EQUIPAMENTOS DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL NA ASSISTÊNCIA HOSPITALAR DE ENFERMAGEM: REVISÃO DE ESCOPO

RESUMO

Objetivo:

analisar a produção científica sobre o uso de equipamento de proteção individual pelos profissionais da enfermagem durante a assistência no âmbito hospitalar.

Método:

trata-se de uma revisão de escopo, baseada no Manual Institute Joanna Briggs de 2020 e norteado pelo PRISMA-PCR. Utilizou-se como base de dados PUBMED, EMBASE, CINAHL, LILACS, BDENF, SCOPUS e WEB of SCIENCE, sendo o período de busca escolhido nos últimos 20 anos. A coleta de dados ocorreu de setembro a outubro de 2021. Protocolo de estudo disponível em Framework: https://osf.io/7d8q9/files/. Foram incluídos estudos sobre o uso dos Equipamentos de Proteção Individual na assistência direta da equipe de enfermagem nos hospitais e excluídos aqueles que abordassem em outros cenários, revisões, teses, dissertações e estudos não disponíveis na íntegra.

Resultados:

a amostra foi composta por 26 documentos. O equipamento mais citado e com maior adesão nos estudos foram as luvas de procedimento, enquanto que o uso dos óculos foi o menor. Dos fatores que facilitam o uso dos EPIs pelos enfermeiros destacam-se as relações interpessoais, conhecimento, carga de trabalho, padronização das diretrizes e participação da equipe assistencial nas decisões gerenciais.

Conclusão:

a necessidade de educação dos profissionais utilizando como estratégia o conhecimento comportamental, a manutenção da comunicação nos setores para evitar a contaminação, a influência da carga de trabalho, a padronização das diretrizes são necessárias nos serviços de saúde hospitalar para aumentar o engajamento dos profissionais de saúde às práticas de biossegurança.

DESCRITORES:
Equipamentos de proteção individual; Prática profissional; Pessoal de saúde; Enfermagem; Precaução; Riscos ocupacionais; Saúde do trabalhador

ABSTRACT

Objective:

to analyze the scientific production on the use of Personal Protective Equipment by Nursing professionals during the care provided in the hospital environment.

Method:

this is a scoping review, based on the 2020 Joanna Briggs Institute Manual and guided by PRISMA-PCR. PUBMED, EMBASE, CINAHL, LILACS, BDENF, SCOPUS and WEB of SCIENCE were used as databases, choosing a search period corresponding to the last 20 years. Data collection took place from September to October 2021. The study protocol is available in the Open Science Framework: https://osf.io/7d8q9/files/. Studies on the use of Personal Protective Equipment in direct care provided by the Nursing team in hospitals were included; and those that addressed reviews, theses and dissertations in other settings were excluded, as well as studies not available in full.

Results:

the sample consisted of 26 documents. The items most cited and with the highest adherence in the studies were procedure gloves, while use of goggles was the least mentioned. The following stand out among the factors that facilitate PPE use by nurses: interpersonal relationships, knowledge, workload, standardization of guidelines, and participation of the care team in management decisions.

Conclusion:

the need to educate the professionals using behavioral knowledge as a strategy, as well as maintenance of communication in the sectors to avoid contamination, the influence of workload and the standardization of guidelines are necessary in the hospital health services to increase health professionals' engagement towards the biosafety practices.

DESCRIPTORS:
Personal protective equipment; Professional practice; Health personnel; Nursing; Precaution; Occupational risks; Occupational health

RESUMEN

Objetivo:

analizar la producción científica sobre el uso del Equipo de Protección Personal en profesionales de Enfermería durante la atención provista en el ámbito hospitalario.

Método:

revisión de alcance basada en el Manual del Joanna Briggs Institute de 2020 y guiada por PRISMA-PCR. Se utilizaron las bases de datos PUBMED, EMBASE, CINAHL, LILACS, BDENF, SCOPUS y WEB of SCIENCE, eligiéndose los últimos 20 años como período de búsqueda. Los dados fueron recolectados de septiembre a octubre de 2021. El protocolo del estudio se encuentra disponible en Open Science Framework: https://osf.io/7d8q9/files/. Se incluyeron estudios sobre el uso del Equipo de Protección Personal en la atención directa provista por el equipo de Enfermería en hospitales y se excluyó a los que tenían como tema revisiones, tesis y disertaciones en otros ámbitos, al igual que estudios no disponibles en formato de texto completo.

