ATITUDES PROFISSIONAIS EM RELAÇÃO AO COMPORTAMENTO SUICIDA NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE: UM ESTUDO QUASE-EXPERIMENTAL

RESUMO

Objetivo:

analisar as atitudes dos profissionais de saúde da Atenção Primária à Saúde antes e após a participação de oficinas acerca da abordagem em relação à pessoa com comportamento suicida.

Método:

estudo de natureza quantitativa e quase-experimental do tipo antes e depois, realizado em município do interior do estado de São Paulo de agosto a setembro de 2019. A amostra foi composta por 34 trabalhadores que responderam a um Questionário Sociodemográfico e ao Questionário sobre Atitudes em Relação ao Comportamento Suicida, aplicados antes e após a realização de três oficinas sobre abordagem à pessoa com comportamento suicida no contexto da Atenção Primária à Saúde. Os dados foram analisados por meio dos testes de Wilcoxon e McNemar, considerando p<0,05.

Resultados:

identificou-se diferença estatisticamente significativa antes e após as oficinas no que se refere à capacidade profissional (p=0,011), sentimentos negativos em relação ao paciente (p=0,025) e sem categoria (p=0,006), evidenciando a efetividade das oficinas sobre a abordagem da pessoa com comportamento suicida para os profissionais da gestão e do cuidado na Atenção Primária à Saúde.

Conclusão:

os resultados a curto prazo, observados após oficinas, apontam para uma mudança na concepção e no manejo dos profissionais frente à pessoa com comportamento suicida. Estratégias permanentes e continuadas de formação como espaços de aprendizagem, reflexão e ação são fundamentais para qualificar a abordagem à pessoa com comportamento suicida.

DESCRITORES:
Suicídio. Tentativa de suicídio. Capacitação de recursos humanos em saúde. Atenção primária à saúde. Conhecimentos; atitudes e prática em saúde

ABSTRACT

Objective:

to analyze the attitudes of health professionals working in Primary Health Care before and after participating in workshops about how to approach people with suicidal behavior.

Method:

a before-and-after quantitative and quasi-experimental study, conducted in a municipality in the inland of the state of São Paulo from August to September 2019. The sample consisted of 34 workers who answered a Sociodemographic Questionnaire and the Questionnaire on Attitudes towards Suicidal Behavior, applied before and after three workshops on how to approach people with suicidal behavior in the Primary Health Care context. The data were analyzed by means of the Wilcoxon and McNemar tests, considering p<0.05.

Results:

a statistically significant difference was identified before and after the workshops regarding professional ability (p=0.011), negative feelings towards the patient (p=0.025) and without a category (p=0.006), evidencing the effectiveness of the workshops on how to approach people with suicidal behavior for management and care professionals working in Primary Health Care.

Conclusion:

the short-term results observed after the workshops point to a change in the professionals' conception and management in relation to people with suicidal behavior. Permanent and continuous training strategies as spaces for learning, reflection and action are fundamental to qualify the approach to people with suicidal behavior.

DESCRIPTORS:
Suicide. Attempted suicide. Training of human resources in health. Primary health care. Knowledge; attitudes and practice in health

RESUMEN

Objetivo:

analizar las actitudes de los profesionales de la salud que trabajan en Atención Primaria antes y después de participar en talleres sobre el enfoque en relación a personas que presentan conductas suicidas.

Método:

estudio de carácter cuantitativo y cuasi-experimental del tipo antes y después, realizado en un municipio del interior del estado de San Pablo de agosto a septiembre de 2019. La muestra estuvo compuesta por 34 trabajadores que respondieron un Cuestionario Sociodemográfico y el Cuestionario sobre Actitudes en Relación a las Conductas Suicidas, aplicados tanto antes como después de asistir a tres talleres sobre cómo tratar a personas con conductas suicidas en el contexto de la Atención Primaria de la Salud. Los dados se analizaron por medio de las pruebas de Wilcoxon y McNemar, considerando p<0,05.

Resultados:

se identificó una diferencia estadísticamente significativa antes y después de los talleres en lo que se refiere a la capacidad profesional (p=0,011), a sentimientos negativos en relación al paciente (p=0,025) y a ninguna categoría específica (p=0,006), evidenciando así la efectividad de los talleres sobre cómo tratar a personas con conductas suicidas destinados a profesionales de gestión y atención en el contexto de la Atención Primaria de la Salud.

