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MOBILIDADE ACADÊMICO-PROFISSIONAL E INTERNACIONALIZAÇÃO DA ENFERMAGEM: CONTRIBUTOS DO PROCESSO DE BOLONHA

RESUMO

Objetivo:

compreender as contribuições do Processo de Bolonha para a mobilidade acadêmico-profissional de Enfermagem.

Método:

pesquisa descritiva, exploratória e de natureza qualitativa. Realizou-se entrevistas abertas com seis enfermeiros doutores, docentes de Enfermagem, com mais de 20 anos de atuação e que vivenciaram as mudanças ocorridas na formação superior em Enfermagem pós-Bolonha. As entrevistas ocorreram nas Escolas de Saúde ou de Enfermagem das regiões norte, centro e sul de Portugal, entre janeiro e março de 2019, até a saturação por repetição. Realizou-se análise de conteúdo.

Resultados:

apresentam-se três perspectivas: 1) A mobilidade e a internacionalização como pressupostos ao fortalecimento do bloco econômico; 2) A mobilidade e a internacionalização colaboram para a consolidação de uma identidade europeia; e 3) Suplemento ao Diploma: aspecto fundamental à mobilidade acadêmico-profissional.

Conclusão:

a educação provou ser um instrumento válido para a construção de uma identidade profissional comum, considerada indispensável para o fortalecimento do bloco, no que tange a produção de conhecimentos. As diretrizes para a harmonização dos sistemas universitários e o Suplemento ao Diploma promoveram o intercâmbio científico-cultural por meio da mobilidade acadêmico-profissional e intensificaram o diálogo entre as nações, que reverberam em práticas sociais.

DESCRITORES:
Educação em enfermagem; Ensino; União Europeia; Intercâmbio Educacional Internacional; Liberdade de circulação; Enfermagem

ABSTRACT

Objective:

to understand the contributions of the Bologna Process to academic-professional mobility of Nursing.

Method:

a descriptive exploratory qualitative research. Open interviews were conducted with six PhD nurses, nursing professors, with more than 20 years of experience and who experienced the changes that occurred in higher education in post-Bologna nursing. The interviews took place in the Health or Nursing Schools of the north, center and south regions of Portugal, between January and March 2019, until saturation occurred by repetition. Content analysis was performed.

Results:

three perspectives are presented: 1) Mobility and internationalization as presuppositions to the strengthening of the economic bloc; 2) Mobility and internationalization contribute to the consolidation of a European identity; and 3) Diploma Supplement: fundamental aspect of academic-professional mobility.

Conclusion:

education proved to be a valid instrument for the construction of a common professional identity, considered indispensable for the strengthening of the block, with regard to the production of knowledge. The guidelines for the harmonization of university systems and the Diploma Supplement promoted scientific and cultural exchange through academic-professional mobility and intensified the dialogue between nations, which reverberate in social practices.

DESCRIPTORS:
Nursing education; Teaching; European Union; International Educational Exchange; Freedom of movement; Nursing.

RESUMEN

Objetivo:

comprender las contribuciones del Proceso de Bolonia a la movilidad académico-profesional de Enfermería.

Método:

investigación cualitativa exploratoria descriptiva. Se realizaron entrevistas abiertas a seis enfermeros doctores, docentes de enfermería, con más de 20 años de experiencia y que vivieron los cambios que ocurrieron en la educación superior en la enfermería post Bolonia. Las entrevistas se realizaron en las Escuelas de Salud o Enfermería de las regiones norte, centro y sur de Portugal, entre enero y marzo de 2019, hasta que se produjo la saturación por repetición. Se realizó análisis de contenido.

Resultados:

se presentan tres perspectivas: 1) Movilidad e internacionalización como presupuestos para el fortalecimiento del bloque económico; 2) La movilidad y la internacionalización contribuyen a la consolidación de una identidad europea; y 3) Suplemento al Título: aspecto fundamental de la movilidad académico-profesional.

Conclusión:

la educación demostró ser un instrumento válido para la construcción de una identidad profesional común, considerada indispensable para el fortalecimiento del bloque, en lo que respecta a la producción de conocimiento. Los lineamientos para la armonización de los sistemas universitarios y el Suplemento al Título promovieron el intercambio científico y cultural a través de la movilidad académico-profesional e intensificaron el diálogo entre las naciones, que repercute en las prácticas sociales.

DESCRIPTORES:
Educación en enfermería; Enseñando; Unión Europea; Intercambio Educativo Internacional; Libertad de movimiento; Enfermería.

