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DISPOSITIVOS DE PODER UTILIZADOS POR ENFERMEIROS PARA O ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER

RESUMO

Objetivo

identificar os dispositivos de poder utilizados pelos enfermeiros para o enfrentamento da violência doméstica contra a mulher sob a perspectiva do exercício da parresia.

Método

pesquisa qualitativa realizada com 20 enfermeiros de 13 Unidades Básicas de Saúde do Município do Rio Grande, extremo Sul do país. Foram entrevistados entre abril e junho de 2018 e os dados tratados pelo software NVIVO 11 sob a luz da Análise Textual Discursiva, bem como, o referencial filosófico foucaultiano.

Resultado

a análise permitiu a geração de duas categorias (1) dispositivos de saber/conhecimento e (2) dispositivos administrativos/institucionais. A primeira refere-se às ações realizadas pelos enfermeiros, direcionadas para o compartilhamento de informações acerca da violência doméstica contra a mulher. A segunda apresenta a programação das ações de enfrentamento e os encaminhamentos para outros setores engajados na atenção à mulher em situação de violência doméstica.

Conclusão

o enfermeiro faz uso dos dispositivos de poder que tem disponível para auxiliar as mulheres na transformação das situações de violência. A enfermagem pode gerar transformações sociais, uma vez que está engajada em ações que visam à promoção da saúde.

DESCRITORES:
Violência contra a mulher; Violência doméstica; Gênero e saúde; Enfermagem

ABSTRACT

Objective

to identify the power devices used by nurses to fight domestic violence against women from the perspective of parrhesia.

Method

qualitative study addressing 20 nursts from 13 Primary Heath Care units located in Rio Grande, South of Brazil. Interviews were held from April to June 2018, and data were treated using NVIVO 11 under the light of the Discursive Textual Analysis and Foucault's philosophical framework.

Result

two categories emerged from the analysis: (1) knowledge devices and (2) administrative/institutional devices. The first refers to the nurses’ actions, such as sharing information concerning domestic violence against women and the second concerns the health units’ actions to fight violence and referrals to other sectors focused on providing care to women experiencing domestic violence.

Conclusion

nurses use power devices to support women so they can transform their lives. Nursing can promote social transformations as it is engaged with actions intended to promote health.

DESCRIPTORS:
Violence against women; Domestic violence; Gender and health; Nursing

RESUMEN

Objetivo

identificar los dispositivos de poder utilizados por los enfermeros para el enfrentamiento de la violencia doméstica contra la mujer bajo la perspectiva del ejercicio de la parresia.

Método

investigación cualitativa realizada con 20 enfermeros, de 13 Unidades Básicas de Salud del Municipio de Rio Grande, en el extremo Sur del país. Fueron entrevistados entre abril y junio de 2018 y los datos tratados por el software NVIVO 11 bajo la luz del Análisis Textual Discursivo, así como el referencial filosófico Foucaultiano.

Resultado

el análisis permitió la generación de dos categorías: (1) dispositivos de saber/conocimiento y (2) dispositivos administrativos/institucionales. La primera se refiere a las acciones realizadas por los enfermeros, dirigidas a compartir informaciones acerca de la violencia doméstica contra la mujer. La segunda presenta la programación de las acciones de enfrentamiento y los encaminamientos para otros sectores comprometidos con la atención a la mujer, en situación de violencia doméstica.

Conclusión

el enfermero utiliza los dispositivos de poder que tiene disponibles para auxiliar a las mujeres en la transformación de las situaciones de violencia. La enfermería puede generar transformaciones sociales, ya que está comprometida con acciones que objetivan la promoción de la salud.

DESCRIPTORES:
Violencia contra la mujer; Violencia doméstica; Género y salud; Enfermería

INTRODUÇÃO

A Violência Doméstica Contra a Mulher (VDCM) consiste em manifestações desiguais de exercício de poder entre homens e mulheres,11. Lucena KDT, Deininger LSC, Coelho HFC, Monteiro ACC, Vianna RPT, Nascimento JA. Analysis of the cycle of domestic violence against women. J Hum Growth Dev [Internet]. 2016 [cited 2019 Mar 29];26(2):139-46. Available from: https://doi.org/10.7322/jhgd.119238
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podendo ser fruto da educação que a sociedade patriarcal perpetua ao longo dos séculos.22. Guimarães MC, Pedroza RLS. Violence against women: problematizing theoretical, philosophical and legal definitions. Psicol Soc [Internet]. 2015 [cited 2019 Jan 10];27(2):256-66. Available from: https://doi.org/10.1590/1807-03102015v27n2p256
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A distinção social entre os sexos é responsável pela aparente necessidade de obediência feminina ao homem e pelo exercício de poder masculino sobre o feminino.11. Lucena KDT, Deininger LSC, Coelho HFC, Monteiro ACC, Vianna RPT, Nascimento JA. Analysis of the cycle of domestic violence against women. J Hum Growth Dev [Internet]. 2016 [cited 2019 Mar 29];26(2):139-46. Available from: https://doi.org/10.7322/jhgd.119238
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No âmbito privado tal desigualdade, baseada no gênero, legitima os padrões de relacionamento e de poder, fazendo com que o lar, local que deveria ser considerado referência de refúgio, segurança e proteção, passe a ser visto como espaço de ocorrência e ocultação da violência.33. Lucena KDT, Vianna RPT, Nascimento JA, Campos HFC, Oliveira ECT. Association between domestic violence and women's quality of life. Rev Latino-Am Enfermagem [Internet]. 2017 [cited 2019 Nov 07];25:e2901. Available from: https://doi.org/10.1590/1518-8345.1535.2901
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O poder não representa algo que se possui ou não, tampouco está fisicamente em um locus específico do corpo social. Não é um bem material pertencente a alguém, é um constructo sócio-histórico que só se exerce e só existe em ação, perpetuando as relações de poder. Exercer o poder significa agir sobre a ação dos outros sem necessitar de consentimento, sem renunciar à liberdade ou transferir direitos. É um modo de influenciar os outros a agirem da forma que se deseja, tendo-se uma intenção final.44. Foucault M. A Arqueologia do Saber. 7th ed. Rio de Janeiro, RJ(BR): Forense Universitária; 2008.