Conclusión:

los resultados a corto plazo que se observaron después de los talleres señalan un cambio en la concepción y el manejo de los profesionales frente a personas que presentan conductas suicidas. Estrategias permanentes y sostenidas en el tiempo como espacios de aprendizaje, reflexión y acción son fundamentales para cualificar debidamente la forma de atender a personas con conductas suicidas.

DESCRIPTORES:
Suicidio. Intento de suicidio. Capacitación de recursos humanos en salud. Atención primaria de la salud. Conocimientos; actitudes y práctica en salud

INTRODUÇÃO

O suicídio está entre as três principais causas de morte de pessoas com idade entre 15 e 44 anos. Aproximadamente um milhão de pessoas cometem suicídio no período de um ano no mundo, proporcionalmente, esse resultado corresponde a uma morte a cada 40 segundos1^-2. Compreende a 12,4% das mortes por causas externas nas Américas, representando 65 mil suicídios por ano, de acordo com a Organização Pan-Americana de Saúde/Organização Mundial de Saúde (OPAS/OMS)3.

O quantitativo é ainda mais grave quando se considera o comportamento suicida, definido como todo ato pelo qual uma pessoa causa lesão a si mesma, independentemente, do grau de letalidade e do motivo deste ato. Evidencia-se nessa concepção que o comportamento suicida é interpretado como um processo: ameaças, autolesões, frustrações, desesperança, fuga social, sintomas depressivos, pensamentos de autodestruição, tentativas de suicídio e o suicídio em si4^-5.

Esse contexto coloca o comportamento suicida enquanto um grave problema de saúde pública, mas com caráter preventivo. Tal conformação tem levado os sistemas de saúde a organizarem estratégias e planos de enfrentamento que envolvam ações de promoção à saúde mental, prevenção, detecção precoce e abordagem efetiva dos casos de tentativas e do comportamento suicida3.

Organizados segundo a lógica das Redes de Atenção à Saúde, os serviços que compõe a rede temática de saúde mental, Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), atuam na perspectiva do cuidado integral para o manejo das pessoas em sofrimento psíquico leve, moderado e grave. Sua diretriz se compromete com a defesa aos direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais, de modo a proporcionar autonomia, equidade e qualidade nos serviços, com ênfase no cuidado integral e multiprofissional na lógica transdisciplinar no atendimento comunitário, bem como, com estratégias de cuidado e ações intersetoriais6^-8.

Nessa direção, a Atenção Primária à Saúde (APS) é um dos componentes que integram a RAPS, desenvolvendo como funções a resolubilidade, acessibilidade e centro de comunicação do sistema. A Estratégia Saúde da Família (ESF) como seu eixo estruturante, orienta-se pelos atributos acesso, longitudinalidade, integralidade, coordenação, orientação comunitária, competência cultural e cuidado centrado na família e usuário7. Articulada à RAPS, esse componente desempenha papel central para o alcance dos princípios defendidos pela Reforma Psiquiátrica brasileira expressos na produção de cuidado9.

Essa importância é apontada pela literatura científica, uma vez que uma parcela considerável das pessoas com comportamento suicida foi consultada por médicos meses antes de sua ocorrência. Dados da França e dos Estados Unidos apontam que 80% das pessoas com sintomas depressivos são tratadas na APS, o que representa 20% do total de consultas10. A identificação precoce de sinais relativos ao comportamento suicida e a avaliação acurada do risco de suicídio estão relacionados à prevenção eficaz, situação que aponta para a necessidade cada vez maior de preparação técnica dos profissionais da APS11.

Desse modo, os profissionais da APS podem atuar no acompanhamento das pessoas com comportamento suicida por meio de ações de vigilância e de redução dos riscos, diminuindo as consequências negativas associadas às tentativas e às ideações de suicídio. Observam-se, contudo, fragilidades para o manejo dessa problemática localizadas na escassez de capacitação sobre o tema e na influência das concepções pessoais, produzindo estigma e as crenças moralistas em torno da ação do profissional no cuidado às pessoas com comportamento suicida12.