INTRODUÇÃO

A propulsão do ensino superior europeu para a internacionalização, necessariamente, passa pelo sucesso da mobilidade de acadêmicos e profissionais entre os diferentes países da União Europeia (UE). O cenário pós-Declaração de Bolonha na Europa ganhou destaque global, por tratar-se de um movimento político-educacional em prol de uma sociedade do conhecimento, na qual a força de trabalho alinha-se com as perspectivas de incremento econômico, com esforços que vêm sendo vistos nos diferentes blocos econômicos mundiais, inclusive no Mercosul. Para a Enfermagem, a internacionalização promovida pela mobilidade acadêmica e profissional tem impactos significativos na profissão, com destaque para os aspectos técnico-científico, financeiro, social e cultural da área formativa.11. Stieven AS, Maestri E, Friestino JKO, Fonsêca GS, Silva-Filho CC. Internacionalização e adaptação de graduandas/egressas do curso de enfermagem em mobilidade acadêmica internacional. Rev Enferm Centro-Oeste Mineiro [Internet]. 2021 [cited 2022 Mar 9];11:e4178. Available from: Available from: https://doi.org/10.19175/recom.v11i0.4178
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A Enfermagem não se destaca como área que aderiu fortemente à mobilidade desde o início, e mesmo agora, pós-Bolonha, segue paulatinamente no processo. Ainda que a realidade de saúde da população europeia seja considerada fonte de preocupação, principalmente, pela inversão da pirâmide etária e aumento da expectativa de vida, destacando a Enfermagem como profissão necessária para os cuidados em saúde, as diferentes visões acerca da formação de enfermeiros podem estar impactando na escolha pela mobilidade acadêmica. Em alguns países da UE a Enfermagem se configura como educação vocacional, bem como, há vertentes no ensino técnico, tecnológico, politécnico e superior, o que dificulta a adequação dos intercâmbios, especialmente por tratar-se de área formativa da saúde, com implicações importantes no que tange às responsabilidades disciplinares a serem assumidas.22. Morley DA, Cunningham S. Global partnerships in nursing: a qualitative study in lessons for success. Nurse Educ Pract [Internet]. 2021 [cited 2021 Sep 21];54:e103069. Available from: Available from: https://doi.org/10.1016/j.nepr.2021.103069
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No âmbito da mobilidade profissional, as Diretivas Europeias tratam do assunto desde o ano de 1977, quando a Comissão Europeia disciplinou as condições mínimas para a livre circulação de profissionais cuja área de atuação seja regulamentada, e a Enfermagem entrou no rol. Mais especificamente, a Diretiva 2005/36/CE, estabelece regras de reconhecimento mútuo de qualificações profissionais, tempo mínimo em anos de estudo, carga horária de formação e conteúdo de aprendizagem para o enfermeiro, permitindo ao profissional que disponha do solicitado que usufrua da mobilidade.33. Access to European Union law. Processo de Bolonha: estabelecimento do Espaço Europeu do Ensino Superior [Internet]. 2015 [updated 2015 Jul 23; cited 2021 Apr 30]. Available from: Available from: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=LEGISSUM%3Ac11088#document1
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No que tange a formação superior em Enfermagem, com a Declaração de Bolonha assinada no ano de 1999, a mobilidade ganhou corpo. Os objetivos a serem alcançados buscam o fortalecimento da internacionalização, à medida que propõe ações, como: adoção do sistema de créditos acadêmicos transferíveis, no qual o período de estudos é mensurado pelos resultados de aprendizagem; o ajuste do currículo dos cursos em ciclos de estudos comparáveis entre as diferentes nações; e o estabelecimento do suplemento ao diploma, que trata-se de um documento bilingue de reconhecimento das titulações e/ou estudos concluídos, reduzindo as burocracias na validação de documentos e facilitando a retenção de talentos no bloco econômico.44. Brandalise GCM, Heinzle MRS. Aspectos históricos e políticos do Processo de Bolonha: expansão de políticas de internacionalização na Educação Superior. Série-Estudos [Internet]. 2020 [cited 2021 Jun 21];25(54):65-88. Available from: Available from: https://doi.org/10.20435/serie-estudos.v25i54.1379
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-55. Pereira EMA, Passos RDF. O espaço europeu de ensino superior e cidadania europeia. Rev Intern Educ Sup [Internet]. 2018 [cited 2021 Jun 26];4(1):175-96. Available from: Available from: https://doi.org/10.22348/riesup.v4i1.8651136
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Para a Enfermagem, tanto no aspecto acadêmico quanto no profissional, o Processo de Bolonha foi oportuno ao fortalecimento da área na Europa. No Brasil, ações de incentivo à mobilidade interna e externa ainda são pontuais, mas estão em crescimento, e o Mercosul demonstra-se inclinado às mudanças no ensino superior do bloco econômico, o que foi mais fortemente sinalizado com a assinatura, no ano de 2018, do Acordo sobre Revalidação de Títulos ou Diplomas de Ensino Superior em Nível de Graduação no Mercosul que visa facilitar a mobilidade acadêmica e profissional entre os países do bloco.66. Montevidéu. CMC/DEC. N.07/18. Acordo sobre a revalidação de títulos ou diplomas de ensino superior em nível de graduação no Mercosul [Internet]. 2018 [cited 2021 Jun 21]. 7 p. Available from: Available from: http://www.sice.oas.org/Trade/MRCSRS/Decisions/DEC_007_2018_p.pdf
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A prática pedagógica permeada pela mobilidade e internacionalização demandará procedimentos voltados ao ato de conhecer, e não de receber conhecimentos prontos. Constata-se nessa prática o caráter ativo, indagador, transformador, uma vez que a educação como mera transferência de conhecimentos restringe-se à pura descrição de uma realidade, bloqueando no estudante a consciência crítica e reforçando-se a alienação. Ao intercambiar, é possível oportunizar o entrelaçar de conhecimentos técnicos-científicos com o desenvolvimento do pensamento crítico-reflexivo, condição necessária para o exercício da cidadania e fortalecimento de uma identidade cultural.77. Freire P. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. 5th ed. Rio de Janeiro, RJ(BR): Paz e terra; 1981. 149 p.

O ensino está globalizado, é fonte de conhecimentos para o desenvolvimento de inovação e tecnologia e vem sendo foco de atenção dos diferentes blocos econômicos. Assim, faz-se importante compreender como o processo de internacionalização acadêmico-profissional vem ocorrendo em contextos que estão à frente do Brasil nessa trajetória. A UE trilha esse caminho há mais de 20 anos, desde a Declaração de Bolonha, tendo muito a ensinar sobre a sua experiência no período. Assim, questiona-se: quais as contribuições do Processo de Bolonha para a mobilidade acadêmico-profissional de Enfermagem? O estudo teve por objetivo compreender as contribuições do Processo de Bolonha para a mobilidade acadêmico-profissional de Enfermagem.