Assim, o poder funciona em uma cadeia contínua, em que todos os indivíduos são passíveis de exercitá-lo ou sofrer os seus efeitos.44. Foucault M. A Arqueologia do Saber. 7th ed. Rio de Janeiro, RJ(BR): Forense Universitária; 2008.-55. Dias EFP. A constituição da ética do cuidado de si e a prática da parresía em Michel Foucault [dissertation]. Belo Horizonte, MG(BR): Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia; 2015. Alguns dos objetivos daqueles que o exercem consistem em manter privilégios adquiridos, conservar a autoridade e o exercício de uma função.66. Foucault M. O sujeito e o poder. In: Dreyfus H, Rabinow P. Michel Foucault, uma trajetória filosófica. Rio de Janeiro, RJ(BR): Forense Universitária ; 1995. p. 229-249. Ao pensar a VDCM sob o prisma das relações de poder, percebe-se que as formas de subordinação a que as mulheres são submetidas são dispositivos de manutenção de poder pelo parceiro focados nos atos agressivos e na contínua condução de condutas.66. Foucault M. O sujeito e o poder. In: Dreyfus H, Rabinow P. Michel Foucault, uma trajetória filosófica. Rio de Janeiro, RJ(BR): Forense Universitária ; 1995. p. 229-249.

Um dispositivo consiste em um conjunto de elementos heterogêneos articulados, elaborado a partir de um objetivo estratégico. Pode se apresentar como discursos, instituições, leis, enunciados científicos, proposições morais, o dito e o não dito, saberes, verdades, regramentos, etc.77. Foucault M. Sobre a história da sexualidade. In: Foucault M. Microfísica do poder. 26th ed. Rio de Janeiro, RJ(BR): Edições Graal; 2008. p. 243-276. Esses elementos podem ser substituídos, excluídos, rearticulados à medida que vão apresentando resultados positivos ou negativos, referentes ao fim que se deseja alcançar. O dispositivo constitui, portanto, uma estratégia, uma intervenção racional, ou seja, “trata-se no caso de uma certa manipulação das relações de força [...], seja para desenvolvê-las em determinada direção, seja para bloqueá-las, para estabilizá-las, utilizá-las, etc.”.7:2467. Foucault M. Sobre a história da sexualidade. In: Foucault M. Microfísica do poder. 26th ed. Rio de Janeiro, RJ(BR): Edições Graal; 2008. p. 243-276.

No que se refere ao profissional da saúde, o poder se consolida uma vez que vem associado ao saber técnico-científico. Estudo revela que, nas relações de cuidado, o enfermeiro assume o compromisso de mandar, de seguir prescrições com vistas à cura, ao tratamento, à reabilitação.88. Baptista MKS, Santos RM dos, Duarte SJH, Comassetto I, Trezza MCSF. O paciente e as relações de poder-saber cuidar dos profissionais de enfermagem. Esc Anna Nery [Internet]. 2017 [cited 2019 Aug 12];21(4):e20170064. Available from: https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2017-0064
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Todavia, é preciso manter um espaço de diálogo com o outro, permitindo-lhe que reflita e que se manifeste a respeito das ordens advindas dos profissionais.

Para tal, destaca-se o uso da parresia, dispositivo de poder que pode ser utilizado pelos enfermeiros. Consiste na coragem de dizer a verdade, expor tudo, de se falar com franqueza aquilo que se pensa. A pessoa que faz uso da parresia é denominada de parresiasta e tem o compromisso e a coragem de falar a verdade ao outro. Esse jogo parresiástico envolve o parresiasta e o interlocutor, podendo consistir em conselhos acerca da maneira como o interlocutor deve pensar ou agir.99. Foucault M. Discourse and Truth: the Problematization of Parrhesia. Chicago (US): University of Chicago Press; 1999. Observa-se, portanto, que a parresia é um meio pelo qual o enfermeiro exerce poder, com intuito de impactar positivamente na vida do sujeito.

Nas situações de violência doméstica contra a mulher o enfermeiro pode atuar como parresiasta desde o momento em que acolhe a mulher, orienta, assiste e a incentiva a transformar sua realidade. Todavia, o profissional corre o risco de a mulher não mais retornar ao serviço, por não aceitar a sua ação como parresiasta, por não ter a coragem de prosseguir com os trâmites legais para o rompimento da violência ou porque não compreendeu que a situação vivenciada era violenta, uma vez que o caráter sócio-histórico da violência invisibiliza certas condutas entendidas como algo natural entre o casal.

Por acreditar que os enfermeiros exercem o poder junto às usuárias que buscam atendimento na Unidade Básica de Saúde (UBS), uma vez que podem influenciar as pessoas através das ações de cuidado, objetivou-se identificar os dispositivos de poder utilizados pelos enfermeiros para o enfrentamento da violência doméstica contra a mulher sob a perspectiva do exercício da parresia.

MÉTODO

Pesquisa qualitativa, descritiva, analítica, realizada em 13 Unidades Básicas de Saúde de um município do Sul do Brasil. Participaram da pesquisa enfermeiros selecionados por meio da amostragem não probabilística por conveniência. Entrou-se em contato com os enfermeiros de cada uma das Unidades de Atenção Básica do município a fim de apresentar o projeto de pesquisa aos mesmos, esclarecendo os objetivos propostos, convidá-los a participar das entrevistas, bem como, para o estabelecimento de horários que estivessem em acordo com a disponibilidade de cada profissional que assentiu participação. Foram critérios de inclusão: ser enfermeiro(a), atuar na Atenção Básica e com tempo de atuação na unidade de saúde de, no mínimo, seis meses. As Unidades de Atenção Básica do Município do Rio Grande totalizam 29 instituições. Todavia, apenas 13 Unidades de Saúde integraram o cenário do estudo em virtude da indisponibilidade de participação dos enfermeiros e dos critérios de inclusão. Os critérios de exclusão foram: profissionais de outras áreas, técnicos de enfermagem, atuação menor do que seis meses na unidade de saúde, não ter disponibilidade para participar e estar afastado da unidade de saúde por folga, férias ou licença.