Assoma-se, nesse cenário, um descompasso entre o campo das políticas públicas de saúde e o campo da atenção à saúde e da formação de profissionais. A fragilidade na formação repercute diretamente nas atitudes evidenciadas na formação de profissionais acríticos e pouco engajados politicamente no contexto de Reforma Psiquiátrica13^-15.

O objetivo da formação é desenvolver conhecimentos, habilidades e atitudes, no entanto, as disciplinas curriculares de saúde mental e psiquiatria são marcadas pelo enfoque do normal versus patológico, centrado na psicopatologia e na instituição psiquiátrica. A falta de preparo dos profissionais recém-formados ao serviço está relacionada ao caráter biomédico da formação, insuficiente para atuação no contexto do modelo territorial, de base comunitária13^-15.

Atitude, sob a perspectiva teórica, pode ser entendida como um posicionamento diante a objetos sociais. Quando analisadas, as atitudes agregam três componentes inter-relacionados: cognição, afeto e comportamento, e que guardam relação de coerência entre si. Por meio de estudos da Psicologia Social, afirma-se que as atitudes são construídas ao longo da socialização de um sujeito intermediadas pelas experiências vividas. Uma vez que as atitudes passam a compor a personalidade, sabe-se que a aquisição de novas atitudes é um processo aceito mais facilmente para o sujeito quando comparado à sua modificação16^-17.

Nesse sentido, o objeto social tomado nessa pesquisa, comportamento suicida, vem sendo investigado sob o aspecto de como estão configuradas as atitudes profissionais. Há evidências quantitativas e qualitativas que corroboram alterações atitudinais positivas por parte dos profissionais da saúde diante do comportamento suicida após terem participado de experiências formativas, que por sua vez, agregam conhecimentos e habilidades técnicas para o manejo dessas situações12.

Ressalta-se, contudo, que a análise do constructo atitude pode ser realizada sob as perspectivas qualitativa e quantitativa, complementares entre si. Na Enfermagem e na área de saúde mental, instrumentos tem sido utilizadas para a investigação das atitudes profissionais frente a problemáticas complexas, como o comportamento suicida18^-20 e o consumo de álcool21, com contribuições relevantes para compreendermos os processos formativos mais potenciais para incorporação de novas atitudes e modificação de atitudes estabilizadas mas que estão sustentadas com base no senso comum, preceitos morais, crenças religiosas que podem exercer, negativamente, influências na atitude de profissionais de saúde ao lidarem, como no caso dessa investigação, com o comportamento suicida.

O local do estudo é um dos municípios com alto índice de tentativas de suicídio do estado de São Paulo, no qual entre janeiro de 2016 e dezembro de 2019 houve 288 tentativas de suicídio e quatro óbitos. Em sua maioria, os casos foram identificados a partir da entrada no pronto socorro municipal e, a minoria do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). Esse sintoma indica o óbvio: os profissionais de saúde dos demais serviços ao estarem diante de uma pessoa com comportamento suicida, imediatamente, encaminham por meio das guias de referência para a especialidade ou para a urgência.

Parte da superação desse desafio decorre do desenvolvimento de estratégias contínuas de formação a fim de que os profissionais da APS compreendam as dificuldades na identificação, na abordagem e no manejo humanizado, integral e integrado à pessoa com comportamento suicida no território, forma concreta de aplicar a política pública de saúde mental e prevenção ao suicídio22.

Pelo exposto, o objetivo desse trabalho foi analisar as atitudes dos profissionais de saúde da APS antes e após a participação de oficinas acerca da abordagem em relação à pessoa com comportamento suicida.

MÉTODO

Trata-se de um estudo de natureza quantitativa com características de um quase experimento com pré e pós-testes em um único grupo23.

A pesquisa foi conduzida em município de médio porte do interior do estado de São Paulo, localizado na região da Nova Alta Paulista, com dez municípios e cerca de 34 mil habitantes. Integra a IX Diretoria Regional de Saúde, atuando como referência em saúde mental para Inúbia Paulista e Mariapólis. No que se refere à RAS, o município em análise possui uma Santa Casa, dez ESF, três Postos de Atendimento à Saúde (PAS), um Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (NASF-AB) e CAPS - modalidade I. Importa ressaltar que o município em questão conta com 100% da população com cobertura da APS.

