PESSOAS PRIVADAS DE LIBERDADE: DIAGNÓSTICO DE ENFERMAGEM À LUZ DA TEORIA DE HORTA

RESUMO

Objetivo:

identificar os diagnósticos de enfermagem em homens privados de liberdade, com ancoragem no referencial das Necessidades Humanas Básicas.

Métodos:

estudo exploratório descritivo de abordagem qualitativa conduzido pelo referencial da Teoria das Necessidades Humanas Básicas. A coleta de dados ocorreu nos meses de junho a novembro de 2019, com entrevistas individuais realizadas com 220 homens privados de liberdade. Os dados foram submetidos à análise temática e de conteúdo dirigida à taxonomia II da NANDA Internacional. Todos os aspectos éticos foram respeitados.

Resultados:

foram identificados 12 diagnósticos de enfermagem pertencentes às categorias de problemas de saúde e riscos potenciais, agrupados e interpretados conforme o referencial teórico. Estilo de vida sedentário, obesidade, sobrepeso, comportamento de saúde propenso a risco e controle ineficaz da saúde são fatores que se relacionaram às necessidades psicobiológicas. Já o envolvimento em atividades de recreação diminuído, ansiedade, enfrentamento ineficaz, risco de violência direcionada a outros, processos familiares interrompidos e risco de relacionamento ineficaz se mostraram relacionados às necessidades psicossociais, ao passo que o risco de religiosidade prejudicada apresentou relação com as necessidades psicoespirituais.

Conclusão:

a ausência de diagnósticos de enfermagem da categoria de promoção da saúde sinaliza a necessidade de ações que propiciem qualidade de vida a essas pessoas.

DESCRITORES:
Diagnóstico de enfermagem; Enfermagem; Enfermagem em saúde pública; Prisioneiros; Prisões; Teoria de enfermagem; Vulnerabilidade social

ABSTRACT

Objective:

to identify the Nursing diagnoses in men deprived of their freedom, based on the Basic Human Needs framework.

Methods:

a descriptive and exploratory study with a qualitative approach conducted by means of the Theory of Basic Human Needs framework. Data collection took place from June to November 2019, with individual interviews carried out with 220 men deprived of their freedom. The data were submitted to thematic and content analysis directed to NANDA International Taxonomy II. All ethical aspects were respected.

Results:

12 Nursing diagnoses belonging to the categories of health problems and potential risks were identified, grouped and interpreted according to the theoretical framework. Sedentary lifestyle, obesity, overweight, risk-prone health behavior, and ineffective health control are factors that have been related to the psychobiological needs. Involvement in recreational activities, anxiety, ineffective coping, risk of violence directed toward others, disrupted family processes, and risk of ineffective relationships were related to the psychosocial needs, while the risk of impaired religiosity was related to the psychospiritual needs.

Conclusion:

the absence of Nursing diagnoses in the health promotion category signals the need for actions that provide quality of life to these people.

DESCRIPTORS:
Nursing diagnosis; Nursing; Public Health Nursing; Inmates; Prisons; Nursing theory; Social vulnerability

RESUMEN

Objetivo:

identificar diagnósticos de Enfermería en hombres privados de su libertad, sobre la base del marco referencial de las Necesidades Humanas Básicas.

Métodos:

estudio exploratorio y descriptivo con enfoque cualitativo realizado de conformidad con el marco referencial de la Teoría de las Necesidades Humanas Básicas. La recolección de datos tuvo lugar entre junio y noviembre de 2019, por medio de entrevistas individuales realizadas con 220 hombres privados de su libertad. Los datos se sometieron a análisis temático y de contenido dirigido a la taxonomía II de NANDA Internacional. Se respetaron todos los aspectos éticos.

Resultados:

se identificaron 12 diagnósticos de Enfermería pertenecientes a las categorías de problemas de salud y riesgos potenciales, agrupados e interpretados de acuerdo con el referencial teórico. Estilo de vida sedentario, obesidad, sobrepeso, conductas de salud propensas a riesgo y control ineficaz de la salud fueron factores que se relacionaron con las necesidades psicobiológicas. A su vez, menor participación en actividades de recreación, ansiedad, estrategias de enfrentamiento ineficaces, riesgo de violencia hacia otras personas, procesos familiares interrumpidos y riesgo de vinculación ineficaz se mostraron relacionados con las necesidades psicosociales, en tanto que el riesgo de religiosidad perjudicada presentó una relación con las necesidades psicoespirituales.

