprazíveis” (Le Bihan, 2006LE BIHAN, Yann. L’ambivalence du regard colonial porté sur les femmes d’Afrique noire. Cahiers d’Études Africaines. n. 183, p. 513-537, 2006.). No século XIX, a literatura europeia valorizava a beleza mestiça ao mesmo tempo que a associava ao vício e à corrupção moral.

Figura 26:
Reisner. Femme egyptienne (Mulher egípcia) (Coleção Augusto Oliveira. Acervo Fundação Joaquim Nabuco).

Figura 27:
Groupe de femmes indigènes - Le mouton famillier (Grupo de mulheres indígenas ou “nativas” - O carneiro da família). Colônias francesas. Alta Guiné (Coleção Augusto Oliveira. Acervo Fundação Joaquim Nabuco).

Em fins do século XIX, a iconografia das mulheres africanas, estampadas como réplicas na fotografia postal, sugeriam gradações de “beleza” da mulher negra a partir dos cânones ocidentais. Os textos de autores célebres endossavam esse imaginário a partir de critérios racistas e etnocêntricos. Em 1859, Jules Michelet assinalava que “a revelação da África pela raça vermelha do Egito é o reino da grande Isis [...]. A verdadeira mulher negra é a de nariz fino, lábios finos” (Michelet apud Le Bihan, 2006LE BIHAN, Yann. L’ambivalence du regard colonial porté sur les femmes d’Afrique noire. Cahiers d’Études Africaines. n. 183, p. 513-537, 2006., p. 524).

O que chama atenção nessa afirmação do historiador francês é o fato de este conferir o rótulo de mulher “verdadeira” àquela que dispusesse de traços percebidos como ocidentais. De acordo com Le Bihan (2006)LE BIHAN, Yann. L’ambivalence du regard colonial porté sur les femmes d’Afrique noire. Cahiers d’Études Africaines. n. 183, p. 513-537, 2006., para o público francês, era comum uma escala de atribuições para as mulheres negras: a negra “negroide”, a negra “mulata” e a “negra peul”, estas últimas, mulheres islamizadas da África Ocidental. Sob esse viés, para justificar uma suposta hierarquia de beleza, europeus procuraram branquear as egípcias e europeizar as “berberes” buscando origens ex Africa para justificar a predileção. Nessa hierarquia do olhar colonial, é construída a ficção de uma “raça” africana superior às demais do continente a qual reunia os egípcios, os abssínios, povos do Chifre da África e outros grupos como os massïs e os tutsis (Le Bihan, 2006LE BIHAN, Yann. L’ambivalence du regard colonial porté sur les femmes d’Afrique noire. Cahiers d’Études Africaines. n. 183, p. 513-537, 2006., p. 525).

Mulheres antilhanas e brasileiras

Do outro lado do Atlântico, a mulher mestiça como símbolo de hipersexualidade, “imoralidade e concupiscência” (Canelas, 2020CANELAS, Letícia Gregório. “Livres de cor” na Martinica: questões sobre raça e gênero no caribe francês (séculos XVIII-XIX).História (São Paulo). n. 179, a03319, 2020., p. 22) transformou-se em um tropo tanto de narrativas de médicos, juristas, antropólogos, viajantes quanto de produtores de imagens pictóricas e fotográficas. No Caribe francês, a mulher negra “mestiça” se transformou em imagem-símbolo local, cujas reproduções em ilustrações e fotografias se propagavam tanto como “tipo” etnográfico quanto como fetiche exótico-erótico. Nos tempos do Iluminismo, a “mulata” (mulâtresse) encarnava, segundo Cohen (1999COHEN, Claudine. La mulâtresse et la courtisanne: classifications raciales dans la société coloniale à Saint-Domingue. In: COHEN, Claudine (org.). L’Homme des origines: savoirs et ficcions en préhistoire. Paris: Seuil, 1999, p. 131-140.), a representação da perfeição, da beleza, a graça, a elegância, mas por sua suposta natureza devotada ao amor, ela encarnava igualmente “a perfeição do vício e da luxúria” (Le Bihan, 2006LE BIHAN, Yann. L’ambivalence du regard colonial porté sur les femmes d’Afrique noire. Cahiers d’Études Africaines. n. 183, p. 513-537, 2006., p. 540).