Em algumas dessas unidades havia mais de um enfermeiro atuando, desta forma totalizaram 20 participantes que atenderam aos critérios de inclusão.

Os dados foram coletados entre os meses de abril e junho de 2018, por meio de entrevistas semiestruturadas, gravadas, que foram transcritas na íntegra e inseridas no software NVIVO, versão 11, tratadas sob a luz da Análise Textual Discursiva1010. Moraes R, Galiazzi MC. Análise textual discursiva. 3th ed. Ijuí, RS(BR): Editora Unijuí; 2016. e do referencial filosófico foucaultiano. O roteiro de entrevista foi elaborado com questões pertinentes ao tema violência doméstica contra a mulher que pudessem evidenciar o uso de dispositivos de poder por enfermeiros. Dentre elas se existiam ações voltadas para o combate e erradicação da violência e quais seriam. Também foram apresentadas três situações de violência construídas para a pesquisa. A primeira tratava-se de uma mulher que sofria violência psicológica, na segunda a mulher referia sofrer violência física - porém não apresentava marcas e na terceira, a mulher apresentava evidências de agressão. Com isso, buscou-se colocar em evidência, ainda, o atendimento por eles prestado às mulheres em situação de violência doméstica.

Todas as entrevistas aconteceram dentro de uma sala reservada na própria unidade de saúde, longe de ruídos e interferências e tiveram em média 28min. A fim de garantir a privacidade dos participantes e o sigilo das informações, foi utilizada a letra maiúscula da categoria profissional (E) seguida por um numeral arábico, sequencial.

Após inserir o conteúdo das entrevistas no software NVIVO, as etapas da Análise Textual Discursiva foram desenvolvidas. Essa metodologia de análise é composta por três etapas: unitarização ou desmontagem dos textos, categorização ou estabelecimento de relações e, por último, a captação do novo emergente.1010. Moraes R, Galiazzi MC. Análise textual discursiva. 3th ed. Ijuí, RS(BR): Editora Unijuí; 2016.

Na primeira etapa, a unitarização, o pesquisador examina os materiais que compõem o corpus em seus detalhes e os fragmenta com o intuito de formar unidades constituintes. Os textos são, então, fragmentados, recortados, desconstruídos, separados em unidades de significado.1010. Moraes R, Galiazzi MC. Análise textual discursiva. 3th ed. Ijuí, RS(BR): Editora Unijuí; 2016. Nesse sentido, cada uma das entrevistas passou pela unitarização, formando-se fragmentos de textos significativos que reportassem ao tema investigado, ou seja, que evidenciassem os dispositivos de poder utilizados por enfermeiros para o enfrentamento da violência. Cada dispositivo encontrado constituiu-se em um fragmento.

Na segunda etapa, a categorização, busca-se estabelecer relações entre as unidades de base formadas na etapa anterior para formar conjuntos mais complexos cujos elementos apresentem algo em comum. Neste momento realizam-se articulações de significados semelhantes, ou seja, a categorização propriamente dita.1010. Moraes R, Galiazzi MC. Análise textual discursiva. 3th ed. Ijuí, RS(BR): Editora Unijuí; 2016. Nesse momento, avaliou-se cada um dos fragmentos elaborados na etapa anterior buscando estabelecer conexões entre eles para a construção de categorias.

A terceira etapa, a captação do novo emergente, após desconstrução do material e reconstrução do metatexto, representa um esforço em apresentar a compreensão que se teve a partir das combinações estabelecidas nos passos anteriores, ou seja, as novas compreensões são comunicadas e validadas. A obtenção do metatexto permite criar a produção de novos entendimentos sobre o fenômeno em estudo.1010. Moraes R, Galiazzi MC. Análise textual discursiva. 3th ed. Ijuí, RS(BR): Editora Unijuí; 2016. As categorias construídas a partir dos fragmentos proporcionaram o surgimento do novo emergente. Os resultados são apresentados a seguir.

RESULTADOS

Foi possível verificar que, com o intuito de contribuírem no enfrentamento da violência, uma vez que dentro das UBS são os profissionais que, primeiramente, acolhem as mulheres que vivenciam a violência doméstica, os enfermeiros utilizavam um conjunto de ações, de tecnologias, de dispositivos de exercício de poder para este fim, possibilitando ações que se aproximam da parresia. Assim, a análise das entrevistas permitiu a geração de duas categorias analíticas intituladas (1) dispositivos de saber/conhecimento e (2) dispositivos administrativos/institucionais.

Dispositivo de saber/conhecimento

Esta categoria aborda as ações direcionadas ao acolhimento e ao compartilhamento de saberes que possibilitam o exercício da parresia, pautados na orientação sobre os direitos da mulher e na divulgação de informações em grupos e palestras ou através de folders e cartazes.

Inicialmente, o conhecimento se apresenta como um dispositivo que dota as mulheres de informações acerca da violência, durante o acolhimento, permitindo-lhes acessar a verdade e se libertar de determinados constructos sociais que as aprisionam em um estereótipo de mulher submissa, rainha do lar.

Primeiro acolher a queixa, incentivar ela a fazer a denúncia, mostrar para ela que isso é um ato de violência contra a mulher e que ela tem o direito, perante a Lei Maria da Penha, de ser protegida. Então, primeiramente incentivar ela, mostrar o apoio dos serviços de saúde, incentivar ela à denúncia, notificar o caso de violência (E1).

Acho que primeiro o atendimento humanizado, que ela sinta que a Unidade não vai fazer nada contra ela, que não vai expor ela, mas sempre mostrando quais são os direitos dela, quais são as fontes onde ela pode ter recurso [...] procurar entender qual é a rede de apoio dela e tentar perceber outras pessoas que podem auxiliar, fora essa questão judicial, fora a questão de conselho, enfim, colocar à disposição as instituições de saúde para tratar essa violência (E4).