Com a intenção de abarcar o maior número de profissionais da APS, foram convidados a participar da pesquisa os 116 profissionais de saúde que compõem os servidores da APS no município. Entre estes, médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem e agentes comunitários de saúde (ACS) das 10 ESF e dos três PAS. Além disso, também foram considerados a participar, pelo grau de governabilidade que possuem na RAS do município, gestores da vigilância epidemiológica e coordenação da APS. Para tanto, os critérios de inclusão foram trabalhar na APS há pelo menos 3 meses, sendo os critérios de exclusão estar de férias ou licença médica durante o período da coleta de dados.

Planejou-se, de forma colaborativa à gestão de saúde do município, a participação de 53 trabalhadores, incluindo o coordenador da APS, os diretores das ESF, a diretora das enfermeiras das ESF e a enfermeira responsável pela regulação de vagas. Contudo, dados de 19 participantes foram considerado exclusão devido ao preenchimento incompleto dos instrumentos de coleta de dados. Assim, a análise final dos dados foi realizada considerando uma amostra de 34 participantes.

Entre os meses de agosto e setembro de 2019, foram realizadas três oficinas quinzenalmente, sobre a abordagem da pessoa com comportamento suicida, para os trabalhadores e gestores da APS, na qual a temática foi abordada utilizando o referencial teórico da problematização fundamentado no Arco de Charles Maguerez, sendo que na primeira realizou-se o processamento de uma situação-problema, plenária seguida de debriefing e apresentação dos dados municipais sobre o comportamento suicida. A segunda oficina desenvolveu a identificação de habilidades profissionais e em equipe para o manejo do comportamento suicida, e operacionalizou um role playing. A última oficina abordou as dimensões do cuidado em rede, partindo da atenção psicossocial a uma conformação intersetorial24.

Foi utilizado um questionário sociodemográfico e ocupacional para caraterização dos participantes. Nesse instrumento, aplicado no início da oficina, foram abordados também aspectos do contato prévio do participante em relação ao comportamento suicida. Dados sobre gênero, ano de nascimento, cargo, religião e frequência aos serviços religiosos, experiência em atender pessoas que manifestam ideação suicida e histórico familiar de suicídio.

Para verificar o desfecho foi utilizado o Questionário sobre Atitudes em Relação ao Comportamento Suicida, aplicado antes de iniciar a formação oferecida pelas oficinas e imediatamente após a terceira. Trata-se de um instrumento constituído de 21 afirmações, seguidas de uma escala analógica visual ancorada, em seus extremos, por discordo totalmente e concordo plenamente. Desses, 16 itens são distribuídos em três fatores: Sentimentos negativos em relação ao paciente; percepção de capacidade profissional; e direito ao suicídio. O restante, cinco itens, não atingiu magnitude suficiente na análise fatorial para ser atribuído a uns dos três fatores, permanecendo como itens remanescentes do questionário18^-19.

Abaixo de cada item, disponibilizou-se uma escala visual analógica formada por uma linha de 10 centímetros (10 pontos) que varia desde “discordo totalmente” em uma extremidade a “concordo totalmente” na outra. Os participantes foram orientados a indicar um ponto em cada linha que melhor refletisse suas opiniões, sentimentos ou reações. Esses pontos foram medidos em centímetros e o critério de concordância assumido nessa investigação foi a pontuação maior ou igual a 618^-19.

Fragilidades teóricas e práticas foram as razões para o desenvolvimento do instrumento para mensurar atitudes. Durante sua elaboração, que envolveu pesquisa bibliográfica e grupos focais para construção das afirmativas, utilizou da análise de especialistas e teste-piloto. Por fim, sua consistência interna foi avaliada por análise fatorial e os fatores supracitados foram extraídos entre as 21 afirmativas com uma variância total de 43%. Assim, é considerado, portanto, como sensível às mudanças de atitudes que se operam após o treinamento em prevenção do suicídio18^-19.

