ESTRATÉGIAS PARA O ENFRENTAMENTO DO SOFRIMENTO MORAL POR ENFERMEIROS NA ATENÇÃO TERCIÁRIA: SCOPING REVIEW

RESUMO

Objetivo:

mapear as evidências científicas sobre estratégias para o enfrentamento do sofrimento moral por enfermeiros no contexto dos serviços de saúde na atenção terciária.

Método:

trata-se de uma Scoping Review com base nas recomendações PRISMA-ScR. As buscas foram realizadas em setembro de 2020 nas bases de dados MEDLINE^®, National Library of Medicine, Scopus, Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature, Web of Science, Cochrane e Biblioteca Virtual de Saúde. O critério de elegibilidade foi incluir estudos que discutissem estratégias para o enfrentamento do sofrimento moral pelos enfermeiros na atenção terciária, encontrando assim 2.041 estudos, os quais foram organizados e triados no software Endnote. Os dados foram organizados em planilhas do Excel e uma análise dos resultados foi realizada mediante auxílio do software ATLAS.ti.

Resultados:

a amostra final selecionada foi de 23 estudos, os quais foram agrupados em dois eixos: estratégias e recomendações. Quatro artigos foram enquadrados no eixo “estratégias”, os quais relataram ações realizadas para enfrentamento do sofrimento moral, detalhando a intervenção e os seus resultados. Os demais, incluídos no eixo “recomendações”, são artigos cujo enfoque foi a vivência do sofrimento moral, com sugestão de aspectos importantes para o seu enfrentamento.

Conclusão:

o reconhecimento do sofrimento moral pelos enfermeiros e a oportunidade de discussão coletiva e troca de experiências são formas de enfrentar, coletivamente, as situações. Ademais, foi recomendado a participação ativa da instituição na realização de intervenções. Contudo, perceberam-se lacunas na produção de estudos que de fato aprofundam em ações de intervenções para o enfrentamento do sofrimento moral.

DESCRITORES:
Enfermagem; Adaptação psicológica; Estresse psicológico; Moral; Ética em enfermagem; Hospital

ABSTRACT

Objective:

to map the scientific evidence on strategies for coping with moral distress adopted by nurses in the context of health services in tertiary care.

Method:

this is a Scoping Review based on the PRISMA-ScR recommendations. The searches were performed in September 2020 in the MEDLINE^®, National Library of Medicine, Scopus, Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature, Web of Science, Cochrane and Biblioteca Virtual en Saúde databases. The eligibility criterion was to include studies that discussed strategies for coping with moral distress adopted by nurses in tertiary care, finding 2,041 studies, which were organized and screened in the Endnote software. The data were organized in Excel spreadsheets and analysis of the results was performed using the ATLAS.ti software.

Results:

the final selected sample consisted of 23 studies, which were grouped in two axes: strategies and recommendations. Four articles were included in the “strategies” axis, which reported actions taken to face moral distress, detailing the intervention and their results. The others, included in the “recommendations” axis, are articles whose focus was the experience of moral distress, suggesting important aspects to face it.

Conclusion:

recognition of moral distress by nurses and the opportunity for collective discussion and exchange of experiences are ways of collectively facing the situations. In addition, the institution's active participation in carrying out interventions was recommended. However, gaps were noticed in the production of studies that actually go deeper into intervention actions to cope with moral distress.

DESCRIPTORS:
Nursing; Psychological adaptation; Psychological stress; Moral; Ethics in nursing; Hospital

RESUMEN

Objetivo:

mapear las evidencias científicas sobre diversas estrategias para afrontar el sufrimiento moral adoptadas por enfermeros en el contexto de los servicios de salud en el nivel terciario de atención.

Método:

Scoping Review basada en las recomendaciones PRISMA-ScR. Las búsquedas se realizaron en septiembre de 2020 en las siguientes bases de datos: MEDLINE^®, National Library of Medicine, Scopus, Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature, Web of Science, Cochrane y Biblioteca Virtual de Saúde. El criterio de elegibilidad fue incluir estudios que debatieran estrategias para afrontar el sufrimiento moral adoptadas por los enfermeros en el nivel terciario de atención, con lo que se encontraron 2.041 estudios, que se organizaron y seleccionaron en el software Endnote. Los datos se organizaron en planillas de Excel y se realizó un análisis de los resultados con la ayuda del software ATLAS.ti.

