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ANÁLISE DA VIOLÊNCIA INTERPESSOAL E AUTOPROVOCADA NA PESSOA IDOSA

RESUMO

Objetivo:

identificar a prevalência da violência interpessoal e autoprovocada na pessoa idosa no estado do Espírito Santo e sua associação com as características da vítima e da agressão.

Método:

estudo transversal com dados das notificações de violência contra a pessoa idosa registradas no estado do Espírito Santo, Brasil entre os anos de 2011 e 2018 no Sistema de Informação de Agravos de Notificação. Foram avaliadas a natureza da violência (interpessoal ou autoprovocada) e as características da vítima e da agressão. A análise multivariada foi conduzida por meio da regressão de Poisson, com variância robusta. A associação foi apresentada por razão de prevalências (RP) e intervalo de confiança de 95% (IC95%).

Resultados:

a prevalência da violência interpessoal foi de 85,0% (IC95%: 83,3-86,5), e da autoprovocada foi de 15,0% (IC95%: 13,5-16,7). A violência interpessoal contra a pessoa idosa esteve associada a maiores prevalências em vítimas do sexo feminino, com 80 anos ou mais, de cor preta/parda e sem deficiência/transtorno, com histórico de repetição, com suspeita de uso de álcool, fora da residência, em zonas urbanas e motivada por intolerâncias. Já a violência autoprovocada entre pessoas idosas se mostrou mais prevalente em vítimas do sexo masculino, com 60 a 69 anos, de cor branca, com deficiências/transtornos, quando a agressão ocorreu na residência, sem histórico de repetição, sem suspeita de uso de álcool, em zonas rurais e sem motivação por intolerâncias.

Conclusão:

as características da vítima e da agressão influenciam a ocorrência da violência interpessoal e autoprovocada na pessoa idosa.

DESCRITORES:
Violência; Abuso de idosos; Notificação de abuso; Monitoramento epidemiológico; Sistemas de informação em saúde

ABSTRACT

Objective:

to identify the prevalence of interpersonal and self-inflicted violence in older adults in the state of Espírito Santo and its association with victim and aggression characteristics.

Method:

this is a cross-sectional study with data on notifications of elder abuse registered in the state of Espírito Santo, Brazil between 2011 and 2018 in the Notifiable Diseases Information System (SINAN). Violence nature (interpersonal or self-inflicted) and victim and aggression characteristics were assessed. Multivariate analysis was conducted using Poisson regression with robust variance. The association was presented by Prevalence Ratio (PR) and 95% Confidence Interval (95%CI).

Results:

the prevalence of interpersonal violence was 85.0% (95%CI: 83.3-86.5), and of self-inflicted violence was 15.0% (95%CI: 13.5-16.7). Interpersonal elder abuse was associated with higher prevalence in female victims, aged 80 years or older, black/brown and without disability/disorder, with repetition history, with suspected use of alcohol, outside the residence, in urban areas and motivated by intolerances. On the other hand, self-inflicted violence among older adults was more prevalent in male victims, aged 60 to 69 years, white, with disabilities/disorders, when aggression occurred at home, without repetition history, without suspicion of alcohol use, in rural areas and without intolerance.

Conclusion:

Victim and aggression characteristics influence the occurrence of interpersonal and self-inflicted violence in older adults.

DESCRIPTORS:
Violence; Elder abuse; Mandatory reporting; Epidemiological monitoring; Health information systems

RESUMEN

Objetivo:

identificar la prevalencia de violencia interpersonal y autoinfligida en ancianos del estado de Espírito Santo y su asociación con las características de la víctima y de la agresión.

Método:

estudio transversal con datos de las notificaciones de violencia contra ancianos registradas en el estado de Espírito Santo-Brasil entre 2011 y 2018 en el Sistema de Información de Enfermedades de Declaración Obligatoria (SINAN). Se evaluó la naturaleza de la violencia (interpersonal o autoinfligida) y las características de la víctima y de la agresión. El análisis multivariado se realizó mediante regresión de Poisson con varianza robusta. La asociación se presentó por razón de prevalencia (RP) e intervalo de confianza del 95% (IC95%).

Resultados:

la prevalencia de violencia interpersonal fue del 85,0% (IC95%: 83,3-86,5), y de violencia autoinfligida fue del 15,0% (IC95%: 13,5-16,7). La violencia interpersonal contra los ancianos se asoció con mayor prevalencia en víctimas mujeres, con 80 años o más, negras/morenas y sin discapacidad/trastorno, con antecedentes de reincidencia, con sospecha de consumo de alcohol, fuera del hogar, en zona urbana y motivada por intolerancias. Por otro lado, la violencia autolesiva entre adultos mayores fue más prevalente en víctimas hombres, de 60 a 69 años, blancos, con discapacidades/trastornos, cuando la agresión ocurrió en el hogar, sin antecedentes de reincidencia, sin sospecha de consumo de alcohol, en zonas rurales y sin motivación para intolerancias.

Conclusión:

las características de la víctima y de la agresión influyen en la ocurrencia de violencia interpersonal y autoinfligida en ancianos.

DESCRIPTORES:
Violencia; Abuso de ancianos; Notificación obligatoria; Monitoreo epidemiológico; Sistemas de información en salud

INTRODUÇÃO

A violência contra a pessoa idosa é um problema difundido ao redor do mundo, sendo multicausal e complexo. Ocorre em todos os âmbitos sociais, sendo agente para baixa qualidade de vida, estresse psicológico, distúrbios emocionais, isolamento, lesões e traumas físicos11. Santos AM, Sá GG, Brito AA, Nolêto JS, Oliveira RK. Elder abuse during the COVID-19 pandemic: a scoping review. Acta Paul Enferm [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct 10];34:eAPE000336. Available from: https://doi.org/10.37689/actaape/2021AR00336
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-33. Bruele ABVD, Dimachk M, Crandall M. Elder abuse. Clin Geriatr Med [Internet]. 2019 [cited 2022 Oct 3];25(1):103-13. Available from: https://doi.org/10.1016/j.cger.2018.08.009
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. Ainda, eleva o risco de internações hospitalares ou em casas de repouso, podendo, até mesmo, levar ao óbito11. Santos AM, Sá GG, Brito AA, Nolêto JS, Oliveira RK. Elder abuse during the COVID-19 pandemic: a scoping review. Acta Paul Enferm [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct 10];34:eAPE000336. Available from: https://doi.org/10.37689/actaape/2021AR00336
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-22. Minayo MCS, Souza ER, Silva MMA, Assis SG. Institutionalizing the theme of violence within Brazil’s national health system: progress and challenges. Cien Saúde Colet [Internet]. 2018 [cited 2022 Oct 15];23(6):2007-16. Available from: https://doi.org/10.1590/1413-81232018236.04962018
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. A violência contra a pessoa idosa consiste em qualquer ato singular ou repetido, ou na falta de ação, que proceda em dano físico ou sofrimento psicológico a uma pessoa idosa11. Santos AM, Sá GG, Brito AA, Nolêto JS, Oliveira RK. Elder abuse during the COVID-19 pandemic: a scoping review. Acta Paul Enferm [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct 10];34:eAPE000336. Available from: https://doi.org/10.37689/actaape/2021AR00336
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,44. Orfila F, Coma-Solé M, Cabanas M, Cegri-Lombardo F, Moleras-Serra A, Pujol-Ribera E. Family caregiver mistreatment of the elderly: prevalence of risk and associated factors. BMC Public Health [Internet]. 2018 [cited 2022 Oct 5];18(1):167. Available from: https://doi.org/10.1186/s12889-018-5067-8
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.