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa descritiva, exploratória e de natureza qualitativa, na qual adotou-se entrevistas abertas como fonte de dados. O uso de entrevistas abertas na coleta dos dados permitiu confrontar e corroborar achados de distintos pontos de vista, que apresentam similitudes, diferenças e particularidades em suas respostas, enriquecendo o resultado do estudo. As entrevistas ocorreram com seis ‘pessoas-chave’, enfermeiros doutores docentes do curso superior de Enfermagem em Portugal com mais de 20 anos de atuação na área, que vivenciaram a reforma curricular do ensino superior europeu e as mudanças ocorridas na formação superior em Enfermagem pós-Bolonha, tendo ocupado espaços decisórios (coordenações, lideranças de grupos de estudos, cargos na Ordem dos Enfermeiros e/ou em Federações de Enfermagem).

Cada entrevista durou cerca de 1h30m-2h, resultando em mais de 10 horas totais e 100 páginas de transcrições. O primeiro entrevistado foi escolhido por indicação de um membro da European Federation Educators in Nursing Science (FINE), órgão que atua fortemente no contexto de estudo. A seleção dos participantes para a realização das entrevistas seguiu a técnica snowball, no qual o primeiro participante entrevistado indicou o segundo conforme pertinência do conteúdo tratado e assim sucessivamente, até a saturação dos dados.88. Flick U. Introdução à pesquisa qualitativa. 3rd ed. Porto Alegre, RS(BR): Artmed; 2009. 256 p. As entrevistas foram guiadas por meio de uma pergunta disparadora, planejada para que as respostas alcancem o tema e o objetivo do estudo: em que medida o Processo de Bolonha contribuiu para a formação em Enfermagem? As informações coletadas foram gravadas, transcritas na íntegra e validadas pelo participante antes da análise. Na medida em que a pesquisadora percebeu que as falas corroboravam entre si e traziam similitudes, as entrevistas foram encerradas.

A coleta dos dados ocorreu mediante agendamento prévio por email, no qual a pesquisadora se apresentava, descrevia o projeto de pesquisa, encaminhava o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para conhecimento e convidava para participar da pesquisa. As entrevistas ocorreram nas Escolas de Saúde ou de Enfermagem das regiões norte, centro e sul de Portugal, entre os meses de janeiro e março de 2019, tendo sido encerradas quando ocorreu a repetição de informações.

As entrevistas foram gravadas, transcritas na íntegra e validadas pelos participantes antes da análise de dados. Utilizou-se a análise de conteúdo, cujas etapas incluíram a pré-análise do material, a seleção das unidades de significado, o processo de codificação das unidades de análise, a construção de categorias não-apriorísticas e a interpretação dos dados.99. Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo, SP(BR): Edições 70; 2016. 288 p. Para colaborar com a sistematização da análise, adotou-se o software Atlas.ti™ que fornece ferramentas de visualização para auxiliar na codificação de dados primários. Emergiram dos dados três unidades de análise, que são apresentadas nos resultados. Adota-se como marco referencial a Teoria do Conhecimento de Paulo Freire.11. Stieven AS, Maestri E, Friestino JKO, Fonsêca GS, Silva-Filho CC. Internacionalização e adaptação de graduandas/egressas do curso de enfermagem em mobilidade acadêmica internacional. Rev Enferm Centro-Oeste Mineiro [Internet]. 2021 [cited 2022 Mar 9];11:e4178. Available from: Available from: https://doi.org/10.19175/recom.v11i0.4178
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O estudo está amparado por aprovação em comitê de ética de pesquisa com seres humanos. Assim, foram adotadas as siglas P de participantes seguido de um número na representação dos recortes textuais das entrevistas.

RESULTADOS

A mobilidade e a internacionalização como pressupostos ao fortalecimento do bloco econômico

O Processo de Bolonha deu uma nova dimensão para a mobilidade acadêmica, um progresso indubitável e irredutível. Essa afirmação é evidenciada em todas as entrevistas realizadas e está presente nas publicações acadêmicas e em demais cenários (congressos, encontros, conferências, dentre outros). A mobilidade acadêmica é muito relevante e ganhou uma nova dimensão com Bolonha. O número de estudantes que saem para a mobilidade é expressivo, teve uma grande procura. É generalizado em quase todos os cursos, os estudantes procuram a oportunidade de ir para a Europa [intercambiar entre os países] fazer um semestre. E o contato que eu tive com os estudantes que vieram de experiências de mobilidade foi muito interessante: o modo como eles falam das suas experiências em outras nações, como abrem horizontes, portanto é fundamental (P1).

Havia uma necessidade por parte da UE de adotar estratégias de fortalecimento do bloco econômico, por meio de uma reforma educacional supranacional que a elevasse a patamares competitivos em relação a outras nações. Perceberam [países da UE] que era preciso tornar o ensino na Europa competitivo, especialmente relativamente aos Estados Unidos; e por outro lado perceberam que não havia competição sem qualidade e sem reconhecimento mútuo. Só isto é que poderia facilitar a mobilidade de estudantes no espaço europeu. As finalidades [do Processo de Bolonha] foram claramente a mobilidade, a empregabilidade e a competitividade, constituindo a base do movimento. Um estudante que cursa Enfermagem em Portugal pode trabalhar em toda a Europa. E ter isso reconhecido, como calcula, é muito importante. De facto isto é bom (P2).