Resultados:

la muestra final seleccionada compuesta por 23 estudios, que fueron agrupados en dos ejes: estrategias y recomendaciones. Cuatro artículos se encuadraron en el eje de “estrategias”, y reportaron acciones adoptadas para afrontar el sufrimiento moral, detallando la intervención y sus resultados. Los demás, incluidos en el eje de “recomendaciones”, son artículos cuyo enfoque fue la experiencia del sufrimiento moral, con sugerencias relacionadas con aspectos importantes para afrontarlo.

Conclusión:

el reconocimiento del sufrimiento moral por parte de los enfermeros y la oportunidad de debate colectivo e intercambio de experiencias son formas de afrontar las situaciones en forma colectiva. Además, se recomendó la participación activa de la institución al implementar las intervenciones. Sin embargo, se percibieron deficiencias en la producción de estudios que, de hecho, profundicen en acciones de intervención para afrontar el sufrimiento moral.

DESCRIPTORES:
Enfermería; Adaptación psicológica; Estrés psicológico; Moral; Ética en enfermería; Hospital

INTRODUÇÃO

O Sofrimento Moral (SM) é um processo que pode ser vivenciado quando o enfermeiro se depara com um problema moral, tece seu julgamento, mas é impossibilitado de agir de acordo com seus valores. Nesse caso, o processo de deliberação moral é interrompido devido a obstáculos que impedem o posicionamento ético-moral do enfermeiro perante o problema moral1.

A vivência de SM, devido ao caráter processual e ao seu desenvolvimento ao longo do tempo, pode levar o enfermeiro a não se posicionar, o que se caracteriza, pelos autores, como “estagnação na incerteza”1:412. Esta ocorre quando o profissional não é capaz de se posicionar de acordo com seus valores ético-morais, de deliberar moralmente e advogar pelo paciente ou de enfrentar o problema moral1, desenvolvendo sua prática de forma mecânica e acrítica, produzindo invisibilidades2.

Especificamente nos hospitais, percebe-se a vivência constante de problemas morais que requerem o posicionamento crítico do enfermeiro. Ressalta-se que o cenário hospitalar concentra a maior parte das publicações a respeito do tema1, além de ser um ambiente permeado por problemas morais.2 Contudo, nem sempre é possível que o enfermeiro efetive práticas coerentes com seu julgamento moral, afetando a qualidade da assistência à saúde nessas instituições. Faz-se necessário criar meios para que os enfermeiros sejam capazes de reconhecer e lidar com os problemas morais no cotidiano, deliberando a favor de sua prática, isto é, do cuidado ao paciente2^-3.

Estudos nacionais e internacionais têm se debruçado para analisar as causas e efeitos do SM em enfermeiros e citam a importância de criar meios para lidar com essa situação nos cenários pesquisados1^-2^,4^-7. Contudo, torna-se fundamental explorar estudos que assumam intervenções com foco em estratégias de enfrentamento ao SM em hospitais como objeto de investigação, haja vista que elas podem gerar impactos positivos para o enfermeiro, a instituição e o paciente.

Diante da realidade da causa e dos efeitos do SM vivenciado pelos enfermeiros e da importância de seu enfrentamento no cenário hospitalar, surge a questão norteadora do presente estudo: “quais as evidências científicas sobre as estratégias para o enfrentamento do SM pelos enfermeiros no contexto de serviços de saúde na atenção terciária?”. O presente estudo se justifica pela necessidade de mapear pesquisas que promovam iniciativas para o enfrentamento do SM, no sentido de fomentar o desenvolvimento de práticas éticas coerentes com o julgamento moral dos enfermeiros nas instituições hospitalares.

