DIMENSIONAMENTO DE PESSOAL DE ENFERMAGEM EM UNIDADES DE INTERNAÇÃO CLÍNICA, CIRÚRGICA E PEDIÁTRICA

RESUMO

Objetivo:

dimensionar o quadro de pessoal de enfermagem em unidades de internação clínica, cirúrgica e pediátrica.

Método:

estudo transversal retrospectivo, realizado em um hospital universitário do Centro-Oeste do Brasil. Foram extraídos dados de classificações diárias do nível de complexidade assistencial (n=5.808) entre pacientes (n=882) internados nas referidas unidades, nos meses de julho a outubro de 2019, além de indicadores de ocupação e permanência hospitalar. Empregou-se análise estatística descritiva, parâmetros e equação próprios ao dimensionamento.

Resultados:

a internação clínica teve a maior ocupação, permanência, demanda de horas de enfermagem/dia (162,58) e déficit de enfermeiros (-12), seguida da unidade pediátrica (-2). Nas unidades clínica e cirúrgica havia o mesmo número de enfermeiros disponível/real. O quadro geral dimensionado apresentou superávit de pessoal (+24), pela elevação de profissionais de nível médio em todos os setores.

Conclusão:

constatou-se inadequação prevista pelo dimensionamento, pois existia desajuste entre a carga de trabalho e a alocação de profissionais nas unidades.

DESCRITORES:
Dimensionamento; Carga de trabalho; Recursos humanos de enfermagem no hospital; Administração de recursos humanos; Equipe de enfermagem

ABSTRACT

Objective:

to size the Nursing staff in clinical, surgical and pediatric inpatient units.

Method:

a retrospective cross-sectional study, carried out in a university hospital in Midwest Brazil. The data were obtained from daily classifications of the care complexity level (n=5,808) among patients (n=882) hospitalized in the referred units, from July to October 2019, in addition to occupancy and hospital stay indicators. Descriptive statistical analysis, parameters and an equation specific to the design were used.

Results:

clinical hospitalization had the highest occupation, permanence, demand for Nursing hours/day (162.58) and deficit of nurses (-12), followed by the pediatric unit (-2). In the clinical and surgical units, there was the same available/real number of nurses. The general staff sized showed personnel surplus (+24), due to the high number of mid-level professionals in all the sectors.

Conclusion:

expected sizing inadequacy was verified, as there was a mismatch between workload and allocation of professionals in the units.

DESCRIPTORS:
Sizing; Workload; Nursing human resources in the hospital; Human resource management; Nursing team

RESUMEN

Objetivo:

constatar la dotación de personal de enfermería en unidades hospitalarias clínicas, quirúrgicas y pediátricas.

Método:

estudio transversal retrospectivo, realizado en un hospital universitario del Centro Oeste de Brasil. Los datos se obtuvieron de clasificaciones diarias del nivel de complejidad asistencial (n=5.808) entre los pacientes (n=882) ingresados en las unidades referidas, de julio a octubre de 2019, además de los indicadores de ocupación y estancia hospitalaria. Se llevó a cabo el análisis estadístico descriptivo con los parámetros y ecuación específicos de la dotación.

Resultados:

la hospitalización clínica presentó la mayor ocupación, permanencia, demanda de horas por día de asistencia de enfermería (162,58) y déficit de enfermeros (-12), seguida de la unidad de pediatría (-2). En las unidades clínico-quirúrgicas, se registró el mismo número de enfermeras disponibles /reales. La planta evaluada presentó un superávit de personal (+28), debido a la elevación de los profesionales de nivel medio en todos los sectores.

Conclusión:

se constató que la dotación resulta inadecuada, debido al desajuste entre la carga de trabajo y la asignación de profesionales en las unidades.

DESCRIPTORES:
Dotación de personal; Carga de trabajo; Recursos humanos de enfermería en el hospital; Gestión de recursos humanos; Equipo de enfermería

INTRODUÇÃO

Na busca da qualidade e otimização de recursos, as organizações de saúde têm adotado princípios da administração - e até mesmo da engenharia de produção - com ênfase na utilização de ferramentas gerenciais que alavanquem assertividade ao poder decisório, além da máxima efetividade no trabalho1. Para a enfermagem, essas ferramentas agregam racionalidade entre elementos de gestão, que contribuem para a segurança e qualidade do cuidado, o cerne da profissão2.

