ANÁLISE DO TRANSTORNO DO ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO EM PROFISSIONAIS DE ENFERMAGEM DURANTE A PANDEMIA DA COVID-19

RESUMO

Objetivo

analisar a prevalência de Transtorno de Estresse Pós-Traumático e os fatores associados ao desenvolvimento do Transtorno de Estresse Pós-Traumático em profissionais de enfermagem durante a pandemia da COVID-19.

Método

estudo observacional, analítico e transversal, realizado com 309 profissionais de enfermagem, utilizando questionário para avaliar dados sociodemográficos e informações sobre o trabalho, além da Escala do Impacto do Evento - Revisada (IES-R), que visa coletar informações relacionadas à sintomatologia do Transtorno de Estresse Pós-Traumático.

Resultados

o estudo contou com 176 enfermeiros e 133 técnicos de enfermagem, sendo 83,82% do sexo feminino e 56,96% de enfermeiros. Quanto ao trabalho, 55,66% possuíam carga horária de até 40 horas semanais, 47,90% tinham mais de um vínculo, 89,32% atuaram na linha de frente da pandemia e 60,19% apontaram aumento da carga de trabalho. Não obstante, 64,40% apresentaram sintomas ou foram diagnosticados com COVID-19 e 43,37% apontaram prejuízo emocional. Utilizando as classificações do escore geral da Escala do Impacto do Evento - Revisada, 29, 53,40% atingiram pontuação maior ou igual a 33, ponto de corte para o provável diagnóstico de Transtorno do Estresse Pós-Traumático.

Conclusão

foi evidenciado que mais da metade da amostra do estudo apresentou na escala Escala do Impacto do Evento - Revisada alto risco de desenvolver Transtorno do Estresse Pós-Traumático. Como fatores associados ao desenvolvimento do Transtorno de Estresse Pós-Traumático em profissionais de enfermagem durante a pandemia da COVID-19, estão o uso de medicamentos psicotrópicos, idade até 35 anos, mudança financeira e emocional.

DESCRITORES
Profissionais de Saúde; Transtornos de Estresse Pós-Traumáticos; Infecções por Coronavírus; Pandemias; Enfermagem; Saúde mental

ABSTRACT

Objective

to analyze the prevalence of Post-Traumatic Stress Disorder and factors associated with its development in Nursing professionals during the COVID-19 pandemic.

Method

an observational, analytical and cross-sectional study conducted with 309 Nursing professionals, using a questionnaire to assess sociodemographic data and work-related information, in addition to the Impact Event Scale - Revised, which aims at collecting diverse information related to Post-Traumatic Stress Disorder symptoms.

Results

the study participants were 176 nurses and 133 nursing technicians: 83.82% female and 56.96% male nurses. As for the hour load, 55.66% asserted working up to 40 weekly hours 47.90% had more than one employment contract, 89.32% were active in the front line against the pandemic, and 60.19% reported an increase in workload. However, 64.40% presented symptoms or were diagnosed with COVID-19 and 43.37% indicated emotional impairment. Using the classifications of the overall Impact Event Scale - Revised score, 29 (53.40%) obtained scores of at least 33, the cutoff point for likely diagnosis of Post-Traumatic Stress Disorder.

Conclusion

it was evidenced that more than half of the study sample presented a high risk of developing Post-Traumatic Stress Disorder in the Impact Event Scale - Revised scale. Factors associated with the development of Post-Traumatic Stress Disorders in Nursing professionals during the COVID-19 pandemic include use of psychotropic drugs, age up to 35 years old, and occurrence of physical and emotional changes.

DESCRIPTORS
Health professionals; Post-Traumatic Stress Disorders; Coronavirus infections; Pandemics; Nursing; Mental health

RESUMEN

Objetivo

analizar la prevalencia del Trastorno de Estrés Post-Traumático y los factores asociados al desarrollo de dicho trastorno en profesionales de Enfermería durante la pandemia de COVID-19.

Método

estudio observacional, analítico y transversal, realizado con 309 profesionales de Enfermería por medio de un cuestionario para evaluar datos sociodemográficos y diversa información sobre el trabajo, además de la Escala de Impacto del Evento - Revisada, que tiene como objetivo recolectar diversa información relacionada con la sintomatología del Trastorno de Estrés Post-Traumático.