Enfatizou-se a relevância da internacionalização para o desenvolvimento econômico e o avanço científico-tecnológico. Esse intento é mediatizado pela troca de saberes e mobilidade entre estudantes, profissionais e sociedade científica que dialogam e elevam a patamares de excelência o ensino, a pesquisa, a extensão, as práticas sociais em várias áreas, o desenvolvimento social, ampliando as oportunidades de experiências multicêntricas, de trabalho interdisciplinar, intercâmbios culturais e a geração de empregos. Compreender a dinâmica social de outras nações, os seus obstáculos, inseridos em seus contextos sociais - mais que isso, pensar juntos em soluções - favorece a formação de pessoas mais preparadas para lidar com adversidades, com problemas sociais complexos, e com maior aptidão e capacidade para a liderança. Nós não queremos tudo igual, pois isso impossibilita a inovação. O desenvolvimento se faz da possibilidade de fazermos coisas diferentes e encontrarmos e experimentarmos coisas melhores. Se andarmos todos a fazer o mesmo, fica impossível. Precisamos de diversidade e de formar para contextos que também sejam diversos; e de estudantes com mentes abertas, com capacidade de pensar fora da caixa, tomar decisões, serem líderes. Nada disso é compatível com estruturas fechadas (P2).

No âmbito social, a internacionalização que se promove por meio de diferentes frentes - principalmente, a mobilidade - resgata a magnitude do diálogo. Problemas podem ser coletivizados e superados conjuntamente, a exemplo da pandemia em curso, na qual várias nações uniram esforços em estudos multicêntricos, em financiamentos de pesquisas, intercâmbios dos mais diferentes tipos com um objetivo em comum. Essa é uma das grandes riquezas que a mobilidade e sua consequente internacionalização suscitam. O 'podermos transitar no espaço europeu' é um abrir de horizontes, de empregabilidade, de transferência de conhecimento, de novas perspectivas futuras a todos os níveis; e esta mobilidade não é só para estudantes, mas também para os professores. Eu [professor] já fiz mobilidade e é sempre um enriquecimento. Portanto, há sempre aqui uma troca, uma partilha de aprendizagens. Aquilo que, muitas vezes, nós achamos que são as nossas dificuldades, são as dificuldades dos outros; e às vezes, aos processos em que nós estamos, outros já passaram por eles e as aprendizagens deles ajudam-nos a ultrapassar as nossas dificuldades com mais facilidade (P5).

O desenvolvimento científico e a inovação, por sua vez, foram impulsionados com a mobilidade e a internacionalização. O que a gente quer é, por exemplo, fazer iniciativas de investigação, fazer coisas em conjunto, porque, se calhar, a mobilidade de professores e de estudantes é o nível mais elementar da internacionalização. É o nível mais elementar - a gente vai lá e eles vêm cá, mas este é só o primeiro nível (P3). Na perspectiva dos participantes é preciso avançar nos níveis de internacionalização, no entanto, o sustentáculo já existe - a facilitação da mobilidade.

Quanto à mobilidade de profissionais, evidencia-se a pertinência deste tocante para muitas áreas do conhecimento, em especial, à Enfermagem. Os entrevistados enfatizam o quanto tem ampliado os indicadores de envelhecimento populacional da UE - associado ao baixo índice de natalidade, resultando em expressiva demanda por cuidados de saúde. Assim, com o Processo de Bolonha, houve facilitação da mobilidade profissional, a possibilidade de conhecer outras realidades, vivenciar outras culturas que, também, oportunizam empregabilidade. Após realizarem a mobilidade, muitos estudantes não voltam. Não só por razões salariais. Eles não voltam porque o reconhecimento da profissão [Enfermagem] em algumas sociedades é diferente. Porque lá são mais bem pagos, pagam-lhes para eles fazerem a formação seguinte, pagam para a qualificação deles. Alguns não regressaram e não é só por causa do nível de vida (P3).

Mobilidade e internacionalização contribuem à consolidação de uma identidade cultural europeia

A mobilidade contribui à consolidação de uma identidade cultural europeia e, também, no fortalecimento do sentimento de vínculo e pertencimento. A troca de ideias, práticas, conhecimentos e expressões culturais favorecidos pela mobilidade representam um grande avanço para a internacionalização das instituições de ensino e pesquisa, favorecendo o desenvolvimento científico-tecnológico. A mobilidade do estudante planeada por Bolonha esteve assentada em um pano de fundo que era a construção de uma identidade europeia. Quer dizer: sentimos-nos ligados, sentimos que somos europeus (P4). A mobilidade não é só uma mobilidade acadêmica, mas social e cultural. A Europa não é só um apanhado de países com uma filosofia em comum, está longe disso, mas ideologicamente gostaria de ser. Os estudantes vão conhecer outras culturas, estudar em outras Universidades, em outra língua e relacionar-se com outras pessoas (P6). O processo de mobilidade visa também a apreensão da cultura daquele país, que no fundo também é daquela Europa (P4).

Os entrevistados consideram que o intercâmbio estudantil no contexto de Bolonha supera o mero objetivo da profissionalização, avançando para além de capacidades técnicas. Essa situação é evidente na Enfermagem. Os estudantes que fazem mobilidade não vão para aprender técnicas de Enfermagem. Alargam horizontes do ponto de vista multicultural, percebem como é que outros povos funcionam, os sistemas funcionam, outras instituições se organizam, e portanto, há aqui um ganho acrescentado de fazer mobilidade para sua compreensão e para europeização - para não dizer mundialização - do processo de aprender, e ser capaz verdadeiramente de, durante a fase em que estuda, integrar com respeito pelas diferenças e com uma compreensão ampliada daquilo que pode ser o papel do enfermeiro em contextos culturais e políticos e econômicos (P3).