No trabalho do enfermeiro, as ferramentas, instrumentos e meios de gestão/gerenciamento são empregados tanto ao cuidado direto como de forma indireta2, a exemplo da administração de recursos humanos3. Nesse sentido, o dimensionamento de pessoal de enfermagem constitui um meio indispensável e inicial para a previsão/planejamento do quantitativo e qualitativo do pessoal de enfermagem, requerido para atender determinada demanda de assistência (in)direta3^-4. É, portanto, uma ferramenta de gestão de pessoas que intermedeia implicações no cuidado, uma vez que a adequação de recursos humanos de enfermagem pode repercutir na qualidade da assistência5.

No Brasil, o dimensionamento de pessoal possui características peculiares, em virtude da divisão sociotécnica do trabalho em categorias profissionais, e é normatizado pelas Resoluções do Conselho Federal de Enfermagem (COFEN)4. A Resolução COFEN de 2004, atualizada em 2017, representou um avanço para a profissão, pois os novos parâmetros parecem condizer mais com a realidade profissional2. Apesar disso, é comum que sejam verificadas incongruências na prática referente ao prescrito por tal normatização, tanto em nível hospitalar2^,6^-7, como na atenção primária à saúde8.

Recentemente, pesquisadoras enfermeiras, ao investigarem o dimensionamento de pessoal de enfermagem no contexto de Unidades de Terapia Intensiva (UTI) infantis, comparando-o por métodos distintos, recomendaram que a Resolução sobre o tema avance ao status de Lei9. Essa alusão fortalece a justificativa de estudos em diferentes contextos de cuidado, porque é prudente e necessário que o dimensionamento seja investigado, divulgado e apreendido pela enfermagem e saúde, a fim de que melhorias possam ser debatidas, não só nas esferas institucionais, mas também sociais e políticas.

Em unidades de internação cirúrgica, tem-se o perfil característico de alta rotatividade dos pacientes, alta carga de atividades assistenciais que demandam rapidez, assim como elevada demanda de recursos materiais10. Por sua vez, pacientes de unidades clínicas possuem maior complexidade de cuidados, com maior tempo de internação hospitalar devido ao quadro clínico. Por conseguinte, necessitam de processos de trabalho cada vez mais elaborados, podendo ocasionar sobrecarga de trabalho da equipe de enfermagem11.

No contexto hospitalar pediátrico, a assistência dispensada às crianças e família exige dos profissionais de enfermagem certa especificidade, tanto nos aspectos relacionados à fisiopatologia da criança e no domínio de habilidades técnicas, como sobre competências relacionais ao cuidado dessa clientela peculiar12. Por isso, são distribuídos graus de dependência e indicadores de necessidades assistenciais de enfermagem, apropriados a essa clientela6^,12.

Acredita-se que conhecer e divulgar o dimensionamento de pessoal de enfermagem, em diferentes unidades/setores, é de interesse para a ciência da área. Assim, espera-se a consolidação de conhecimentos gerenciais que possam culminar em melhorias para a profissão, pois reafirma a necessidade da utilização dessa ferramenta de forma mais sistêmica e racional. Apesar disso, estudos que reúnam o dimensionamento de pessoal de enfermagem em diferentes setores/unidades, em um relatório de pesquisa, mostram-se incipientes, uma vez que publicações recentes são delineadas com diretividade em um contexto assistencial específico2^,6^-9.

Frente ao exposto, este estudo teve o intuito de responder a seguinte pergunta: o quadro de pessoal de enfermagem, em unidades de internação clínica, cirúrgica e pediátrica, está adequado à previsão determinada pelo dimensionamento? Para tanto, o objetivo consistiu em dimensionar o quadro de pessoal de enfermagem em tais unidades de internação.

MÉTODO

Pesquisa transversal, retrospectiva e descritiva. Foi desenvolvida nas unidades de internação clínica, cirúrgica e pediátrica de um hospital universitário público terciário, de médio porte, da Região Centro-Oeste do Brasil. A instituição é gerida por empresa pública de direito privado.

As unidades pesquisadas totalizam 68 leitos de internação, assim distribuídos: Clínica Médica, 30; Clínica Cirúrgica, 24; e Clínica Pediátrica, 14. Os profissionais de enfermagem das unidades são divididos em cinco equipes, por turnos: matutino, vespertino e três períodos noturnos. Esses trabalhadores, em sua maioria, cumprem jornada de trabalho de 36 horas semanais.

A população do estudo foi composta por todos os pacientes internados nas unidades, no período de julho a outubro de 2019. A composição da amostra de análise baseou-se na inclusão de pacientes com tempo mínimo de 24 horas, de acordo os Sistemas de Classificação de Pacientes (SCP), empregados diariamente pelos enfermeiros nas unidades de internação clínica e cirúrgica3 e na pediátrica12. Foram excluídos aqueles pacientes internados com menos de 24 horas e pacientes pediátricos desacompanhados dos seus responsáveis. Pacientes que, por qualquer motivo, não foram classificados pelos enfermeiros das unidades também não integraram a amostra de análise.