Resultados

el estudio contó con la participación de 176 enfermeros y 133 técnicos de Enfermería: 83,82% del sexo femenino y 56,96% de enfermeros. En cuanto al trabajo, el 55,66% poseían una carga horaria de hasta 40 horas semanales, el 47,90% tenían más de un vínculo laboral, el 89,32% trabajaba en la primera línea de lucha contra la pandemia y el 60,19% señaló un aumento en la carga de trabajo. No obstante, el 64,40% presentó síntomas o fueron diagnosticados con COVID-19 y el 43,37% indicó perjuicios emocionales. Utilizando las clasificaciones de la puntuación general de la escala Escala de Impacto del Evento - Revisada, 29 (53,40%) obtuvieron un puntaje de al menos 33, punto de corte para el probable diagnóstico de Trastorno de Estrés Post-Traumático.

Conclusión

se hizo evidente que, en la escala Escala de Impacto del Evento - Revisada, más de la mitad de la muestra del estudio presentó alto riesgo de desarrollar el Trastorno de Estrés Post-Traumático. Como factores asociados al desarrollo del Trastorno de Estrés Post-Traumático en profesionales de Enfermería durante la pandemia de COVID-19 figuran los siguientes: uso de medicamentos psicotrópicos, edad de hasta 35 años, y cambios en estado financiero y emocional.

DESCRIPTORES
Profesionales de la Salud; Trastornos de Estrés Post-Traumáticos; Infecciones por Coronavirus; Pandemias; Enfermería; Salud mental

INTRODUÇÃO

As mudanças que ocorreram no trabalho ao longo do tempo geraram impacto importante na vida das pessoas. Desta forma, houve modificação do perfil de morbidade dos agravos à saúde relacionados ao trabalho, resultando em acidentes e doenças ocupacionais, como as lesões por esforços repetitivos e o adoecimento mental. Há um crescimento da preocupação a respeito dos transtornos mentais relacionados ao trabalho (TMRTs), que resultam do processo do trabalho1.

O Transtorno do Estresse Pós-Traumático (TEPT) resulta da exposição a uma ou mais situações traumáticas, e estas podem se relacionar a ameaça à própria vida ou de pessoas próximas, acidentes graves, violência ou ato de testemunhar estes eventos.2

Este transtorno é caracterizado por memórias intrusivas, evitação de estímulos associados ao trauma e pela hiperestimulação do sistema nervoso autônomo, através da manifestação de taquicardia, sudorese e disforia2.

Estima-se uma taxa de 61 a 80% de probabilidade de ocorrerem eventos traumáticos na vida dos indivíduos, no entanto, após o trauma, aproximadamente 5 a 10% da população desenvolvem o TEPT3.

A COVID-19 pode apresentar efeitos deletérios à saúde mental, podendo resultar no aumento dos níveis de estresse, esgotamento e insônia. Os profissionais de saúde estão sujeitos a maior sofrimento psicológico em decorrência de atuarem na linha de frente, em resposta à pandemia4. Além disso, os desafios impostos por este cenário intensificam fatores estressantes, como a falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), o número restrito de leitos e ventiladores mecânicos, a falta de conhecimento e de treinamento, o nível de complexidade e gravidade dos pacientes, dentre outros fatores5.

Estudos apontam que, durante a pandemia, o sofrimento psicológico foi significativamente maior em profissionais da enfermagem, sobretudo, no enfermeiro. A COVID-19 vem se tornar um fator de risco para aumento dos níveis de estresse, depressão e ansiedade nos profissionais da área da saúde que trabalharam na linha de frente ao combate deste vírus. Neste sentido, evidencia-se neles o aumento do TEPT6.

Nesse viés, durante a pandemia do SARS-CoV-2, esse transtorno apresentou altas taxas em profissionais da saúde. Aqueles que tiveram percepção de risco maior relacionado à COVID-19 relataram sintomas mais graves do TEPT6.

Vale salientar que as variadas respostas emocionais presentes nos profissionais de saúde durante a pandemia estão diretamente relacionadas com os mecanismos de enfrentamento individuais e coletivos, alterando o modo de agir destes, sendo a ansiedade um dos principais sintomas7.

Diante do exposto, foi elaborada a seguinte questão de pesquisa: qual a prevalência estimada para desenvolver TEPT em profissionais de enfermagem durante a pandemia da COVID-19?

Sendo assim, o objetivo deste estudo é analisar a prevalência de Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) e os fatores associados ao desenvolvimento do TEPT em profissionais de enfermagem durante a pandemia da COVID-19.