Verificou-se a importância das ações desenvolvidas na UBS e a influência que o enfermeiro tinha na vida da mulher que vivenciava situações de violência em seu cotidiano conjugal. O momento em que grupos eram realizados se mostrou propício para abordar o tema da VDCM e para o encorajamento de ações que se aproximavam da parresia.

Nós estamos aqui para encorajar que ela é capaz. Aqui mesmo na Unidade nós temos grupo de artesanato, direção, trabalho e renda. Nós temos aqui a Comissão dos direitos humanos, o pessoal está sempre incentivando [...] eu acho que tudo nós temos que encorajar no sentido que a pessoa é capaz. Eu estou acompanhando um caso mesmo, que o companheiro era alcoolista, sempre tratou ela com violência [...] ela é o resultado do trabalho aqui da Unidade. Ela mesma vem: ‘ah, porque eu escutei o que vocês disseram, é bem isso mesmo, estou me sentindo melhor’, então quer dizer que é uma superação. Ela tinha 100% dependência financeira dele, então hoje ela já está caminhando com as próprias pernas (E1).

Independentemente do resultado final, os enfermeiros empenhavam suas forças na tentativa de criar condições para que as mulheres pudessem exercer poder e assim modificar o cotidiano violento em que viviam. Acolhiam, orientavam a mulher e acompanhantes, realizavam a notificação compulsória e a conduta ética e legal que lhes cabia, mesmo diante da negativa da mulher em aceitar a parresia.

O caso de uma senhora já casada há muitos anos, com filhos e netos, que foi espancada na frente de casa e ela procurou a Unidade de Saúde. Nós fizemos o atendimento, o acolhimento, fizemos a notificação da violência, através da ficha SINAN, orientamos ela, o filho a levar ela para fazer um boletim de ocorrência, e ela não foi atrás, e ela relatou que já não era a primeira vez que acontecia isso. Não sei se por medo, não consigo entender o que foi que se passou que ela não teve essa decisão (E3).

[...] eu explicava para ela todas as questões da denúncia, da proteção. Mas ela nunca quis, porque ela é louca por ele, apaixonada por ele e ela nunca quis fazer nada. Agora parece que melhorou um pouco [...]. Então, parece que estão um pouco melhor (E16).

Também foi evidenciado como dispositivo o incentivo à participação em artesanatos, tanto como forma de produzir a própria renda, quanto como entretenimento e esquecimento da vida marcada pela violência, mesmo que momentaneamente.

Temos grupo de artesanato ensinando na segunda-feira, a fazer até uma fonte de renda, a fazer coisas para vender, temos cursos, [...] temos que oferecer oportunidades, inicia pela menor, oferecendo grupo de convivência para vir aprender a fazer artesanato, a partir daí o grupo expõe na FEARG [feira de artesanato da cidade], o grupo expõe nos eventos da Estratégia [em datas comemorativas], e tu vai te envolvendo e tu vai conhecendo pessoas e tu vai melhorando (E8).

Temos grupos de artesanato, temos um grupo de culinária. Abordamos todos os temas. Não tem um grupo específico para isso, mas são abordados estes temas de violência (E19).

[...] temos várias pessoas que entraram em depressão por não fazerem nada [...] e hoje estão fazendo seus artesanatos, seus tricôs, estão vendendo, estão fazendo seus biscuit, estão vendendo (E20).

Foi verificada a importância das ações desenvolvidas na UBS e a influência que o enfermeiro tinha na vida da mulher que vivenciava situações de violência em seu cotidiano conjugal. O momento em que o grupo era realizado se mostrou propício para abordar o tema da VDCM e para o encorajamento de ações que se aproximavam da parresia.

Nós estamos aqui para encorajar que ela é capaz. Aqui mesmo na Unidade nós temos grupo de artesanato, direção, trabalho e renda. Nós temos aqui a Comissão dos direitos humanos, o pessoal está sempre incentivando [...] eu acho que tudo nós temos que encorajar no sentido que a pessoa é capaz. Eu estou acompanhando um caso mesmo, que o companheiro era alcoolista, sempre tratou ela com violência [...] ela é o resultado do trabalho aqui da Unidade. Ela mesma vem: ‘ah, porque eu escutei o que vocês disseram, é bem isso mesmo, estou me sentindo melhor’, então quer dizer que é uma superação. Ela tinha 100% dependência financeira dele, então hoje ela já está caminhando com as próprias pernas (E1).

Além dos grupos desenvolvidos nas UBS, outras ações voltadas para o enfrentamento da violência, como medidas educativas, eram realizadas a fim de proporcionar o empoderamento das mulheres vitimadas e de prevenir a violência. As palestras não se limitavam ao locus da UBS, pois os enfermeiros buscavam espaços populares de uso da comunidade como formas de maior aproximação, realizando atividades até mesmo em escolas e associações de bairro.

Nós fazemos no sentido de sala de espera, de empoderamento da mulher, de saber que ela tem seus direitos [...] então as enfermeiras, psicólogas e educadoras físicas da residência multiprofissional trabalham na escola, mesmo sendo Programa de Saúde na Escola, trabalham com esse tema, de cuidados, do autocuidado, de se preservar, esse empoderamento (E8).

Já trabalhamos e trabalhamos ainda na verdade. O ano passado foi um pouco mais intenso e esse ano no início do ano na escola. Acontecesse assim, diretamente aqui, de fazer nos grupos alguma coisa, na gestante [grupo] já tivemos uma pequena fala, mas mais no Programa de Saúde na Escola, assim os outros grupos até não chegamos a trabalhar muito (E10).