A força do estereótipo pode ser observada em um livro sobre as mulheres nas colônias francesas. Publicado no final do século XIX, o escritor Petrus Durel indicava os nomes dos afrodisíacos que as “mulatas” e as “quarterones” (nomenclatura da época para os filhos de ‘mulatas’ com brancos) utilizavam para prender seus amantes passageiros (Durel, 1898DUREL, Petrus. Les femmes dans les colonies françaises, études sur les mœurs du point de vue mythologique et social. Paris: J. Dulon, 1898., p. 134).

Empresas europeias exportadoras de açúcar, de rum e outros produtos, exploravam a associação da imagem da mulher negra antilhana. O cartão reproduz o padrão visual de outras colônias francesas onde a ilustração de “tipos humanos” ladeados de referências às riquezas naturais da região, fornecia informações sobre os dois “produtos do país” (Figura 25). No caso da Martinica, assim como nos cartões africanos, as mulheres predominavam na iconografia, sendo apresentadas como atrativos visuais (Saada, 1995SAADA, Emmanuelle. Le poids des mots, la routine des photos: photographies de femmes martiniquaises, 1880-1930. Genèses. v. 21, p. 134-147, 1995.; Massé, 2006MASSÉ, Marie-Christine. Étude des cartes postales des Antilles françaises et de la Guyane des années 1900-1920. The French Review. v. 80, p. 372-382, dec. 2006.).

A mulher negra afro-caribenha, visualizada como produto de prazer erótico, também figurou nos cartões dedicados à publicidade de empresas como a do Rum Chauvet, marca francesa criada em 1890. Na imagem, a pose sensual e convidativa integrava o conjunto de dispositivos visuais que alimentavam a relação do corpo negro como atrativo erótico-exótico.

Figura 28:
Colonies françaises (colônias francesas). Les Antilles (Antilhas). Cartão-postal (Acervo Bibliothèque Schoelcher).

Figura 29:
Compagnie des Antilles (Companhia das Antilhas). Rhum Chavet (Rum Chavet). Mademoiselle Vieux Bronze (Senhorita “Bronze Velho”, provavelmente uma expressão acerca da cor da pele). (Acervo Bibliothèque Schoelcher).

No Brasil, as mulheres negras “mestiças” também compuseram o imaginário da divisão racial e sexual dos corpos (Corrêa, 1996CORRÊA, Mariza. Sobre a invenção da mulata. Cadernos Pagu (Campinas). v. 6, n. 7, p. 35-50, 1996.). Hipersexualizadas em crônicas de viajantes, em textos considerados científicos ou em ficções literárias, essas mulheres tornaram-se alvo da violência patriarcal tanto no período da escravidão quanto no pós-abolição. Apesar de escritos de intelectuais e modinhas populares formatarem e fomentarem esse imaginário (Abreu, 2005ABREU, Martha Campos. Mulatas, crioulos and morenas: racialized gender in the love songs of pós-abolition, Brasil, 1890-1920. In: SCULLY, Pamela; PATTON, Diana (orgs.).Gender and slave emancipation in the Atlantic world. Durham: Duke University Press, 2005, p. 267-289.), o termo “mulata”, foi pouco veiculado como legenda nos cartões-postais do início do século XX, provavelmente em razão dos estigmas moralistas e higienistas que pesavam sobre as “mulheres de cor”, consideradas como portadoras de “depravada influência” nas palavras de José Veríssimo (1906VERÍSSIMO, José. A educação nacional. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1906., p. 35) e rotuladas de “fermento de afrodisismo pátrio” por Silvio Romero (idem). Outra explicação pode ser atribuída à preferência dos colecionadores e consumidores de postais em visualizar mulheres negras portadoras de indumentárias específicas - aos moldes das séries tipos e costumes - consideradas por esse público, principalmente estrangeiro, como marcadores exóticos.