Conclusión:

la ausencia de diagnósticos de Enfermería de la categoría de promoción de la salud indica la necesidad de implementar acciones que propicien la calidad de vida de estas personas.

DESCRIPTORES:
Diagnóstico de Enfermería; Enfermería; Enfermería en salud pública; Prisioneros; Prisiones; Teoría de Enfermería; Vulnerabilidad social

INTRODUÇÃO

Estima-se que, no mundo, há mais de 10 milhões de pessoas vivendo em cárcere privado, o que representa uma taxa mundial de 144 pessoas privadas de liberdade (PPL) a cada 100.000 indivíduos1^-2. O Brasil ocupa o quarto lugar na lista das maiores populações prisionais do mundo, mantendo um ritmo acelerado de crescimento dessa população e de condições precárias, apesar dos investimentos governamentais3.

As prisões são consideradas ambientes prejudiciais às condições de saúde. É um espaço que apresenta maior risco de exposição a diversas patologias não tratadas ou não detectadas e exposição ao consumo de drogas. Além disso, é um lugar onde existe violência, instalações superlotadas e sistema nutricional inadequado, circunstâncias que ocorrem, principalmente, em países de baixa e média renda, como o Brasil4.

Considerando a necessidade de estratégia para assegurar a saúde no ambiente prisional, o Ministério da Saúde lançou a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade, instituída pela Portaria n. 1, de 2 de janeiro de 2014. Essa política se propõe a contemplar, dentre outras necessidades, a atenção à saúde das PPL, prevendo a inserção do enfermeiro como membro de uma equipe interdisciplinar em saúde5^-6.

O enfermeiro é o profissional responsável pela ciência do cuidado e realiza a consulta de enfermagem de modo centrado nas necessidades da pessoa. Ademais, ele direciona e aprimora a qualidade da assistência com ações fundamentadas em conhecimento crítico-reflexivo7 e atua em diversos cenários. É um profissional considerado como eixo fundamental para ações de promoção, manutenção e recuperação da saúde durante a privação da liberdade8.

A consulta de enfermagem, atribuição privativa do enfermeiro, é composta por cinco etapas obrigatórias: 1) coleta, análise sistemática e organizada dos dados; 2) identificação das necessidades das pessoas; 3) planejamento; 4) implementação; e 5) avaliação da assistência9. A realização da segunda etapa (classificação das necessidades/condições identificadas) deve ser respaldada em taxonomias dos diagnósticos de enfermagem (DE), como, por exemplo, a NANDA-I10.

A dinamicidade da consulta de enfermagem proporciona que o enfermeiro acolha as necessidades das pessoas e suas Necessidades Humanas Básicas (NHB). Com isso, o profissional tem capacidade para realizar intervenções com base nas condições de saúde, no processo ou em vulnerabilidades no âmbito pessoal, familiar e comunitário de modo sistematizado e orientado por modelos teóricos que o auxiliam na compreensão da prática9.

Considerando que as produções literárias sobre o contexto prisional são reduzidas e que as pesquisas relacionadas à identificação dos DE nas PPL foram realizadas com o público feminino7^,11 (apenas um estudo12 retratou os DE encontrados na PPL masculina), ressalta-se a originalidade e a relevância deste estudo para identificar os DE na população carcerária masculina, à luz do referencial da Teoria das Necessidades Humanas Básicas9. Além disso, estudos que investigam a assistência de enfermagem incentivam que o profissional realize o processo de enfermagem na sua completude. Nesse caso, evidencia-se os DE, que são a base para implementar toda a sequência do processo de cuidado.

Diante do exposto, este estudo objetivou identificar os diagnósticos de enfermagem em homens privados de liberdade, tendo como alicerce o referencial das Necessidades Humanas Básicas.