Existem diferentes formas de classificar a violência e uma delas é identificar o agressor. Existe a violência autoprovocada, quando a agressão é cometida contra si própria e a violência interpessoal, quando a agressão é cometida por terceiros. A violência autoprovocada compreende atos de autoagressão, autonegligência, ideação, tentativa e efetivação de suicídio, enquanto a violência interpessoal compreende situações de abusos psicológicos, físicos, sexuais, financeiros e negligenciais11. Santos AM, Sá GG, Brito AA, Nolêto JS, Oliveira RK. Elder abuse during the COVID-19 pandemic: a scoping review. Acta Paul Enferm [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct 10];34:eAPE000336. Available from: https://doi.org/10.37689/actaape/2021AR00336
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A ocorrência de violência autoprovocada na população idosa ainda é vagamente explorada na literatura, resultando na dificuldade de se encontrar dados estatísticos sobre a temática. Um estudo realizado com dados do Sistema de Informações Hospitalares (SIH) e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) no Brasil mostrou que a taxa de morbidade por tentativas de suicídio, entre os idosos brasileiros, são maiores nas regiões Norte e Centro-Oeste e que, entre os estados da região Sudeste, o Espírito Santo apresenta a maior taxa, com o registro de 25,4 internações por 100.000 habitantes, entre 2012 e 2014. Esse agravo é consideravelmente maior entre homens idosos, 66,3/100.000 habitantes55. Pinto LW, Assis SG. Descriptive study of suicide attempts in the Brazilian elderly population, 2000-2014. Cien Saúde Colet [Internet]. 2015 [cited 2022 Oct 6];20(6):1681-92. Available from: https://doi.org/10.1590/1413-81232015206.03532015
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.

Com relação à violência interpessoal, revisões sistemáticas estimam que um 1 em cada 6 idosos ao redor do mundo sofrem dela; contudo, as prevalências variam consideravelmente entre os países66. Yon Y, Mikton CR, Gassoumis ZD, Wilber KH. Elder abuse prevalence in community settings: a systematic review and meta-analysis. Lancet Glob Health [Internet]. 2017 [cited 2022 Oct 9];5(2):e147-56. Available from: https://doi.org/10.1016/S2214-109X(17)30006-2
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-77. Pillemer K, Burnes D, Riffin C, Lachs MS. Elder abuse: global situation, risk factors, and prevention strategies. Gerontologist [Internet]. 2016 [cited 2022 Oct 14];56(2 Suppl 2):194-205. Available from: https://doi.org/10.1093/geront/gnw004
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. No Brasil, estudos realizados em capitais brasileiras estimam que a prevalência de violência contra a pessoa idosa seja de cerca de 14,4%88. Blay SL, Laks J, Marinho V, Figueira I, Maia D, Coutinho ESF, et al. Prevalence and correlates of elder abuse in São Paulo and Rio de Janeiro. J Am Geriatr Soc [Internet]. 2017 [cited 2022 Sep 15];65(12):2634-8. Available from: https://doi.org/10.1111/jgs.15106
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No combate a esses agravos, um especial destaque deve ser dado ao setor saúde, uma vez que as consequências da violência causam novos desafios para a demanda por atendimento de saúde e disponibilidade de serviços, fazendo com que esse fenômeno esteja sempre nas pautas de discussões e agendas da saúde22. Minayo MCS, Souza ER, Silva MMA, Assis SG. Institutionalizing the theme of violence within Brazil’s national health system: progress and challenges. Cien Saúde Colet [Internet]. 2018 [cited 2022 Oct 15];23(6):2007-16. Available from: https://doi.org/10.1590/1413-81232018236.04962018
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,99. Truong C, Burnes D, Alaggia R, Elman A, Rosen T. Disclosure among victims of elder abuse in healthcare settings: a missing piece in the overall effort toward detection. J Elder Abuse Negl [Internet]. 2019 [cited 2022 Sep 29];31(2):181-90. Available from: https://doi.org/10.1080/08946566.2019.1588182
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. Os profissionais de saúde têm um amplo acesso à população idosa, sua família e comunidade, de forma que podem contribuir para divulgação dessa temática na sociedade, detecção de situações de risco, acompanhamento dos casos identificados e tratamento das vítimas1010. Alarcon MFS, Damaceno DG, Cardoso BC, Braccialli LAD, Sponchiado VBY, Marin MJS. Elder abuse: actions and suggestions by primary health care professionals. Rev Bras Enferm [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct 16];74(2 Suppl 2):e20200263. Available from: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0263
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-1212. Lacher S, Wettstein A, Senn O, Rosemann T, Hasler S. Types of abuse and risk factors associated with elder abuse. Swiss Med Wkly [Internet]. 2016 [cited 2022 Oct 12];146:w14273. Available from: https://doi.org/10.4414/smw.2016.14273
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. Para isso, é importante que os profissionais estejam preparados não apenas para o rastreamento e a notificação dos diversos tipos de violência, mas também para o adequado atendimento das vítimas e familiares, oferecendo apoio e suporte, além de uma rede de referência e contrarreferência adequada para o manejo da violência contra a pessoa idosa1313. Oliveira KSM, Carvalho FPR, Oliveira LC, Simpson CA, Silva FTL, Martins AGC. Violence against the elderly: the conceptions of nursing professionals regarding detection and prevention. Rev Gaúcha Enferm [Internet]. 2018 [cited 2022 Oct 16];39:e57462. Available from: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2018.57462
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.

Desse modo, entendendo a necessidade de desvelar informações sobre a violência contra a pessoa idosa (autoprovocada ou interpessoal) e com a finalidade de contribuir para o melhor entendimento e, por conseguinte, colaborar para a prevenção e o enfrentamento desse agravo, este estudo teve por objetivo identificar a prevalência da violência interpessoal e autoprovocada contra a pessoa idosa no Espírito Santo, e sua associação com as características da vítima e da agressão.

MÉTODO

Estudo epidemiológico analítico, do tipo transversal, realizado a partir das notificações de violência contra a pessoa idosa (entendendo como idoso o indivíduo com 60 anos ou mais) no estado do Espírito Santo, Brasil, entre 2011 e 2018.