A mídia impressa, na forma de folders e cartazes, era utilizada na sala de espera para alcançar aquelas mulheres que por algum motivo mantinham velada a violência sofrida. Desta maneira, a informação era passada de forma que pudessem ler e visualizar sem que precisassem expor o vivenciado, possibilitando o tempo necessário para converter a intensão em ato de denúncia. A partir dessa informação, elas apreendiam conhecimentos acerca dos tipos de violência, bem como dos locais que atuavam no atendimento às mulheres em situação de violência e no enfrentamento da VDCM.

Recebemos material, eu acho até que é um material que é encaminhado pela Secretaria do Estado, então a Coordenação das Unidades nos mandam. Na Unidade tem cartazes como o do Disque Denúncia, com os telefones, que procuro colocar sempre na recepção, porque elas ficam aguardando ali. Então, se já tem alguma mulher que sofre, ali descreve bem quais são os tipos de violência. Então a medida que nós usamos é essa, educativa (E9).

Dispositivos administrativos e institucionais

Esta categoria apresenta a programação que alguns enfermeiros realizavam, nas UBS, em datas alusivas à mulher, bem como os encaminhamentos a outros profissionais que compunham a rede de atenção à mulher em situação de violência doméstica. Nesses momentos eram trabalhados aspectos que caracterizam o relacionamento abusivo, bem como formas de prevenção de agravo da situação.

[...] agora mesmo, em março, nós trabalhamos o mês da mulher. Nós trabalhamos nos grupos a questão do relacionamento abusivo, trabalhamos com grupo de planejamento familiar, trabalhamos com os alunos do EJA, que tem muitos adolescentes, adultos, idosos. Tinha mais de 85 pessoas no auditório, então a psicóloga trabalhou a questão do relacionamento abusivo, desde o namoro até o relacionamento de casal. O que são sinais e sintomas de um relacionamento abusivo, então são formas de prevenção. Nós sempre trabalhamos isso (E1).

[...] nós temos temas todo ano. Nós montamos um plano de ação e um dos nossos planos de ação, já tivemos uma que foi o Dia Internacional da Mulher, vamos ter outro agora no Dia das Mães. Nós estamos falando sobre violência doméstica, física, verbal. Tivemos encontro nesse do Dia da Mulher, com a assistente social que veio do NASF, e ela falou sobre isso, fez uma palestra, muitas se abriram e falaram que sofrem, que sofreram [...] (E7).

[...] nós fazemos em certos períodos do ano, nós fazemos no mês da família, fazemos muito em agosto, abordamos essa questão da violência (E15).

[...] nós buscamos espaços comuns, por exemplo, nós temos o grupo de atividade física, só que nesse grupo interage todo mundo, vai a psicóloga, vai a nutricionista, vai a assistente social, vai o enfermeiro, e nós vamos fazendo várias abordagens. Aí nós abordamos a violência, todas aquelas questões que vão envolver o cuidado de alguma forma (E12).

A rede de apoio também foi referida como um dispositivo fundamental utilizado pelos enfermeiros para auxiliar a mulher a romper com o ciclo da violência. Um dos enfermeiros fez referência à família como suporte para que a mulher possa abandonar a situação que está vivenciando. Outro explanou que buscaria apoio para que a mulher pudesse ter proteção frente ao desejo de separação e denúncia.

Eu a orientaria de que existe Delegacia da Mulher, de que existe direitos da mulher, de que existe outras formas de relações, porque às vezes eu acho que se mantêm na relação porque não vêem outras formas. Normalmente elas reproduzem até coisas que perceberam com a mãe, pai e tal. Essa consulta com essa pessoa seria orientação e me deixar aberto para quando ela precisar e o que ela precisar de mim eu vou estar aqui pra poder ajudar, mas seria mais de orientar ela [...] e ver quais são as condições dela, se realmente tem condição de sair daquele lugar, se ela tem suporte familiar para isso e orientar os caminhos, os trâmites mais legais (E10).

Por mais que nós saibamos que, muitas vezes, elas não querem denunciar porque a situação está ruim, mas é aquela frase péssima ‘ruim com ele, pior sem ele’, mas acho que ela vai ter que pensar na segurança dela, o que isso pode acarretar depois. Então eu falaria para ela denunciar, ou através do Disque 100 ou na Delegacia da Mulher. E, principalmente, buscar para ela o apoio [...] de maneira que ela conseguisse uma proteção e o afastamento desse companheiro da vida dela, para ela se proteger também, porque mesmo a separação não é garantia, muitas vezes, de segurança para ela (E11).

DISCUSSÃO

O exercício desigual do poder nas relações conjugais, que culmina na violência contra as mulheres, apresenta grande impacto sobre a saúde delas, com implicações sobre a qualidade de vida.1111. Rodrigues WFG, Rodrigues RFG, Ferreira FA. Violence against women within a biopsyocial context: a challenge for the nursing professional. Rev Enferm UFPE [Internet]. 2017 [cited 2019 June 15]; 11(4):1752-8. Available from: https://doi.org/10.5205/1981-8963-v11i4a15247p1752-1758-2017
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Desta forma, é fato que mulheres em situação de violência buscam com maior frequência os serviços de saúde, principalmente os voltados para a atenção primária,1212. Acosta DF, Gomes VLO, Oliveira DC, Marques SC, Gomes GC. Care for women in domestic violence situation: representations of hospital nurses. Rev Eletr Enf [Internet]. 2017 [cited 2019 Mar 11];19:a21. Available from: https://doi.org/10.5216/ree.v19.42471
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constituindo a maior parte da demanda assistencial dos serviços públicos de saúde.33. Lucena KDT, Vianna RPT, Nascimento JA, Campos HFC, Oliveira ECT. Association between domestic violence and women's quality of life. Rev Latino-Am Enfermagem [Internet]. 2017 [cited 2019 Nov 07];25:e2901. Available from: https://doi.org/10.1590/1518-8345.1535.2901
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Diante disso, revela-se a importância do uso de dispositivos de poder pelos enfermeiros, ao encontro do enfrentamento da VDCM. Os dispositivos utilizados no exercício do poder, que podem ser materiais ou não, consistem em estratégias, meios de se chegar a um determinado objetivo.66. Foucault M. O sujeito e o poder. In: Dreyfus H, Rabinow P. Michel Foucault, uma trajetória filosófica. Rio de Janeiro, RJ(BR): Forense Universitária ; 1995. p. 229-249. Com vistas à promoção do exercício de poder entre as mulheres e ao rompimento do ciclo da violência estão o acolhimento, os grupos de educação em saúde, as palestras e a mídia impressa, como dispositivos de saber/conhecimento, e ainda a organização da unidade, a atuação multiprofissional e intersetorial como dispositivos administrativos e institucionais. Diferentes dispositivos podem ser adotados simultaneamente. Podem ser substituídos, adaptados, incluídos ou excluídos, conforme o resultado que se está obtendo.66. Foucault M. O sujeito e o poder. In: Dreyfus H, Rabinow P. Michel Foucault, uma trajetória filosófica. Rio de Janeiro, RJ(BR): Forense Universitária ; 1995. p. 229-249.