Para outro entrevistado, a mobilidade estudantil é mais que demarcar bases em determinada área de conhecimento, pois perpassa necessariamente pelo contexto cultural e pela identidade europeia: consiste nesse acréscimo, bagagem cultural de facilidade de diálogo com outras culturas, mas igualmente europeias. Percebe a noção de que este é o nosso espaço, o espaço Europa. Vai se juntar à moeda única, à inexistência de fronteiras, tudo isso vai facilitar. Isto é mobilidade do estudante (P4).

No que diz respeito às competências desenvolvidas pelos estudantes durante a mobilidade acadêmica, o fato de passar um período experienciando outra realidade, em outro país, agrega valor à formação e à vida. A competência individual é composta por um conjunto de comportamentos que integram, mobilizam, transferem conhecimentos, habilidades, julgamentos e atitudes que, conectadas, atribuem valor às instituições, à sociedade e à pessoa que a possui. Assim, cada um tece a competência a partir de suas características inatas e adquiridas pelo meio histórico-cultural, no qual a mobilidade possui notável valia. A possibilidade de passarem seis meses fora [os estudantes], noutra realidade, é muito significativa em todos os níveis de desenvolvimento global e efetivo das competências. Esses jovens são obrigados a gerir o seu próprio cotidiano: a lavar a sua roupa, a tratar da sua comida, a decidir o que compram, ver se o dinheiro chega ou se não chega, a fazer escolhas que não estão habituadas a fazer, a tomar decisões, escolher onde ficar, com quem ficar, optar por investir mais assim ou mais assado. Há todo um conjunto de crescimento pessoal que favorece o fato de ser Enfermeiro. Não sei se eles [estudantes] aprendem exatamente o procedimento que a gente [professores] gostaria de ter ensinado, mas aprendem a compreender uma outra forma de olhar, de ser, de estar no mundo, de se relacionar e isso é muito enriquecedor. Eles vêm normalmente com o ar deslumbrado, afinal 'há mais mundo para além daquele que eu tinha' (P1).

Para os entrevistados a mobilidade é mais que a soma das partes. Ultrapassa o conhecimento técnico e contribui para o reconhecimento dos pares no entorno europeu, fortalecendo a identidade cultural. A mobilidade é boa para o estudante como pessoa, culturalmente, à compreensão do mundo, à percepção de que não se esgota a realidade de formação nesta nossa realidade. A mobilidade abre horizontes (P3).

Suplemento ao Diploma: aspecto facilitador à mobilidade acadêmico-profissional

A mobilidade profissional é assegurada no contexto europeu antes mesmo de Bolonha. A mobilidade de trabalhadores é uma coisa que já estava garantida. E os trabalhadores podem se mobilizar de país para país. Há um conjunto de profissões, na qual os enfermeiros também são uma delas (P4). No entanto, com o Processo de Bolonha, a mobilidade foi facilitada. Para que estudantes e profissionais pudessem atuar em diferentes países, era preciso algo que permitisse harmonizar, comparar, normatizar com uma diretriz elementar que fosse comum aos diferentes países, ao passo que respeitasse as peculiaridades das estruturas educacionais de cada nação e/ou estipulasse prazos e possibilidades de ajustes curriculares. Como elucidado: Bolonha é importante porque permite comparabilidade e reconhecimento nas diferentes áreas e isto é muito importante para haver diálogo. (...) Mas precisamos ter um mínimo denominador comum, que permita ter legibilidade das diferentes formações (P2).

Assim, emergiu nas falas de todos os participantes a relevância do Suplemento ao Diploma: Bolonha estimulou a mobilidade entre os estudantes pelo reconhecimento, pois depois leva no diploma o "Suplemento ao Diploma", que é um documento oficial da instituição, bilíngue, que permite ao estudante apresentar-se em qualquer país da UE. É um documento único, mostrando o seu percurso acadêmico. Facilmente a entidade empregadora em Espanha, França, percebe qual foi o percurso, o enquadramento, o nível de formação...(P4). O que é que Bolonha traz? Um sistema de graus facilmente legíveis e comparáveis em toda a Europa, associado a um Suplemento ao Diploma (P2).

O estudante pode realizar parte dos estudos em um país e validar tais estudos noutro país, ou seja, Bolonha possibilitou a equivalência entre diferentes instituições. Essa noção é bem-vista pelos entrevistados, uma vez que a mobilidade amplia as possibilidades de aprendizagem/criação mediante pluralidade científico-cultural. Conforme ilustra o relato: ao realizar as unidades curriculares lá, eu aqui considero que foi realizado. Assim estou a dizer que elas são equivalentes e o que este estudante não aprendeu porque a minha tinha uma especificidade, com certeza aprendeu lá outra coisa que na minha não ensinei (P4).

Quanto à atuação profissional, o Suplemento ao Diploma tem singular relevância para viabilizar essas atividades, enquanto a mobilidade oportunizou aos estudantes conhecer outras realidades e, quem sabe, optar pela migração - a posteriori - em outros países. Tais circunstâncias foram enfatizadas: Sobre a circulação de trabalhadores: [supondo] é evidente que o fato de eu [estudante] ir para a Espanha, percebi os contextos de trabalho e, portanto, posso ter ficado interessado, com alguma vontade de ir, achei que na Espanha é interessante a realidade, gostei, decidi ir trabalhar para lá. Portanto, a mobilidade de estudante, no fundo, estimula a mobilidade profissional depois (P4).