Visto o exposto, o objetivo do presente trabalho foi mapear as evidências científicas sobre estratégias para o enfrentamento do SM por enfermeiros no contexto dos serviços de saúde na atenção terciária.

MÉTODO

Trata-se de scoping review, com protocolo registrado no Open Science Framework (OSF) (https://osf.io/962t7). Esse método permite mapear os principais conceitos, clarificar áreas de pesquisa e identificar lacunas do conhecimento8, como é o caso das estratégias de intervenção para o enfrentamento do SM.

A presente revisão foi desenvolvida com base nas recomendações PRISMA-ScR9 e no método proposto pelo Joanna Briggs Institute10 que estabelece cinco etapas: 1) identificação da questão de pesquisa; 2) identificação dos estudos relevantes; 3) seleção dos estudos; 4) análise dos dados; e 5) agrupamento, síntese e apresentação dos dados.

Para identificação da questão de pesquisa, utilizou-se a estratégia PCC, sendo, para fins deste estudo P (População) - Enfermeiros; C (Conceito) - Enfrentamento do sofrimento moral; e C (contexto) - Serviços de saúde na atenção terciária. Desse modo, a questão norteadora foi: “quais as evidências científicas sobre as estratégias para o enfrentamento do sofrimento moral pelos enfermeiros no contexto de serviços de saúde na atenção terciária?”.

A amostra do estudo foi composta por pesquisas relacionadas às estratégias de enfrentamento ao SM por enfermeiros em diferentes serviços no contexto hospitalar, publicadas integralmente nas línguas portuguesa, espanhola e/ou inglesa até agosto de 2020. Houve exclusão de editoriais, livros, cartas, monografias, dissertações, teses, blogs, artigos teóricos e de reflexão.

A busca foi realizada no mês de setembro de 2020, nas seguintes bases de dados: MEDLINE^®, National Library of Medicine (PubMed); Scopus; Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL); Web of Science (WoS); Cochrane; e Biblioteca Virtual de Saúde (BVS). A estratégia adotada foi construída com a bibliotecária e utilizaram-se os operadores booleanos OR e AND referentes a cada item da estratégia PCC, conforme descrito no Quadro 1.

Quadro 1 -
Definição de estratégias de busca em bases de dados. Belo Horizonte,MG, Brasil, 2020.

Bases de Dados	Estratégia de Busca
BVS	(Nurses OR "Enfermeras y Enfermeros" OR "Enfermeiras e Enfermeiros" OR Enfermeira OR "Enfermeira e Enfermeiro" OR Enfermeiras OR "Enfermeiros Registrados" OR "Nursing, Team" OR "Grupo de Enfermería" OR "Equipe de Enfermagem") AND ("Adaptation, Psychological" OR "Adaptación Psicológica" OR "Adaptação Psicológica" OR "Comportamento Adaptativo" OR "Comportamento de Enfrentamento" OR Enfrentamento OR "Estratégia de Adaptação" OR "Estratégias de Enfrentamento" OR "Habilidades de Enfrentamento" OR "Stress, Psychological" OR "Estrés Psicológico" OR "Estresse Psicológico" OR "Agente de Estresse Psicológico" OR "Estresse Relacionado a Aspectos da Vida" OR "Estresse da Vida" OR "Fatores de Estresse Psicológico" OR "Padecimento Mental" OR "Padecimento Psíquico" OR "Sofrimento Mental" OR "Sofrimento Moral" OR "Sofrimento Psíquico" OR Sofrimentos OR "Tensão Vital" OR "Tensão da Vida" OR Moral OR Morale OR Moral OR "Ethics, Nursing" OR "Ética en Enfermería" OR "Ética em Enfermagem" OR "Ética de Enfermagem") AND ("Health Services" OR "Servicios de Salud" OR "Serviços de Saúde" OR "Consumo de Serviços de Saúde" OR "Rede Prestadora de Serviços de Saúde" OR "Serviços de Atenção ao Paciente" OR "Uso de Serviços de Saúde" OR "Tertiary Healthcare" OR "Atención Terciaria de Salud" OR "Atenção Terciária à Saúde" OR "Atendimento Terciário de Saúde" OR "Atenção Terciária" OR "Atenção Terciária de Saúde" OR "Cuidados Médicos Terciários" OR "Cuidados Terciários de Saúde" OR "Terceiro Nível de Assistência" OR "Terceiro Nível de Atendimento" OR "Terceiro Nível de Atenção" OR "Terceiro Nível de Atenção à Saúde" OR "Terceiro Nível de Cuidado" OR "Terceiro Nível de Cuidados" OR Hospitals OR Hospitales OR Hospitais OR "Centro Hospitalar" OR "Centros Hospitalares" OR Nosocômio OR Nosocômios).
PubMed/MEDLINE ScopusWeb of Science CINAHL COCHRANE	(Nurses OR "Nursing, Team") AND ("Adaptation, Psychological" OR "Stress, Psychological" OR Moral OR "Ethics, Nursing") AND ("Health Services" OR "Tertiary Healthcare" OR "Hospitals")