É durante o acolhimento que o enfermeiro utiliza seus conhecimentos e saberes para instrumentalizar a mulher, permitindo-lhe acessar a verdade. Estudo realizado com mulheres em situação de violência identificou que muitas vezes o desconhecimento acerca dos direitos e dos serviços de apoio as leva ao isolamento e, portanto, à manutenção da relação violenta.1313. Albuquerque Netto L de, Moura MAV, Queiroz ABA, Leite FMC, Silva GF. Isolation of women in situation of violence by intimate partner: a social network condition. Esc Anna Nery [Internet]. 2017 [cited 2019 May 13];21(1):e20170007. Available from: 10.5935/1414-8145.20170007
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A parresia pode consistir em um conselho, uma orientação que se faz ao ouvinte. Esses meios utilizados de comunicar algo configuram dispositivos de poder 66. Foucault M. O sujeito e o poder. In: Dreyfus H, Rabinow P. Michel Foucault, uma trajetória filosófica. Rio de Janeiro, RJ(BR): Forense Universitária ; 1995. p. 229-249. não materiais.

Esse momento é oportuno para que recebam orientações e aconselhamento sobre seus direitos e sobre o autocuidado.1212. Acosta DF, Gomes VLO, Oliveira DC, Marques SC, Gomes GC. Care for women in domestic violence situation: representations of hospital nurses. Rev Eletr Enf [Internet]. 2017 [cited 2019 Mar 11];19:a21. Available from: https://doi.org/10.5216/ree.v19.42471
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Todavia vai muito além, conforme demostrado neste estudo, é um espaço de escuta fundamental no cuidado à mulher,1414. Freitas RJM, Sousa VB de, Costa TSC, Feitosa RMM, Monteiro ARM, Moura NA de. Atuação dos enfermeiros na identificação e notificação dos casos de violência contra a mulher. HU Revista [Internet]. 2017 [cited 2019 Nov 25];43(2):91-7. Available from: https://doi.org/10.34019/1982-8047.2017.v43.2585
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-1515. Zuchi CZ, Silva EB, Costa MC, Arboit J, Fontana DGR, Honnef F, et al. Violence against women: conceptions of family health strategy professionals about listening. Rev Min Enferm [Internet]. 2018 [cited 2019 Sept 25];22:e-1085. Available from: https://doi.org/10.5935/1415-2762.20180015
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acompanhado da empatia e do estreitamento da relação de confiança, principalmente por se tratar de um espaço no qual, naturalmente, existem ações de cuidado longitudinal e holístico. Desta forma, o acolhimento, dispositivo tecnoassistencial, deve envolver a mulher de modo a transformá-la em partícipe ativa no processo de produção da sua saúde1111. Rodrigues WFG, Rodrigues RFG, Ferreira FA. Violence against women within a biopsyocial context: a challenge for the nursing professional. Rev Enferm UFPE [Internet]. 2017 [cited 2019 June 15]; 11(4):1752-8. Available from: https://doi.org/10.5205/1981-8963-v11i4a15247p1752-1758-2017
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e na saída da relação violenta. Um dispositivo pode ser utilizado com a finalidade de conduzir a conduta do outro, levá-lo a agir da maneira que se deseja.66. Foucault M. O sujeito e o poder. In: Dreyfus H, Rabinow P. Michel Foucault, uma trajetória filosófica. Rio de Janeiro, RJ(BR): Forense Universitária ; 1995. p. 229-249. Considerando que o enfermeiro compartilha informações pertinentes acerca da violência doméstica com a mulher, ele a dota de conhecimentos que a auxiliarão a tomar decisões norteadas pelo conhecimento partilhado.

A notificação da violência, o incentivo à denúncia, a orientação sobre os serviços de apoio, o abrigo e a manutenção do sigilo também são evidenciados em outros estudos1616. Arboit J, Padoin SMM, Vieira LB, Paula CC, Costa MC, Cortes LF. Health care for women in situations of violence: discoordination of network professionals. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2017 [cited 2019 Jul 21];51:e03207. Available from: https://doi.org/10.1590/S1980-220X2016013603207
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e compõem os compromissos éticos e legais da profissão.1717. Acosta DF, Gomes VLO, Oliveira DC de, Gomes GC, Fonseca AD. Aspectos éticos e legais no cuidado de enfermagem às vítimas de violência doméstica. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2017 [cited 2019 Oct 24];26(3):e6770015. Available from: https://doi.org/10.1590/0104-07072017006770015
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Tais ações são realizadas mesmo diante da recusa da mulher em seguir adiante com a denúncia, conforme orientada pelo profissional. Todavia, os discursos mostram que, nestes casos, era difícil entender o posicionamento da mulher, por parte dos entrevistados.