Resultados:

la muestra estuvo compuesta por 26 documentos. Los elementos de protección más citados y con mayor adhesión en los estudios fueron los guantes de procedimiento, mientras que las gafas protectoras fueron las menos mencionadas. Entre los factores que facilitan el uso del PPE en los profesionales de Enfermería se destacan las relaciones interpersonales, el conocimiento, la carga de trabajo, la estandarización de las pautas y la participación del equipo asistencial en las decisiones gerenciales.

Conclusión:

la necesidad de educar a los profesionales empleando como estrategia el conocimiento conductual, mantener la comunicación entre los sectores para para evitar la contaminación, la influencia de la carga de trabajo, y la estandarización de las pautas son medidas necesarias en los servicios de salud hospitalaria para mejorar el nivel de compromiso de los profesionales de la salud con las prácticas de bioseguridad.

DESCRIPTORES:
Equipo de protección personal; Práctica profesional; Personal de salud; Enfermería; Precaución; Riesgos ocupacionales; Salud laboral

INTRODUÇÃO

A Saúde do Trabalhador é um campo que busca integrar o conhecimento entre as relações de trabalho e o processo de saúde e doença1. Associada a essa área, a biossegurança é entendida como um conjunto de medidas para prevenção ou eliminação dos riscos que possam comprometer a saúde humana, ambiental ou animal². Ela foi difundida internacionalmente na década de 70 com publicações do Center for Disease Control and Prevention (Centro de Controle e Prevenção de Infecção - CDC) sobre as categorias de precaução.3

No Brasil, a biossegurança foi regulamentada na década de 90, destacando-se para este estudo, a Norma Regulamentadora (NR) 32 que dispõe sobre o uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) para profissionais de saúde.4

A preocupação com os riscos biológicos surgiu com a constatação dos agravos à saúde dos profissionais de saúde na manipulação de microrganismos e na assistência direta ao paciente, como nos surtos, epidemias e pandemias. Destacam-se na literatura a epidemia da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) nos anos de 1980,5 a tuberculose,6 MERS-CoV, Ebola, SARS-CoV e gripe aviária,7 COVID-198 e a exposição aos riscos químicos,9 como administração de antineoplásico.

Os profissionais de saúde quando contaminados durante o exercício do seu trabalho sofrem com os impactos negativos acerca da sua saúde física e psicológica, segurança, moral e, na confiança dos pacientes. Assim, compreende-se que há necessidade de proteger esses profissionais de forma adequada de doenças infectocontagiosas10 e na manipulação de agentes citotóxicos e prejudiciais à sua saúde.11 Como estratégia de biossegurança, o uso de EPIs permite amenizar os riscos ocupacionais e possíveis acidentes.12^-13

Das equipes atuantes nos serviços de saúde, destaca-se a de enfermagem, composta por enfermeiros, técnicos e auxiliares que prestam assistência direta a todos os pacientes. Portanto, no exercício do trabalho, esses profissionais apresentam-se rotineiramente mais expostos e vulneráveis às doenças durante o manuseio das secreções, excreções dos pacientes e superfícies contaminadas,14 além do preparo e manuseio de medicações potencialmente tóxicas.

Na literatura, há estudos que abordam as medidas de biossegurança para prevenção,15 assim como o uso dos EPIs durante o atendimento pelos profissionais de saúde.^16-18 Na atualidade, grande parte da literatura aborda sobre o contexto da COVID-19 e muito se observou na mídia o enfrentamento da escassez de materiais para os profissionais durante esta pandemia, inclusive no Brasil.

Além do contexto socioeconômico, compreende-se pela prática profissional que outros fatores podem influenciar a utilização ou não dos EPIs, como a percepção de risco e vulnerabilidade à exposição no trabalho. Neste sentido, faz-se necessário buscar evidências para corroborar (ou não) com esse conhecimento da prática sobre quais fatores podem influenciar a utilização dos EPIs.

Assim, emprega-se a pergunta norteadora do estudo: qual o conhecimento científico disponível na literatura sobre o uso dos EPIs pela equipe de enfermagem durante a assistência direta no âmbito hospitalar? Para responder a essa pergunta, objetivou-se analisar a produção científica sobre o uso de EPIs pela equipe de enfermagem durante a assistência no âmbito hospitalar.

