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POTENCIALIZANDO O ATENDIMENTO DE SAÚDE SUÍÇO PARA O FUTURO: A CIÊNCIA DA IMPLEMENTAÇÃO PARA TRANSPOR O "VALE DA MORTE"

Um boletim de 2019 da Swiss Academy of Medical Science (SAMS) abordou o desafio da pesquisa translacional: a enorme lacuna entre as descobertas científicas básicas e seu uso em terapias clínicas11. Scheidegger D. Medizinischer Fortschritt: warum verläuft dieTranslation biologischer Erkenntnisse in neue Therapien so schleppend? SAMW Bulletin. 2019 Mar;3:1-8. . O relatório chamou essa distância de “vale da morte”.

A mesma lacuna também se aplica à pesquisa clínica, e a implementação de políticas de saúde relacionadas e às inovações na rotina de serviços de saúde. O alcance da estratégia de política de saúde do Swiss Federal Council’s para 2020-203022. Federal Office of Public Health FOPH. Health2030 - The Federal Council’s health policy strategy 2020-2030 [Internet]. 2020 [acesso 2020 Mayo 12]. Disponible en: https://www.bag.admin.ch/bag/en/home/strategie-und-politik/gesundheit-2030/gesundheitspolitische-strategie-2030.html
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e da Agenda de 2030 das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, compreendendo os 17 objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs)33. United Nations. About the sustainable development goals [Internet]. [acesso 2020 Mayo 12]. Disponible en: https://www.un.org/sustainabledevelopment/sustainable-development-goals/
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, significará abraçar novas abordagens, seguindo caminhos que irão acelerar a tradução e a aceitação de evidências em ambientes do mundo real. Também em 2019, um relatório sobre a melhoria da segurança do paciente e da qualidade do atendimento do Sistema de Saúde Suíço exigiu o investimento na ciência da implementação como um caminho crítico a ser seguido44. Vincent C, Staines A. Enhancing the quality and safety of swiss healthcare. Bern (CH): Federal Office of Public Health; 2019. 72 p..

O “vale da morte” está repleto de programas, práticas, procedimentos, produtos e políticas já pesquisados, baseados em evidências desenvolvidas por cientistas da saúde, e que agora estão morrendo nas estantes de livros, esperando para serem traduzidos em cenários do mundo real. Enquanto isso, estima-se que entre 30 e 40% dos pacientes não recebem tratamentos de eficácia comprovada sendo que de 20 a 25% recebem tratamentos desnecessários ou potencialmente prejudiciais55. McGlynn EA, Asch SM, Adams J, Keesey J, Hicks J, DeCristofaro A, et al. The quality of health care delivered to adults in the United States [Internet]. N Engl J Med. 2003 Jun 26 [acesso 2020 Mayo 12];348(26):2635-45. Disponible en: https:// doi.org/10.1056/NE-JMsa022615
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.

Balas e Boren mostraram que apenas 14% das evidências publicadas são traduzidas para a prática clínica. A espera média entre a inovação e a aplicação é de 17 anos66. Balas EA, Boren SA. Managing clinical knowledge for health care improvement [Internet]. Yearb Med Inform. 2000 [acesso 2020 Mayo 12];9(1):65-70. Disponible en: https:// doi.org/10.1055/s-0038-1637943
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. Os déficits de implementação contribuem para o excesso de desperdício de pesquisa.

Diferenciamos 2 tipos de “Desperdício de Pesquisa” (figura 1): o “desperdício de pesquisa 1” refere-se ao que um prestigioso artigo do Lancet77. Chalmers I, Glasziou P. Avoidable waste in the production and reporting of research evidence [Internet]. Lancet. 2009 Jul 4 [acesso 2020 Mayo 12];374(9683):86-9. Disponible en: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(09)60329-9
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descreveu como pesquisa elaborada sem referência a revisões sistemáticas das evidências existentes, pesquisas não publicadas na íntegra, estudos com falhas de pesquisa evitáveis e/ou estudos que são inutilizáveis, relatados de forma incompleta, ou ambos. O resultado deste tipo de desperdício é que apenas uma baixa proporção da pesquisa iniciada deriva eventualmente em evidências científicas de alta qualidade.