MÉTODO

Trata-se de um estudo observacional, analítico e transversal, realizado conforme orientações do checklist Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE)8.

A população foi composta por enfermeiros e técnicos de enfermagem que trabalhavam na rede de saúde do Município de Natal, no Estado do Rio Grande do Norte, durante a pandemia da COVID-19, nos três níveis de atenção à saúde. Esses profissionais trabalharam em regime de escala de plantão nos turnos matutino, vespertino e noturno. A amostra deste estudo foi composta por 309 profissionais, 176 enfermeiros e 133 técnicos de enfermagem. Destaca-se que não foi realizado cálculo amostral devido à ausência do número de profissionais inscritos no Conselho Regional de Enfermagem (COREN) de forma estratificada por território de atuação, não obstante, o referido conselho não pôde disponibilizar os dados dos profissionais cadastrados por causa da Lei de Proteção de Dados, o que dificultou o cálculo amostral e o alcance de uma amostra maior. Os profissionais foram recrutados por meio do Instagram e WhatsApp, durante cinco meses, iniciando-se em 21 de dezembro de 2020 e finalizando em 29 de abril de 2021.

Foram incluídos na pesquisa os profissionais de enfermagem da cidade do Natal que estavam em exercício de trabalho durante a pandemia por COVID-19, atuando na linha de frente ou não, no serviço público e privado. Excluíram-se os formulários que pertenciam à categoria de auxiliares de enfermagem.

Para a coleta de dados utilizaram-se dois instrumentos: o primeiro, construído pelos autores, conteve dados pessoais, características do trabalho, estilo de vida, riscos no trabalho e problemas na área de atuação; o segundo instrumento foi a Escala do Impacto do Evento - Revisada (IES-R), traduzida e validada para o português com alterações, uma escala do tipo Likert que visa coletar informações relacionadas à sintomatologia do TEPT. Após aplicação do questionário, é obtido o escore total da IES-R, feito a partir da soma dos valores encontrados nas perguntas, e que pode variar de 0 a 88; sendo o escore de 24 a 32 de baixo risco ou TEPT parcial; 33 ou acima, sendo o ponto de corte para o provável diagnóstico ou alto risco de TEPT9.

Ressalta-se que a Escala do Impacto do Evento - Revisada é um instrumento que demonstrou validade discriminante e utilidade diagnóstica para o rastreamento de TEPT, podendo ser utilizado em qualquer fase do desenvolvimento dos sintomas do TEPT9.

O banco de dados foi construído em formato EXCEL, versão 2017, e para a construção das tabelas descritivas e aplicação de testes estatísticos utilizou-se o software estatístico livre R, versão 4.2.0.

Nas variáveis qualitativas, realizou-se análise descritiva através da distribuição de frequências absolutas e relativas (%). Enquanto, nas variáveis quantitativas, analisaram-se estatísticas descritivas de medidas de tendência central e de dispersão dos dados, como, por exemplo: mínimo, máximo, média, desvio padrão e intervalo interquartílico. Para verificar a confiabilidade dos dados, aplicou-se o alfa de Cronbach, onde a consistência dos dados é classificada como satisfatória para valores acima de 0,80.

Na comparação do perfil sociodemográfico com as dimensões de IES-R, aplicaram-se os testes estatísticos t e de Qui-Quadrado. Na sequência, utilizou-se análise de regressão logística com objetivo de ajustar um modelo final, onde as variáveis estatisticamente significativas foram analisadas. Para todos os testes estatísticos aplicados, o nível de significância foi de 5%.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte através da Plataforma Brasil, seguindo as normas da Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

RESULTADOS

O estudo contou com 309 profissionais de enfermagem, não sendo possível a realização de cálculo amostral, devido, principalmente, à dificuldade de acesso ao número de profissionais inscritos no Conselho Regional de Enfermagem (COREN) durante o período pandêmico.

Em relação aos dados sociodemográficos, 83,82% dos profissionais são do sexo feminino, na faixa etária de até 35 anos (55,02%). Em relação à categoria, 56,96% eram enfermeiros e 88,35% trabalhavam por um período superior a seis meses. Quanto à carga horária, 55,66% afirmaram possuir carga horária de até 40 horas por semana, e 47,90% possuíam mais de um vínculo. Além disso, 41,75% relataram praticar atividade física, 31,39% apresentavam comorbidades, destacando-se: obesidade (34,02%), hipertensão arterial (24,74%) e dislipidemia (22,68%).