Nesse sentido, os editores de postais no Brasil exploraram, com mais frequência, a imagem da figura-ícone da crioula, que, no século XIX e início do XX, transformou-se em estereótipo associado à mulher negra, especialmente a baiana, cujo “traje de crioula” composto, de maneira geral, por “saia, camisa, pano da costa, turbante, joias e chinelas (Hardman, 2015HARDMAN, Aline Souza. Penca de balangandãs: construção histórica, visual e social das “crioulas” no século XIX. Dissertação (Mestrado em Arte e Cultura Visual), Universidade Federal de Goiás. Goiânia, 2015., p. 13), integrava a indumentária presente na iconografia do período, incluindo fotografias comerciais em formato carte de visite, em grande parte captadas em estúdios no período anterior a abolição e, mais tarde, difundidas em formato de cartão-postal. Como aponta Negro (2020NEGRO, Antônio Luigi. O cartão-postal no Brasil do início do século XX: suporte para o encontro entre imagem e ação. História, Ciências, Saúde - Manguinhos (Rio de Janeiro). v. 27, n. 3, p. 967-982, 2020., p. 977), “na mira da câmera, o retratista esperava exatamente isso” dessas mulheres: seu comparecimento “vestidas de si”, ou seja, “sua autorrepresentação em consórcio com a produção de estúdio”.

Apesar do interesse que as imagens de mulheres negras fartamente ornamentadas despertavam aos olhos externos, é importante salientar o elemento de resistência representado pelos usos daquelas joias. Ainda no século XIX, muitas mulheres “de ganho” - escravizadas que realizavam atividades de venda de produtos e outros serviços - poupavam parte do que recebiam para comprar joias que, em muitos casos, foram usadas para compra de alforria. Essas joias também foram usadas pelas mulheres negras do “partido-alto” como demonstração da “sua condição de forras e seu status financeiro” (Hardman, 2015HARDMAN, Aline Souza. Penca de balangandãs: construção histórica, visual e social das “crioulas” no século XIX. Dissertação (Mestrado em Arte e Cultura Visual), Universidade Federal de Goiás. Goiânia, 2015., p. 48).

Isis Santos (2014SANTOS, Isis dos. “Gosta dessa baiana?” A construção da “baiana” como símbolo local e as dinâmicas sociais que a envolvem na Bahia (1880-1920). Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal da Bahia. Salvador, 2014., p. 59), em sua pesquisa de mestrado, apresentou uma cópia de um cartão-postal editado por Lindemann com o título “Uma creoula da Bahia”, emitido em 1912. No verso, a frase do missivista “gosta dessa Baiana? É uma crioula gostosa”, é reveladora do imaginário sexualizado que regeu as representações das mulheres de cor.

Considerações finais

A circulação ostensiva de imagens moldadas por relações de poder colonialistas e seu espectro raciológico deixaram marcas que se dissiparam pelo Atlântico, afetando a hetero-representação e a autorrepresentação de populações africanas e afrodescendentes. Esses cânones, que se difundiram em escala global, conduziram olhares e apreciações sobre seus corpos adensando os contornos do racismo e o comércio dos olhares no Atlântico.

No Brasil dos primeiros anos da República, as políticas de branqueamento, cultural e biológico procuravam distanciar a imagem do país das origens africanas, rotuladas como primitivas, e aproximar-se do modelo “civilizatório” europeu, conforme a cartilha pregada pelas potências imperialistas do período. Desse modo, postais com legendas como “africanos do Brasil” mostrando um casal de velhinhos, provavelmente ex-escravizados (Figura 16), deixavam antever uma lógica perversa: os “africanos do Brasil” deveriam, em poucos anos, ser suprimidos tanto pela suposta tese de branqueamento fenotípico, quanto pelo apagamento das suas marcas culturais identitárias. Ao mesmo tempo, demarcavam o lugar social de subalternidade dessas populações. Nesse sentido, as representações de populações negras nos postais do início do século XX guardavam a marca do(a) africano(a), tido, por muitos, como indesejável em um país que não media esforços na expectativa de se branquear com a vinda de imigrantes europeus. Exotizados em sua própria terra, esses “africanos do Brasil” foram transformados, naquelas narrativas visuais, em tipos curiosos, pitorescos ou registros vivos do passado.

De modo geral, o interesse desse estudo foi o de evidenciar pontos de convergência no modo como imagens de mulheres e homens negros foram expostas pela indústria postal em meio à economia visual do início do século XX, cujo regime de visualidade nutriu-se de modelos colonialistas europeus. O Brasil, dessa forma, apesar de nação independente e com particularidades geopolíticas e geopopulacionais que o diferenciavam de outros países e territórios com maioria populacional negra, era um mercado consumidor de produtos, leituras e esquemas de percepção próprios da cultura europeia, incorporando imaginários, modelos e quadros de referência uniformizadores não muito diferentes daqueles que as elites europeias utilizavam para construir percepções, classificações e julgamentos sobre povos negros das colônias e protetorados do continente africano ou do Caribe.