MÉTODO

A presente pesquisa se caracteriza como um estudo exploratório descritivo de abordagem qualitativa. Como referencial teórico, adotou-se a Teoria das Necessidades Humanas Básicas9; para os procedimentos metodológicos, foi utilizada a Análise Temática13, com uso da análise de conteúdo dirigida14 em sua etapa interpretativa, pautada na taxonomia II da NANDA-I.

Participaram do estudo 220 pessoas que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: idade igual ou superior a 18 anos e tempo de reclusão superior a 25 dias em regime provisório. Foram excluídas as pessoas que apresentassem qualquer distúrbio psiquiátrico ou limitação cognitiva que dificultasse a realização da entrevista. Nenhuma pessoa convidada se recusou a participar da pesquisa.

O cenário da pesquisa foi um Estabelecimento Penal de Segurança Máxima localizado no município de Maringá-PR, Brasil. A finalidade dessa instituição é abrigar apenas presos provisórios, ou seja, aqueles sem condenação penal mas que estão no aguardo do julgamento15. Contudo, devido à escassez de vagas na penitenciária estadual localizada no município, também havia detentos condenados no momento de realização da pesquisa.

A coleta de dados ocorreu nos meses de junho a novembro de 2019. Durante esse período, foi cedida uma sala no estabelecimento penal para que a coleta de dados fosse realizada preservando o sigilo das informações e a privacidade dos participantes. Esses momentos eram realizados mediante organização e agendamento prévios, contando com o apoio do responsável técnico local.

Como instrumento de coleta, foram realizadas entrevistas individuais, as quais eram conduzidas por um guia de questões sistematizadas. Esse guia foi concebido após revisão de literatura à luz do modelo teórico da Teoria das Necessidades Humanas Básicas, versando sobre os aspectos psicobiológicos, psicossociais e psicoespirituais. O guia era composto por tópicos relacionados à anamnese e ao exame físico [idade, situação conjugal, etnia, escolaridade, renda, religião, filhos, tempo de encarceramento, tipo de crime, Índice de Massa Corpórea (IMC), prática de atividade física e frequência de uso de tabaco e drogas de abuso].

Para avaliar questões relacionadas à atividade física, foi utilizado o instrumento The International Physical Activity Questionnaire (IPAQ)16, validado em 12 países, inclusive no Brasil. Para as questões referentes à frequência de uso de drogas de abuso, foi utilizado o instrumento ASSIST-OMS17, traduzido e validado no Brasil. Esse instrumento aborda a frequência de uso de drogas de abuso ao longo da vida e nos últimos três meses que antecede sua aplicação.

O guia foi submetido à validação aparente e de conteúdo18, a qual foi realizada por oito integrantes do Grupo de Estudo e Pesquisas em Condições Crônicas (GEPECRON). Para a validação proceder, foram realizadas as seguintes etapas: aprofundamento da temática; análise aparente, relacionada à semântica e à clareza das questões; e análise teórica de cada item quanto ao conteúdo e à pertinência13.

Primeiramente, a pesquisadora se apresentou aos participantes e explicou a importância e os motivos de participarem da pesquisa. Na sequência, foram realizadas as entrevistas individuais, com duração média de 40 minutos. Elas foram feitas por uma única pesquisadora, que é enfermeira vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, com experiência profissional há 13 anos com PPL e conhecimento da técnica utilizada para a coleta de dados.

Para a organização e sistematização dos dados, foram realizadas as etapas de pré-análise, análise e interpretação, presentes na técnica de Análise Temática13. Também foi executada a análise de conteúdo dirigida14 para subsidiar as escolhas, as decisões dos códigos e as categorias do estudo. Para o momento de análise dos dados, participaram duas pesquisadoras que atenderam aos seguintes critérios: estar vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem; ter experiência com atuação assistencial; e ter experiência na aplicação do DE.