Os questionários foram entregues impressos aos participantes e recolhidos após preenchimento. As respostas foram digitadas e compiladas em um banco de dados organizado em uma planilha (Excel®). Utilizou-se da estatística descritiva para apresentação dos resultados, utilizando valores absolutos e relativos, e medidas de tendência central. Para a análise estatística, foram utilizados os testes de McNemar e Wilcoxon para amostras dependentes no tempo. Diferenças estatisticamente significativas se p< 0,05. Análise foi feita com o software Statistical Package for Social Sciences, versão 21.

Os procedimentos éticos foram atendidos baseados na Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012, desse modo, os participantes foram convidados e esclarecidos acerca dos objetivos do estudo e ao concordarem em sua participação assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS

Dentre os 34 participantes do estudo, verificou-se maioria do sexo feminino (85,3%), casados (50%) e com filhos (58,8%), na faixa etária variou entre 23 a 57 anos com a média de 34 anos. Em relação à escolaridade, 73,6% possuem ensino superior, sendo que destes, 38,2% realizaram pós-graduação. O tempo de formado dos participantes variou entre 6 meses e 34 anos, com média de 5,5 anos.

No presente estudo preponderou a participação de agentes comunitários (35,3%), seguido de enfermeiros (32,3%) e fisioterapeutas (8,8%), embora houvesse outras categorias profissionais conforme apresentado na Tabela 1. Os participantes relataram que o tempo de atuação na APS foi de 3 meses a 18 anos, com média de 36 meses. Ao passo referiram que o tempo de atuação no mesmo território de abrangência variou de 3 meses a 18 anos, com média de 24 meses.

Quando questionados acerca da formação em saúde mental, menos da metade relata ter participado de palestras, capacitações, entre outros. 43,4% realizaram alguma formação que teve a temática do suicídio abordada e 45,3% já estiveram em contato com pessoas que realizaram tentativas de suicídio. Uma minoria (7,7%) dos participantes teve contato com a ficha de notificação compulsória.

Tabela 1 -
Distribuição dos dados sociodemográficos e formação dos participantes. Adamantina, SP, Brasil, 2019. (n=34).

Variáveis		N	%
Sexo	Feminino	29	85,3
	Masculino	5	14,7
Estado civil	Casado	17	50,0
	Solteiro	16	47,1
	Divorciado	1	2,9
Tem filhos	Sim	20	58,8
	Não	14	41,2
Religião	Sim	29	85,3
	Não	5	14,7
Escolaridade	Ensino médio/técnico	6	17,6
	Ensino superior incompleto	3	8,8
	Ensino superior completo	25	73,6
Profissão	Agente comunitário	12	35,5
	Enfermeiro	11	32,3
	Fisioterapeuta	3	8,8
	Médico	2	5,9
	Nutricionista	2	5,9
	Técnico de enfermagem	2	5,9
	Psicólogo	1	2,9
	Assistente social	1	2,9
Realizou pós-graduação	Sim	13	38,2
	Não	21	61,8
Formação em saúde mental	Sim	15	44,1
	Não	19	55,9
Formação em abordagem do suicídio	Sim	15	44,1
	Não	19	55,9
Contato com tentativa de suicídio	Sim	16	47,1
	Não	18	52,9
Contato com a notificação compulsória	Sim	3	8,8
	Não	31	91,2

Os dados da Tabela 2 ilustram a concordância dos participantes às afirmativas, expressas por meio das frequências absoluta e relativa. Desse modo, pode-se verificar detalhadamente aspectos que se modificaram nas atitudes dos participantes em relação ao comportamento suicida antes e após as oficinas oferecidas. As respostas foram alocadas conforme as três categorias teóricas propostas pelo referencial utilizado, capacidade profissional, sentimento em relação ao paciente e direito ao suicídio, bem como, os cinco itens remanescentes18^-19.

Tabela 2 -
Distribuição da concordância dos participantes aos itens do INSTUMENTO nos momentos antes e após a oficina. Adamantina, SP, Brasil, 2019. (n=34).