METODO

Trata-se de uma revisão de escopo, a qual permite mapear os conceitos-chave que sustentam uma área de pesquisa, principais fontes e tipo de evidências disponíveis.19 Neste caso, sobre o uso dos EPIs durante a assistência da equipe de enfermagem no âmbito hospitalar.

Para isso, foram utilizadas as recomendações metodológicas do Joanna Briggs Institute Reviewer’s Manual (JBI) sobre revisão de escopo20 e os itens do fluxograma Preferred Reporting Items for Systematic reviews and Meta-Analyses extension for Scoping Reviews-PRISMA-ScR.21 Foi desenvolvido um protocolo para esta pesquisa e publicado no sistema Open Science Framework disponível no seguinte endereço: https://osf.io/7d8q9/files/.

Para estabelecimento da estratégia de busca, utilizou-se o acrônimo PCC em que P (público-alvo) - profissionais de enfermagem, C (conceito) - uso dos equipamentos de proteção individual e C (contexto) - na assistência direta nos hospitais.

A definição dos descritores e das bases de dados foi realizada em conjunto com um bibliotecário que também validou o protocolo da pesquisa. Para definição dos descritores, foi consultada a página dos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) nos idiomas de português e espanhol, e no Medical Subject Headings (MeSH) em inglês, sendo escolhidos: "Equipamento de Proteção Individual", "Equipo de Protección Personal", "Personal Protective Equipment"[Mesh], "Prática Profissional", "Práctica Profesional" "Professional Practice"[Mesh], "Pessoal de Saúde" "Health Personnel"[Mesh].

Quando utilizou-se os descritores Enfermagem, Enfermeria e Nursing, o número de estudos foi consideravelmente reduzido. Dessa forma, preferiu-se definir a estratégia de busca com “Pessoal de Saúde”. As bases de dados utilizadas para a busca foram: National Library of Medicine (PUBMED), EMBASE, Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL), SCOPUS, Web of Science (WOS), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), e Base de Dados Nacionais da Enfermagem (BDENF) e Scientific Eletronic Library Online (SCIELO). A estratégia de busca utilizada para cada base de dados encontra-se disponível no suplemento 1.

Em todas as bases de dados foram utilizados filtros de idioma, tipo de material e período de tempo considerando os critérios de inclusão. Sendo estes: estudos que abordassem os profissionais da equipe de enfermagem (enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem) atuando na assistência direta ao paciente nos hospitais, nos ambulatórios, enfermarias, centro cirúrgico, unidades de terapia intensiva e pronto atendimento, e que utilizavam os EPIs durante a sua assistência. Quanto ao desfecho, foram considerados os EPIs e dispositivos de barreira/contenção (jaleco/avental e protetor de pés)2^-4 quanto à precaução padrão, de contato, gotículas e aerossóis, em surtos, epidemias e pandemias; frente às doenças infectocontagiosas, às doenças relacionadas ao trabalho, exposição à radiação em salas de cirurgias; como também na administração de medicamentos (neoplásicos, antibióticos, antivirais) e na prevenção das Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde.

Quanto ao período da pesquisa, projetou-se mapear o conhecimento da literatura dos últimos 20 anos, justificado pelos aspectos políticos sobre a cultura de segurança ocupacional no Brasil e no mundo. Assim, determinou-se o período de 30 setembro de 2001 a 30 setembro de 2021, nos idiomas de português, inglês e espanhol.

Em relação aos critérios de exclusão, foram considerados os estudos que se apresentavam em forma de livros, revisão de literatura, resumos, materiais de congresso, editoriais, duplicados e que não estivessem disponíveis na íntegra e de forma online. Ainda, foram excluídos estudos que abordassem unidades básicas de saúde, contexto domiciliar, pré-atendimento, consultório particular ou outros estabelecimentos de saúde, como clínicas de vacina e laboratórios; que tivessem como público-alvo os estudantes, residentes e visitantes, além daqueles que abordassem sobre outros tipos de EPIs como capacetes e protetores auditivos.