A pré-análise13 correspondeu à leitura flutuante dos dados oriundos das entrevistas, tendo identificado condições de saúde, processo ou vulnerabilidade, originando os principais recortes que compuseram as unidades de registro. Na sequência, os recortes foram codificados e deram origem às unidades de sentido, categorizadas em problemas, riscos potenciais e estado de promoção à saúde, compondo a etapa de análise13. Na interpretação13, foi realizado o julgamento clínico sobre condição de saúde, processo ou vulnerabilidade de um indivíduo, da família, do grupo ou da comunidade10, originando os DE. Nesse momento, foi utilizada a análise de conteúdo dirigida14, respaldada na taxonomia II da NANDA-I10 para a padronização dos DE obtidos.

O conhecimento científico e as vivências das pesquisadoras com as informações obtidas pelas entrevistas permitiram que o processo de identificação dos DE fosse estabelecido pelo raciocínio clínico19. Os problemas, os riscos potenciais ou o estado de promoção da saúde identificados foram agrupados por similaridade, considerando os componentes “título”, “domínio” e “características definidoras”. Na sequência, os DE foram correlacionados com o referencial teórico9 e vinculados às necessidades psicobiológicas, psicossociais e psicoespirituais, as quais foram interpretadas a partir de inferências crítico-reflexivas13.

Após a obtenção do produto da análise, foi verificada a acurácia dos DE, os quais são validados quando o enfermeiro consegue identificar, com clareza, as características definidoras dos fatores relacionados e/ou fatores de risco encontrados na avaliação do indivíduo, da família, do grupo ou da comunidade10. Dessa forma, foi aplicada a técnica de validação por consenso20 a fim de estabelecer uma opinião unânime sobre a pertinência e a relevância de cada DE. Para a validação20, foram selecionadas três especialistas que atenderam aos seguintes critérios: estar vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem e ter experiência com atuação assistencial e com aplicação do DE. A discordância de um ou mais especialistas condicionou a não validação dos respectivos DE20.

As etapas de pré-análise, análise e interpretação13 foram realizadas com o auxílio do software MAXQDA^®, versão 20.0.8, referência 230594870. Após a validação dos DE, foi elaborada a árvore com as condições de saúde, processo ou vulnerabilidade autorreferidos, tendo sido apontadas as relações com as características definidoras expressas por cada DE.

Todos os preceitos éticos e legais regulamentados pelas Resoluções n° 466/2012 e n° 510/16 do Conselho Nacional de Saúde foram respeitados. Esta pesquisa obteve parecer favorável da Comissão Permanente de Avaliação de Projetos e do Comitê Permanente de Ética em Pesquisa com Seres Humanos. Os participantes consentiram em participar do estudo por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

RESULTADOS

Participaram do estudo 220 PPL, com a seguinte predominância: pessoas na faixa etária de 18 a 29 anos; solteiras; com etnia referida não branco; com até oito anos de escolaridade; com renda de um a três salários mínimos; cristãos; com filhos; tempo de encarceramento superior a seis meses; e crime relacionado ao tráfico de drogas. Essas informações estão sistematizadas na Tabela 1.

Tabela 1 -
Caracterização sociodemográfica e econômica de homens privados de liberdade de um estabelecimento penal de segurança máxima. Maringá, PR, Brasil, 2019. (N=220)

Variável	n (%)	Média	Desvio-padrão
Idade		30,82	10,28
18 a 29	114 (51,8)
30 a 39	64 (29,1)
40 a 49	26 (11,8)
50 a 59	11 (5,0)
60 a 69	5 (2,3)
Situação conjugal		-	-
Sem companheiro (a)	111 (50,5)
Com companheiro (a)	109 (49,5)
Raça/cor		-	-
Pardo	100 (45,3)
Preto	33 (15,0)
Branco	84 (38,2)
Amarelo	3 (1,4)
Escolaridade
Analfabeto	1 (0,5)
Ensino Fundamental Incompleto	114 (51,8
Ensino Fundamental Completo	18 (8,2)
Ensino Médio Incompleto	42 (19,1)
Ensino Médio Completo	32 (14,5)
Ensino Superior Completo	1 (0,5)
Ensino superior incompleto	10 (4,5)
Pós-graduação	1 (0,5)
Ensino técnico	1 (0,5)
Renda		-	-
Sem renda	15 (6,8)
< 1	11 (5,0)
1 a 3	157 (71,4)
>3	37 (16,8)
Religião		-	-
Evangélico Católico	99 (45,0) 90 (40,9)
Nenhuma	12 (5,5)
Candomblé	2 (0,9)
Espiritismo	1 (0,5)
Islamismo	1 (0,5)
Agnóstico	1 (0,5)
Budista	1 (0,5)
Filhos		-	-
Sim	145 (65,9)
Não	75 (34,1)
Tempo de encarceramento		283,78	204,04
Até 6 meses	88 (40,0)
Mais de 6 meses	132 (60,0)
Tipo de Crime		-	-
Tráfico	82 (37,3)
Assalto/Furto	51 (23,2)
Homicídio	38 (17,3)
Outros	49 (22,3)