Para a coleta de dados, foi utilizada a planilha de gerenciamento de enfermagem - documento oficial da instituição, quanto ao quantitativo de trabalhadores disponível por categoria nas unidades de internação - disponibilizada pela Divisão de Enfermagem. Além disso, utilizaram-se os registros físicos de classificação de pacientes dos três setores, e dados de indicadores das internações hospitalares (número de pacientes internados, taxa de ocupação e média de permanência), fornecidos pelo Setor de Gestão de Processos e Tecnologia da Informação do hospital de inquérito.

A classificação dos pacientes pelos SCP utilizados nos setores era realizada uma vez ao dia, nas 24 horas - desde a internação até a alta - pelos enfermeiros assistenciais e residentes de enfermagem, previamente capacitados pelas chefias de unidade para tal atividade, conforme os procedimentos operacionais padrão do hospital estudado.

O SCP empregado nas unidades de internação médica e cirúrgica (doravante denominado SCP adulto) é constituído por nove áreas de cuidado, compreendendo: estado mental, oxigenação, sinais vitais, motilidade, deambulação, alimentação, cuidado corporal, eliminação e terapêutica3. O SCP pediátrico composto por 11 indicadores, a saber: atividade; intervalo de aferição de controles; terapêutica medicamentosa; oxigenação; integridade cutânea mucosa; mobilidade e deambulação; higiene corporal; alimentação e hidratação; eliminações; participação do acompanhante; e rede de apoio e suporte12. Por meio de somatória de pontos atribuídos às áreas de cuidado/indicadores, ambos os SCP geravam uma classificação, que se dividia nos seguintes cuidados: mínimos, intermediários, de alta dependência, semi-intensivos e intensivos3^,12.

Salienta-se que, na dinâmica diária de classificação de pacientes pediátricos, observa-se conformidade com a Resolução COFEN n. 543/2017, respeitando seu Art. 3.º § 4, o qual menciona que, “Para berçário e unidade de internação em pediatria todo recém-nascido e criança menor de 6 anos deve ser classificado, no mínimo, como cuidado intermediário, independente da presença do acompanhante”4.

Os dados coletados dos registros físicos foram compilados em planilhas no programa Microsoft Office Excel ^® . As variáveis categóricas foram analisadas por estatística descritiva, em medidas de proporção percentual, e as variáveis contínuas, apresentadas em medida de tendência central. Como os dados de indicadores hospitalares foram fornecidos diretamente pelo setor de tecnologia da informação enunciado, e não por tabulação de dados de prontuários unitários, a média de permanência não foi acompanhada por medida de dispersão. No entanto, optou-se por manter a descrição desse indicador, em razão de dar suporte à interpretação mais sistêmica do dimensionamento de pessoal de enfermagem.

O cálculo do Quadros de Pessoal Dimensionado (QP) de cada unidade foi realizado segundo equação própria, recomendada pela Resolução do COFEN n.º 543/20174 e respectivo manual de apoio13, qual seja: QP=THE X KM.

Para fins de cálculo do dimensionamento, foram considerados: os parâmetros de horas diárias de cada categoria/nível de dependência de cuidados; o Total de Horas de Enfermagem (THE) de cada unidade - produto da somatória das horas requeridas em um dia (média do período de 122 dias do recorte temporal) para cada categoria do SCP; e a Constante de Marinho (KM) de 0,2236, que se refere à jornada de trabalho semanal de 36h, 7 dias de trabalho na semana (trabalho hospitalar ininterrupto) e Índice de Segurança Técnico (IST) mínimo de 15%4^,13. Esse parâmetro (15%) de IST representa 8,3% para cobertura de férias e 6,7% relacionado à segurança para cobertura de ausências não previstas4, e, como no hospital de inquérito essas informações não eram centralizadas e disponíveis sistematicamente, optou-se pelo parâmetro mínimo da normativa vigente.

Mediante o resultado de QP, este foi ajustado às categorias profissionais de enfermeiros e técnicos/auxiliares de enfermagem, também utilizando os parâmetros normativos vigentes e considerando a categoria/nível de complexidade assistencial com maior demanda de horas de enfermagem, por unidade de internação4^,13.

Para comparar o quadro dimensionado com o disponível/real das unidades de internação, foram consultadas as escalas de trabalho referentes ao período de julho a outubro de 2019. Ainda, solicitou-se informação a respeito da idade dos trabalhadores, em julho de 2019, a fim de verificar se haveria necessidade de cumprir a exigência do Art. 14, da Resolução vigente4, o que não foi necessário.