Quanto às fontes de estudo, considerou-se os estudos primários de uma forma geral, de forma a compreender a utilização dos EPIs no espectro mundial e nacional e também, realizou-se a busca na literatura cinzenta através dos referenciais dos órgãos regulamentadores, como Organização Mundial da Saúde (OMS), Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) e Ministério da Saúde (MS) utilizados nos artigos elegidos desta presente revisão. A busca foi realizada em setembro de 2021. A coleta de dados ocorreu de setembro a outubro de 2021.

Para seleção dos estudos, contou-se com três revisores, sendo que dois revisores (RKS e TLS) realizaram a seleção e avaliação de forma independente, e o terceiro (NG) foi consultado para quaisquer divergências identificadas no processo. Foi realizado um pré-teste com os três revisores com a avaliação de dez estudos, na íntegra, selecionados de duas bases de dados (cinco de cada) para garantir um consenso de toda a equipe frente aos critérios de elegibilidade.

Então, procedeu-se à seleção dos estudos primeiramente por títulos e resumos, considerando os critérios de elegibilidade descritos acima. Os estudos selecionados nesta primeira etapa foram importados para o software EndNote web®. Em um segundo momento, então, foi realizada a leitura na íntegra dos estudos para seleção da amostra final. Aqueles escolhidos para leitura na íntegra foram organizados em uma planilha do Excel®. Para refinamento do instrumento de coleta de dados, foi realizada uma pré-análise com cinco estudos para cada revisor.

As variáveis escolhidas para análise foram: base de dados, nome do periódico, autores, ano, título na língua original, país, objetivo na língua original, tipo de estudo descrito pelos autores originais; se estudo unicentro ou multicêntrico, número de participantes, profissão dos participantes, critérios de inclusão e exclusão, tempo de formação dos participantes, se utilizou algum tipo de instrumento de medida, se utilizou algum referencial teórico-metodológico, tipo de análise, os tipos de EPIs, contexto do uso dos EPIs apontado pelos autores, agente biológico ou farmacológico, intervenções (se houvesse). Também foram extraídas informações sobre as condições que facilitam, que dificultam o uso dos EPIs, fatores individuais, trabalho, organizacionais e os resultados principais. Esse processo de extração dos resultados e mapeamento foi realizado de forma descritiva.

Para categorização dos resultados, utilizou-se como base os resultados da pesquisa apresentados por Cunha e autores,22 os quais estão relacionados com as condições que facilitam e/ou dificultam a adesão aos EPIs, no que tange aos aspectos individuais, de trabalho e organizacionais.

RESULTADOS

Foram identificadas 5.801 publicações nas bases de dados e 11 através dos referenciais de órgãos regulamentadores dos estudos elegidos, conforme apresentado na Figura 1.

Figura 1-
Fluxograma dos processos de busca e seleção dos estudos da presente revisão de escopo, adaptado do PRISMA-ScR23. Florianópolis, SC, Brasil, 2021.

Dos 19 artigos da amostra final, dez foram identificados na PUBMED,24^-33 três na LILACS/BDENF,34^-36 dois na SCOPUS,37^-38 na EMBASE39^-40 e na CINAHL.41^-42 Na literatura cinzenta, foram escolhidas seis publicações, sendo três da CDC,43^-45 duas da OMS46^-47 e uma da American Society of health-system phamacistis (Sociedade Americana de Farmacêuticos do Sistema de Saúde) (ASHP).48

Dos países com maior predominância, destaca-se os Estados Unidos da América com 10 estudos publicados da literatura científica41^-42^,25^-27^,33 e cinzenta43^-46^,48 (Quadro 1). Quanto aos anos dos estudos, apresentam-se, de forma diversificada, com maior predomínio nos anos de 2019 (n=4) e 2016 (n=3).

Grande parte dos estudos era de abordagem quantitativa, transversal,24^,26^-30^,33^-35^,38^-42 seguido das pesquisas qualitativas25^,31^-32^,36^,37 e apenas um estudo foi de método misto.24 Embora grande parte dos autores tragam as definições das abordagens e/ou método, alguns não o fizeram.28^,38

Dos estudos realizados, 55% (n=11) eram multicêntricos, 35% (n=7) unicêntricos e 10% (n=2) foram pesquisas anônimas online.