Ressalta-se que 89,32% dos profissionais atuaram na linha de frente. No que se refere à rotina de trabalho durante a pandemia, 60,19% apontaram aumento de atividades. Relataram ainda 91,91% que trabalharam com pacientes com suspeita da COVID-19 e 85,76% que trabalharam com pacientes diagnosticados. Além disso, 69,40% apresentaram sintomas ou foram diagnosticados com COVID-19 (Tabela 1).

Tabela 1 -
Aspectos relacionados à pandemia pela COVID-19 de acordo com os profissionais de enfermagem. Natal, RN, Brasil, 2021. (n=309)

Caracterização		Frequência absoluta	%
Atuação na linha de frente da COVID-19	Não	33	10,68
	Sim	276	89,32
Setor de atuação na linha de frente da COVID-19	UTI	108	39,13
	Enfermaria	64	23,19
	Urgência	40	14,49
	UPA	21	7,61
	Atenção Básica	19	6,88
	SAMU	8	2,90
	Não informou	16	5,80
Durante a maior parte desta pandemia, você ficou em isolamento social	Não	73	23,62
	Sim	236	76,38
Rotina de trabalho durante a pandemia	Aumentou	186	60,19
	Manteve	105	33,98
	Diminuiu	6	1,94
	Rotina interrompida	12	3,89
No seu ambiente de trabalho, você sente que de alguma forma está mais exposto ao Coronavírus do que a população em geral	Não	23	7,44
	Sim	286	92,56
Trabalha ou trabalhou direto com pacientes com suspeita de COVID-19	Não	25	8,09
	Sim	284	91,91
Trabalha ou trabalhou direto com pacientes com diagnóstico confirmado de COVID-19	Não	44	14,24
	Sim	265	85,76
Apresentou sintomas ou foi diagnosticado com COVID-19	Não	110	35,60
	Sim, apresentei sintomas	76	24,60
	Sim, fui diagnosticado	123	39,80
A crise do Coronavírus te prejudicou economicamente	Não	175	56,63
	Sim	134	43,37
A pandemia te afetou de alguma forma	Não	12	3,88
	Sim	297	96,12
Forma com que afetou a pandemia	Emocionalmente	264	88,89
	Mais humana	105	35,35
	Financeiramente	67	22,56
	Total	309	100,00

Quanto à classificação do escore geral do IES-R, 53,40% apresentaram escore maior ou igual a 33, representando provável diagnóstico de TEPT (Tabela 2).

Tabela 2 -
Classificação da Escala do Impacto do Evento - Revisada. Natal, RN, Brasil, 2021. (n=309)

Resposta		Frequência absoluta	%
Classificação do IES-R*	< 23	90	29,12
	24 - 32	54	17,48
	≥ 33	165	53,40
	Total	309	100,00

• ^* IES-R: Escala do Impacto do Evento - Revisada

Por meio do teste Qui-Quadrado (X² ), evidencia-se a associação estatística entre a classificação do escore total do IES-R com as variáveis idade, uso de algum medicamento psicotrópico, apresentou sintoma ou diagnosticado com COVID-19, prejuízo econômico, teve algum tipo de mudança por causa da pandemia, mudança emocional, mudança financeira e se tornou mais humano.

A probabilidade de os profissionais com idade de até 35 anos apresentarem IES-R acima de 33 pontos aumenta em 2,25 vezes, comparados aos profissionais com idade superior a 35 anos. Já a chance de aqueles que não usavam medicamentos psicotrópicos apresentarem IES-R acima de 33 pontos diminui em 75%, comparados aos profissionais que usavam a medicação (Tabela 3).

Tabela 3 -
Classificação do escore total da Escala do Impacto do Evento - Revisada segundo as características dos dados sociodemográficos, laborais e de saúde dos profissionais. Natal, RN, Brasil, 2021. (n=309)