O Espírito Santo está situado na região Sudeste do Brasil e tem cerca de 3,9 milhões de habitantes, distribuídos nos 46 mil/Km² e em 78 municípios1414. Instituto Jones dos Santos Neves. Síntese dos indicadores sociais do Espírito Santo. Vitória, ES(BR): Instituto Jones dos Santos Neves; 2018. 55 p.. A espelho do Brasil, o Espírito Santo vivencia uma acelerada transição demográfica, com considerável aumento da população idosa, em frequências maiores que a maioria dos estados brasileiros1515. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Projeção da população do Brasil e das unidades de federação [Internet]. 2019 [cited 2022 Sep 20]. Available from: https://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/
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. O Espírito Santo está entre os cinco estados mais violentos do Brasil, segundo o Atlas da Violência,1616. Cerqueira D, de Lima RS, Bueno S, Neme C, Ferreira H, Coelho D, et al. coordenadores. Atlas da Violência 2018. Rio de Janeiro, RJ(BR): Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 2018. 93 p. legitimando a preocupação de se investigar as prevalências e características da violência contra a pessoa idosa nessa região.

O banco de dados para realização deste estudo foi cedido pela Secretaria Estadual de Saúde do Espírito Santo (SESA). Ele resulta da produção que a Vigilância Epidemiológica fez a partir de registros do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), operacionalizado através da Ficha de Notificação/Investigação de Violência Interpessoal e Autoprovocada. Essa ficha, por sua vez, abrange informações sobre perfil da vítima e do agressor, características da violência e encaminhamentos realizados, podendo ser preenchida por qualquer profissional de saúde.

O período analisado no banco de dados das fichas de notificação de Violência Interpessoal e Autoprovocada contra a pessoa idosa no Espírito Santo foi de 2011 a 20188. Esse corte temporal foi determinado porque em 2011, a partir da portaria nº 104 no Ministério da Saúde, a violência passou a fazer parte da Lista de Agravos de Notificação Compulsória, fazendo com que sua investigação e notificação fosse universalizada para todos os serviços de saúde (público ou privado) em todo o território nacional22. Minayo MCS, Souza ER, Silva MMA, Assis SG. Institutionalizing the theme of violence within Brazil’s national health system: progress and challenges. Cien Saúde Colet [Internet]. 2018 [cited 2022 Oct 15];23(6):2007-16. Available from: https://doi.org/10.1590/1413-81232018236.04962018
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No presente estudo, as notificações de violência foram analisadas segundo a natureza do agravo (interpessoal ou autoprovocada), que constituem os desfechos em estudo.

As variáveis independentes foram acerca das características da vítima, da agressão e do agressor.

As variáveis das características da vítima foram: sexo (masculino; feminino); faixa etária (60 a 69 anos; 70 a 79 anos; 80 anos ou mais); cor (branca; preta-parda); escolaridade (em anos de estudo: 0 a 4 anos; 5 a 8 anos; 9 anos ou mais); situação conjugal (com companheiro; sem companheiro); e presença de deficiência/transtorno (sim; não).

Já as variáveis das características da agressão foram: histórico de repetição (sim; não); suspeita de uso de álcool (sim; não); se ocorreu na residência (sim; não); turno (manhã-tarde; noite-madrugada); zona (urbana; rural); motivação por intolerâncias (sim; não); e encaminhamentos (sim; não).

Enquanto as variáveis das características do agressor, que são apresentadas somente de forma descritiva para os casos de violência interpessoal, foram estas: faixa etária do agressor (0-19 anos; 20-59 anos; 60 anos ou mais); sexo do agressor (masculino; feminino; ambos); vínculo com a vítima (filho; parceiro; outro familiar; desconhecido); e número de envolvidos (um; dois ou mais).

Antes da realização das análises estatísticas, foi conduzida uma análise exploratória descritiva do banco de dados para qualificação e correção dos possíveis erros ou inconsistências nas variáveis de interesse, seguindo as diretrizes do Instrutivo de Notificação de Violência. A duplicidade das fichas foi conferida a partir da organização dos registros por data de notificação, comparando-se a data de ocorrência, o nome da vítima, da mãe e a data de nascimento. Nesse processo, foram excluídas cinco fichas duplicadas, restando um total de 1.924 casos para análise.

Os dados foram trabalhados no programa estatístico Stata versão 13.0 e analisados via estatística descritiva em frequência bruta e relativa e intervalos de confiança de 95% (IC95%). As análises bivariadas foram dirigidas por meio do teste Qui-Quadrado de Pearson, com nível de significância de p <0,05. A associação entre as variáveis foi testada por meio da Regressão de Poisson com variância robusta, expresso em Razão de Prevalência (RP) bruta e ajustada e os respectivos intervalos de confiança foram de 95%. Para análise ajustada, a inclusão no modelo aconteceu com o valor de p <0,20, e a permanência com p <0,05. A análise ajustada para fatores de confusão se deu com a entrada no modelo em dois níveis: no primeiro nível, os dados da vítima; no segundo nível: as variáveis relacionadas à agressão. Destacamos que as características do agressor não foram consideradas para as análises inferenciais, pois estão presentes apenas nas notificações de violência interpessoal, impossibilitando a comparação entre os grupos de análise.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa. Foram respeitadas todas as normas e diretrizes das Resoluções 499/2012 e 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde.

RESULTADOS

Foram notificados 1.924 casos de violência contra a pessoa idosa no período de 2011 a 2018 no Espírito Santo, Brasil. Observa-se que 85,0% (N: 1635; IC95%: 83,3-86,5) foram violência interpessoal, e 15,0% (N: 289; IC95%: 13,5-16,7) foram violência autoprovocada.

Dentre as pessoas idosas vítimas de violência (interpessoal ou autoprovocada), a maioria são mulheres (60,6%), entre 60 e 69 anos (54,5%), de cor preta/parda (54,4%), com baixa escolaridade (60,9%), com companheiro (56,4%) e sem deficiências ou transtornos (75,4%). Com relação à ocorrência, a maior parte das agressões apresentam histórico de repetição (58%), ocorreram sem suspeita de uso de álcool (60,1%), na residência (83,5%), durante o dia (59%), em zonas urbanas (86,5%), sem motivação por intolerâncias (37,2%) e foram encaminhadas a outros setores (83,3%), conforme apresentado na Tabela 1. Com relação às características do agressor entre os casos de violência interpessoal contra a pessoa idosa, a violência foi mais frequentemente perpetrada por um indivíduo (69,8%), entre 20 e 59 anos (79%), do sexo masculino (63,6%) e filho da vítima (47,2%).

Tabela 1 -
Caracterização dos casos notificados de violência contra a pessoa idosa, segundo dados da vítima e da ocorrência. Espírito Santo, ES, Brasil, 2011-2018.