Frente aos profissionais da equipe de enfermagem, a maioria dos estudos (n=16) abordou somente enfermeiros24^,26^-28^-33^,37^-40 e o número de participantes variou de 2031 a 1500.28 Dois estudos25^,35 contemplaram a equipe de enfermagem (técnicos e auxiliares) e também incluíram outros profissionais, como os fisioterapeutas, médicos e dentistas. O tempo de formação dos profissionais citados pelos estudos variou de 1 a 20 anos.

Dois trabalhos se basearam em teoria comportamentais, como a Teoria Social Cognitiva28 e o Modelo de Crenças em Saúde.25 Outros utilizaram referenciais da abordagem qualitativa (etnografia,37 fenomenologia31 e história oral36) para coleta e análises dos dados.

Na avaliação dos questionários e/ou instrumentos, além daqueles elaborados para coleta de dados sociodemográficos, os estudos utilizaram a Escala de Adesão às Precauções Padrão traduzida e validada no Brasil,35 Escala de Ambiente de Prática e do Índice de Trabalho de Enfermagem,24Hazardous Drug Handling Questionnaire.33 Dois estudos40^-41 utilizaram diferentes módulos da pesquisa Health and Safety Practices Survey of Healthcare Workers para identificar o conhecimento e práticas de manuseio seguro de medicamentos citotóxicos40 e o conhecimento dos efeitos perigosos dos medicamentos aerossóis.41 Ainda, outros estudos utilizaram-se de instrumentos com base em publicações prévias sobre precauções padrão,28 fatores associados ao comportamento de autoproteção no trabalho,30 diretrizes de precauções de isolamento do CDC 200732 e indicadores de manuais de avaliação da qualidade de infecção hospitalar.34

Quanto aos tipos de EPIs e dispositivos de barreiras abordados nos resultados, estes são descritos no Quadro 1. Seis estudos24^,31^-32^,36^,43^,46 não abordaram em específico algum EPI, mas contextualizam sobre o uso deste na prática.

Quadro 1-
Apresentação do número da referência, país e tipo de equipamentos de proteção individual abordados. Florianópolis, SC, Brasil, 2021.

Estudo	País	Tipos de Equipamentos de Proteção Individual
		Máscara de proteção respiratória	Máscara cirúrgica	Protetor facial	Óculos	Gorro	Avental/Jaleco	Luvas	Luvas duplas	Protetor de pé
25	EUA	X
26	EUA							X
27	EUA	X
28	China		X		X		X	X		X
29	Canadá	X	X		X
30	Canadá	X
33	EUA		X		X		X		X
34	Brasil		X	X			X	X
35	Brasil		X		X		X	X
37	China	X			X	X	X	X	X
38	Polônia		X		X		X	X
39	Egito	X
40	Etiópia	X			X	X	X	X		X
41	EUA	X		X	X		X	X
42	EUA		X	X	X	X	X	X	X	X
44	EUA	X	X	X	X	X	X	X	X	X
45	EUA	X			X	X	X	X	X	X
48	EUA	X			X	X	X	X	X	X

Em relação ao contexto, os estudos trouxeram a saúde e a segurança frente aos agentes biológicos e farmacológicos. Quanto a doença e/ou agentes biológicos identificaram-se: a tuberculose,27^,31^,39 HIV/AIDS,36^,38 Hepatite B e Hepatite C,38Clostridium Difficile, MRSA, Varicela, Gripe e Meningite Meningocócica27 e COVID-19.24 Quanto aos medicamentos, foram estudados os antineoplásicos,33^,37^,40^,42^,44^-45^,48 aerolizadores41 e citotóxicos.43

Alguns estudos abordaram sobre precaução padrão,26^,28^,32^,34^-35 uso de máscara em contexto geral25 e sobre proteção facial para doenças respiratórias transmissíveis.29^-30

Em relação à frequência, os EPIs mais utilizados foram as luvas 83,4% (n=501) e o menos utilizado foram os óculos 8,8% (n= 53). Das enfermeiras que utilizavam óculos, cerca de 50% destas já tiveram contato com respingos.38 Observou-se, em outro estudo, que o uso de óculos, máscaras e roupas de proteção teve menor conformidade, diferente das luvas, em razão da sua disponibilidade e acessibilidade nos setores.28