A primeira etapa da revisão envolveu as buscas nas bases de dados, em que os artigos foram identificados e exportados para o software EndNote^®. Os estudos identificados tiveram seus títulos e resumos lidos e analisados por seis revisores, que trabalharam em pares, para seleção dos potenciais artigos elegíveis. No caso em que houve desacordo quanto à inclusão, um terceiro revisor fez a avaliação.

Na segunda etapa, realizou-se a leitura na íntegra de todos os estudos incluídos após o desenvolvimento da primeira etapa por todos os revisores de forma independente com a finalidade de atender à pergunta da revisão e extrair os dados de interesse. Para essa etapa, utilizou-se planilha do software Excel®, elaborada pelos autores e organizada considerando as seguintes variáveis: autor, título, país, ano de publicação e nível de evidência. As dúvidas geradas foram sanadas por consenso entre os autores10. A respeito dos resultados, estes foram organizados, analisados e categorizados com auxílio do software ATLAS.ti, versão 9. As categorias temáticas pré-definidas foram: “estratégias” e “recomendações”.

RESULTADOS

Identificaram-se nas bases de dados 2041 artigos e a amostra final foi composta por 23 estudos, conforme apresentado na Figura 1.

Figura 1
Fluxo referente ao processo de seleção dos estudos da Scoping Review, adaptado do PRISMA-ScR10. Belo Horizonte, MG, Brasil, 2020.

Os 23 artigos incluídos nesta revisão foram organizados em um quadro bibliográfico apresentado no Quadro 2, contendo o título do artigo, país de origem e ano de publicação e tipo de estudo e nível de evidência conforme estudo publicado no American Journal of Nursing11.

Quadro 2 -
Artigos incluídos no Scoping Review. Belo Horizonte, MG, Brasil, 2020.