As análises bivariadas evidenciam que a natureza da violência está relacionada à faixa etária, à cor, à situação conjugal e à deficiência/transtorno no idoso. Quanto às características da agressão, nota-se relação com o histórico de repetição, suspeita de uso de álcool, local e zona de ocorrência, motivação e realização de encaminhamentos (Tabela 2).

Tabela 2 -
Distribuição das prevalências de violência de interpessoal e autoprovocada, de acordo com as características da vítima e da ocorrência. Espírito Santo, ES, Brasil, 2011-2018.

Após ajustes para fatores de confusão, a violência interpessoal foi mais frequentemente perpetrada contra idosas do sexo feminino (RP: 1,06; IC95%:1,01-1,10), com 80 anos ou mais (RP: 1,17; IC95%: 1,12-1,22), de cor preta/parda (RP: 1,07; IC95%: 1,03-1,12) e sem deficiência/transtorno (RP: 1,16; IC95%: 1,09-1,23). A ocorrência foi mais prevalente entre aquelas com histórico de repetição (RP: 1,27; IC95%: 1,15-1,40), com suspeita de uso de álcool (RP: 1,20; IC95%: 1,11-1,29), fora da residência (RP: 1,25; IC95%: 1,12-1,40), em zonas urbanas (RP: 1,16; IC95%: 1,09-1,34), motivada por intolerâncias (RP: 1,35; IC95%: 1,26-1,45) e foram mais frequentemente encaminhadas para outros setores (RP: 1,22; IC95%: 1,09-1,35) (Tabela 3).

Tabela 3
Análise bruta e ajustada dos efeitos das características da vítima e da ocorrência sobre a violência interpessoal praticada contra a pessoa idosa. Espírito Santo, ES, Brasil, 2011-2018.

No que tange à violência autoprovocada, após ajustes, esse agravo se mostrou mais prevalente entre idosos do sexo masculino (RP: 1,04; IC95%: 1,01-1,08), de 60 a 69 anos (RP: 1,13; IC95%: 1,09-1,17), de cor branca (RP: 1,05; IC95%: 1,02-1,09), com deficiências/transtornos (RP: 1,11; IC95%: 1,07-1,15). Ademais, ocorreu mais frequentemente na residência (RP: 1,14; IC95%: 1,07-1,22), sem histórico de repetição (RP: 1,14; IC95%: 1,09-1,20), sem suspeita de uso de álcool (RP: 1,12; IC95%: 1,07-1,18), em zonas rurais (RP: 1,08; IC95%: 1,01-1,16) e sem motivação por intolerâncias (RP: 1,21; IC95%: 1,17-26). Além disso, a violência autoprovocada foi 10% mais prevalente entre as notificações que não foram encaminhadas para outros setores (RP: 1,10; IC95%: 1,04-1,17) (Tabela 4).

Tabela 4 -
Análise bruta e ajustada dos efeitos das características da vítima e da ocorrência sobre a violência autoprovocada praticada pela pessoa idosa. Espírito Santo, ES, Brasil, 2011-2018.

DISCUSSÃO

As notificações de violência contra a pessoa idosa analisadas neste estudo evidenciam uma relevante frequência da natureza interpessoal do agravo. Um resultado similar foi identificado em outro estudo que analisou os casos notificados de violência contra a pessoa idosa em todo Brasil, o qual evidenciou que 89% dos casos refletiam a violência interpessoal, reforçando a predominância da violência interpessoal entre os casos notificados nessa população1717. Mascarenhas MDM, Andrade SSCA, Neves ACM, Pedrosa AAG, Silva MMA, Malta DC. Violência contra a pessoa idosa: análise das notificações realizadas no setor saúde - Brasil, 2010. Cien Saúde Colet [Internet]. 2012 [cited 2022 Oct 18];17(9):2331-41. Available from: https://doi.org/10.1590/S1413-81232012000900014
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.

Com relação à violência autoprovocada, a prevalência de notificação desse fenômeno no Espírito Santo se assemelha aos resultados de um estudo realizado em nível nacional1717. Mascarenhas MDM, Andrade SSCA, Neves ACM, Pedrosa AAG, Silva MMA, Malta DC. Violência contra a pessoa idosa: análise das notificações realizadas no setor saúde - Brasil, 2010. Cien Saúde Colet [Internet]. 2012 [cited 2022 Oct 18];17(9):2331-41. Available from: https://doi.org/10.1590/S1413-81232012000900014
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e um estudo realizado no estado de Minas Gerais, ao analisar esse agravo e evidenciar prevalência de 12% da natureza autoprovocada1818. Rocha RC, Cortes MCJW, Dias EC, Gontijo ED. Violência velada e revelada contra idosos em Minas Gerais-Brasil: análise de denúncias e notificações. Saúde Debate [Internet]. 2018 [cited 2022 Oct 21];42(4):81-94. Available from: https://doi.org/10.1590/0103-11042018s406
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. Apesar de essa tipologia se apresentar em menor frequência que o agravo interpessoal, esse tipo de violência tem crescido consideravelmente entre a população idosa, refletindo na necessidade de atenção a essa temática55. Pinto LW, Assis SG. Descriptive study of suicide attempts in the Brazilian elderly population, 2000-2014. Cien Saúde Colet [Internet]. 2015 [cited 2022 Oct 6];20(6):1681-92. Available from: https://doi.org/10.1590/1413-81232015206.03532015
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,1111. Troya MI, Chew-Graham CA, Babatunde O, Bartlam B, Mughal F, Dikomitis L. Role of primary care in supporting older adults who self-harm: a qualitative study in England. Br J Gen Pract [Internet]. 2019 [cited 2022 Sep 27];69(688):e740-51. Available from: https://doi.org/10.3399/bjgp19X706049
https://doi.org/10.3399/bjgp19X706049...
.

Em relação aos fatores associados aos agravos estudados, observamos que a violência autoprovocada foi mais prevalente entre idosos jovens (60 a 69 anos) e do sexo masculino, assemelhando-se aos achados de outros estudos1717. Mascarenhas MDM, Andrade SSCA, Neves ACM, Pedrosa AAG, Silva MMA, Malta DC. Violência contra a pessoa idosa: análise das notificações realizadas no setor saúde - Brasil, 2010. Cien Saúde Colet [Internet]. 2012 [cited 2022 Oct 18];17(9):2331-41. Available from: https://doi.org/10.1590/S1413-81232012000900014
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-1818. Rocha RC, Cortes MCJW, Dias EC, Gontijo ED. Violência velada e revelada contra idosos em Minas Gerais-Brasil: análise de denúncias e notificações. Saúde Debate [Internet]. 2018 [cited 2022 Oct 21];42(4):81-94. Available from: https://doi.org/10.1590/0103-11042018s406
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. Ainda sobre o estudo acerca da violência autoprovocada realizado em Minas Gerais, nele foi evidenciado que idosos do sexo masculino apresentam 40% mais chance de sofrer violência autoprovocada em comparação a mulheres idosas; e os com 60 a 69 anos mostraram 3 vezes mais chance de se autoinfligir violência quando comparados aos idosos mais velhos1818. Rocha RC, Cortes MCJW, Dias EC, Gontijo ED. Violência velada e revelada contra idosos em Minas Gerais-Brasil: análise de denúncias e notificações. Saúde Debate [Internet]. 2018 [cited 2022 Oct 21];42(4):81-94. Available from: https://doi.org/10.1590/0103-11042018s406
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.