Para alimentar essa indústria do olhar, as imagens produzidas e selecionadas para o consumo popular, como os cartões-postais, reproduziam recortes visuais de populações marcadas pela diferença exótica, no caso dos africanos, e/ou subalternidade, no caso das populações afrodiaspóricas. Sob esse viés, esses registros visuais, em seus tons performáticos, instituíam realidades e cristalizavam sujeitos, transformando-os em produtos para o consumo visual.

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  • 1
    A fotografia em suporte carte de visite foi reproduzida por George Ermakoff (2004) em O negro na fotografia brasileira no século XIX. O documento, pertencente à coleção Aparecido Jannir Salatinni, é apresentado por Ermakoff com a descrição “negra com criança”. No cartão-postal do século XX, a legenda escolhida pelo editor e fotógrafo Lindemann é “A. Ama - Bahia.” As fotografias produzidas para álbuns, comumente não apresentavam legenda descritiva das imagens e, por essa razão, as referências são variáveis de acordo com o proprietário do álbum, colecionador ou instituição de guarda do documento.
  • 2
    Accras é um tipo de empanado ou bolinho de peixe.
  • 3
    As teses de Ermakoff (2004, p. 116) e Santos (2014, p. 63) são de que Lindemann tenha se apropriado de imagens produzidas por Marc Ferrez que teriam ficado no acervo da Gaensly & Lindemann.
  • 4
    Santos (2014) encontrou esse postal no Arquivo Histórico Municipal de Salvador. A reprodução desse documento consta em sua dissertação de mestrado, p. 64.
  • 5
    Na coleção Gilberto Ferrez, atualmente no Instituto Moreira Salles, o retrato é descrito com a frase “negra com seu filho, 1884”, provavelmente a fotografia foi assim nomeada pelo colecionador. A imagem presente neste mesmo carte de visite, reproduzida por George Ermakoff (2004) em sua obra, foi referenciada como “vendedora de bananas com criança às costas, em uma fotomontagem de 1885 produzida por Marc Ferrez”.
  • 6
    O bilhete postal foi enviado pelo missivista em 1909, porém o cartão provavelmente foi impresso antes de 1906, quando os países membros da União Postal Universal passaram a adotar o padrão atual do cartão-postal com o verso dividido em duas seções e o anverso inteiramente tomado pela imagem (Daltozo, 2006, p. 17).
  • 7
    Reproduzido na dissertação de Santos (2014, p. 64).
  • 8
    A associação, fundada em 1889 por Georges Goury, abriu uma seção para membros de outros países em 1900.
  • 9
    Os membros dos clubes de filatelia e cartofilia possuíam números de identificação que eram escritos nos postais ao lado do nome.
  • 10
    Traduzido do francês pela autora.
  • 11
    A imagem se encontra publicada no catálogo do leilão nº 774 do leiloeiro Franklin Levy, disponível em <www.levyleiloeiro.com.br>. Acesso em: 10 ago. 2020.
  • 12
    Reproduzido em Ferrez (1985, p. 130).
  • 13
    “Ganhador,” neste caso, consiste em uma atribuição genérica para “atividades de ganho” desempenhada por escravizados ou livres. No caso seriam atividades variadas, em espaços urbanos, como carregamento de cargas ou de pessoas (em cadeiras de arruar), consertos, venda de artefatos etc. Para mais detalhes, ver Reis (2019).
  • 14
    Em 1917, Manuel Querino escreveu um ensaio intitulado “A raça africana e seus costumes na Bahia”, no qual fez um estudo com fotografias de africanos, dentre as quais estava a do “ganhador africano” descrito por Lindemann. Querino, porém, identificou-o como pertencente à etnia ijexá na legenda: “integrante da tribu Igê Chá” (Vasconcellos, 2006, p. 90). A hipótese de Negro (2020) é a de que Querino obteve essas imagens por meio de bilhetes postais (cartões-postais) vendidos na época, como os editados por Lindemann.
  • 15
    Tradução do francês feita pela autora.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    20 Mar 2020
  • Aceito
    01 Jul 2020
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