Autor(es)	Título	País, ano	Tipo de estudo, nível de evidência
Estratégias
Beumer CM12	Innovative solutions: the effect of a workshop on reducing the experience of moral distress in an intensive care unit setting	EUA, 2008	Pesquisa intervenção, nível VI
Altounji D, Morgan H, Grover M, Daldumyan S, Secola R13	A self-care retreat for pediatric hematology oncology nurses	EUA, 2013	Relato de experiência, nível VI
Leggett JM, Wasson K, Sinacore JM, Gamelli RL14	A pilot study examining moral distress in nurses working in one United States burn center	EUA, 2013	Estudo qualitativo, nível VI
Abbasi S, Ghafari S, Shahriari M, Shahgholian N15	Effect of moral empowerment program on moral distress in intensive care unit nurses	Irã, 2019	Ensaio clínico, nível II
Recomendações
Akbar RE, Elahi N, Mohammadi E, Khoshknab MF16	What strategies do the nurses apply to cope with job stress?: A qualitative study	Irã, 2015	Qualitativo, nível VI
Helmers A, Palmer KD, Greenberg RA17	Moral distress: Developing strategies from experience	Canadá, 2020	Estudo qualitativo exploratório, nível VI
Schaefer R, Zoboli ELCP, Vieira M18	Moral distress in nurses: A description of the risks for professionals	Brasil, 2018	Estudo quantitativo, descritivo e transversal, nível VI
Rodrigues NP, Cohen LL, Swartout KM, Trotochaud K, Murray E19	Burnout in nurses working with youth with chronic pain: A Mixed-Methods Analysis	EUA, 2018	Métodos mistos, nível VI
Da Luz KR, De Oliveira Vargas MA, Barlem ELD, Schmitt PH, Ramos FRS, Meirelles BHS20	Coping strategies for oncology nurses in high complexity	Brasil, 2016	Qualitativo, nível VI
Ko HK, Chin CC, Hsu MT21	Moral Distress model reconstructed using grounded theory	China, 2018	Estudo qualitativo, nível VI
Langley GC, Kisorio L, Schmollgruber S22	Moral distress experienced by intensive care nurses	África do Sul, 2015	Estudo descritivo/exploratório, nível VI
Bender MA, Andrilla CHA, Sharma RK, Hurd C, Solvang N, Mae-Baldwin L23	Moral Distress and attitudes about timing related to comfort care for hospitalized patients: A survey of inpatient providers and Nurses	EUA, 2019	Estudo transversal, nível VI
Christodoulou-Fella M, Middleton N, Papathanassoglou ED, Karanikola MN24	Exploration of the association between nurses’ moral distress and secondary traumatic stress syndrome: Implications for patient safety in mental health services	Chipre, 2017	Estudo transversal, nível VI
Wenwen Z, Xiaoyan W, Yufang Z, Lifeng C, Congcong S25	Moral distress and its influencing factors: A cross-sectional study in China	China, 2018	Estudo transversal, nível VI
Hamaideh SH26	Moral distress and its correlates among mental health nurses in Jordan	Jordânia, 2014	Estudo transversal, nível VI
Ghasemi E, Negarandeh R, Janani L27	Moral distress in Iranian pediatric nurses	Irã, 2019	Estudo transversal, nível VI
Barlem ELD, Lunardi VL, Lunardi GL, Tomaschewski-Barlem JG, Silveira RSD, Dalmolin GDL28	Moral distress in nursing personnel	Brasil, 2013	Pesquisa quantitativa, do tipo survey, exploratório-descritiva e de delineamento transversal, nível IV
Morley G29	Efficacy of the nurse ethicist in reducing moral distress: what can the NHS learn from the USA? Part 2	Inglaterra, 2016	Revisão de literatura, nível V
Ohnishi K, Kitaoka K, Nakahara J, Välimäki M, Kontio R, Anttila M30	Impact of moral sensitivity on moral distress among psychiatric nurses	Finlândia, 2019	Estudo transversal, nível VI
Schaefer R, Vieira M31	Ethical competence as a coping resource for moral distress in nursing	Brasil, 2015	Revisão integrativa da literatura, nível V
Edmonson C32	Strengthening Moral Courage among nurse leaders	EUA, 2015	Revisão, nível V
Schluter J, Winch S, Holzhauser K, Henderson A33	Nurses: moral sensitivity and hospital ethical climate: a literature review	EUA, 2008	Revisão de literatura de estudos quantitativos e qualitativos, nível V
Dalmolin GDL, Lunardi VL, Lunardi GL, Barlem ELD, Silveira RSD34	Nurses, nursing technicians and assistants: Who experiences more moral distress?	Brasil, 2014	Pesquisa qualitativa, nível VI

Conforme demonstra o Quadro 2, os artigos foram agrupados em duas categorias, a saber: estratégias (04 artigos) e recomendações (19 artigos).

A respeito dos artigos incluídos na categoria “estratégias”, eles relataram ações realizadas para enfrentamento do SM, detalhando a intervenção, a forma de avaliação e os seus resultados (Figura 2).

Figura 2 -
Estratégias de enfrentamento do Sofrimento Moral. Belo Horizonte, MG, Brasil, 2020.