O processo de envelhecimento, as dificuldades funcionais e as mudanças nos papeis sociais comumente associadas a esse ciclo da vida fragilizam o modelo de masculinidade enraizado em nossa sociedade1919. Santos MCL, Giusti BB, Yamamoto CA, Ciosak SI, Szylit R. Suicide in the elderly: an epidemiologic study. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct 8];55:e03694. Available from: https://doi.org/10.1590/S1980-220X2019026603694
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. A perda do status social conferido pelo trabalho/emprego a esses indivíduos, aspecto que muda radicalmente com a aposentadoria, somada à observação de pessoas mais jovens assumindo funções de mais poder nos ambientes antes comandados por eles, são fatores intimamente associados à ocorrência de autoagressão entre idosos do sexo masculino1919. Santos MCL, Giusti BB, Yamamoto CA, Ciosak SI, Szylit R. Suicide in the elderly: an epidemiologic study. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct 8];55:e03694. Available from: https://doi.org/10.1590/S1980-220X2019026603694
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.

Já em relação à violência interpessoal, encontramos que esse agravo foi mais frequentemente perpetrado contra mulheres idosas, com 80 anos ou mais, o que é fortemente endossado por outros estudos1717. Mascarenhas MDM, Andrade SSCA, Neves ACM, Pedrosa AAG, Silva MMA, Malta DC. Violência contra a pessoa idosa: análise das notificações realizadas no setor saúde - Brasil, 2010. Cien Saúde Colet [Internet]. 2012 [cited 2022 Oct 18];17(9):2331-41. Available from: https://doi.org/10.1590/S1413-81232012000900014
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-1818. Rocha RC, Cortes MCJW, Dias EC, Gontijo ED. Violência velada e revelada contra idosos em Minas Gerais-Brasil: análise de denúncias e notificações. Saúde Debate [Internet]. 2018 [cited 2022 Oct 21];42(4):81-94. Available from: https://doi.org/10.1590/0103-11042018s406
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,2020. Ho CS, Wong SY, Chiu MM, Ho RC. Global prevalence of elder abuse: a metaanalysis and meta-regression. East Asian Arch Psychiatry [Internet]. 2017 [cited 2022 Oct 19];27(2):43-55. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/28652497
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2865...
-2121. Jeon GS, Cho SI, Choi K, Jang KS. Gender differences in the prevalence and correlates of elder abuse in a community-dwelling older population in Korea. Int J Environ Res Public Health [Internet]. 2019 [cited 2022 Oct 17];16(1):100. Available from: https://doi.org/10.3390/ijerph16010100
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. Algumas hipóteses podem ser levantadas na tentativa de justificar esse achado. Uma delas é que, pelo fato de as mulheres viverem mais que os homens, elas estão mais propensas a apresentarem incapacidades e demências,2222. Wang M, Sun H, Zhang J, Ruan J. Prevalence and associated factors of elder abuse in family caregivers of older people with dementia in central China: cross‐sectional study. Int J Geriatr Psychiatry [Internet]. 2019 [cited 2022 Oct 15];34(2):299-307. Available from: https://doi.org/10.1002/gps.5020
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-2323. Lachs MS, Pillemer KA. Elder abuse. N Engl J Med [Internet]. 2015 [cited 2022 Oct 20];373(20):1947-56. Available from: https://doi.org/10.1056/NEJMra1404688
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demandando mais cuidados para atividades cotidianas; dessa forma, apresentam maior risco de serem vítimas de violência interpessoal2020. Ho CS, Wong SY, Chiu MM, Ho RC. Global prevalence of elder abuse: a metaanalysis and meta-regression. East Asian Arch Psychiatry [Internet]. 2017 [cited 2022 Oct 19];27(2):43-55. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/28652497
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,2424. Yon Y, Mikton C, Gassoumis ZD, Wilber KH. The prevalence of self-reported elder abuse among older women in community settings: a systematic review and meta-analysis. Trauma Violence Abuse [Internet]. 2017 [cited 2022 Oct 21];20(2):245-59. Available from: https://doi.org/10.1177/1524838017697308
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. Outra hipótese também fortemente defendida diz respeito à iniquidade de gênero na sociedade patriarcal, em que as mulheres continuam a ser discriminas e tratadas de forma opressiva, aumentando a vulnerabilidade para vivenciarem violência2424. Yon Y, Mikton C, Gassoumis ZD, Wilber KH. The prevalence of self-reported elder abuse among older women in community settings: a systematic review and meta-analysis. Trauma Violence Abuse [Internet]. 2017 [cited 2022 Oct 21];20(2):245-59. Available from: https://doi.org/10.1177/1524838017697308
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. Por fim, uma hipótese que não pode ser desconsiderada é que os maiores índices de violência interpessoal contra mulheres pode ser, em realidade, uma continuação da violência perpetrada por parceiros íntimos sofrida ao longo da vida2020. Ho CS, Wong SY, Chiu MM, Ho RC. Global prevalence of elder abuse: a metaanalysis and meta-regression. East Asian Arch Psychiatry [Internet]. 2017 [cited 2022 Oct 19];27(2):43-55. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/28652497
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,2424. Yon Y, Mikton C, Gassoumis ZD, Wilber KH. The prevalence of self-reported elder abuse among older women in community settings: a systematic review and meta-analysis. Trauma Violence Abuse [Internet]. 2017 [cited 2022 Oct 21];20(2):245-59. Available from: https://doi.org/10.1177/1524838017697308
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Quanto à cor, encontramos que idosos de cor preta/parda apresentaram maiores prevalências de violência interpessoal, enquanto a violência autoprovocada foi mais frequente entre idosos de cor branca. Em uma revisão sistemática da literatura, foi observado que o risco para os diversos tipos de violência contra a pessoa idosa pode variar de acordo com os diferentes grupos raciais, ressalta-se a necessidade de estudos que abordem essa temática com maior aprofundamento77. Pillemer K, Burnes D, Riffin C, Lachs MS. Elder abuse: global situation, risk factors, and prevention strategies. Gerontologist [Internet]. 2016 [cited 2022 Oct 14];56(2 Suppl 2):194-205. Available from: https://doi.org/10.1093/geront/gnw004