Categorias	Itens	Pré*		Pós*		p
		n	%	n	%
Capacidade profissional	Me sinto capaz de ajudar uma pessoa que tentou se matar.	18	52,9	24	70,6	0,210
	Me sinto capaz de perceber quando um paciente tem risco de se matar.	11	32,4	21	61,8	0,002
	Acho que tenho preparo profissional para lidar com pacientes com risco de suicídio.	8	23,5	18	52,9	0,013
	Sinto-me inseguro(a) para cuidar de pacientes com risco de suicídio.	25	73,5	16	47,1	0,035
Sentimentos negativos em relação ao paciente	Quem fica ameaçando, geralmente não se mata.	2	5,9	0	0,0	1,000
	No fundo, prefiro não me envolver muito com pacientes que tentaram o suicídio.	6	17,6	4	11,8	0,500
	Tenho receio de perguntar sobre ideias de suicídio, e acabar induzindo o paciente a isso.	18	52,9	8	23,5	0,021
	Às vezes dá raiva, porque tanta gente querendo viver... e aquele paciente querendo morrer.	6	17,6	5	14,7	1,000
	A gente se sente impotente diante de uma pessoa que quer se matar.	22	64,7	16	47,1	0,238
	No caso de pacientes que estejam sofrendo muito devido a uma doença física, acho mais aceitável a ideia de suicídio.	4	11,8	4	11,8	1,000
	Quem quer se matar mesmo, não fica “tentando” se matar.	2	5,9	2	5,9	1,000
Direito ao suicídio	Apesar de tudo, penso que uma pessoa tem o direito de se matar.	2	5,9	4	11,8	0,500
	Diante de um suicídio penso: se alguém tivesse conversado, a pessoa teria encontrado outro caminho.	30	88,2	32	94,1	0,625
	A vida é um dom de Deus, e só Ele pode tirar.	24	70,6	26	76,5	0,687
	Quem tem Deus no coração, não vai tentar se matar.	5	14,7	5	14,7	1,000
	Quando uma pessoa fala de pôr fim à vida, tento tirar aquilo da cabeça dela.	31	91,2	32	94,1	1,000
Itens remanescentes	Geralmente, quem se mata tem alguma doença mental.	8	23,5	6	17,6	0,687
	Acho que é preciso ser uma pessoa corajosa para se matar.	13	38,2	9	26,5	0,289
	Se eu sugerir um encaminhamento ao psiquiatra para um paciente que falou em se matar, penso que isso será bem aceito pelo psiquiatra.	29	85,3	22	64,7	0,039
	Um paciente internado dificilmente se mata sem que tenha um forte motivo para isso.	9	26,5	7	20,6	0,754
	Eu já passei por situações que me fizeram pensar em suicídio.	11	32,4	10	29,4	1,000

• ^* Teste de McNemar

Conforme evidenciado na Tabela 3, houve diferença estatisticamente significativa na pontuação entre os momentos pré e pós-teste nas categorias capacidade profissional (p=0,011) e sentimentos em relação ao paciente (p=0,025), e no agrupamento dos itens remanescentes (p=0,006). Para essa análise, utilizou-se a média da concordância expressa pelos participantes nos momentos antes e depois das três oficinas.

Tabela 3 -
Análise das categorias e dos itens remanescentes, baseados na média de concordância dos participantes, nos momentos antes e após a oficina. Adamantina, SP, Brasil, 2019. (n=34).

Categorias	Pré-teste*			Pós-teste*			p-valor
	Média	Mín.	Máx.	Média	Mín.	Máx.
Capacidade profissional	2,0	1,0	4,0	2,5	0,0	4,0	0,011
Sentimentos negativos em relação ao paciente	2,0	0,0	4,0	1,0	0,0	5,0	0,025
Direito ao suicídio	3,0	0,0	4,0	3,0	0,0	4,0	0,106
Itens remanescentes	4,0	1,0	8,0	3,0	0,0	6,0	0,006
Pontuação	10,0	5,0	16,0	8,5	5,0	15,0	0,084

• ^* Teste de Wilcoxon

DISCUSSÃO

Esse estudo mostrou que as atitudes dos profissionais em relação ao suicídio foram modificadas positivamente após a realização das oficinas, em especial, no que se refere à capacidade profissional para atender um usuário com comportamento suicida e aos sentimentos relacionados a essa situação.