A Europa possui há mais de 30 anos o projeto Erasmus, de mobilidade, mas a adesão ocorreu com maior força após o Processo de Bolonha. O Erasmus tinha um projeto de mobilidade, mas que não tinha efetivamente grande adesão porque os estudantes podiam fazer um período de estudos fora do país, mas não era reconhecido. E, não sendo reconhecido os seus estudos, os estudantes sentiam perda. E não é por acaso que o projeto Erasmus, apenas após a implementação de Bolonha que obteve uma grande adesão, que se consolida a mobilidade (P2).

Os participantes salientaram ainda que a mobilidade internacional é programada e abordaram sobre a importância desse planejamento. Viabilizado pelo Suplemento ao Diploma, a instituição que acolhe o estudante em intercâmbio possibilitará uma formação que lhe atribua os mesmos créditos de equivalência à instituição de origem. Inclusive realiza a avaliação. O currículo do estudante, para além de ter notas, tem unidades curriculares e quantos ECTS [créditos] tem um Suplemento ao Diploma (P6). Esclarece-se que o Suplemento ao Diploma, documento escrito, acompanha sempre e obrigatoriamente o diploma e diz o quê o estudante fez em todo o seu percurso escolar. Ainda: um estudante pode fazer uma atividade fora da UE e depois pode a comissão científica da escola de origem analisar a atribuição dos créditos. Ir para outra cultura, com aprendizagem diferentes ou novas, pode ser considerado extremamente rico (P6).

DISCUSSÃO

A mobilidade acadêmico-profissional no contexto europeu é debatida desde a criação da Comunidade Econômica Europeia em 1957, quando emergiram discussões para o desenvolvimento do espírito de uma cultura europeia. Resultaram em programas de apoio à mobilidade acadêmica, dentre eles: Comett, Leonardo da Vinci, Sócrates, Grundtvig e Erasmus, sendo o mais destacado deles este último, criado no ano de 1987. Em janeiro de 2014, a UE decidiu unir os programas de mobilidade como parte integrante das ações do Espaço Europeu de Educação, criando o Erasmus+. Destaca-se que o papel do Programa é oportunizar fomentos e otimizar intercâmbios, todavia, não se trata de condição sine qua non para a mobilidade acadêmica.1010. Comissão Europeia. Erasmus+ [Internet]. 2021 [cited 2021 Jun 21]. Available from: Available from: https://ec.europa.eu/programmes/erasmus-plus/node_pt
https://ec.europa.eu/programmes/erasmus-...
-1212. Breznik K, Skrbinjek V. Erasmus student mobility flows. Eur J Educ [Internet]. 2020 [cited 2021 Jul 15];55(1):105-17. Available from: Available from: https://doi.org/10.1111/ejed.12379
https://doi.org/10.1111/ejed.12379...

A intenção do Processo de Bolonha, originalmente, pressupõe a elevação do cenário econômico europeu a patamares competitivos no âmbito internacional, baseada na expansão do conhecimento e na promoção de ciência e tecnologia. Neste contexto, ressalta-se que o ensino superior de Enfermagem não está associado apenas à obtenção de conhecimentos clínicos, mas também, com a necessidade de desenvolvimento de identidade cultural e valores morais. As transformações que emergem perante a mobilidade e a internacionalização consequente dela, contribuem para tornar a Enfermagem uma disciplina com identidade e autonomia. Essa nova estrutura, face ao Processo de Bolonha, para o ensino superior, reforça a competitividade da Enfermagem e promove a influência dos enfermeiros sobre o estado de saúde das pessoas, famílias e comunidades.1313. Cabrera E, Zabalegui A. Bologna process in European nursing education: ten years later, lights and shadows. J Adv Nurs [Internet]. 2021 [cited 2022 Mar 9];77(3):1102-4. Available from: Available from: https://doi.org/10.1111/jan.14727
https://doi.org/10.1111/jan.14727...
-1414. Marques LMNSR, Ribeiro CD. The moral values of nursing undergraduation: perceptions of teachers and students. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2020 [cited 2021 Jun 21];29:e20190104. Available from: Available from: https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2019-0104
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É preciso repensar os caminhos que a lógica de mercado encontra para influenciar no processo educacional. A ética neoliberal é a ética de mercado. Na educação pode provocar individualismo, competitividade e o sucesso material.1515. Zatti V. Autonomia e educação em Immanuel Kant e Paulo Freire. Porto Alegre, RS(BR): Edipucrs; 2007. 83 p. A liberdade das pessoas deve estar à frente do capitalismo, pois quando ocorre o oposto, alimenta-se a alienação.1616. Freire P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 25th ed. São Paulo, SP(BR): Paz e Terra; 2002. 144 p.

O Espaço Europeu do Ensino Superior objetiva a formação de profissionais que produzam novos conhecimentos, tecnologias e inovação, provocando respostas aos anseios da sociedade, transformando-a. A proposição aparenta ser um caminho viável por meio da educação, já que é instrumento de transformação da realidade.1717. Freire P. Educação e mudança. 12th ed. Rio de Janeiro, RJ(BR): Paz e Terra; 1979. 112 p.