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No que tange à presença de deficiência ou transtornos, percebe-se que a violência interpessoal foi mais frequente entre idosos sem deficiência/transtorno, contrariando a literatura, que aponta que idosos deficientes ou com transtornos apresentam maior risco de serem vítimas de violência interpessoal77. Pillemer K, Burnes D, Riffin C, Lachs MS. Elder abuse: global situation, risk factors, and prevention strategies. Gerontologist [Internet]. 2016 [cited 2022 Oct 14];56(2 Suppl 2):194-205. Available from: https://doi.org/10.1093/geront/gnw004
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-88. Blay SL, Laks J, Marinho V, Figueira I, Maia D, Coutinho ESF, et al. Prevalence and correlates of elder abuse in São Paulo and Rio de Janeiro. J Am Geriatr Soc [Internet]. 2017 [cited 2022 Sep 15];65(12):2634-8. Available from: https://doi.org/10.1111/jgs.15106
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,2121. Jeon GS, Cho SI, Choi K, Jang KS. Gender differences in the prevalence and correlates of elder abuse in a community-dwelling older population in Korea. Int J Environ Res Public Health [Internet]. 2019 [cited 2022 Oct 17];16(1):100. Available from: https://doi.org/10.3390/ijerph16010100
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,2525. Lino VTS, Rodrigues NCP, Lima IS, Athie S, Souza ER. Prevalence and factors associated with caregiver abuse of elderly dependents: the hidden face of family violence. Cien Saúde Colet [Internet]. 2019 [cited 2022 Oct 22];24(1):87-96. Available from: https://doi.org/10.1590/1413-81232018241.34872016
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. Já na violência autoprovocada, observamos que esse agravo foi mais frequente entre idosos com algum tipo de deficiência ou transtorno, o que, somado ao fato de essa tipologia ser mais frequente entre homens, reforça as proposições de outros estudos, que apontam a dificuldade do homem idoso se enxergar dependente e incapaz de exercer efetivamente o papel que antes exercia na sociedade. Por vezes, entende isso como uma fragilidade à sua masculinidade, o que pode resultar em autoagressões1919. Santos MCL, Giusti BB, Yamamoto CA, Ciosak SI, Szylit R. Suicide in the elderly: an epidemiologic study. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct 8];55:e03694. Available from: https://doi.org/10.1590/S1980-220X2019026603694
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Foi encontrado que a natureza interpessoal da violência foi mais prevalente entre idosos com histórico de repetição, associação também observada por outro estudo,1818. Rocha RC, Cortes MCJW, Dias EC, Gontijo ED. Violência velada e revelada contra idosos em Minas Gerais-Brasil: análise de denúncias e notificações. Saúde Debate [Internet]. 2018 [cited 2022 Oct 21];42(4):81-94. Available from: https://doi.org/10.1590/0103-11042018s406
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o qual aponta que a maioria das tipologias de violência interpessoal acontecem de forma recorrente contra a pessoa idosa. Por outro lado, a chance de ocorrer violência autoprovocada é duas vezes maior quando ocorre de forma isolada, sem repetição,1818. Rocha RC, Cortes MCJW, Dias EC, Gontijo ED. Violência velada e revelada contra idosos em Minas Gerais-Brasil: análise de denúncias e notificações. Saúde Debate [Internet]. 2018 [cited 2022 Oct 21];42(4):81-94. Available from: https://doi.org/10.1590/0103-11042018s406
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corroborando também com os achados deste estudo. A violência interpessoal, por ser mais frequentemente perpetrada por um familiar,44. Orfila F, Coma-Solé M, Cabanas M, Cegri-Lombardo F, Moleras-Serra A, Pujol-Ribera E. Family caregiver mistreatment of the elderly: prevalence of risk and associated factors. BMC Public Health [Internet]. 2018 [cited 2022 Oct 5];18(1):167. Available from: https://doi.org/10.1186/s12889-018-5067-8
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,77. Pillemer K, Burnes D, Riffin C, Lachs MS. Elder abuse: global situation, risk factors, and prevention strategies. Gerontologist [Internet]. 2016 [cited 2022 Oct 14];56(2 Suppl 2):194-205. Available from: https://doi.org/10.1093/geront/gnw004
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em especial quando vítima e agressor residem na mesma casa,2525. Lino VTS, Rodrigues NCP, Lima IS, Athie S, Souza ER. Prevalence and factors associated with caregiver abuse of elderly dependents: the hidden face of family violence. Cien Saúde Colet [Internet]. 2019 [cited 2022 Oct 22];24(1):87-96. Available from: https://doi.org/10.1590/1413-81232018241.34872016
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-2626. Friedman LS, Avila S, Rizvi T, Partida R, Friedman D. Physical abuse of elderly adults: victim characteristics and seterminants of revictimization. J Am Geriatr Soc [Internet]. 2017 [cited 2022 Oct 14];65(7):1420-6. Available from: https://doi.org/10.1111/jgs.14794
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propicia um ambiente mais favorável à repetição. Outro ponto a ser considerado é que, em razão do possível vínculo com o agressor, o idoso nem sempre se sente confortável para reportar o ato sofrido, aumentando a subnotificação e a possibilidade de continuidade das agressões1010. Alarcon MFS, Damaceno DG, Cardoso BC, Braccialli LAD, Sponchiado VBY, Marin MJS. Elder abuse: actions and suggestions by primary health care professionals. Rev Bras Enferm [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct 16];74(2 Suppl 2):e20200263. Available from: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0263
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. A violência autoprovocada, por sua vez, caracterizada principalmente pela tentativa de suicídio,2727. Bahia CA, Avanci JQ, Pinto LW, Minayo MCS. Self-harm throughout all life cycles: profile of victims using urgent and emergency care services in Brazilian state capitals. Cien Saúde Colet [Internet]. 2017 [cited 2022 Oct 22];22(9):2841-50. Available from: https://doi.org/10.1590/1413-81232017229.12242017
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tende a chegar com maior frequência aos serviços de saúde logo na primeira tentativa, por se tratar de algo mais evidente.