Sabe-se que as atitudes dos profissionais de saúde diante de pessoas com comportamento suicida estão associadas à interrelação e à natureza dinâmica existente entre o conhecimento, atitude em relação à temática e à confiança em cuidar destas pessoas. Estes pontos, por sua vez, podem sofrer influência de fatores como crenças, treinamentos prévios, experiência pessoal e profissional prévia com indivíduos que tentaram ou tem risco de suicídio, entre outros12^,25.

Dentre as categorias propostas pelo instrumento, o direito ao suicídio não se identificou diferença estatística. Para a sociedade, o suicídio representa um tabu, uma atitude transgressora às suas normas, compreendendo a morte como um fenômeno associado à velhice, ao adoecimento biológico e à fatalidade. O julgamento na perspectiva moral, corrobora a estigmatização do ato e da pessoa que o executa, contribuindo com o aumento das taxas de suicídio pela via do prejuízo do engajamento e manejo terapêutico12^,25^-26.

Dada essa direcionalidade, interpretações como estas devem ser substituídas por concepções de saúde. Para tanto, é fundamental a participação dos profissionais de saúde em formações sobre saúde mental, atrelada à conscientização acerca do real dimensionamento e da complexidade deste agravo como uma questão multifatorial e de saúde pública que não podem ser atribuídos ou reduzidos a entendimentos simplistas, unidirecionais e a-históricos15^,26.

Na categoria capacidade profissional, que corresponde às competências e às habilidades necessárias ao atendimento das pessoas com comportamento suicida, observa-se novamente a indispensabilidade de treinamentos a respeito da temática do suicídio, abordando pontos como a prevenção, o manejo e a notificação. Os baixos níveis de conhecimento, confiança e percepção de competência comprometem a efetividade e qualidade do cuidado oferecido25^,27.

O treinamento adequado é evidenciado como o fator principal de influência dos comportamentos de resposta e atitudes desempenhadas pelos profissionais. Corrobora o aumento das habilidades para o reconhecimento de respostas clínicas apropriadas, autopercepção da capacidade geral de interagir com estes usuários e domínio de competências essenciais, conhecimento sobre avaliação e gerenciamento de risco e a capacidade de avaliar e gerenciar estes casos. A percepção de treinamento suficiente para trabalhar com comportamento suicida aumenta significativamente após treinamentos com abordagem preventiva26^-28.

No presente estudo, diferenças estatísticas foram observadas antes e depois das oficinas nos itens “Me sinto capaz de perceber quando um paciente tem risco de se matar” (p=0,002); “Acho que tenho preparo profissional para lidar com pacientes com risco de suicídio” (p=0,013) e “Sinto-me inseguro(a) para cuidar de pacientes com risco de suicídio” (p=0,035). Tais resultados validam a efetividade de treinamentos e demais estratégias de educação discutindo abordagem, manejo e prevenção do comportamento suicida.

A diminuição na pontuação do item “Tenho receio de perguntar sobre ideias de suicídio e acabar induzindo o paciente a isso” (p=0,021). A frequência com que os profissionais de saúde são expostos ao comportamento suicida influência na qualidade do cuidado. Identificou-se que uma frequência de exposição menor que 10 está associada a atitudes positivas, uma frequência maior leva, contudo, a sentimentos de incompetência profissional, impotência por não conseguir auxiliar ou evitar o ato suicida e dúvidas sobre a prevenção do comportamento suicida; resultando no desenvolvimento de atitudes negativas25.

A manifestação destes sentimentos pode ser relacionada ao questionamento do comportamento suicida, assim como, à ocorrência de um mecanismo de defesa do profissional de saúde. O resultado obtido no referido item e sua sustentação científica apontam a desconstrução de uma hipótese sobre a frequência em que se é exposto ao comportamento suicida, pois, não leva a uma forma mais eficaz de abordá-lo e manejá-lo. O estabelecimento de um canal de comunicação isento de julgamento favorece o desenvolvimento do vínculo entre o profissional e o usuário, o que por sua vez, pode favorecer ambos na diminuição da ansiedade associada a esta situação e permitir que o usuário se sinta compreendido e acolhido25^,27.