Com relação aos tipos de estratégias, as três enfatizaram o desenvolvimento do reconhecimento do SM pelos enfermeiros e a oportunidade de discussão e troca de experiências entre os participantes para, assim, criarem juntos formas de enfrentar a situação. Ainda, percebeu-se que das quatro intervenções, três aplicaram escalas de SM para avaliação pré e pós-ação. Ressalta-se o protagonismo da instituição na realização das intervenções, sendo ela a responsável pela execução.

Já os artigos incluídos na categoria “recomendações” são aqueles cujo enfoque foi a vivência do SM, sendo que as estratégias de enfrentamento foram apenas recomendações/sugestões, isto é, não foram detalhadas intervenções ao longo do artigo. Entre as recomendações/sugestões codificadas, percebeu-se que 14 artigos abordaram a importância de espaços de discussão e troca de experiências entre a equipe16^-17^,20^-23^;25^-29^,31^,34; nove abordaram a colaboração da equipe nesse enfrentamento,16^-17^,19^,22^-25^,33^-34 a necessidade de educação e desenvolvimento de competências éticas17^,20^-24^,27^-29 e o apoio institucional e da liderança16^,26^-32^,34; oito mencionaram a implantação de programas de fortalecimento moral e apoio ao clima ético17^,23^-24^,26^-29^,31^,34; seis acerca da necessidade do reconhecimento das causas de SM pelos profissionais17^-18^,21^,24^,28^-29; cinco expuseram a importância de promover autonomia, autorreflexão, autoconsciência e autoconfiança16^-17^,22^,24^-25; três referiram o acolhimento e o suporte emocional aos profissionais perante vivências de SM16^,24^,26 e sobre a resiliência e coragem moral17^,27^,32; dois discutiram a construção de ambientes de trabalho saudáveis26^,30 e a criação de programas para atividade recreativa/esporte e o apoio espiritual16^-17; e um artigo referiu sobre a influência do dimensionamento de pessoal adequado.

Os resultados, de forma geral, apontaram que as estratégias de intervenção adotadas abarcam a relevância do reconhecimento do SM para seu enfrentamento; a necessidade de lidar com a situação de forma coletiva, compartilhando experiências; e a importância da responsabilidade institucional em adotar medidas de enfrentamento ao SM.

DISCUSSÃO

O reconhecimento do SM pelos enfermeiros no ambiente de prática foi foco das ações para o seu enfrentamento nos estudos elegíveis. Na descrição dessas ações, abordou-se o conceito e os sinais e sintomas do SM, as barreiras que impedem a tomada de decisão em consonância com o julgamento moral dos profissionais e a troca de experiências entre a equipe para a lida dos problemas morais.

Ao traçar estratégias de enfrentamento, faz-se necessário que aquele que vivencia o SM compreenda o seu conceito. O SM é desencadeado quando o profissional se depara com um problema moral, tece seu julgamento moral, mas é impedido de tomar decisão devido a barreiras que podem ser influenciadas pelo gênero, etnia, falta de tempo, políticas organizacionais e institucionais, ambiente de trabalho e a contradição entre a prática idealizada e a realizada no cotidiano de trabalho2^,35. Trata-se de uma experiência moral individual, na qual cada profissional vivencia o sofrimento de forma distinta1.

Ao vivenciar o SM, o profissional experimenta o sentimento de frustração, de angústia, de perda da autonomia e, assim, impotência para agir, produzindo invisibilidades2. Tal invisibilidade distancia o enfermeiro de sua prática, provocando rupturas identitárias, inseguranças e perda de significado, podendo culminar com o abandono da profissão2. Diante de tais sentimentos, torna-se necessário o reconhecimento do SM, o qual se dá por meio da sensibilidade moral, sendo o ponto de partida para o seu enfrentamento.

A sensibilidade moral é uma importante habilidade para a enfermagem na tomada de decisão moral e gestão de problemas éticos nos distintos espaços de cuidado em saúde36. O desenvolvimento da sensibilidade pode se dar pela educação ética de enfermagem, experiência profissional, conhecimento clínico, diálogo, relação com os demais membros da equipe de saúde e autonomia profissional3^,36. Tais componentes promovem a construção de novas habilidades morais que auxiliarão esses indivíduos no reconhecimento de SM e de sua vivência7. Assim, poderão de forma objetiva traçar estratégias individuais e coletivas para o enfrentamento.