Outra característica estudada e que se mostrou associada aos desfechos analisados é a suspeita de uso de álcool. Isso foi mais prevalente nos casos de violência interpessoal, corroborando a literatura que aponta o uso abusivo de álcool e outras substâncias por parte do agressor como um forte fator de risco para a vitimização da pessoa idosa77. Pillemer K, Burnes D, Riffin C, Lachs MS. Elder abuse: global situation, risk factors, and prevention strategies. Gerontologist [Internet]. 2016 [cited 2022 Oct 14];56(2 Suppl 2):194-205. Available from: https://doi.org/10.1093/geront/gnw004
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,2525. Lino VTS, Rodrigues NCP, Lima IS, Athie S, Souza ER. Prevalence and factors associated with caregiver abuse of elderly dependents: the hidden face of family violence. Cien Saúde Colet [Internet]. 2019 [cited 2022 Oct 22];24(1):87-96. Available from: https://doi.org/10.1590/1413-81232018241.34872016
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. Já a violência autoprovocada ocorreu mais frequentemente sem suspeita de uso de álcool, indo ao encontro da literatura encontrada sobre esse agravo na população idosa1818. Rocha RC, Cortes MCJW, Dias EC, Gontijo ED. Violência velada e revelada contra idosos em Minas Gerais-Brasil: análise de denúncias e notificações. Saúde Debate [Internet]. 2018 [cited 2022 Oct 21];42(4):81-94. Available from: https://doi.org/10.1590/0103-11042018s406
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Quanto ao local de ocorrência, a violência interpessoal foi mais prevalente fora da residência, contrariando os apontamentos da literatura, que indica a residência como o principal local de agressão interpessoal contra a pessoa idosa44. Orfila F, Coma-Solé M, Cabanas M, Cegri-Lombardo F, Moleras-Serra A, Pujol-Ribera E. Family caregiver mistreatment of the elderly: prevalence of risk and associated factors. BMC Public Health [Internet]. 2018 [cited 2022 Oct 5];18(1):167. Available from: https://doi.org/10.1186/s12889-018-5067-8
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,77. Pillemer K, Burnes D, Riffin C, Lachs MS. Elder abuse: global situation, risk factors, and prevention strategies. Gerontologist [Internet]. 2016 [cited 2022 Oct 14];56(2 Suppl 2):194-205. Available from: https://doi.org/10.1093/geront/gnw004
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. Pode ser que essa diferença resulte dos diferentes tipos de violência agrupados como interpessoal, podendo apresentar características diferentes entre si, principalmente quando se leva em consideração que o principal tipo de violência interpessoal notificado costuma ser a física,1717. Mascarenhas MDM, Andrade SSCA, Neves ACM, Pedrosa AAG, Silva MMA, Malta DC. Violência contra a pessoa idosa: análise das notificações realizadas no setor saúde - Brasil, 2010. Cien Saúde Colet [Internet]. 2012 [cited 2022 Oct 18];17(9):2331-41. Available from: https://doi.org/10.1590/S1413-81232012000900014
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a qual é a que mais comumente ocorre fora do domicilio1717. Mascarenhas MDM, Andrade SSCA, Neves ACM, Pedrosa AAG, Silva MMA, Malta DC. Violência contra a pessoa idosa: análise das notificações realizadas no setor saúde - Brasil, 2010. Cien Saúde Colet [Internet]. 2012 [cited 2022 Oct 18];17(9):2331-41. Available from: https://doi.org/10.1590/S1413-81232012000900014
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-1818. Rocha RC, Cortes MCJW, Dias EC, Gontijo ED. Violência velada e revelada contra idosos em Minas Gerais-Brasil: análise de denúncias e notificações. Saúde Debate [Internet]. 2018 [cited 2022 Oct 21];42(4):81-94. Available from: https://doi.org/10.1590/0103-11042018s406
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. A maior ocorrência da violência autoprovocada na residência do idoso corrobora os achados da literatura,1818. Rocha RC, Cortes MCJW, Dias EC, Gontijo ED. Violência velada e revelada contra idosos em Minas Gerais-Brasil: análise de denúncias e notificações. Saúde Debate [Internet]. 2018 [cited 2022 Oct 21];42(4):81-94. Available from: https://doi.org/10.1590/0103-11042018s406
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além de reforçar os resultados encontrados num estudo que analisou as características relacionadas às lesões autoprovocadas em todos os ciclos em vida de diversas capitais do Brasil: evidenciou-se que mais de 85% dos casos ocorreram na residência da vítima2727. Bahia CA, Avanci JQ, Pinto LW, Minayo MCS. Self-harm throughout all life cycles: profile of victims using urgent and emergency care services in Brazilian state capitals. Cien Saúde Colet [Internet]. 2017 [cited 2022 Oct 22];22(9):2841-50. Available from: https://doi.org/10.1590/1413-81232017229.12242017
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Apesar de o fenômeno da violência ser multicausal e complexo, existe um consenso na literatura sobre o fato de que a vulnerabilidade da pessoa idosa para os diferentes tipos de violência pode diferir de acordo com o sexo,1717. Mascarenhas MDM, Andrade SSCA, Neves ACM, Pedrosa AAG, Silva MMA, Malta DC. Violência contra a pessoa idosa: análise das notificações realizadas no setor saúde - Brasil, 2010. Cien Saúde Colet [Internet]. 2012 [cited 2022 Oct 18];17(9):2331-41. Available from: https://doi.org/10.1590/S1413-81232012000900014
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-1818. Rocha RC, Cortes MCJW, Dias EC, Gontijo ED. Violência velada e revelada contra idosos em Minas Gerais-Brasil: análise de denúncias e notificações. Saúde Debate [Internet]. 2018 [cited 2022 Oct 21];42(4):81-94. Available from: https://doi.org/10.1590/0103-11042018s406
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,2121. Jeon GS, Cho SI, Choi K, Jang KS. Gender differences in the prevalence and correlates of elder abuse in a community-dwelling older population in Korea. Int J Environ Res Public Health [Internet]. 2019 [cited 2022 Oct 17];16(1):100. Available from: https://doi.org/10.3390/ijerph16010100
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o que nos leva a um importante ponto de discussão: a motivação. Neste estudo, encontramos que a violência interpessoal foi mais frequentemente motivada por intolerâncias. Considerando que essa natureza do agravo também foi mais prevalente entre mulheres idosas, esse achado nos remete novamente à representação social da violência contra a mulher idosa e à reflexão sobre as iniquidades presentes em uma sociedade sexista, na qual as mulheres são continuamente subjugadas e oprimidas2424. Yon Y, Mikton C, Gassoumis ZD, Wilber KH. The prevalence of self-reported elder abuse among older women in community settings: a systematic review and meta-analysis. Trauma Violence Abuse [Internet]. 2017 [cited 2022 Oct 21];20(2):245-59. Available from: https://doi.org/10.1177/1524838017697308
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. Quando chegam à terceira ou quarta idade, com o incremento da fragilidade física, emocional e social, essa mulher idosa se torna ainda mais vulnerável à violência interpessoal.