Os grupos de saúde desenvolvidos no locus da atenção básica também se constituem em dispositivos de saber e conhecimento, pois buscam valorizar as relações intersubjetivas e proporcionar transformações na vida das mulheres que vivenciam situações de violência, ou mesmo daquelas que nunca sofreram ou vivenciaram agressões, mas que, ao buscarem os encontros, almejando bem-estar e saúde, também se beneficiam do conhecimento compartilhado pelos profissionais. Ressalta-se que os dispositivos influenciam os outros a agirem da forma que se deseja, contudo, eles são exercidos sobre sujeitos livres, que possuem um campo de possibilidades para transformar a situação vivenciada.66. Foucault M. O sujeito e o poder. In: Dreyfus H, Rabinow P. Michel Foucault, uma trajetória filosófica. Rio de Janeiro, RJ(BR): Forense Universitária ; 1995. p. 229-249. Em outras palavras, as mulheres podem fazer escolhas, participar ou não das ações desenvolvidas pelos enfermeiros.

É visível o aproveitamento de diferentes contextos na UBS para abordar a temática, assim como o incentivo ao artesanato como forma de geração de renda para as mulheres vitimadas. Sabe-se que uma das grandes limitações, que impede a saída do lar, é a dependência financeira. Mulheres relatam que a falta de renda impede, inclusive, a ida à Delegacia para realizar a denúncia, tendo em vista a necessidade de pagar passagem.1313. Albuquerque Netto L de, Moura MAV, Queiroz ABA, Leite FMC, Silva GF. Isolation of women in situation of violence by intimate partner: a social network condition. Esc Anna Nery [Internet]. 2017 [cited 2019 May 13];21(1):e20170007. Available from: 10.5935/1414-8145.20170007
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Diante dessas evidências, a parresia praticada indiretamente pelo enfermeiro, por meio de dispositivos impressos em folders e cartazes, auxilia essas mulheres a procurarem os serviços mais próximos da sua residência (apoio do NASF, ligação telefônica gratuita ao 180 e 190, etc.).

As palestras realizadas em escolas ou mesmo dentro das UBS, nos grupos, bem como a mídia impressa na sala de espera constituem em informações sobre o assunto. No entanto, pouco é abordado, na literatura, sobre como tais ações são desenvolvidas por enfermeiros no contexto das UBS. Acredita-se que os recursos visuais, por si sós, causem impacto no receptor da mensagem, sendo assim, cabe ao enfermeiro organizar a unidade de saúde, tornando visíveis os materiais que expõem os serviços de apoio, os contatos telefônicos, tais como da Delegacia da Mulher local, o Disque 180, entre outros.

O atendimento às mulheres em situação de violência doméstica não se limita ao tratamento das lesões deixadas pela violência física. Ações multiprofissionais e integradas dentro da própria unidade são fundamentais para que a assistência não ocorra de maneira fragmentada, ao encontro das necessidades biopsicossociais.1212. Acosta DF, Gomes VLO, Oliveira DC, Marques SC, Gomes GC. Care for women in domestic violence situation: representations of hospital nurses. Rev Eletr Enf [Internet]. 2017 [cited 2019 Mar 11];19:a21. Available from: https://doi.org/10.5216/ree.v19.42471
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Essa integração entre profissionais e serviços torna-se imprescindível, quando se trata de um problema complexo como é a VDCM.

Considerando-se que um dispositivo pode ser constituído por um conjunto de ações empregadas para se obter um dado resultado,66. Foucault M. O sujeito e o poder. In: Dreyfus H, Rabinow P. Michel Foucault, uma trajetória filosófica. Rio de Janeiro, RJ(BR): Forense Universitária ; 1995. p. 229-249. os dispositivos administrativos e institucionais são evidenciados na organização da unidade em datas alusivas à mulher e à família, para debater o tema. Diante disso, cabe afirmar que os achados deste estudo contribuem de maneira significativa, ao mostrarem outras formas de atuação de enfermeiros no enfrentamento da violência. Entende-se que a Atenção Primária, assim como é porta de entrada aos usuários, trata-se de terreno fértil para a problematização do fenômeno com vistas à sua prevenção. É neste campo que as tecnologias leves se destacam e são fortalecidas diariamente, reforçando o papel educativo do enfermeiro e o exercício da parresia.