Já o “desperdício de pesquisa 2” refere-se à falta de translação e implementação eficazes e sustentáveis de inovações baseadas em evidências do mundo dos ensaios para a prática clínica diária. O baixo desempenho do chamado “canal de pesquisa” (figura 1) é simplesmente impressionante.

Figura 1 -
O canal de pesquisa “com vazamento”: posicionando o Desperdício de Pesquisa 1 e o Desperdício de Pesquisa 2.

Várias medidas para reduzir o desperdício de pesquisa 1 foram implementadas, com algum sucesso. Exemplos relevantes incluem a obrigação de registrar estudos, amplo investimento em infraestruturas de pesquisa clínica, como unidades de ensaios clínicos, e diretrizes de apoio à qualidade dos relatórios científicos. Essas e outras medidas relacionadas têm ajudado a aumentar a qualidade dos ensaios clínicos randomizados,88. von Niederhäusern B, Magnin A, Pauli-Magnus C. The impact of clinical trial units on the value of clinical research in Switzerland [Internet]. Swiss Med Wkly. 2018 Apr 26 [acesso 2020 Mayo 12];148:w14615. Disponible en: https://smw.ch/article/doi/smw.2018.14615
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sendo cada vez mais necessárias.

Afinal, mesmo os estudos bem conduzidos e bem relatados ainda precisam cruzar esse deserto entre o mundo dos testes e o ambiente do mundo real para garantir a implementação bem-sucedida e a sustentabilidade das inovações baseadas em evidências. Para orientar sua translação para o mundo real, um foco maior na “ciência da implementação” - uma combinação de abordagens metodológicas que se concentram principalmente no desperdício de pesquisa 2 - deve ser adicionado no início do processo de pesquisa.

Ciência da implementação é “o estudo científico de métodos para promover a aceitação sistemática de resultados de pesquisas e outras práticas baseadas em evidências na rotina prática e, portanto, para melhorar a qualidade e eficácia dos serviços e cuidados de saúde”99. Eccles MP, Mittman BS. Welcome to implementation science [Internet]. Implement Sci. 2006 Feb 26 [acesso 2020 Mayo 12];1(1):1. Disponible en: https://doi.org/10.1186/1748-5908-1-1
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. Entretanto, em primeiro lugar, trata-se de uma ciência, e, assim sendo, precisa ser diferenciada da melhoria da qualidade. A condução de um estudo de ciência da implementação implica não somente uma avaliação científica da eficácia de uma intervenção em um ambiente do mundo real (ou seja, ensaios pragmáticos), mas também uma avaliação de como e por que funciona ou falha no contexto específico em que foi tentado.

As evidências geradas sobre os resultados da eficácia e da avaliação do caminho de implementação, incluindo uma avaliação dos resultados da implementação, podem ser subsequentemente transferidas para outros contextos (sejam semelhantes ou diferentes) para apoiar uma implementação mais eficiente e/ou a ampliação de uma intervenção. A atenção antecipada aos aspectos de implementação relacionados ao canal de pesquisa - testes de eficácia e prova de conceito otimizados - têm o potencial de encurtar o tempo entre a descoberta e a implementação.

Embora a ciência da implementação se baseie nos princípios e métodos de pesquisa existentes, seu foco está na validade externa. Portanto, está atenta às complexidades adicionais que caracterizam os contextos do mundo real. Começando com a força da evidência, a ciência da implementação requer a integração de sete considerações específicas (figura 2)1010. Neta G, Brownson RC, Chambers DA. Opportunities for epidemiologists in implementation science: a primer [Internet]. Am J Epidemiol. 2018 May 1 [acesso 2020 Mayo 12];187(5):899-910. Disponible en: https://doi.org/10.1093/aje/kwx323
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. 1) O “envolvimento do público e do paciente” requer o envolvimento de todas as partes interessadas relevantes em todas as fases do projeto. 2) A “análise contextual” permite aos investigadores compreender e mapear melhor as características relevantes do ambiente em que a intervenção será implementada. A informação contextual contribui para um projeto de intervenção eficaz e informa a escolha de estratégias de implementação contextualmente relevantes. 3) As “estruturas teóricas” específicas da ciência de implementação guiam partes ou todo o estudo da ciência de implementação. 4) As “estratégias de implementação” facilitam a adoção, a implementação, a sustentabilidade e a ampliação de intervenções, programas ou práticas específicas. 5) A “eficácia” (por exemplo, utilização de cuidados de saúde, sobrevida e adesão à medicação) e os “resultados de implementação” (por exemplo, viabilidade, alcance de aceitabilidade e custo de implementação) são medidos simultaneamente. 6) “Projetos específicos da ciência de implementação”, como projetos híbridos, combinam a avaliação da eficácia de uma intervenção e os resultados dos esforços de implementação (com o caminho de implementação normalmente analisado usando uma abordagem de métodos mistos). 7) Como diversas competências são necessárias, a pesquisa de implementação é normalmente conduzida por “equipes de pesquisa transdisciplinares”, onde os conjuntos de habilidades complementares dos cientistas da implementação estão alinhados com o conhecimento e as habilidades de outros membros da equipe, incluindo formuladores de políticas e tomadores de decisão.