O estudo respeitou as exigências éticas previstas na Resolução n.º 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde. Assim, foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa institucionalizado.

RESULTADOS

Foram analisadas 5.808 classificações diárias entre os pacientes (n=882) internados, no recorte temporal de julho a outubro de 2019. A Tabela 1 apresenta os seguintes indicadores: número de pacientes internados, taxas de ocupação e média de permanência da internação. Observaram-se taxas de ocupação superiores a 100%, nas unidades de internação médica (104,6%), em outubro, cirúrgica (133,8%), também em outubro, e pediátrica (113,2%), em julho.

Tabela 1 -
Número de pacientes internados, taxa de ocupação e média de permanência, por unidade de internação hospitalar e mês. Centro-Oeste, Brasil, 2019 (N= 882).

Unidade / Mês	N.º Pacientes	Taxa de Ocupação (%)	Média de Permanência (Dias)
Clínica Médica (n=171)
Julho	34	102,8	18,0
Agosto	43	100	15,2
Setembro	45	92,6	15,7
Outubro	49	104,6	16,2
Clínica Cirúrgica (n=486)
Julho	128	64,9	3,8
Agosto	117	88,1	4,6
Setembro	131	82,3	5,1
Outubro	110	133,8	8,9
Clínica Pediátrica (n=225)
Julho	54	113,2	11,4
Agosto	49	77,0	7,1
Setembro	65	88,5	7,1
Outubro	57	73,1	7,3

A Tabela 2 demonstra o nível de complexidade/dependência de cuidados de enfermagem, de acordo com as classificações de pacientes (N=5.808), realizadas diariamente em cada unidade de internação, por mês.

Tabela 2
Distribuição das classificações de pacientes segundo o nível de complexidade de cuidados de enfermagem nas unidades de internação clínica, cirúrgica e pediátrica, por mês. Centro-Oeste, Brasil, 2019 (N=5.808).

Unidade / Mês	CM* n(%)	CI† n(%)	CAD‡ n(%)	CSI§ n(%)	CIT|| n(%)	Total n(%)
Clínica Médica (n=2.527)
Julho	187(29)	124(19,3)	139(21,6)	126(19,7)	67(10,4)	643(100)
Agosto	184(29,1)	135(21,4)	143(22,6)	52(8,2)	118(18,7)	632(100)
Setembro	246(40,6)	160(26,4)	55(9,1)	65(10,7)	80(13,2)	606(100)
Outubro	276(42,7)	195(30,2)	58(9,0)	61(9,4)	56(8,7)	646(100)
Clínica Cirúrgica (n=1.718)
Julho	241(55,5)	127(29,3)	40(9,2)	23(5,3)	3(0,7)	434(100)
Agosto	281(64,0)	132(30,0)	22(5,0)	3(0,8)	1(0,2)	439(100)
Setembro	271(63,3)	126(29,4)	22(5,1)	8(2,0 )	1(0,2)	428(100)
Outubro	232(55,6)	145(34,8)	29(7,0 )	11(2,6)	0(0)	417(100)
Clínica Pediátrica (n=1.563)
Julho	65(14,7)	202(45,9)	154(35,0 )	18(4,0)	2(0,4)	441(100)
Agosto	36(9,8)	181(49,2)	145(39,4)	5(1,3)	1(0,3)	368(100)
Setembro	28(6,5)	254(59,3)	142(33,2)	4(1 )	0(0)	428(100)
Outubro	54(16,6)	169(51,9)	98(30,0)	5(1,5)	0(0)	326(100)

• ^*CM: Cuidado Mínimo; †CI: Cuidado Intermediário; ‡CAD: Cuidado de Alta Dependência; §CSI: Cuidado Semi-Intensivo; ||CIT: Cuidado Intensivo.

Por sua vez, a Tabela 3 sintetiza os achados quanto às horas de enfermagem diárias requeridas, por nível de complexidade de cuidados, nas unidades de internação hospitalar, mediante a média diária de pacientes, além do THE de cada setor.

Tabela 3 -
Horas de enfermagem requeridas diariamente, por nível de complexidade assistencial e unidade de internação hospitalar. Centro-Oeste, Brasil, jul. a out. 2019.