Caracterização	IES-R*		Total	Valor-p†	Razão de Prevalência [IC95%]‡
	≥ 33	< 33
Sexo	Feminino	55,60% (n=144)	44,40% (n=115)	100,00% (n=259)	0,078	1,73 [0,94; 3,19]
	Masculino	42,00% (n=21)	58,00% (n=29)	100,00% (n=50)
Faixa	≤ 35 anos	62,35% (n=106)	37,65% (n=64)	100,00% (n=170)	<0,001	2,25 [1,42; 3,55]
	> 35 anos	42,45% (n=59)	57,55% (n=80)	100,00% (n=139)
Estado civil	Solteiro	57,49% (n=96)	42,51% (n=71)	100,00% (n=167)	0,118	1,43 [0,91; 2,24]
	Casado	48,59% (n=69)	51,41% (n=73)	100,00% (n=142)
Cargo exercido	Enfermeiro	52,27% (n=92)	47,73% (n=84)	100,00% (n=176)	0,648	0,90 [0,57; 1,41]
	Téc. em enfermagem	54,89% (n=73)	45,11% (n=60)	100,00% (n=133)
Carga horária	≤ 40 H/S	51,74% (n=89)	48,26% (n=83)	100,00% (n=172)	0,514	0,86 [0,55; 1,35]
	> de 40 H/S	55,47% (n=76)	44,53% (n=61)	100,00% (n=137)
Tempo de trabalho na instituição	≤ 6 meses	52,78% (n=19)	47,22% (n=17)	100,00% (n=36)	0,937	0,97 [0,48; 1,95]
	> 6 meses	53,48% (n=146)	46,52% (n=127)	100,00% (n=273)
Mais de um vínculo	Não	51,55% (n=83)	48,45% (n=78)	100,00% (n=161)	0,498	0,86 [0,55; 1,34]
	Sim	55,41% (n=82)	44,59% (n=66)	100,00% (n=148)
Possui plano de saúde	Não	58,00% (n=58)	42,00% (n=42)	100,00% (n=100)	0,262	1,32 [0,81; 2,13]
	Sim	51,20% (n=107)	48,80% (n=102)	100,00% (n=209)
Pratica atividade física	Não	57,22% (n=103)	42,78% (n=77)	100,00% (n=180)	0,111	1,45 [0,92; 2,28]
	Sim	48,06% (n=62)	51,94% (n=67)	100,00% (n=129)
Comorbidade	Não	50,47% (n=107)	49,53% (n=105)	100,00% (n=212)	0,127	0,68 [0,42; 1,11]
	Sim	59,79% (n=58)	40,21% (n=39)	100,00% (n=97)
Uso de algum medicamento psicotrópico, (ansiolíticos, antidepressivos e antipsicóticos)	Não	49,06% (n=130)	50,94% (n=135)	100,00% (n=265)	<0,001	0,25 [0,11; 0,53]
	Sim	79,55% (n=35)	20,45% (n=9)	100,00% (n=44)
Atuou na linha de frente	Não	48,48% (n=16)	51,52% (n=17)	100,00% (n=33)	0,549	0,80 [0,39; 1,65]
	Sim	53,99% (n=149)	46,01% (n=127)	100,00% (n=276)
Setor de atuação na linha de frente	Atenção Básica	57,89% (n=11)	42,11% (n=8)	100,00% (n=19)	0,780	---
	Enfermaria	62,50% (n=40)	37,50% (n=24)	100,00% (n=64)
	SAMU	50,00% (n=4)	50,00% (n=4)	100,00% (n=8)
	UPA	57,14% (n=12)	42,86% (n=9)	100,00% (n=21)
	Urgência	50,00% (n=20)	50,00% (n=20)	100,00% (n=40)
	UTI	51,85% (n=56)	48,15% (n=52)	100,00% (n=108)

• ^* IES-R: Escala do Impacto do Evento - Revisada; †T Student; ‡Teste Qui-Quadrado

Os profissionais que não tiveram algum tipo de mudança emocional por causa da pandemia apresentaram 27% menos chances de apresentar IES-R acima de 33 pontos, quando comparados àqueles que apresentaram a respectiva característica.

Somado a isso, a chance de os profissionais que não tiveram algum tipo de mudança financeira por causa da pandemia apresentarem IES-R acima de 33 pontos diminui em 56%, comparados àqueles que apresentaram tal característica (Tabela 4).

Tabela 4 -
Classificação do escore total da Escala do Impacto do Evento - Revisada segundo as características relacionadas à pandemia da COVID-19. Natal, RN, Brasil, 2021. (n=309)