Além disso, o uso de ferramentas clínicas que auxiliam os profissionais de saúde no raciocínio clínico e no estabelecimento do risco do comportamento suicida representa uma alternativa para o rastreamento e manejo de pessoas com comportamento suicida. Estudos psicométricos, de adaptação e validação para o Brasil têm sido objeto de investigação para a equipe de Enfermagem28.

Cerca da metade dos participantes alegaram ter participado de espaços de formação no qual a temática do comportamento suicida foi abordada. Ressalta-se que a qualidade do cuidado prestado a estes usuários é evidenciada pelas atitudes da equipe que, por sua vez está associada ao preparo do profissional para manejo e gerenciamento adequado destes casos26^-29.

Espaços de formação continuada e na graduação dos cursos da área da saúde são, contudo, escassos. Não há nos currículos uma abordagem profunda a respeito do comportamento suicida, proporcionando um conhecimento superficial acerca da temática, cuja lacuna é preenchida pela experiência pessoal, prévia e empírica. Este despreparo surge para o profissional como o sentimento de inaptidão, o que pode acarretar atitudes negativas para com a pessoa em sofrimento30^-31. Identifica-se melhora nas atitudes associadas a formações especializadas para capacitar o profissional em abordagens mais efetivas15^,29.

Dos participantes do estudo 85,3% consideravam-se religiosos, destes, a maioria declarou-se católicos (72,4%, n=21). O suicídio para a maior parte das religiões ocidentais é encarado como a ruptura em um de seus principais dogmas. A tentativa e a interrupção da vida são consideradas pecado, representando uma infração moral, podendo acarretar atitudes e ações condenatórias por parte do profissional, além de inibição de expressões empáticas com a pessoa com comportamento suicida. No entanto, a religião pode estar correlacionada a atitudes positivas. Dessa forma, isoladamente, não pode ser considerada um fator predisponente para atitudes negativas ou positivas25^,27^,32.

Como contribuições para a Enfermagem na APS, o estudo promoveu a melhora nas atitudes dos profissionais que participaram de oficina sobre comportamento suicida. Discutindo a importância de os gestores atentarem-se para essa demanda como forma de qualificar o acesso e a resolubilidade ao usuário com comportamento suicida. Frente ao exposto, observa-se carência de estratégias dialógicas de formação e se propõe incentivo de movimentos de reflexão por meio da troca de saberes, entre o saber fazer e o saber teórico.

Considera-se como limitações do estudo a impossibilidade de avaliação das atitudes frente ao comportamento suicida a longo prazo, o tamanho da amostra e o fato de a pesquisa ter sido realizada em um município. Aponta-se para a necessidade de estabelecer uma forma de verificar a aquisição e a fixação do conhecimento obtido durante as oficinas que aborde a temática a médio e longo prazo.

CONCLUSÃO

Os resultados a curto prazo observados após oficinas sobre a abordagem da pessoa com comportamento suicida permitem afirmar uma mudança positiva nas atitudes dos participantes frente ao comportamento suicida. Embora este estudo tenha sido realizado com profissionais de saúde de um município de médio porte, a escassez de capacitações para os profissionais em relação ao sofrimento psíquico e comportamento suicida na maior parte dos municípios do Brasil. Considera-se que os resultados e a estratégias apresentados nessa investigação tem o potencial de contribuir ao serem replicados e discutidos com outros contextos, ressaltando que 70% dos municípios do país tem o mesmo porte que o cenário aqui investigado. O comportamento suicida mantém-se como desafio e responsável pelas principais causas de morte no Brasil e no mundo, o que evidencia a importância de capacitações para todos os profissionais de saúde.

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NOTAS

• ORIGEM DO ARTIGO

  Extraído da dissertação - Oficina para abordagem ao comportamento suicida: Implementação na Atenção Primária à Saúde, apresentada ao Programa de Pós-Graduação de Enfermagem, da Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho, em 2020.

• APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

  Aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Botucatu, parecer n. 3.239.213/2019, Certificado de Apresentação para Apreciação Ética 09835719.5.0000.5411.

Editado por

EDITORES

Editores Associados: Natália Gonçalves, Ana Izabel Jatobá de Souza. Editor-chefe: Roberta Costa.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  16 Set 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  16 Set 2021
• Aceito
  05 Maio 2022