Figura 2 -
Componentes-chave da ciência da implementação.

Na última década, a ciência da implementação ganhou força em todo o mundo como uma abordagem científica valiosa. No entanto, ainda não foi amplamente adotada na pesquisa de ciências da saúde suíça. Embora a ciência da implementação tenha sido usada há algum tempo por pesquisadores suíços de saúde pública para projetos de fortalecimento do sistema de saúde no sul e no leste (por exemplo, dentro do Swiss Programme for Research on Global Issues and Development), o Swiss National Science Foundation (SNSF) apenas recentemente financiou seus primeiros programas científicos de implementação sob a aba de seu National Research Programme 74.

Além disso, para fortalecer e promover o reconhecimento da ciência da implementação na Suíça, foi lançada recentemente a Swiss Implementation Science Network (IMPACT). A rede IMPACT possui 4 objetivos principais: 1) difundir a implementação de projetos científicos de saúde conduzidos por pesquisadores e instituições suíças de saúde; 2) fornecer oportunidades de networking para pesquisadores da ciência da implementação e outras partes interessadas na Suíça; 3) fornecer oportunidades de treinamento em ciência da implementação; e 4) alavancar opções de financiamento para a implementação da ciência na Suíça. Espera-se que a IMPACT funcione como um catalisador para o avanço da translação e implementação eficazes de intervenções, programas e políticas baseadas em evidências, tanto na Suíça como fora dela. Espera-se também que a IMPACT estimule abordagens para integrar conhecimentos científicos de implementação nos estágios iniciais dos ensaios clínicos como parte das infraestruturas de pesquisa.

Em nossa opinião, impulsionar o desempenho do sistema de saúde suíço requer transpor o "vale da morte", o que envolverá o aumento da capacidade de pesquisa para a ciência da implementação. Em primeiro lugar, a ciência da implementação precisa ser reconhecida como uma parte essencial de uma organização de pesquisa de alta performance, com altos retornos sociais sobre o investimento. Em segundo lugar, como os projetos de ciência da implementação requerem competências além dos métodos tradicionais de pesquisa clínica, os pesquisadores precisam de oportunidades tanto para desenvolver essas competências quanto para a aprendizagem dos princípios da ciência da implementação. Terceiro, os cientistas da implementação devem ser envolvidos desde o início na concepção de projetos de pesquisa clínica: isso, potencialmente, não apenas encurtará o tempo para o uso rotineiro de intervenções baseadas em evidências, mas também aumentará sua sustentabilidade após uma implementação bem-sucedida. Quarto, métodos rigorosos para atrair e desenvolver a implicação das partes interessadas em projetos podem ser promovidos por meio da Plataforma Nacional Suíça EUPATI, entre outras iniciativas. Quinto, mecanismos de financiamento adequados devem ser estabelecidos para ajudar a financiar projetos de ciência da implementação. Embora a ciência da implementação já prometa tornar a pesquisa clínica muito mais econômica - particularmente ao encurtar o tempo para o uso dos resultados nas práticas rotineiras, - é preciso refletir acerca das complexidades dos estudos da ciência da implementação (por exemplo, uso de análise contextual, envolvimento das partes interessadas, estratégias de implementação) considerando os mecanismos de financiamento.