• ^* O cálculo se baseou na última atualização da base do salário mínimo de 2019.

Com relação aos resultados clínicos e antropométricos, a maioria dos participantes apresentou alterações no IMC, sendo que apenas 1 (0,5%) apresentou baixo peso, 105 (47,7%) apresentaram peso normal, 87 (39,5%) estavam com sobrepeso e 27 (12,3%) eram obesos. A média foi de 25,41 com desvio padrão de 4,61 para as condições de sobrepeso e obesidade.

Sobre as práticas de atividade física, a prática de caminhada de pelo menos 10 minutos na última semana apresentou média e desvio padrão 1,75 ± 2,47, respectivamente. Contudo, o tempo total que gastaram caminhando por dia variou entre 46,96 ± 52,42 minutos. A média de atividades moderadas realizadas por semana foi de 2,40 ± 2,53 dias. O tempo gasto com essas atividades variou entre 46,93±52,42 minutos. Para as atividades vigorosas, a média foi de 0,36 ± 1,03 dias, e o tempo gasto foi de 22,59 ± 54,11 minutos.

Com relação ao tempo em que passavam sem atividade física, ou seja, sentados, deitados ou assistindo TV, a média foi de 13,47 ± 2,70 horas por dia. A maioria dos entrevistados relatou que a atividade física estava abaixo do que eles praticavam quando estavam em liberdade 185 (84,9%).

A frequência atual do uso de drogas de abuso ou durante os últimos três meses revelou o álcool como a principal substância utilizada diariamente. No que se refere às drogas ilícitas, houve o consumo de maconha com as maiores frequências diárias (Tabela 2).

Tabela 2-
Distribuição de frequência de uso de drogas de abuso na vida, triadas pelo ASSIST 3.1 em 220 pessoas privadas de liberdade. Maringá, PR, Brasil, 2021. (N=220)

Substância	n (%)
Álcool	214 (97,3)
Tabaco	175 (79,5)
Maconha	159 (72,3)
Crack	130 (59,1)
Inalantes	92 (41,8)
Alucinógenos	78 (35,5)
Hip/Sedativos	71 (32,3)
Cocaína	69 (31,4)
Anfetaminas	69 (31,4)

A partir das condições sociais, econômicas, demográficas e clínicas, foram listadas as condições de saúde, o processo ou as vulnerabilidades, as quais corresponderam à identificação de 12 DE, agrupados e interpretados conforme a taxonomia II da NANDA-I10, e relacionados às NHB9. Os resultados desse processo são apresentados no Quadro 1.

Quadro 1-
Diagnósticos de Enfermagem, segundo a taxonomia II da NANDA-I, em pessoas privadas de liberdade a partir das condições de saúde, processo ou vulnerabilidade identificadas. Maringá, PR, Brasil, 2019.