Unidade	CM*		CI†		CAD‡		CSI§		CIT||		THE**
	MP††	H‡‡	MP††	H‡‡	MP††	H‡‡	MP††	H‡‡	MP††	H‡‡
Clínica Médica	7,26	29,04	4,99	29,94	3,21	32,1	2,47	24,7	2,60	46,8	162,58
Clínica Cirúrgica	8,33	33,32	4,30	25,8	0,91	9,1	0,36	3,6	0,04	0,72	72,54
Clínica Pediátrica	1,48	5,92	6,55	39,3	4,38	43,8	0,26	2,6	0,02	0,36	91,98

• ††MP: Média Diária de Pacientes; ‡‡H: Horas de Enfermagem; ^*CM: Cuidado Mínimo; †CI: Cuidado Intermediário; ‡CAD: Cuidado de Alta Dependência; |§CSI: Cuidado Semi-Intensivo; ||CIT: Cuidado Intensivo; ^**THE: Total de Horas de Enfermagem.

Por fim, o Quadro 1 demonstra o comparativo entre o quadro real (disponível) e o quadro dimensionado das três unidades, bem como o geral, além de ilustrar o déficit/superávit de pessoal de enfermagem por categoria profissional.

Quadro 1 -
Comparativo do quadro de pessoal de enfermagem real e dimensionado nas unidades de internação Clínica, Cirúrgica e Pediátrica. Centro-oeste, Brasil, 2019.

Dimensionamento de Pessoal de Enfermagem	Quadro Real			Quadro Dimensionado			Déficit / Superávit
Unidade de Internação	ENF†	TE/AE‡	Total	ENF†	TE/AE‡	TOTAL	ENF†	TE/AE‡	Total
Clínica Médica	7	33	40	19	17	36	-12	+16	+4
Clínica Cirúrgica	7	21	28	6	10	16	+1	+11	+12
Clínica Pediátrica	6	23	29	8	13	21	-2	+10	+8
Geral	20	77	97	33	40	73	-13	+37	+24

• †ENF: Enfermeiro; ‡TE: Técnico de enfermagem; ‡AE: Auxiliar de enfermagem.

DISCUSSÃO

Evidenciou-se, em todas as unidades estudadas, que em algum mês de análise foram observadas taxas de ocupação superiores a 100%. Essa é uma realidade visível no serviço hospitalar público brasileiro, que usualmente se encontra superlotado. Porém, reforça-se que, nas unidades cirúrgica e pediátrica, as taxas de ocupação foram menores do que na internação clínica, o que denota o perfil epidemiológico de doenças crônicas e suas agudizações, as quais levam à necessidade de procura de atendimento em maiores níveis de complexidade, inclusive entre idosos. Tal característica é mais comum em unidades de internação clínica14, mas pode ser observada em outros setores quando na superlotação dessas unidades.

A respeito da média de permanência, observou-se que na internação clínica a medida variou entre 15,2 a 18 dias, na cirúrgica de 3,6 a 8,9 dias, e na unidade pediátrica de 7,1 a 11,4 dias. Tal dado vai ao encontro aos indicadores de saúde de um estudo realizado em três hospitais de ensino, no sudeste da Nigéria, que obtiveram intervalo de rotatividade de leitos semelhantes ao encontrado nas unidades pesquisadas15. Quanto ao tempo extra de internação e às infecções associadas à saúde (Acinetobacter baumannii,Klebsiella pneumoniae,Staphylococcus aureus), estudo realizado em um Hospital Universitário, na China Central, demonstrou que pacientes com esse acometimento permaneceram hospitalizados 5,4 dias de tempo extra, quando comparados com outros grupos que não desenvolveram infecções16. Tal fato reforça que as instituições devem trabalhar para reduzir essa métrica, tanto no sentido de evitar infecções e outros eventos adversos, como também para aumentar o turnover de leitos, que é um indicador de produtividade de interesse à sustentabilidade organizacional.

Estudo realizado na unidade de internação de cirurgia pediátrica, em um hospital de ensino do município de São Paulo, confirmou que a maioria dos pacientes (54,8%) teve o tempo de internação entre 1 e 6 dias, e 8,4% ficaram internados durante mais de 30 dias17. Isso ratifica que a permanência é um indicador essencialmente variável, dadas as especificidades/necessidades de saúde singulares entre as pessoas, inclusive as crianças, e também devido a aspectos de organização do cuidado hospitalar.

As boas práticas hospitalares, tais como o planejamento precoce de alta, e até mesmo sistemas de operação enxuta - o lean healthcare -, têm sido alvo de discussões e recomendações, a fim de melhorar o desempenho organizacional, o que inclui o tempo de permanência1. Pressupostos dessa ordem demandam investimento institucional e mudanças nos modelos de gestão, o que passa pelo provimento de pessoal de enfermagem5, foco deste estudo.

Especialmente na internação cirúrgica, o aumento do tempo de permanência pode ser produto, por exemplo, do cancelamento cirúrgico, que é um parâmetro de qualidade/desempenho hospitalar. Evidentemente, com a sua elevação, tende a aumentar a permanência de pacientes no hospital, o que é desfavorável tanto para a instituição como para o paciente18. Apesar dessa conjectura, a unidade de internação cirúrgica apresentou média de permanência superior a sete dias “apenas” em um único mês, que também foi o que obteve a maior taxa de ocupação no setor.