Já a violência autoprovocada, mais frequente entre homens idosos, foi mais prevalente em casos sem motivação por intolerâncias, indo de encontro aos achados da literatura que, apontam que a autoagressão em homens idosos é geralmente motivada por dificuldades de aceitar a perda do papel social exercido anteriormente55. Pinto LW, Assis SG. Descriptive study of suicide attempts in the Brazilian elderly population, 2000-2014. Cien Saúde Colet [Internet]. 2015 [cited 2022 Oct 6];20(6):1681-92. Available from: https://doi.org/10.1590/1413-81232015206.03532015
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,1919. Santos MCL, Giusti BB, Yamamoto CA, Ciosak SI, Szylit R. Suicide in the elderly: an epidemiologic study. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct 8];55:e03694. Available from: https://doi.org/10.1590/S1980-220X2019026603694
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. Isso é prevalente especialmente em zonas rurais, onde a representação social do homem como autoridade maior e responsável pelo sustento e proteção da família é duramente modificada com o advento de doenças crônicas e condições adversas que comprometem a funcionalidade e autonomia do indivíduo. Isso é respaldado pelos resultados do presente estudo, que mostram maiores prevalências de violência autoprovocada em zonas rurais. Outros estudos sugerem uma atenção especial aos homens idosos na transição entre a vida laboral e a aposentadora, além de maior discussão e incentivo às mudanças nos papéis sociais atribuídos às pessoas de acordo com o gênero. Dessa forma, será possível trabalhar a maior aceitabilidade do homem ao se ver diante de situações em que, por questões diversas, não pode exercer na totalidade a masculinidade exigida dele pela sociedade1919. Santos MCL, Giusti BB, Yamamoto CA, Ciosak SI, Szylit R. Suicide in the elderly: an epidemiologic study. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct 8];55:e03694. Available from: https://doi.org/10.1590/S1980-220X2019026603694
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.

Em outra nuance sobre o local da ocorrência, encontramos que a violência interpessoal foi mais praticada em zonas urbanas, corroborando os achados de de outro estudo2121. Jeon GS, Cho SI, Choi K, Jang KS. Gender differences in the prevalence and correlates of elder abuse in a community-dwelling older population in Korea. Int J Environ Res Public Health [Internet]. 2019 [cited 2022 Oct 17];16(1):100. Available from: https://doi.org/10.3390/ijerph16010100
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. Possivelmente, isso é um reflexo das grandes aglomerações observadas em zonas urbanas, além de maior possibilidade de acesso a setores e serviços que possibilitem a notificação da violência, como postos de saúde, hospitais e delegacias. Essa suposta facilidade de acesso a serviços e setores nas zonas urbanas em detrimento das zonas rurais também pode ser a justificativa para o achado de a violência interpessoal ser mais prevalente em zonas urbanas e ter sido mais frequentemente encaminhada para acompanhamento em outros setores. A violência autoprovocada, por sua vez, foi mais prevalente entre os casos que não tiveram continuidade no acompanhamento, mas não foram encontrados dados na literatura que embasassem esses resultados.

Todavia, independentemente da zona de ocorrência ou da natureza do agravo, os casos de violência vivenciada pela pessoa idosa devem ser inseridos na rede de atenção através dos encaminhamentos e acompanhamentos pelos diversos setores envolvidos em toda a rede de cuidados às vítimas de agressão1515. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Projeção da população do Brasil e das unidades de federação [Internet]. 2019 [cited 2022 Sep 20]. Available from: https://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/
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. Trabalhos sobre a discussão das mazelas a serem percorridas na tentativa de enfrentamento a esse agravo reforçam que a falta de uma rede de apoio estabelecida, acrescida da considerável demora dos encaminhamentos nos órgãos públicos, apenas contribuem para a já estabelecida e complexa situação de vulnerabilidade desses indivíduos e suas famílias1818. Rocha RC, Cortes MCJW, Dias EC, Gontijo ED. Violência velada e revelada contra idosos em Minas Gerais-Brasil: análise de denúncias e notificações. Saúde Debate [Internet]. 2018 [cited 2022 Oct 21];42(4):81-94. Available from: https://doi.org/10.1590/0103-11042018s406
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. No entanto, não é incomum que as notificações de violência se limitem a trâmites burocráticos, ou seja, às vezes os casos são notificados, mas não devidamente encaminhados1818. Rocha RC, Cortes MCJW, Dias EC, Gontijo ED. Violência velada e revelada contra idosos em Minas Gerais-Brasil: análise de denúncias e notificações. Saúde Debate [Internet]. 2018 [cited 2022 Oct 21];42(4):81-94. Available from: https://doi.org/10.1590/0103-11042018s406
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.

Por fim, apontamos como limitações do estudo a análise secundária de banco de dados com possível subnotificação e inconsistências. Todavia, para minimizar essa limitação, o banco de dados passou por extensiva qualificação prévia às analises e, no que tange à subnotificação, as associações encontradas nos levam a acreditar que poderiam ser ainda mais evidentes caso esse não fosse um problema enfrentado por todo sistema de informação. Nesse sentido, reforçamos a importância do treinamento e da qualificação dos profissionais de saúde para um adequado preenchimento das fichas de notificação, na intenção de que, no futuro, essas limitações não sejam uma realidade entre os estudos que utilizam dados dos Sistemas de Informação em Saúde, principalmente considerando que essa é a principal ferramenta da Vigilância Epidemiológica no país.

CONCLUSÃO

A violência interpessoal e autoprovocada na pessoa idosa representou elevada magnitude dentre as violências notificadas no Espírito Santo no período de 2011 a 2018. As características da vítima e da agressão influenciam a ocorrência desses agravos.

A violência interpessoal contra a pessoa idosa esteve associada a maiores prevalências em vítimas do sexo feminino, com 80 anos ou mais, de cor preta/parda e sem deficiência/transtorno, com histórico de repetição, com suspeita de uso de álcool, fora da residência, em zonas urbanas e motivada por intolerâncias. Já a violência autoprovocada entre pessoas idosas se mostrou mais prevalente em vítimas do sexo masculino, com 60 a 69 anos, de cor branca, com deficiências/transtornos, na residência, sem histórico de repetição, sem suspeita de uso de álcool, em zonas rurais e sem motivação por intolerâncias.

Os resultados apresentados permitem inferir que existem importantes diferenças no que tange às características associadas à natureza interpessoal e autoprovocada da violência vivenciada pela população idosa. Ressaltamos que tais características devem ser levadas em consideração ao se pensar ações e estratégias para o enfrentamento desses agravos, no intuito de promover saúde, qualidade de vida e dignidade à pessoa idosa e seus familiares.

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NOTAS

  • ORIGEM DO ARTIGO

    Extraído da tese - Panorama da violência contra a pessoa idosa no Espírito Santo: uma análise dos casos notificados entre 2011 e 2018, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, da Universidade Federal do Espírito Santo, em 2020.
  • APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

    Aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidae Federal do Espírito Santo, parecer n. 2.819.597/2018, Certificado de Apresentação para Apreciação Ética 88138618.0.0000.5060.

Editado por

EDITORES

Editores Associados: Natália Gonçalves, Ana Izabel Jatobá de Souza. Editor-chefe: Elisiane Lorenzini.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    10 Set 2022
  • Aceito
    16 Nov 2022
Universidade Federal de Santa Catarina, Programa de Pós Graduação em Enfermagem Campus Universitário Trindade, 88040-970 Florianópolis - Santa Catarina - Brasil, Tel.: (55 48) 3721-4915 / (55 48) 3721-9043 - Florianópolis - SC - Brazil
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