Necessidades Psicobiológicas
Diagnósticos de enfermagem, conforme NANDA-I	Domínio/ Classe, conforme NANDA-I	Condições de saúde, processo ou vulnerabilidade identificadas a partir das características definidoras apresentadas pelas PPL
Estilo de vida sedentário	Promoção da saúde/Percepção da saúde	Motivação insuficiente; Recursos insuficientes para a atividade física.
Obesidade	Nutrição/Ingestão	Gasto de energia abaixo da ingestão de energia; Comportamento sedentário.
Comportamento de saúde propenso a risco	Promoção da saúde/Controle da saúde	Abuso de substâncias; Falha em agir de forma a prevenir problemas de saúde.
Controle ineficaz da saúde	Promoção da saúde/Controle da saúde	Escolhas na vida diária ineficazes para atingir as metas de saúde; Falha em incluir o regime de tratamento na vida diária.
Sobrepeso	Nutrição/Ingestão	Gasto de energia abaixo da ingestão de energia; Comportamento sedentário.
Necessidades Psicossociais
Diagnósticos de enfermagem, conforme NANDA-I	Domínio/ Classe, conforme NANDA-I	Condições de saúde, processo ou vulnerabilidade identificadas a partir das características definidoras apresentadas pelas PPL
Envolvimento em atividades de recreação diminuído	Promoção da saúde/ Percepção da saúde	Motivação insuficiente; Institucionalização prolongada; Atividade de recreação insuficiente.
Ansiedade	Enfrentamento ou tolerância ao estresse/Respostas de enfrentamento	Abuso de substâncias; Estressores; Mudança importante.
Enfrentamento ineficaz	Enfrentamento ou tolerância ao estresse/Respostas de enfrentamento	Comportamento destrutivo em relação a si mesmo; Abuso de substâncias; Apoio social insuficiente.
Risco de violência direcionada a outros	Segurança e proteção/Violência	História de abuso de substâncias.
Processos familiares interrompidos	Papéis e relacionamentos/ Relações familiares	Trocas de poder entre membros da família; Troca de papéis na família.
Risco de relacionamento ineficaz	Papéis e relacionamentos/ Desempenho de papéis	Estressores; Encarceramento de um parceiro.
Necessidades Psicoespirituais
Diagnósticos de enfermagem, conforme NANDA-I	Domínio/ Classe, conforme NANDA-I	Condições de saúde, processo ou vulnerabilidade identificadas a partir das características definidoras apresentadas pelas PPL
Risco de religiosidade prejudicada	Princípios da vida/Coerência entre valores/crenças/atos	Apoio social insuficiente; Barreira ambiental à prática da religião.

Em relação às categorias dos DE propostos pelo NANDA-I, destaca-se que nove corresponderam a problemas de saúde e três foram relacionados a riscos potenciais (Quadro 2). Nenhum DE pertenceu à categoria da promoção da saúde, relacionada à motivação e ao desejo de aumentar o bem-estar.

Quadro 2-
Diagnósticos de Enfermagem, segundo a taxonomia II da NANDA-I, em pessoas privadas de liberdade, com foco no problema, no risco e na promoção da saúde. Maringá, PR, Brasil, 2019.

Diagnósticos de enfermagem com foco no problema	Diagnósticos de enfermagem de risco
Estilo de vida sedentário	Risco de relacionamento ineficaz
Obesidade	Risco de violência direcionada a outros
Sobrepeso	Risco de religiosidade prejudicada
Envolvimento em atividades de recreação diminuído
Comportamento de saúde propenso a risco
Controle ineficaz da saúde
Processos familiares interrompidos
Ansiedade
Enfrentamento ineficaz

DISCUSSÃO

Em enfermagem, o ato de diagnosticar é fruto do raciocínio clínico do enfermeiro. que, a partir de pensamentos crítico-reflexivos inerentes, é conduzido a tomadas de decisão eficazes, eficientes, seguras e centradas no paciente, proporcionando o reconhecimento da Enfermagem como ciência21. O Processo de Enfermagem propicia às PPL um cuidado pautado nas necessidades biológicas, sendo capaz de abranger outras dimensões do cuidado9.

O contexto do ambiente prisional, considerando suas condições estruturais particulares para a prestação de cuidados, é compreendido como uma experiência traumática que provoca alterações nas rotinas sociais, familiares, laborais e de lazer11. Nesse sentido, a construção da assistência de enfermagem fundamentada no referencial teórico das NHB permite o planejamento de um cuidado direcionado às questões psicobiológicas, psicossociais e psicoespirituais9.

Em relação às NHB psicobiológicas, foram identificados os DE estilo de vida sedentário, obesidade, sobrepeso, comportamento de saúde propenso a risco e controle ineficaz da saúde. O relato dos participantes revelou que eles não seguem as recomendações da equipe de saúde, optam por escolhas inadequadas e fazem uso de substâncias nocivas lícitas e ilícitas. Tais achados também foram evidenciados em diversos estudos internacionais1^,22^-23.