Em contrapartida, o mês de julho, com a menor taxa de ocupação no setor de internação cirúrgica (64,9%), talvez possa ter influenciado os resultados do dimensionamento de pessoal de enfermagem da unidade, que foi produto especialmente da aplicação do SCP aos pacientes internados nas unidades. Nesse sentido, alvitra-se, de antemão, que interpretar o dimensionamento de pessoal em conjunto com os indicadores hospitalares de ocupação e permanência é positivo, pois aumenta a capacidade interpretativa crítica dos achados, que é uma contribuição deste estudo.

O SCP - tanto para adultos quanto para a clientela pediátrica - tem o intuito de classificar os pacientes em consonância com o grau de complexidade/dependência dos cuidados de enfermagem; no entanto, cada instrumento dispõe de adequações para atender as necessidades inerentes às especificidades de cada “tipo” de paciente3^,12^,19. É, portanto, uma forma de medir a carga de trabalho da enfermagem pelo nível de complexidade demandado à clientela, mas também um instrumento de gerenciamento do cuidado2^-3

A classificação dos pacientes na internação clínica e na cirúrgica apresentou predomínio dos cuidados mínimos em todo o recorte temporal. Tais achados se relacionam aos resultados de estudo realizado em uma instituição filantrópica de Minas Gerais, o qual evidenciou a predominância na classificação dessa categoria de cuidados − 67,99% na clínica e 80,65% na cirúrgica19 Esses dados demonstram que, apesar de diferenças epidemiológicas que caracterizam os pacientes das unidades estudadas, existem proporções elevadas de cuidados de baixa complexidade, o que é “positivo”, pois não são unidades para atendimento crítico, como a UTI.

Alude-se que atribuir maior volume de pacientes de baixa complexidade/dependência de cuidados é uma constatação claramente mais plausível à realidade da internação cirúrgica, na qual a proporção de pacientes mais complexos é menor que na internação clínica, que apresentou os maiores percentuais de demanda de cuidados semi-intensivos e intensivos. Isso também acorda ao estudo mineiro mencionado, no qual nenhum paciente cirúrgico foi classificado dependente de cuidados intensivos, nem houve proporção de cuidados semi-intensivos (1,17%)19 menor do que a maior parte das verificadas na pesquisa ora descrita. Ademais, a alocação de pacientes gravemente enfermos em internação clínica talvez corresponda à insuficiência de leitos de UTI, já apontada como um problema social da saúde pública20

Quanto à classificação da unidade de internação pediátrica, houve prevalência de CI e de CAD (59,3%; 39,4%) no recorte do estudo. Tal achado corrobora com pesquisa realizada no estado do Rio de Janeiro, em uma enfermaria pediátrica de hospital público, visto que também apresentou prevalência de demanda de CI (49%) e de CAD (33%)21 Vale destacar que a menor proporção de cuidados mínimos no setor pediátrico é esperada porque, de acordo com a Resolução vigente - que trata do dimensionamento de pessoal de enfermagem, alojamento conjunto (binômio mãe e filho), berçário e unidade de internação em pediatria - todo recém-nascido e criança menor de 6 anos devem ser classificados, no mínimo, como CI, independente da presença do acompanhante4, fato que direciona a menor proporção de CM nesses ambientes.

Em São Paulo, estudo realizado em 2017, em uma unidade pediátrica de 25 leitos (maior que o setor pesquisado neste estudo), constatou perfil de pacientes que requeriam 20,5h/enfermagem/dia para pacientes de CI17. Nesta investigação, verificou-se a necessidade de 39,3 horas diárias para demanda dessa mesma categoria de cuidados, o que denota maior carga de trabalho da equipe de enfermagem pediátrica do hospital de inquérito, fator que se relaciona ao déficit de enfermeiros constatado pelo dimensionamento de pessoal.

O presente estudo demonstrou que a internação clínica se destacou pela maior quantidade de horas requeridas da enfermagem (162,58), o que talvez seja esperado até mesmo pelo maior número de leitos e também de ocupação. No entanto, tais horas foram demandadas em maior quantidade àquelas voltadas aos cuidados intensivos (46,8), demonstrando déficit na racionalização da carga de trabalho, pois evidencia pacientes de cuidados complexos internados em unidade não crítica, cujo cuidado adequado é de assistência intensiva, com aporte apropriado para tal4. Apesar dessa realidade, vale problematizar que, talvez, os critérios para admissão em UTI - de domínio médico-centrado - não necessariamente correspondam à realidade de demandas de cuidados de enfermagem aferidas pelo SCP, o que incorre em divergências e sobrecarga de trabalho à equipe de enfermagem atuante em setores não críticos.