Assim, observa-se que a consolidação da internacionalização tem se sustentado na oportunização da mobilidade e que está entre os principais objetivos do Processo de Bolonha, planejada com intenção de promover a movimentação internacional de estudantes, profissionais, docentes, pesquisadores e pessoal administrativo. O Comunicado de Leuven/Louvain-la-Neuve ocorrido na Bélgica no ano de 2009 afirmava, de antemão, que no ano de 2020, pelo menos 20% dos graduados na área de ensino superior europeu deveriam ter tido um período de estudo ou treinamento no exterior.1818. Leuven and Louvain-la-Neuve Communiqué. Conference of European Ministers Responsible for Higher Education [Internet]. 2009 [cited 2021 Apr 30]. 6 p. Available from: Available from: http://www.ehea.info/media.ehea.info/file/2009_Leuven_Louvain-la-Neuve/06/1/Leuven_Louvain-la-Neuve_Communique_April_2009_595061.pdf
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No que diz respeito à consolidação de uma identidade cultural europeia, o reconhecimento e o respeito à identidade cultural são absolutamente importantes na formação profissional e é a partir desta perspectiva que vem o desafio de pensar sobre a importância da questão cultural para o processo de construção educacional de uma nação ou bloco econômico. Na proposta de reforma educacional da UE, a mobilidade acadêmica e profissional é um dos pilares de destaque do processo, vislumbrando a busca de uma nova identidade cultural, uma europeização, por meio de uma Europa do Conhecimento. Assim, as transformações do processo educativo em um contexto cultural múltiplo como o apresentado, faz emergir problemáticas e desafios caracterizados pela singularidade de cada país ao repensarem a formação profissional em Enfermagem dentro de suas próprias perspectivas, com reflexos no cuidado de Enfermagem ofertado.

A aprendizagem do processo de cuidado em Enfermagem necessita estar municiada de um arcabouço cultural para que o estudante aprenda o compartilhamento de saberes e práticas de cuidado levando em conta as diferenças culturais. Aponta-se que há também, além das diferenças culturais pessoais de enfermeiro e clientes, um encontro de diferenças culturais entre o saber profissional em Enfermagem, advindo do saber técnico-científico e o saber pessoal do enfermeiro, que precisam ser considerados no processo educativo. Ao se analisar tal contexto educacional macro cultural, com diferenças sócio-político-econômicas tão consideráveis, é fundamental agir com precaução para que sejam mantidos os valores da identidade cultural individual de cada nação, sem desprezar os valores culturais individuais diversos em que se encontram.

É fundamental reconhecer o que é essencial de cada cultura para não perder seu próprio sentido histórico frente a um novo contexto cultural, mas também é preciso ter o cuidado de não restringir a sua cultura como a única verdade existente, pois isso impossibilita a integração de culturas para a construção de um novo contexto comum, especialmente no contexto transnacional. A superação das fronteiras culturais que impedem a apropriação plena de uma formação profissional em comum, em um contexto transnacional, está diretamente relacionada com a superação das condições de uma educação multicultural para a busca de uma educação transcultural em enfermagem.1919. Antón-Solanas I, Huércanos-Esparxa I, Haman-Alcober N, Vanceulebroeck V, Dehaes S, Kalkan I, et al. Nursing Lecturers' Perception and Experience of Teaching Cultural Competence: A European Qualitative Study. Int J Environ Res Public Health [Internet]. 2021 [cited 2021 Jul 15];18(3):1357. Available from: Available from: https://doi.org/10.3390/ijerph18031357
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O alicerce da mobilidade internacional foi a criação de um sistema de créditos transferíveis para possibilitar intercâmbios, transferências e progressão dos estudantes entre as universidades com aproveitamento de conteúdos de aprendizagem entre elas. O escopo é inserido em um documento chamado suplemento ao diploma, que facilita a interpretação da movimentação de estudantes para diferentes instituições, promovendo a empregabilidade pelo reconhecimento profissional do diplomado nos países da UE, ou seja, um cidadão da UE com as qualificações exigidas pode praticar automaticamente a sua profissão em outro Estado-Membro. Estudos apontam que experiências positivas ocorreram, porém, ainda há muitos desafios que precisam ser superados.

No caso da mobilidade acadêmica, se por um lado a experiência obtida em diferentes Universidades irá ajudar estudantes a desenvolverem uma visão intercultural competente, por outro, a incorporação didática da internacionalização como um objetivo educacional pode ser algo distante, tornando a mobilidade apenas turismo acadêmico, ainda que tenha seu valor de aprendizagem. É necessário tomar o cuidado de não ver a internacionalização apenas pela ótica organizacional, ligada à economia e à política, mas sim, devendo ser experimentada a partir de uma perspectiva educacional acima de tudo. A discussão parte do ponto de vista de que a internacionalização do ensino superior prevista por Bolonha diz respeito à atividade de ensino-aprendizagem, mas não estão sendo adotadas medidas claras que indiquem se o cerne educacional foi alcançado.

Segundo Freire, por trás da educação sempre há uma política educativa que a conduz, estabelecendo seus objetivos.2020. Freire P. Política e educação. 5th ed. São Paulo, SP(BR): Cortez; 2001. 144 p. O Processo de Bolonha, desde sua concepção, foi apresentado como uma grande política educacional universitária supranacional. Para tanto, implicou em mudanças impulsionadas pela UE a serem adotadas nos países membros, por meio de mecanismos legais outorgados pelos Ministros de Educação de cada país. Pela ótica freireana, compreender a conjuntura que envolve a formação profissional em Enfermagem na UE é condição sine qua non para se (re)conhecer a dialética político-educacional daquele contexto formativo. Perguntar a favor de quem e do quê, portanto contra quem e contra o quê, fazemos a educação e de a favor de quem e do quê, portanto, contra quem e contra o quê, desenvolvemos a atividade política, faz parte do legado de Paulo Freire: questionar o mundo, dialogar, compreender, refletir e exercer a práxis; o que se faz fundamental frente à realidade ora estudada.2121. Romão EJ. Neoliberalismo. In: Streck DR, Redin E, Zitkoski JJ. Dicionário Paulo Freire. 2nd ed. Belo Horizonte, MG(BR): Autêntica Editora; 2008. p. 362-365. -2222. Freire P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo, SP(BR): Cortez; 1989. 176 p.