Caracterização	IES-R*		Total	Valor-p†	Razão de Prevalência [IC95%]‡
	≥ 33	< 33
Durante a maior parte dessa pandemia, você ficou em isolamento social	Não	45,21% (n=33)	54,79% (n=40)	100,00% (n=73)	0,108	0,65 [0,38; 1,10]
	Sim	55,93% (n=132)	44,07% (n=104)	100,00% (n=236)
No seu ambiente de trabalho, você sente que de alguma forma está mais exposto ao Coronavírus do que a população em geral?	Não	52,17% (n=12)	47,83% (n=11)	100,00% (n=23)	0,903	0,95 [0,40; 2,22]
	Sim	53,50% (n=153)	46,50% (n=133)	100,00% (n=286)
Trabalha ou trabalhou direto com pacientes com suspeita de COVID-19	Não	52,00% (n=13)	48,00% (n=12)	100,00% (n=25)	0,884	0,94 [0,41; 2,13]
	Sim	53,52% (n=152)	46,48% (n=132)	100,00% (n=284)
Trabalha ou trabalhou direto com pacientes com diagnóstico de COVID-19	Não	40,91% (n=18)	59,09% (n=26)	100,00% (n=44)	0,073	0,56 [0,29; 1,06]
	Sim	55,47% (n=147)	44,53% (n=118)	100,00% (n=265)
Apresentou sintomas ou foi diagnosticado com COVID-19	Não	45,45% (n=5)	54,55% (n=60)	100,00% (n=110)	0,037	0,61 [0,38; 0,97]
	Sim	57,79% (n=115)	42,21% (n=84)	100,00% (n=199)
A crise do Coronavírus te prejudicou economicamente	Não	44,00% (n=77)	56,00% (n=98)	100,00% (n=175)	<0,001	0,41 [0,26; 0,65]
	Sim	65,67% (n=88)	34,33% (n=46)	100,00% (n=134)
Teve algum tipo de mudança por causa da pandemia	Não	8,33% (n=1)	91,67% (n=11)	100,00% (n=12)	<0,001	0,07 [0,09; 0,58]
	Sim	55,22% (n=164)	44,78% (n=133)	100,00% (n=297)
Mudança emocional	Não	35,56% (n=16)	64,44% (n=29)	100,00% (n=45)	0,009	0,73 [0,22; 0,82]
	Sim	56,44% (n=149)	43,56% (n=115)	100,00% (n=264)
Se tornou mais humano	Não	48,04% (n=98)	51,96% (n=106)	100,00% (n=204)	0,008	0,52 [0,32; 0,85]
	Sim	63,81% (n=67)	36,19% (n=38)	100,00% (n=105)
Mudança financeira	Não	49,17% (n=119)	50,83% (n=123)	100,00% (n=242)	0,005	0,44 [0,25; 0,78]
	Sim	68,66% (n=46)	31,34% (n=21)	100,00% (n=67)

• ^* IES-R: Escala do Impacto do Evento - Revisada; †T Student; ‡Teste Qui-Quadrado.

A Tabela 5 aborda a regressão logística pelo método de Stepwise, para um nível de significância de 5%. Identificaram-se evidências estatísticas de associação do estresse com a faixa etária, uso de medicamentos psicotrópicos, o fato de apresentar sintoma ou diagnóstico de COVID-19, prejuízo financeiro provocado pela pandemia da COVID-19, presença de mudança emocional na pandemia e o fato de se tornar mais humano durante a pandemia, conforme evidenciado abaixo.

Tabela 5 -
Modelo final da regressão logística - Método Stepwise. Natal, RN, Brasil, 2021. (n=309)

Variáveis	β*	S.E.†	Estatística Wald‡	G.L§	Valor-p||	Exp (β) ¶	IC 95%** EXP (β) ¶
							L.I††	L.S ‡‡
Faixa (Até 35 anos)	0,763	0,253	9,077	1	0,003	2,145	1,306	3,525
Uso de algum medicamento psicotrópico, como ansiolíticos, antidepressivos e antipsicóticos? (Sim)	1,209	0,421	8,261	1	0,004	3,349	1,469	7,638
Apresentou sintoma ou diagnosticado de COVID-19 (Sim)	0,534	0,261	4,190	1	0,041	1,706	1,023	2,845
A crise do Coronavírus te prejudicou economicamente? (Sim)	0,832	0,255	10,660	1	0,001	2,299	1,395	3,790
Mudança emocional (Sim)	0,799	0,370	4,663	1	0,031	2,224	1,077	4,594
Mais humano (Sim)	0,717	0,273	6,900	1	0,009	2,049	1,200	3,500
Constante	-2,044	0,439	21,697	1	<0,001	0,129

• ^*β: Coeficiente de Regressão; † S.E: Erro Padrão; ‡ Estatística Wald: Teste de Hipóteses; §G.L: Grau de Liberdade; || Valor-p:T Student; ¶Exp (β): Exponencial de Beta; ^**IC: Intervalo de confiança; †† L.I.: Limite Inferior; ‡‡L.S.: Limite Superior.

