DESAFIOS PARA O DESENVOLVIMENTO DO CONHECIMENTO DE ENFERMAGEM EM TEMPOS DE SINDEMIA POR COVID-19

Atualmente, a humanidade vive momentos complexos em razão das grandes iniquidades sociais, exacerbados pelos efeitos da sindemia por COVID-19, levando a uma série de intervenções provenientes de diferentes disciplinas para responder às necessidades prioritárias desta crise de saúde1.

Um panorama que, à luz das ciências da saúde, tem sido um desafio constante na tentativa de responder às necessidades da população. Nesse contexto, a enfermagem, considerada o maior grupo do setor saúde, equivalente a 59%, continua sendo insuficiente para garantir a cobertura universal de saúde e as metas previstas nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável em alguns contextos2.

Verifica-se a carência global de profissionais de enfermagem, que totalizavam 6,6 milhões em 2016, caindo para 5,9 milhões em 2018, estimando-se que 89% dessa carência ocorre nos países de baixa e média renda. Por exemplo, em alguns países da América Latina, o número de profissionais de enfermagem mal consegue acompanhar a taxa de crescimento demográfico, em relação ao número de habitantes2.

Esta situação tem gerado déficit de pessoal em diversas áreas, sobrecarga de trabalho, estigmatização social, somado ao baixo reconhecimento salarial, levando a um notório desgaste dos profissionais e a um impacto negativo em seu núcleo familiar. Porém, a enfermagem continua na primeira linha de cuidado direto ao paciente e sua família, implementando estratégias diferenciadas a cada dia nos diversos ambientes de trabalho, buscando a preservação da vida e priorizando o cuidado em meio a uma pandemia que tem vislumbrado a fragilidade do ser humano3.

Ainda que o ano de 2020 tenha sido definido como o ano da enfermagem pela mensagem: “é hora de reconhecer a contribuição fundamental das enfermeiras (...) para a saúde global”1, é necessário analisar este slogan. Por um lado, o papel da enfermagem se torna visível nos ambientes de cuidado em um momento de confusão e incerteza, trazendo desafios para a enfermagem que incluem a geração de novas evidências, a reconstrução de novos papéis e a implementação de novos conhecimentos na prática clínica. Nesse cenário, surgem algumas questões, cujas respostas potenciais conformam a base deste editorial:

Quais os desafios da enfermagem para o desenvolvimento de seus conhecimentos em tempos de sindemia?

A resposta deve partir dos fatores que repercutem na pesquisa em enfermagem durante a pandemia: brechas na força de trabalho, déficit na disponibilidade de talentos humanos em enfermagem, maior implantação clínica de profissionais, déficit de pessoal pela interrupção do fluxo de ensino, entre outros aspectos4, somado à interrupção de alguns projetos de pesquisa e à suspensão das atividades de formação em enfermagem.

Nesse sentido, autores5, destacam que grande parte das pesquisas em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) não relacionadas à COVID-19 foram postergadas com o argumento de proteger a saúde dos pesquisadores e limitar o pessoal não essencial nessas áreas. Os autores afirmam que “embora essa interrupção temporária de pesquisas clínicas não essenciais na UTI seja a solução adequada, a suspensão total desses estudos prejudica seriamente o progresso havido até o momento” 5. Todos esses efeitos, juntamente com o detrimento da capacidade de investigação em diferentes áreas, agudizaram ainda mais o desenvolvimento do conhecimento em enfermagem.

Existem contextos em que cenários investigativos passam por epidemias recorrentes e convergentes, conceitos intimamente associados ao surgimento de sindemia ou interação de doenças explicadas por forças sociais6. Essas experiências seriam um ponto de partida que permitiria enriquecer os novos cenários não apenas investigativos, mas também trabalhistas, acadêmicos, entre outros, com base nas prioridades e demandas da população.

Que caminho seguir? Aquele que nos permita continuar crescendo como ciência, disciplina e profissão em todos os contextos de cuidado, a construção e renovação do conhecimento é uma tarefa que deve ser percorrida no tempo, entusiasmar as novas gerações, ser um dos pilares do cuidado mostrando liderança e desafiando obstáculos, pois só assim faremos parte da história.

Que mudanças e adaptações a enfermagem deve fazer para gerar novas evidências em ambientes sindêmicos e pós-pandêmicos?

A natureza e evolução da sindemia decorrente da COVID-19 tem gerado uma abertura para a busca de novas evidências que respondam às atuais necessidades de saúde da população, promovendo a aplicação de modelos teóricos típicos da enfermagem em matéria de pesquisa, a apropriação de projetos de pesquisa adaptativa e participativa, o trabalho interdisciplinar, a geração de pesquisa ágil que resulte em inovações e produtos que possam contribuir para as necessidades de respostas emergentes.

Outro aspecto importante a ser trabalhado é a gestão das mudanças regulatórias, políticas nacionais e institucionais que impliquem uma maior receptividade da pesquisa em enfermagem, levando a uma nova era pós-pandêmica7, o que requer a geração de estudos e a priorização das questões contemporâneas da prática de enfermagem, consistentes com as necessidades atuais, considerando a articulação com outras disciplinas.

Todavia, a articulação dos resultados da pesquisa na prática tem gerado uma grande polêmica; autores afirmam que8, na prática clínica atual da enfermagem, sabe-se que, apesar dos esforços realizados, a tradução do conhecimento é um exercício que raramente é contemplado, causando fragmentação na implementação dos resultados de pesquisa, ocasionando problemas para o desenvolvimento do conhecimento, perda de posicionamento, invisibilidade do trabalho realizado, invalidação da validade dos resultados e pouco impacto nas configurações clínicas. Este paradigma, à luz da realidade, exige uma intervenção urgente com perspetiva crítica, reflexiva e visionária que garanta ações coerentes, uma vez que, para permear a prática é necesario partir de uma análise epistemológica e histórica da concepção, e chegar à sua própria contextualização9.

Outro dado que pode ser considerado é a análise das causas dessa situação, que auxiliam na compreensão das dúvidas mais frequentes dos profissionais e alunos em treinamento, tais como: como posso usar as evidências? Onde vou conseguir tempo? Por que não ficar com o tradicional? Como fazer em contextos de recursos limitados? Sendo essas questões válidas que se aprofundam em meio à atual pandemia.

Por fim, e olhando para o futuro, é relevante a necessidade de que o enfermeiro assuma um papel de liderança na construção de evidências científicas próprias de sua área profissional, de forma interdisciplinar. Embora essa evidência deva responder às necessidades mais urgentes, ela também deve ser capaz de se adaptar e transformar de acordo com o ambiente em que é aplicada. Ressalta-se a importância de adotar novas estratégias de pesquisa em situações de vulnerabilidade, de crise e em cenários de epidemias, pandemias e sindemias, onde enfermeiros de diferentes perfis devem se empoderar apresentando evidências consistentes com a nova realidade10.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  23 Jul 2021
• Data do Fascículo
  2021