Para finalizar, as estratégias para aplicar métodos da ciência da implementação à pesquisa de saúde suíça oferecem um excelente retorno sobre o investimento. A elaboração de estudos específicos para superar as barreiras da tradução promete suprimir anos do processo de pesquisa atual. Isso, por sua vez, irá maximizar todo o valor da empresa suíça de pesquisa para pacientes e populações, construindo uma ponte sobre o “vale da morte”.

REFERÊNCIAS

  • 1. Scheidegger D. Medizinischer Fortschritt: warum verläuft dieTranslation biologischer Erkenntnisse in neue Therapien so schleppend? SAMW Bulletin. 2019 Mar;3:1-8.
  • 2. Federal Office of Public Health FOPH. Health2030 - The Federal Council’s health policy strategy 2020-2030 [Internet]. 2020 [acesso 2020 Mayo 12]. Disponible en: https://www.bag.admin.ch/bag/en/home/strategie-und-politik/gesundheit-2030/gesundheitspolitische-strategie-2030.html
    » https://www.bag.admin.ch/bag/en/home/strategie-und-politik/gesundheit-2030/gesundheitspolitische-strategie-2030.html
  • 3. United Nations. About the sustainable development goals [Internet]. [acesso 2020 Mayo 12]. Disponible en: https://www.un.org/sustainabledevelopment/sustainable-development-goals/
    » https://www.un.org/sustainabledevelopment/sustainable-development-goals/
  • 4. Vincent C, Staines A. Enhancing the quality and safety of swiss healthcare. Bern (CH): Federal Office of Public Health; 2019. 72 p.
  • 5. McGlynn EA, Asch SM, Adams J, Keesey J, Hicks J, DeCristofaro A, et al. The quality of health care delivered to adults in the United States [Internet]. N Engl J Med. 2003 Jun 26 [acesso 2020 Mayo 12];348(26):2635-45. Disponible en: https:// doi.org/10.1056/NE-JMsa022615
    » https:// doi.org/10.1056/NE-JMsa022615
  • 6. Balas EA, Boren SA. Managing clinical knowledge for health care improvement [Internet]. Yearb Med Inform. 2000 [acesso 2020 Mayo 12];9(1):65-70. Disponible en: https:// doi.org/10.1055/s-0038-1637943
    » https:// doi.org/10.1055/s-0038-1637943
  • 7. Chalmers I, Glasziou P. Avoidable waste in the production and reporting of research evidence [Internet]. Lancet. 2009 Jul 4 [acesso 2020 Mayo 12];374(9683):86-9. Disponible en: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(09)60329-9
    » https://doi.org/10.1016/S0140-6736(09)60329-9
  • 8. von Niederhäusern B, Magnin A, Pauli-Magnus C. The impact of clinical trial units on the value of clinical research in Switzerland [Internet]. Swiss Med Wkly. 2018 Apr 26 [acesso 2020 Mayo 12];148:w14615. Disponible en: https://smw.ch/article/doi/smw.2018.14615
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  • 9. Eccles MP, Mittman BS. Welcome to implementation science [Internet]. Implement Sci. 2006 Feb 26 [acesso 2020 Mayo 12];1(1):1. Disponible en: https://doi.org/10.1186/1748-5908-1-1
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  • 10. Neta G, Brownson RC, Chambers DA. Opportunities for epidemiologists in implementation science: a primer [Internet]. Am J Epidemiol. 2018 May 1 [acesso 2020 Mayo 12];187(5):899-910. Disponible en: https://doi.org/10.1093/aje/kwx323
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  • 10
    Declaração de divulgação Nenhum apoio financeiro e nenhum outro conflito de interesse potencial relevante para este artigo foi relatado.

NOTAS

  • 20
    Esta é uma tradução de artigo originalmente publicado em: De Geest S, Zúñiga F, Brunkert T, Deschodt M, Zullig LL, Wyss K, et al. Powering Swiss health care for the future: implementation science to bridge “the valley of death”. Swiss Med Wkly. 2020 Set 14;150:w20323. Disponível em: https://doi.org/10.4414/smw.2020.20323

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    2021
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