DISCUSSÃO

Estudo aponta que os profissionais de saúde que prestam assistência a pacientes com COVID-19, confirmados ou suspeitos, carecem de atenção das autoridades de saúde no que tange à identificação e acompanhamento destes grupos que possuem alto risco para desenvolver problemas emocionais e psiquiátricos9. Sobretudo, enfermeiros e técnicos de enfermagem, que, embora acostumados a enfrentar situações críticas, durante a pandemia atuaram diretamente na linha de frente, o que, muitas vezes, afetou negativamente a saúde mental destes profissionais10.

A equipe de enfermagem desempenhou um papel fundamental durante o surto da COVID-19, cujo gerenciamento de profissionais é importante para a otimização do trabalho e para evitar o desenvolvimento de enfermidades. Sendo assim, estudo realizado com 377 profissionais em um hospital de Madri no ano de 2020, em que 65% eram enfermeiros e 28,2% eram técnicos de enfermagem, mostrou que os enfermeiros têm o maior risco de desenvolver doenças relacionadas à saúde mental, como a TEPT10.

Sob este prisma, estudo realizado constatou maior prevalência de TEPT em enfermeiros com idade superior a 29 anos, associando o transtorno a profissionais com maior tempo de trabalho, com índices mais elevados naqueles que desenvolveram sintomas da COVID-1911. No entanto, apresentou dissonância ao local de atuação, evidenciando maior prevalência em enfermeiros que atuavam em unidades de isolamento de pacientes com diagnóstico de COVID-19, seguidas de enfermaria e UTI11.

Destaca-se um acréscimo na carga de trabalho de profissionais que possuíam maior experiência, durante a pandemia. Neste sentido, estes assumiram a função de treinamento e supervisão de trabalhadores de enfermagem menos experientes, diante da complexidade e necessidades de saúde impostas pelo cenário da COVID-19, o que favoreceu maior nível de estresse e a suscetibilidade ao adoecimento mental12.

Em relação ao estado civil dos enfermeiros que atuaram na COVID-19, uma pesquisa realizada na China, com 3,149 profissionais, relatou que 73,4 % eram casados e que a COVID-19 pode causar transtornos como o TEPT devido à angústia causada pelo isolamento social e à incerteza de uma doença que pode afetar seus familiares13.

Ademais, destaca-se que o sexo feminino apresentou um escore maior relacionado à IES-R, o que vai ao encontro da literatura, onde evidencia-se que enfermeiras expostas a eventos traumáticos apresentaram maiores chances de desenvolvimento de TEPT, quando comparadas a profissionais do sexo masculino14.

Em estudo realizado por Faria et al. (2021) evidenciou a prevalência de TEPT em torno de 38% a 55%. E como fatores de risco para o aumento de estresse, de uma forma geral, estavam o fato de ser do sexo feminino, jovem e ter poucos anos de formação15.

Outro dado importante do estudo que está em consonância com a literatura é quanto à associação de desenvolvimento de TEPT com a presença de comorbidades. Destaca-se que estudo realizado na Etiópia com 736 profissionais de saúde associou uma chance 4,65 vezes maior para o desenvolvimento de TEPT em profissionais que possuíam alguma comorbidade. Além disso, demonstrou maior propensão ao TEPT naqueles que possuíam baixo apoio social16.

Em relação ao aumento da exposição ao coronavírus, esses profissionais demonstraram sentimentos de medo, tensão; e a preocupação devido ao tempo prolongado de serviço, já que, além de ampliar o risco de autocontaminação, também pode causar a transmissão do vírus para os seus familiares17. Soma-se a isso que estes sentimentos desenvolvidos pelos profissionais de enfermagem estão diretamente relacionados às altas taxas de mortalidade, exposição repetida a eventos traumáticos, curso imprevisível do vírus e escassez de diretrizes de tratamento eficazes18.

De acordo com um artigo publicado em um Hospital Universitário na Croácia, no ano 2020, 22,2% dos enfermeiros que foram diagnosticados com COVID-19 desenvolveram TEPT. Isso demonstra que o adoecimento físico desses profissionais está totalmente correlacionado com o aparecimento de transtornos psíquicos, apresentando, assim, conformidade com os resultados obtidos neste estudo19.