A respeito de oportunizar espaços coletivos para o enfrentamento do SM, destaca-se ser imprescindível a discussão ética entre os envolvidos, em que há a exposição da angústia moral, a qual é altamente subjetiva, possibilitando mapear situações eticamente desafiadoras e potenciais geradoras de SM27. Para que isso ocorra, faz-se necessário que o indivíduo estabeleça comunicação efetiva e horizontal com a equipe, oportunizando a análise das situações em conjunto de forma a contribuir na tomada de decisões de acordo com o seu julgamento moral37^-38.

As intervenções da presente revisão demonstraram a importância de escutar os sentimentos e promover a responsabilização mútua pelas decisões tomadas no ambiente de trabalho39. Por meio dessas ações, os enfermeiros sentem-se acolhidos e são capazes de desenvolver planos de ação individual e em equipe com foco no autocuidado e no empoderamento profissional, contribuindo para o enfrentamento do SM12^,15^,40. Tais ações podem ser construídas em espaços coletivos, como reuniões formais ou informais, com a finalidade de promover ambiente seguro e participativo para questionamentos, reflexões e análise de situações éticas cotidianas, de forma que os trabalhadores possam compartilhar experiências, sentimentos e saberes3^,40. Ainda, os resultados da presente revisão apontaram para a realização de encontros como workshops, retiros e intervenção educacional em grupos.

Destaca-se que esses espaços oportunizam discussões, diálogo, troca de experiências, compartilhamento de saberes e sentimentos e a colaboração em equipe. Revelando-se, nesse contexto, a prática colaborativa, a qual é pautada no trabalho interdisciplinar que reconhece o papel e o conhecimento de cada profissional dentro da equipe41. Essa prática promove autonomia, confiança, empoderamento e melhor desempenho das atividades, impactando em otimização nas relações interprofissionais e na tomada de decisão compartilhada entre os envolvidos39. Isto porque abrange intenso processo de reflexão e troca de experiência entre os sujeitos, considerando o julgamento moral de cada um. A prática colaborativa se revela, então, como um potente fator de proteção para as vivências de SM, uma vez que torna a deliberação moral um ato coletivo39.

Entende-se, portanto, que prática colaborativa deve ser adotada como cultura institucional, em que a presença e o apoio das lideranças, as relações de trabalho horizontalizadas e a integração entre os diferentes profissionais sejam estimuladas de forma a criar a corresponsabilização entre os atores envolvidos pelos processos enfrentados no cotidiano de trabalho, inclusive o SM. É importante que a prática colaborativa seja assumida como um valor institucional, sendo um balizador para a deliberação moral dos profissionais.

Nesse contexto, destaca-se a responsabilidade institucional no enfrentamento do SM. Esta pesquisa evidenciou a importância da adoção de estratégias institucionais que priorizem medidas para enfrentamento do SM no ambiente de trabalho, o que se relaciona à promoção de ambientes de trabalho saudáveis. Estudo realizado na pandemia42 constatou que existe relação recíproca e bilateral entre o SM e as dimensões do Ambiente de Trabalho Saudável (ATS) proposto pela OMS41. Tal relação se apresenta no afetamento de valores que fundamentam os dois constructos, podendo comprometer estruturas do ambiente de trabalho e do bem-estar dos trabalhadores. E, articulá-los tem a potência de promover insights para intervenções que protejam os trabalhadores de vivências de SM42.