Em unidade de terapia intensiva, a maior taxa de adesão de EPIs da equipe multiprofissional em relação ao número de procedimentos observados foi para o uso de luvas, seguida de aventais, máscara cirúrgica e óculos. Os autores atribuíram esses resultados ao fato de que grande parte dos pacientes internados no período da coleta estavam em precaução por contato. Ainda, descreveram que a taxa de acerto quanto ao uso de EPIs nos procedimentos foi menor que 50%, justificado pelo uso desnecessário da máscara em alguns procedimentos e do não uso dos óculos em outros (como aspiração traqueal) que seria obrigatório.34

Em outro estudo brasileiro, com uma amostra de 54 profissionais da equipe de enfermagem, os autores encontraram que os itens da escala com maior escore (menor adesão para precaução padrão) foram o descarte de objetos perfurocortantes em recipientes próprios, uso de luvas descartáveis quando há risco de sangue ou outras secreções, manipulação de outros objetos perfurocortantes (bisturi, por exemplo), e o item com maior adesão às precauções foi aquele que aborda sobre o reencape de agulha para puncionar veia de pacientes. Entretanto, chama a atenção que 25 dos 54 participantes disseram que nunca reencapam.35

Quanto à proteção da exposição aos antineoplásicos, o uso mais consistente de EPIs foram as luvas e máscaras como medidas de proteção individual. Os autores retrataram que nenhum profissional do estudo utilizou todos os EPIs necessários para as etapas de preparo, administração e descarte. Quase 70% da amostra de enfermeiros reportou que a falta de treinamento para manuseio desse tipo de medicamento.40 Ainda que o guideline da American Society of Health-System Pharmacists recomenda o uso de luvas duplas ou luva própria de quimioterapia na administração dos neoplásicos para garantir a segurança do trabalhador48 e, de preferência, para todos os processos de manipulação das drogas.

Em outro estudo42 sobre a manipulação de antineoplásicos, identificou-se que 98% (n=2.069) dos participantes sempre trocavam as luvas danificadas imediatamente quando contaminadas, 85% (n=1.972) usavam luvas na quimioterapia e avental não absorvente com frente fechada e punhos justos. Ainda, 59% (n= 1.762) dos participantes relataram nunca utilizar luvas duplas, 78% (n= 1.886) nem óculos de proteção, respirador 95% (n= 1.953), 93% (n=1.997) propé ou 94% (n= 1.995) gorro.

Apresenta-se na Figura 2 os resultados obtidos da amostra sobre as condições que facilitam e dificultam o uso dos EPIs.

Figura 2 -
Apresentação dos resultados das condições que facilitam e dificultam o uso dos EPIs pela equipe de enfermagem no âmbito hospitalar. Florianópolis, SC, Brasil, 2021.

Complementa-se que os enfermeiros que perceberam o suporte da organização em relação à saúde e segurança tiveram duas vezes mais probabilidade de relatar adesão ao uso da máscara de proteção respiratória.29

Quanto aos fatores organizacionais, os enfermeiros mencionaram como motivo para não utilizar luvas de quimioterapia em razão da pouca exposição da pele, que os EPIs não eram ofertados pelos empregadores e que não faziam parte do protocolo da instituição. Já em relação ao uso de aventais não absorventes, identificou-se que ninguém os utiliza. Em relação aos óculos e respiradores, os respondentes afirmaram de forma crescente: que não fazia parte do protocolo, a pouca exposição da pele e que um controle de engenharia estava sendo utilizado.42

Quando se trata da experiência dos profissionais, não foi identificada diferença estatisticamente significante entre profissionais de enfermagem com tempo menor de seis anos e aqueles com tempo maior. Entretanto, observou-se que os profissionais com mais de 10 anos de experiência tiveram mais adesão para lavar as mãos após retirar as luvas descartáveis do que aqueles com menos de seis anos. No geral, a adesão neste estudo à precaução padrão foi considerada como intermediária.35

Nos resultados da presente revisão, identificou-se o uso excessivo dos EPIs nas situações em que não há indicação, sendo os mais utilizados a máscara cirúrgica,27 os aventais,28 a máscara de proteção respiratória25^,27 e as luvas estéreis.27

Observou-se que poucos enfermeiros 20,2% (n=17) estavam seguindo as precauções padrão do controle de infecção e poucos seguiam as precauções de isolamento baseadas na transmissão 11,9% (n=10).32