No que concerne à categoria de enfermeiro, a pesquisa mostrou que o quadro real representa déficit de 12 profissionais no quantitativo da internação clínica, discreto superávit de um trabalhador na cirúrgica, e déficit de dois enfermeiros na unidade pediátrica. Esse panorama pode refletir especialmente no gerenciamento e prestação de cuidados complexos na internação clínica. Esse tipo de internação apresenta um perfil de clientela altamente dependente de cuidados, diferenciando-se das unidades cirúrgica e pediátrica, devido à comorbidade e cronicidade dos casos, demandando mais horas do enfermeiro7, além de recursos físicos e estruturais.

A problemática enunciada se intensifica ao se observar que, nas unidades de internação para adultos (clínica e cirúrgica), a distribuição/alocação de enfermeiros disponível/real era exatamente igual - de sete trabalhadores. Ou seja, mesmo com maior número de leitos, taxa de ocupação, média de permanência e complexidade de cuidados de enfermagem na internação clínica, constatou-se barreira em se estabelecer alocação de quantitativo de pessoal de enfermagem dentro da racionalidade. Tal realidade pode interferir negativamente em resultados de qualidade e segurança do paciente5, assim como fere a essência do dimensionamento de recursos humanos de enfermagem4^,22. Acerca disso, destaca-se que estudo realizado em 243 hospitais de 6 países − Bélgica, Inglaterra, Finlândia, Irlanda, Espanha e Suíça − demonstrou que a diminuição de 10% na proporção de profissionais enfermeiros está associada a um acréscimo de 12% na probabilidade de morte dos pacientes23.

Apesar de os resultados evidenciados sugerirem uma fragilidade na racionalidade gerencial para a alocação de pessoal de enfermagem, ressalta-se esse achado como uma contribuição do estudo, pois demonstra que as informações supracitadas são valiosas para a tomada de decisão das lideranças. Em outras palavras, ao menos um enfermeiro da unidade cirúrgica poderia ser realocado para a internação clínica, já que o déficit desse setor foi bem maior (-12) do que na internação pediátrica (-2). Além disso, são ambos os segmentos assistenciais de adultos, o que talvez causaria menos conflitos nessa decisão (realocação), que acarreta, além do manejo relacional de profissionais realocados, compatibilizar perfil de competências específicas às demandas de trabalho.

Estudo que investigou a rotatividade interna de trabalhadores de enfermagem de hospital universitário do Paraná, como estratégia para o gerenciamento de conflitos, sinalizou que, apesar de haver uma faceta positiva para o que se propôs, a rotatividade interna também suscitou sentimentos de ansiedade, medo, frustração, tristeza, angústia e insegurança entre os trabalhadores realocados24. Para tanto, atrelando a literatura aos resultados deste estudo, infere-se que a realocação de pessoal é uma atividade que demanda habilidade social entre gestores de enfermagem. No entanto, acredita-se que a demonstração e participação da equipe junto ao processo de dimensionamento seja um aspecto que facilite possível enfrentamento.

A unidade pediátrica apresentou superávit de 10 (43,4%) técnicos e auxiliares de enfermagem, reforçando, com isso, a necessidade de melhor alocação da força de trabalho dos profissionais de enfermagem, tendo em vista que o adequado quantitativo e o maior nível de instrução educacional do profissional são premissas para a realização de cuidados seguros21^,25. Cumpre salientar que cuidado em enfermagem pediátrica carrega os aspectos que talvez não possam ser mensurados com precisão pelo SCP, pois envolvem questões subjetivas e intensificadas de humanização do cuidado, que vão além das demandas usuais − como a educação em saúde e recorrente contato com familiares/cuidadores −, seja no preparo para alta ou até mesmo durante a internação26.

Outra questão recentemente pesquisada no prisma da carga de trabalho da enfermagem, que extrapola os itens avaliativos dos SCP, é a admissão de pacientes em unidades de internação, sendo considerada uma atividade responsável por 16,3% a 31,5% do tempo da jornada de trabalho entre equipes de enfermagem hospitalar. Portanto, é algo que possivelmente precisa ser considerado na previsão e alocação de pessoal26. Nesse sentido, as alusões alicerçadas na literatura e nos achados deste estudo reforçam que o superávit de pessoal verificado deve ser considerado com cautela por gestores. É muito provável e plausível que existam diversas nuances da carga de trabalho de enfermagem que não são extraídas pela aplicação sistemática do SCP, que foi o cerne deste estudo na definição do quantitativo e qualitativo de capital humano.