O setor de urgência expõe os profissionais de saúde a maiores riscos químicos e físicos, exigindo responsabilidade e agilidade, por ser um setor com pacientes graves. Esses profissionais lidam continuamente com o risco iminente de morte, onde a complexidade dos cuidados associados aos fatores pessoais desencadeia o estresse20. Estudo desenvolvido em Taiwan, com profissionais que atuavam na emergência hospitalar, apresentou prevalência de 21,4% de provável diagnóstico de TEPT21.

Esta pesquisa evidenciou um alto risco para o desenvolvimento de TEPT nos profissionais que afirmaram terem se tornado mais humanos durante a pandemia. Estudo realizado com 175 enfermeiros, durante a pandemia da COVID-19, demonstrou dados correspondentes, ao associar a fadiga por compaixão, uma forma de esgotamento do profissional que presta a assistência ao TEPT22.

A chance de os profissionais que não usam medicamentos psicotrópicos apresentarem IES-R acima de 33 pontos diminui em 75%, comparados àqueles que usam a medicação. Semelhantemente a estudo realizado em Madrid, que comprovou uma chance até seis vezes maior de desenvolvimento de TEPT em profissionais que utilizavam medicamentos psicotrópicos10.

Estudo aponta que alguns profissionais da enfermagem que perceberam riscos para a saúde acabaram deixando o emprego, no entanto, aqueles que permaneceram trabalhando na pandemia passaram por aumentos das cargas de trabalho e apresentaram maior propensão ao desenvolvimento de TEPT23.

Como principal limitação do estudo, salienta-se o fato de os dados terem sido coletados de forma online, devido às medidas de segurança impostas pela pandemia, a fim de evitar a exposição da pesquisadora à SARS-CoV-2, aumentando o risco de viés. Ademais, não foi realizado cálculo amostral devido não haver no Conselho Regional de Enfermagem (COREN) o número de profissionais inscritos de forma estratificada por território de atuação na cidade do Natal. Ressalta-se que devido a Lei de Proteção de Dados não foi possível o conselho disponibilizar os dados dos profissionais cadastrados, o que dificultou o cálculo amostral e o alcance de uma amostra maior, além do estudo ter sido desenvolvido em meio a pandemia da COVID-19.

CONCLUSÃO

O estudo mostrou que mais da metade dos profissionais de enfermagem apresentou escore na escala IES-R compatível com um provável diagnóstico de TEPT e outra parte apresentou valores compatíveis com TEPT parcial. Ademais, fatores como idade até os 35 anos, uso de medicamentos psicotrópicos e mudanças financeiras e emocionais estão associados ao aumento do escore na escala de IES-R, demonstrando aumento no risco para desenvolver TEPT. Dessa forma, pode-se inferir que a pandemia pela COVID-19 tem impactado negativamente na vida e saúde dos profissionais de enfermagem, afetando a saúde mental.

Evidencia-se que 89,32% dos profissionais desta pesquisa trabalharam na linha de frente contra a COVID-19 e mais de 60% relataram aumento em suas atividades profissionais no serviço de saúde, impactando diretamente no aumento do estresse, com grande parte apresentando sintomas da doença ou tendo sido diagnosticados com ela.

Não houve diferença do impacto causado pela pandemia da COVID-19 entre os profissionais que atuaram na linha de frente da doença e aqueles que não atuaram. Dessa forma, evidencia-se que a pandemia gerou impacto nos profissionais de enfermagem de forma geral. São necessários outros estudos, em outras regiões, que incluam outras categorias profissionais, a fim de explicar o impacto causado pela pandemia da COVID-19 e trazer estratégias de enfrentamento a essas consequências.

AGRADECIMENTO

Dedico esse trabalho a todas as vidas que foram perdidas e/ou comprometidas pela COVID-19 e aos profissionais de saúde que lutaram bravamente para salvá-las!

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NOTAS

• ORIGEM DO ARTIGO

  Extraído da dissertação - Transtorno de estresse pós-traumático em profissionais de enfermagem durante a pandemia da COVID-19, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, da Universidade Federal de Sergipe, em 2021.

• APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

  Aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, parecer n. 4.432.227, Certificado de Apresentação para Apreciação Ética 39194120.1.0000.5537.

Editado por

EDITORES

Editores Associados: Jaime Alonso Caravaca-Morera, Monica Motta Lino. Editor-chefe: Elisiane Lorenzini.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  06 Jan 2023
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  29 Jun 2022
• Aceito
  03 Nov 2022