O tipo de unidade foi um preditor significativo da adesão da máscara de proteção respiratória dos enfermeiros de pronto socorro, visto que 60% relataram que são menos propensos a utilizar a máscara de proteção respiratória em comparação aos enfermeiros de cuidados intensivos. Explica-se, em razão do ambiente de trabalho acelerado e agitado, onde se concentra em fazer diagnósticos, gerenciar crises e lidar com eventos imprevistos.29 Logo, demonstrou-se o Pronto Socorro como o local de menor adesão da N95.25

Ainda, a literatura demonstra que a equipe de enfermagem é responsável em implementar práticas de controle de infecção ao cuidado do paciente, sendo o enfermeiro responsável pela Comissão de Controle de Infecção Hospitalar, nas suas diversas funções, identifica a adesão de enfermagem às políticas instituídas.47

DISCUSSÃO

Na presente revisão, buscou-se conhecer o que tem sido produzido na literatura acerca do uso dos EPIs pelos profissionais de enfermagem no âmbito hospitalar, considerando os marcos iniciais das políticas públicas de segurança do trabalho.

A amostra foi heterogênea em relação aos objetivos, número de profissionais incluídos, tempo de experiência e instrumentos utilizados, entretanto houve um predomínio dos estudos transversais, evidenciando que há uma lacuna de estudos de intervenção para o uso dos EPIs ou adoção de diretrizes por parte dos profissionais de enfermagem. Como previsto, há um número maior de publicações internacionais sobre a temática. Considerando que o Brasil é um país continental, com diferentes realidades e culturas, sugere-se o avanço de pesquisas relacionadas ao uso de EPIs pela equipe de enfermagem.

O cenário hospitalar é complexo, composto por equipe multiprofissional, com diferentes especialidades e cultura organizacional. Assim, diversos fatores podem contribuir para a adesão ou não das políticas instituídas.

Dos fatores individuais, reconhece-se a influência dos colegas e chefia para o uso dos EPIs. A escolha de usar ou não é realizada de forma individual, mas nelas há valores e crenças que são compartilhadas e podem ser decisivos nas escolhas pessoais. Como também mencionado, a percepção de risco de contaminação junto às relações de trabalho deve ser observada e pode ser uma estratégia para o desenvolvimento de medidas de prevenção, de melhoramento da adesão e promoção de mudança de comportamento.49 A literatura demonstra que futuros programas de treinamento devem considerar aumentar a percepção de autoeficácia e o conhecimento acerca das estratégias utilizadas de proteção.50

Quanto às condições que dificultam o uso dos EPIs no âmbito individual, reconhece-se como cerne a falta de conhecimento como uma realidade presente nos enfermeiros frente às precauções padrões, apesar de reconhecerem a necessidade de uso.51 Quanto aos achados da adesão desta presente revisão, predominou-se a alta adesão das luvas e baixa adesão dos óculos, no entanto, não se encontrou estudos que fundamentem a baixa adesão ao uso dos óculos durante a assistência, mas sugere-se que esteja relacionada ao fato do profissional não perceber como necessária apesar de ser estabelecido nas normas reguladores e de biossegurança.

Dos fatores de trabalho, a comunicação visual, como placas sinalizadoras, materiais disponíveis, comunicação adequada das informações/condições dos pacientes e treinamentos são reconhecidos como importantes na adesão ao uso dos EPIs.

O enfermeiro tem um papel gerencial na organização do trabalho da sua equipe e da unidade52. Conforme apontado em diretriz da amostra da revisão,48 os enfermeiros participam de comissões de controle de infecção hospitalar que devem auxiliar na adequação das unidades hospitalares, assim como facilitam os processos de formação de outros profissionais da instituição. Além de intervenções educativas e melhoramento do ambiente de trabalho, resultados de pesquisa sugerem que a carga de trabalho também deve ser avaliada para que haja o uso dos EPIs pelos profissionais.53

Dos aspectos organizacionais, há ainda o desafio dos hospitais quanto aos encargos financeiros. A literatura menciona que os custos diários para manter os EPIs em unidades de terapia Intensiva aumentaram cerca de 500% no início da pandemia por COVID-19.54 Visto que não havia a previsão de uma epidemia e, portanto, não havia planejamento financeiro para tal gasto, muitas unidades ficaram sem EPIs, conforme observado na mídia mundial. Associado a isso, é claro, foi o impacto na produção dos EPIs na China pela pandemia.