É consenso na literatura científica que o sedentarismo é um dos principais motivos para o aumento de peso, e que a ausência de um local propício para a realização de atividade física no sistema prisional pode contribuir para a obesidade e o sobrepeso dessa população24^-25. As PPL de um ambiente prisional na Itália apresentou prevalência de 66,9% de sobrepeso e obesidade25. Como estratégia para melhorar a prática de atividade física no ambiente prisional, recomenda-se a implantação de políticas públicas de promoção à saúde que propicie um espaço adequado para tal prática, assim como oferta de tempo suficiente para as PPL se exercitarem24^-26.

Um aspecto relevante que contribui para o sedentarismo e o excesso de peso é a diminuição do interesse em participar das atividades recreativas e de lazer existentes no ambiente prisional. O DE envolvimento em atividades de recreação diminuído, componente das NHB psicossociais, também é uma característica comum às PPL no Reino Unido1. No sistema carcerário brasileiro, a superlotação e a precariedade do espaço físico, contribuem para a escassez de atividades físicas ou de lazer11.

O próprio sistema carcerário pode ser considerado um fator de risco para o uso de drogas lícitas e ilícitas, conforme aponta o número significativo de PPL que relataram iniciar ou aumentar o uso de drogas após a detenção22. Para que o ambiente prisional não seja um fator impulsionador do uso de substâncias nocivas, as instituições prisionais podem oferecer atividades que preencham o tempo e favoreçam a ressocialização das PPL, como atividades laborais, educacionais e sociais7^,23.

Os DE como ansiedade e enfrentamento ineficaz podem se relacionar ao ambiente estressor e ao abuso de substâncias nocivas. Essas características convergem com a condição de confinamento em situações insalubres, dependência de drogas lícitas e ilícitas e baixo nível socioeconômico de presidiários e familiares8. A experiência do encarceramento também pode afetar a saúde mental das PPL, com o aparecimento ou agravamento de transtornos mentais. A privação da liberdade traz consequências psicológicas em função do isolamento social, de vínculos familiares rompidos, da interrupção do sono e da dieta inadequada, contribuindo para o aumento da mortalidade26.

A preservação da saúde mental das PPL é um importante desafio à saúde pública em diversos sistemas prisionais no mundo. Os transtornos de ansiedade geral, associados à ideação suicida, atingem 37% de PPL nos Estados Unidos e no Reino Unido e 36,1% na Etiópia, configurando uma prevalência maior quando comparado à população geral27. O encarceramento pode aumentar a predisposição à ideação suicida, por enfraquecimento do sistema de apoio social e pela precariedade do ambiente carcerário, o que favorece o aparecimento de sintomas como ansiedade, estresse, depressão e pensamentos autolesivos28.

A qualidade de vida das PPL foi objeto de interesse de um estudo29 que associou a saúde mental dos participantes com a exposição à violência. Foi identificado que um sistema prisional que investe na saúde mental e na qualidade de vida das PPL concentra níveis mais baixos de violência, o que torna o ambiente mais tolerável a todos e menos nocivo aos funcionários29. Neste estudo, o DE risco de violência relacionada a outros foi associado à história de abusos de substâncias nocivas, correlacionando, novamente, o uso de substância lícitas ou ilícitas com outros comportamentos que trazem riscos psicossociais a essa população.

A consulta de enfermagem permite a compreensão de DE relacionados aos processos familiares. Neste estudo, foram identificados os DE processos familiares interrompidos e risco de relacionamento ineficaz nas PPL. O referencial teórico9 permitiu que os participantes fossem analisados em todas as suas dimensões, inclusive no domínio familiar e no impacto que o encarceramento de um dos membros repercute para a família. Para minimizar a fragilização dos laços afetivos, a Lei de Execução Penal, nº 7.210/19845, prevê, ao detento, a visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados, visando à preservação do contato com a realidade extramuros, contribuindo para o seu retorno à sociedade e à vida em família.