Estudos dizem que faltam fundamentos curriculares voltados aos estudantes em mobilidade acadêmica, devendo ser ofertados conteúdos que promovam aprendizagem das condições e das relações internacionais, em vez de simplesmente concentrar a aprendizagem na condição natural de ‘intercambista’, esperando que a experiência, por si só, seja suficiente. Poucas investigações foram realizadas sobre a experiência da internacionalização no que diz respeito a conteúdos de aprendizagem. Estudantes expressam mudanças em suas percepções de outras culturas pela imersão, contato com outro idioma e melhor compreensão sobre os cuidados de Enfermagem em outra realidade, mas não há evidências de intenções pedagógicas.2323. Lin H-L, Guo J-L, Chen H-J, Liao L-L, Chang L-C. Cultural competence among pre-graduate nursing students, new graduate nurses, nurse mentors, and registered nurses: a comparative descriptive study. Nurse Educ Today [Internet]. 2021 [cited 2021 Jun 21];97:e104701. Available from: Available from: https://doi.org/10.1016/j.nedt.2020.104701
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Outros entraves citados nos estudos dizem respeito às imposições das diretivas europeias, cujas exigências confrontam a homogeneidade da formação em enfermagem, mas que, por se tratar de ato legislativo supranacional, devem ser cumpridas. O fato de haver países que ainda não aderiram a reforma também causa entraves, pois sem a harmonização há dificuldades com a comparabilidade, travando a mobilidade. A baixa proficiência para o idioma do país de acolhimento também foi citada como uma importante barreira para a mobilidade e internacionalização. 2424. Kurtovica B, Friganovic A, Cukljek S, Vidmanic S, Stievano A. The development of the nursing profession and nursing education in Croatia. J Prof Nurs [Internet]. 2021 [cited 2022 Mar 9];37(3):606-11. Available from: Available from: https://doi.org/10.1016/j.profnurs.2021.03.001
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-2525. Humar L, Sansoni J. Bologna process and basic nursing education in 21 European countries. Ann Ig [Internet]. 2017 [cited 2021 Jun 21];29(6):561-71. Available from: Available from: https://doi.org/10.7416/ai.2017.2185
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Dentre os desafios futuros apontados, há a necessidade de ajudar os países europeus a progredirem com a harmonização da formação em enfermagem, tendo em conta diferentes culturas, necessidades de saúde da população europeia, contexto e situação de migração, promovendo o mais alto nível de estudos, ou seja, no ambiente universitário. Além disso, faz-se importante assegurar excelente nível de doutorado em Enfermagem, recrutando candidatos de alto nível para realizar estudos de doutoramento, para que aprendam a investigar e promovam evidências científicas que contribuam para o desenvolvimento do cuidado de Enfermagem. Ainda, é relevante o preparo docente para o desenvolvimento da formação do pesquisador iniciante.2626. Ziegler S, Kratochwill S, Jahn R, Bozorgmehr K, Rast E. Caring for refugees: training the health workforce towards structural competence and responsibility. Eur J Public Health [Internet]. 2020 [cited 2021 Jun 21];30(5 Suppl 5):ckaa166.672. Available from: Available from: https://doi.org/10.1093/eurpub/ckaa166.672
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-2727. Fronteira I, Jesus EH, Dussault G. Nursing in Portugal in the Nacional Health Service at 40. Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2020 [cited 2021 Jul 15];25(1):273-82. Available from: Available from: https://doi.org/10.1590/1413-81232020251.28482019
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Esse estudo tem como limitação o debate acerca de uma realidade - a europeia - sem aprofundamento teórico e efetivo com outras iniciativas realizadas no mundo, a exemplo do ARCO-SUR desenvolvido no âmbito do Mercosul. Sugere-se estudos futuros que realizem contraponto efetivo, uma vez que é a partir da história e seus caminhos que se delineiam objetivos e estratégias educativas adequadas à cada situação e contexto.

CONCLUSÃO

A mobilidade acadêmico-profissional e a internacionalização são metas estratégicas no debate político da UE e evidentes contributos do Processo de Bolonha. A educação provou ser um instrumento válido para a construção de uma identidade profissional comum, portanto, considerada indispensável para o fortalecimento do bloco, no que tange a produção de conhecimentos.

As diretrizes para a harmonização dos sistemas universitários com vista às premissas de aumentar a competitividade da Europa, atender ao mercado de trabalho e promover a mobilidade interna e externa, conduzem a Enfermagem para uma grande mudança na sua configuração acadêmica e espectro de atuação no âmbito internacional. O Suplemento ao Diploma é um documento fundamental que, por meio de um sistema de créditos transferíveis, equivalências e graus legíveis nos diferentes países, promoveu o intercâmbio científico-cultural por meio da mobilidade acadêmico-profissional e intensificou o diálogo entre nações, que reverberam em práticas sociais.

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NOTAS

  • ORIGEM DO ARTIGO

    Extraído da tese - Formação em Enfermagem Pós-Declaração de Bolonha na Europa, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina, em 2021.
  • FINANCIAMENTO

    O presente artigo foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
  • APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

    Aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina, parecer n. 2.675.941, Certificado de Apresentação para Apreciação Ética 84512418.1.0000.0121.

Editado por

EDITORES

Editores Associados: Leticia de Lima Trindade, Monica Motta Lino. Editor-chefe: Roberta Costa

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    21 Jul 2021
  • Aceito
    25 Fev 2022
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