Embora poucos estudos abordassem a acessibilidade dos profissionais frente aos EPIs, os resultados demonstraram que os EPIs mais caros, como a máscara N95, são armazenados com maior distância para evitar o uso errôneo.²⁵ Logo, reconhece-se a necessidade de intervir na educação dos profissionais da equipe de enfermagem de forma que possa elucidar sobre o uso deste EPI.

Quanto às ações gerenciais, reconhece-se a auditoria da adesão dos EPIs, de forma que possa acompanhar o uso da equipe de enfermagem. No entanto, essa ação de vigilância tem como ponto negativo o efeito Hawthorne, o que poderia ser diminuído pelo uso de câmeras filmadoras.55

Resultados interessantes sobre a adesão aos EPIs frente à manipulação das drogas perigosas demonstram níveis detectáveis de medicamentos antineoplásicas na urina dos profissionais que as manuseiam, avaliação essa dada por meio da monitorização biológica, em que caracteriza a permanência da exposição ocupacional.56 Embora, como visto nos resultados, há diretrizes que recomendam e orientam o uso adequado de EPIs quando se trata de medicamentos tóxicos.

Esse processo de monitorização biológica é realizado através do programa de manuseio seguro, acompanhamento este também dado aos agentes biológicos como na COVID-19.57 No entanto, não se encontrou estudos que abordassem essa prática na gestão. Esse cuidado também pode ser realizado para os profissionais que cuidam de pacientes com tuberculose, por meio de uma triagem admissional e anual, realizando radiografia de tórax e testes sorológicos.39

Logo, ressalta-se a importância do cuidado ao profissional quanto à manipulação dessas drogas mediante capacitações e padronizações fundamentadas na segurança do trabalho e na proteção do paciente, do trabalhador e do meio ambiente.⁵⁸

Além desses aspectos, ressalta-se a importância da disponibilidade dos EPIs e a educação permanente59, reforçando os resultados da presente revisão, os quais apontam que há necessidade de participação dos enfermeiros na prática clínica nas decisões/elaboração dos aspectos gerenciais, auxiliando, assim, no levantamento das reais necessidades da equipe60. As ações e intervenções devem ser articuladas pela gerência das unidades e gestores de serviços de forma que possa favorecer o clima de segurança e, consequentemente, a cultura de segurança do profissional e do paciente.57

Os resultados da presente revisão indicam potenciais estudos para verificação da adesão ou não dos EPIs por parte dos profissionais de enfermagem, principalmente, trazendo os aspectos individuais, do trabalho e organizacionais. Estudos de intervenção auxiliam nas evidências e, consequentemente, nas práticas. Quanto à prática de enfermagem, os resultados apontam que as relações interpessoais, a liderança e a organização são fundamentais para a adesão. No que tange ao ensino, pode-se reforçar que o enfermeiro é um educador e produtor de conhecimento.

CONCLUSÃO

As condições que favorecem o uso dos EPIs são voltadas à educação reportadas ao conhecimento comportamental, frente à adesão dos EPIs identificou-se as luvas como maior adesão e os óculos como menos aderido, encontrou-se como lacuna a investigação da baixa adesão dos óculos de proteção na assistência.

Quanto ao trabalho, identificou-se a comunicação visual como favorável, setores que demandam agilidade, como pronto socorro e a carga de trabalho como fatores que influenciam negativamente no uso dos EPIs. Quanto à organização, cabe inserir práticas de gestão em relação às condições de trabalho, padronização das informações e incluir os profissionais assistenciais no processo de decisão. Apresenta-se uma preocupação com o trabalhador com a manipulação de drogas perigosas, no entanto, encontrou-se como lacuna, estudos que abordem o programa de monitoramento para vigilância da exposição ocupacional.

AGRADECIMENTO

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo apoio financeiro.

REFERENCES

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• ORIGEM DO ARTIGO

  Extraído da dissertação - Avaliação de crenças dos enfermeiros relacionadas ao uso da máscara de proteção respiratória para prevenção da COVID-19 nas Unidades de Terapia Intensiva do Sul do país apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, da Universidade Federal de Santa Catarina, 2021.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  01 Ago 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  26 Nov 2021
• Aceito
  13 Maio 2022