Em relação às NHB psicoespirituais, foi identificado o DE risco de religiosidade prejudicada. Compreende-se que a espiritualidade pode auxiliar no a enfrentar os eventos estressantes de forma mais eficaz. As crenças desempenham um papel importante para a superação das dificuldades vivenciadas pelas PPL, dando sentido à vida e promovendo a paz interior30. Contudo, a falta de apoio social do sistema penitenciário e a ausência de um local próprio para as práticas religiosas foram elementos que subsidiaram a identificação desse DE como um risco potencial neste estudo.

Em relação às categorias descritas pela NANDA-I10, nota-se a ausência de DE pertencentes à promoção da saúde. Nesse domínio, as características definidoras devem expressar o desejo da pessoa de melhorar seu estado de saúde atual ou o reconhecimento, por parte do enfermeiro, de sinais que representem uma motivação e uma disposição para alcançar seu bem-estar10. As prisões se constituem em um ambiente insalubre, com práticas de violência, precariedade do espaço físico e carência no atendimento às necessidades de saúde15. Apesar da existência de políticas de saúde e sociais direcionadas às PPL, ainda há muito o que ser feito para a efetivação desses direitos.

Entende-se que a Teoria das NHB9 como sustentação teórica para sistematizar a assistência do enfermeiro que trabalha no ambiente carcerário permite prestar um cuidado centrado nas necessidades individuais da PPL. A identificação dos problemas e intervenções posteriores contemplem a pessoa em sua integralidade.

Os resultados desta pesquisa contribuem para que as ações sistematizadas de enfermagem no cenário prisional sejam encorajadas, sobretudo para que a utilização dos DE à luz do referencial das NHB possa propor intervenções seguras, eficazes e centradas nas necessidades individuais das PPL. Espera-se que os achados apresentados possam contribuir para a prática de enfermeiros que atuam no sistema prisional, assim como de docentes universitários, fomentando discussões sobre a importância da abordagem dessa temática na formação acadêmica.

Como limitação do estudo, a construção dos resultados em um único contexto e com participantes do sexo masculino pode não retratar a realidade de outros cenários. As questões relacionadas ao gênero e à sexualidade não foram abordadas na coleta de dados, visto que o referencial teórico não inclui tal especificação.

CONCLUSÃO

A identificação dos DE em homens privados de liberdade com base no referencial teórico das NHB permitiu constatar a predominância de problemas relacionados ao componente psicossocial, o que sugere a fragilidade da saúde mental das PPL. A exposição contínua de agentes estressores consequentes da condição de reclusão e o uso de drogas de abuso aliado à precariedade de atividades que promovam a socialização, o ensino e o lazer contribuem para um ambiente carcerário hostil, o que pode dificultar o processo de ressocialização futuro.

O estudo apontou a ausência de DE com foco na promoção da saúde, o que pode indiciar uma inexpressividade de ações que propiciem qualidade de vida das PPL. Esse resultado é relevante por considerar a importância de os enfermeiros atuarem com foco na promoção da saúde e prevenção de agravos, buscando estratégias para a realização de ações que atendam às necessidades dessa população. O enfermeiro inserido no ambiente prisional precisa avaliar as condições biológicas, psicológicas, sociais e espirituais que influenciam no processo de cuidado da PPL. O uso das NHB nesse contexto possibilitou conhecer os fatores psicobiológicos, psicossociais e psicoespirituais que interferem na qualidade de vida das PPL, o que torna esse referencial contemporâneo ao conceito de promover o cuidado de enfermagem em todas as suas dimensões.

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NOTAS

• ORIGEM DO ARTIGO

  Extraído da dissertação - Doenças Crônicas Não Transmissíveis em População Privada de Liberdade, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, da Universidade Estadual de Maringá, em 2020.

• FINANCIAMENTO

  O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

• APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

  Aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Maringá, parecer n. 3.211.746/2019, Certificado de Apresentação para Apreciação Ética 08936619.4.0000.0104.

Editado por

EDITORES

Editores Associados: Melissa Orlandi Honório Locks, Monica Motta Lino. Editor-chefe: Roberta Costa.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  13 Jun 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  26 Ago 2021
• Aceito
  15 Fev 2022