Programas de promoção de ambientes de trabalho saudáveis auxiliam as instituições a proteger e promover a saúde de sua força de trabalho, integrando saúde, segurança e bem-estar a um processo de constantes melhorias43, por meio do compromisso mútuo entre trabalhadores e gestores, de forma colaborativa41. Assim, o compromisso quanto à promoção de ambientes de trabalho saudáveis contempla a preocupação com aspectos psicossociais e organizacionais, tais como a cultura organizacional, atitudes, valores, crenças, espiritualidade e práticas cotidianas, os quais influenciam no bem-estar mental e físico dos trabalhadores41 e, portanto, previnem vivências de SM. Em contrapartida, desajustes entre as práticas de gestão e organização afetam negativamente os aspectos psicológicos, sociais e físicos dos trabalhadores44. Nesse sentido, como formaa de proporcionar um ambiente psicossocial saudável e minimizar vivências de SM, recomenda-se a distribuição adequada e redução da carga de trabalho, a disponibilização de treinamentos em comunicação e liderança para os gestores, a tolerância zero para assédio e discriminação no local de trabalho, bem como um estilo de gestão que promova consultas, negociações, comunicação recíproca, feedback construtivo e gestão do desempenho de forma respeitosa41^,45.

Reforça-se que as intervenções para o enfrentamento do SM precisam ser incorporadas como responsabilidade institucional, oportunizando, além do desenvolvimento da sensibilidade moral para o seu reconhecimento por parte dos atores, o engajamento individual e coletivo nas deliberações que envolvam os problemas morais no cotidiano de prática dos enfermeiros nas instituições e a promoção de ambientes de trabalho saudáveis.

Este estudo apresenta limitações referentes aos descritores definidos na estratégia de busca. Isto porque, não existe o descritor específico para “sofrimento moral”, o que representa baixa sensibilidade na busca de estudos que respondessem à pergunta de pesquisa. Nesse sentido, muitos estudos foram identificados e seguidamente excluídos na triagem por abordarem temáticas como sofrimento mental e burnout. Ainda, ressalta-se a ausência de pesquisas com nível de evidência I, revisão sistemática ou meta-análise, na amostra do estudo. Contudo, justifica-se em decorrência da lacuna científica existente e escassez de pesquisas de intervenção voltadas para o enfrentamento do SM.

As contribuições para a área da enfermagem fundamentam-se no impacto que o SM provoca pessoal e profissionalmente no enfermeiro. Assim, estudos como este, que explorem intervenções para o enfrentamento do SM em hospitais, são incentivos à adoção de ações que fomentem o desenvolvimento de práticas éticas coerentes com o julgamento moral dos enfermeiros, favorecendo o ambiente de trabalho saudável e a qualidade dos cuidados de enfermagem prestados.

CONCLUSÃO

O presente estudo mapeou as evidências científicas sobre estratégias para o enfrentamento do SM pelos enfermeiros no contexto dos serviços de saúde na atenção terciária. A amostra foi composta por 23 estudos que apontaram entre estratégias e recomendações para o enfrentamento do sofrimento moral a importância de ele ser realizado de forma coletiva pela equipe, destacando a oportunidade de encontros e espaços de discussão para a troca de experiências que levam ao reconhecimento do sofrimento moral, seus sinais e sintomas e à corresponsabilização dos atores envolvidos e da instituição pelo processo de enfrentamento ao SM.

É importante ressaltar que, embora o contexto hospitalar concentre a maioria das publicações a respeito do sofrimento moral na literatura, percebemos que dos 23 estudos, apenas 4 artigos assumiram as intervenções com foco em estratégias de enfrentamento ao SM em hospitais como objeto de investigação, os demais (19 artigos) enfocavam a vivência de SM, abordando recomendações/sugestões de aspectos relevantes na sua lida, não detalhando nenhuma ação em si. Destaca-se, então, a escassez de estudos na literatura que abordam ações de intervenção ao enfrentamento do SM, sendo uma sugestão para que novos estudos sejam desenvolvidos na área.

AGRADECIMENTO

Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

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NOTAS

• FINANCIAMENTO

  Pró-Reitoria de Pesquisa da UFMG (PRPQ: 09-2019).

Editado por

EDITORES

Editores Associados: Gisele Cristina Manfrini, Monica Motta Lino. Editor-chefe: Roberta Costa.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  11 Fev 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  14 Maio 2021
• Aceito
  23 Set 2021