Referente à categoria de técnicos/auxiliares de enfermagem, de forma geral, o dimensionamento indicou superávit importante dos trabalhadores (+37). Na internação clínica, o quadro desses profissionais excedeu em 51,5%, na cirúrgica em 52,3% e na unidade pediátrica, como mencionado, em 43,4%, valores estes que remetem discordância das diretrizes vigentes4. Apesar disso, célebres autores que tratam do tema em voga recomendam que, a partir dos resultados quantitativos e qualitativos do dimensionamento de pessoal, caberá aos enfermeiros que vivenciam diuturnamente a dinâmica de trabalho decidir se o método aplicado corresponde às necessidades demandadas para a prestação da assistência de enfermagem3^,13^,20.

O superávit de profissionais de nível médio não é uma premissa para desligamento de trabalhadores, mas sim que existe comum alocação de pessoal menos capacitado para atender demandas complexas de assistência de enfermagem. Uma alternativa para isso seria verificar o dimensionamento de outras unidades assistenciais - seja de internação ou não. Para tanto, o estudo contribui no sentido de demonstrar a importância da visão sistêmica sobre o dimensionamento de pessoal de enfermagem.

A literatura internacional refere que o adequado provimento de profissionais de enfermagem oferece subsídios para a oferta de cuidado mais seguro, com menor incidência de danos relacionados à assistência, menor tempo de internação hospitalar e maior otimização de recursos27. Espera-se que este estudo corrobore com premissas como esta, em especial, para o maior provimento de enfermeiros em unidades que atendem clientela de elevada dependência e/ou complexidade de cuidados.

Acredita-se que a limitação mais expressiva deste estudo é o não compilamento das ausências e presenças dos trabalhadores, pois, possivelmente fomentariam a redefinição do IST utilizado. Todavia, os seus resultados podem ser considerados pelos enfermeiros e gestores de enfermagem para buscar melhorias na qualidade e segurança da assistência, por intermédio da adequada distribuição da força de trabalho de enfermagem. Outra contribuição da pesquisa é a evidência/reforço de que o dimensionamento de pessoal deve ser apreciado da forma mais sistêmica possível nas organizações. Ou seja, ainda que sua aferição se restrinja a algumas variáveis, a complementação por outras medidas parece fornecer um panorama mais completo a seu respeito.

CONCLUSÃO

Conclui-se que havia inadequação de pessoal de enfermagem nas unidades de internação do hospital universitário pesquisado, prevista pelo dimensionamento, pois existia diferença na carga de trabalho e semelhança na alocação de profissionais entre as unidades. Essa realidade foi constatada pela maior parcela de setores com déficit de enfermeiros - destaque para a internação clínica - além de todas as unidades terem apresentado superávit de profissionais de nível médio. Ademais, mesmo com a clara diferença entre demanda de horas de enfermagem - ou seja, da carga de trabalho, do número e ocupação de leitos nos setores, além da complexidade de cuidados divergentes - a alocação de pessoal de nível superior era semelhante, o que é uma possível sinalização de que essa atividade gerencial ocorria de forma eminentemente empírica/rotineira nas unidades pesquisadas.

Apesar de ter sido constatado superávit geral de trabalhadores, é prudente que esse resultado seja apreciado com cautela por gestores e tomadores de decisão, principalmente pelos seguintes motivos: algumas nuances da carga de trabalho de enfermagem tendem a extrapolar a classificação de pacientes - como demanda psicológica, por exemplo −, e ainda outras atividades de trabalho não extraídas pelo SCP - e também por ter sido utilizado IST mínimo. Considera-se que este estudo avança no sentido de reforçar, com clareza, que o dimensionamento de pessoal de enfermagem é uma atividade gerencial sistêmica, e não deve se restringir à mensuração do grau de dependência de cuidados de enfermagem, ainda que essa variável seja central na definição do quadro de pessoal.

AGRADECIMENTO

Ao Departamento de Enfermagem da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) pela liberação de carga horária docente para o desenvolvimento do Projeto de Pesquisa.

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NOTAS

• APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

  Aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Júlio Müller, Cuiabá, Mato Grosso, parecer nº 3.181.185/2019 e Certificado de Apresentação para Apreciação Ética nº 07626019.5.0000.5541.

Editado por

EDITORES

Editores Associados: Selma Regina de Andrade, Gisele Cristina Manfrini, Elisiane Lorenzini, Monica Motta Lino. Editor-chefe: Roberta Costa.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  06 Set 2021
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  10 Set 2020
• Aceito
  21 Dez 2020