Os encaminhamentos aos serviços da rede foram outros dispositivos institucionais evidenciados. Os serviços que os enfermeiros citaram como sendo de apoio no enfrentamento da VDCM foram a Brigada Militar, a Delegacia e o NASF. Talvez o pensamento de que essa problemática seja de responsabilidade da esfera de segurança pública levasse os enfermeiros a considerarem indispensável a presença da polícia para a continuidade e resolução dos casos. O NASF foi referenciado pelos enfermeiros como um serviço de extrema importância no atendimento às mulheres em virtude dos demais profissionais que desempenham suas funções, tais como psicólogos, educadores físicos e assistentes sociais, sendo esses reconhecidos como os profissionais mais preparados para atendê-las e realizar os devidos encaminhamentos.1818. Ministério da Saúde (Brasil). Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF). Departamento de Atenção Básica; 2018 [cited 2018 Oct 12]. Available from: http://dab.saude.gov.br/portaldab/nasf_perguntas_frequentes.php
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-1919. Pereira-gomes N, Erdmann AL, Rebouças-Gomes N, Silva-Monteiro D, Santos RM, Menezes-Couto T. Social support to women in situation of domestic violence. Rev Salud Pública [Internet]. 2015 [cited 2019 Feb 02];17(6):823-35. Available from: https://doi.org/10.15446/rsap.v17n6.36022
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O Disque 100 também foi mencionado como suporte dentro da rede de apoio. Cabe esclarecer que este é um serviço que recebe denúncias sobre situações de transgressão de direitos humanos de crianças, adolescentes, idosos, população em vulnerabilidade, entre outros, não sendo específico para casos de violência doméstica contra a mulher. É a Central de Atendimento à Mulher, conhecida como Ligue 180, que deve ser acionada diante desta forma de violência. Esse é um serviço de utilidade pública com funcionamento 24h por dia, gratuito e confidencial, cujo objetivo é receber denúncias ou relatos de violência, além de orientar as mulheres sobre os seus direitos, encaminhando-as para os serviços especializados quando necessário.2020. Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (Brasil). Disque 100; 2019 [cited 2019 Dec 17]. Available from: https://www.mdh.gov.br/informacao-ao-cidadao/disque-100-1
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É indispensável que os enfermeiros conheçam os recursos existentes e as instituições sociais de apoio às mulheres em situação de violência do município. Muito mais do que isso, que os serviços funcionem, realmente, como uma rede, mantendo um fluxo de atendimento, evitando que a mulher seja refém do sistema. Infelizmente não é o que se observa nos estudos; evidencia-se a desarticulação dos serviços, que acaba revitimizando a mulher, ao ter que enunciar inúmeras vezes os relatos sobre a violência; bem como as falhas na resolutividade do atendimento, demonstrando a desqualificação dos profissionais que assistem essas mulheres.2121. Santos WJ, Freitas MIF. Weaknesses and potencialities of the healthcare network for women in situations of intimate partner violence. Rev Min Enferm [Internet]. 2017 [cited 2019 Mar 29];21:e-1048. Available from: https://doi.org/10.5935/1415-2762.20170058
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Além da rede secundária, a rede familiar também foi enunciada como dispositivo que busca apoio à mulher. Considerando que, desde o nascimento e durante toda a vida, as pessoas estabelecem relações interpessoais e constroem redes sociais formadas pela família, amizades, colegas de trabalho ou de escola e instituições, como os serviços de saúde, essas relações atuam como fator de proteção à vida dos indivíduos. Tal suporte influencia de forma positiva a vida das pessoas.1313. Albuquerque Netto L de, Moura MAV, Queiroz ABA, Leite FMC, Silva GF. Isolation of women in situation of violence by intimate partner: a social network condition. Esc Anna Nery [Internet]. 2017 [cited 2019 May 13];21(1):e20170007. Available from: 10.5935/1414-8145.20170007
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,1616. Arboit J, Padoin SMM, Vieira LB, Paula CC, Costa MC, Cortes LF. Health care for women in situations of violence: discoordination of network professionals. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2017 [cited 2019 Jul 21];51:e03207. Available from: https://doi.org/10.1590/S1980-220X2016013603207
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A família é a primeira instância da rede social a ser procurada frente a algum problema, sendo o principal dispositivo de apoio ou de enfrentamento do medo e da vergonha em denunciar.

No entanto, por vezes a família oferta um apoio limitado, sendo necessário recorrer a outros componentes dessa rede.1313. Albuquerque Netto L de, Moura MAV, Queiroz ABA, Leite FMC, Silva GF. Isolation of women in situation of violence by intimate partner: a social network condition. Esc Anna Nery [Internet]. 2017 [cited 2019 May 13];21(1):e20170007. Available from: 10.5935/1414-8145.20170007
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,1616. Arboit J, Padoin SMM, Vieira LB, Paula CC, Costa MC, Cortes LF. Health care for women in situations of violence: discoordination of network professionals. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2017 [cited 2019 Jul 21];51:e03207. Available from: https://doi.org/10.1590/S1980-220X2016013603207
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Mulheres que usufruem de uma rede de apoio social sofrem menos violência doméstica.33. Lucena KDT, Vianna RPT, Nascimento JA, Campos HFC, Oliveira ECT. Association between domestic violence and women's quality of life. Rev Latino-Am Enfermagem [Internet]. 2017 [cited 2019 Nov 07];25:e2901. Available from: https://doi.org/10.1590/1518-8345.1535.2901
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Porém, algumas situações, dentre elas a VDCM, podem limitar e até mesmo prejudicar essa interação, modificando e afastando o indivíduo de sua rede.

É nesse momento que o apoio advindo dos profissionais de saúde se mostra relevante. Por isso, acredita-se que os enfermeiros que se utilizam da parresia, ou seja, da coragem de falar a verdade, fornecem melhores subsídios para que essas mulheres transformem suas vidas. Assim, a parresia se apresenta como ferramenta que possibilita o exercício do poder pelos enfermeiros, por meio de dispositivos que visam auxiliar as mulheres a reequilibrarem suas vidas.

Reconhecem-se como limitações da presente pesquisa a restrição territorial de coleta de dados, a amostra reduzida de profissionais de enfermagem e o tempo de atuação profissional na unidade de saúde.

CONCLUSÃO

Os enfermeiros atuantes na UBS usavam dispositivos de saber/conhecimento e dispositivos administrativos e institucionais. Os primeiros se relacionam com as formas pelas quais os enfermeiros compartilham informações com as mulheres e os segundos estão ligados à programação das Unidades, referentes às atividades voltadas para o enfrentamento da violência doméstica contra a mulher, bem como, os encaminhamentos à rede de apoio.

As ações desenvolvidas pelos enfermeiros são dispositivos de poder que objetivam contribuir para o enfrentamento da violência doméstica contra a mulher. Esses profissionais atuavam na linha de frente no enfrentamento a tal problemática e distintas ações, ou dispositivos, vinham sendo empregados para este fim. Ressalta-se que o enfermeiro atua como parresiasta quando acolhe a mulher, orienta, assiste e a incentiva a transformar sua realidade.

Acredita-se que este estudo traz como contribuição significativa o fato de que a utilização de dispositivos de poder consistentes, pautados no saber técnico-científico, estimulam o enfrentamento do fenômeno. Somado a isso, destaca-se o espaço da Atenção Primária, das unidades, local de pertença à comunidade e em que, portanto, a enfermagem pode gerar transformações a partir de ações inclusivas e participativas que visem à promoção da saúde e à prevenção da violência.

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NOTAS

  • ORIGEM DO ARTIGO

    Artigo extraído da tese -O exercício da parrhesia por enfermeiros da atenção básica no cuidado a mulheres em situação de violência doméstica, apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Escola de Enfermagem da Universidade Universidade Federal do Rio Grande, em 2019.
  • FINANCIAMENTO

    Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
  • APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

    Projeto aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Rio Grande sob o Parecer nº 36/2018 e C.A.A.E: 81965918.5.000.5324.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    08 Fev 2020
  • Aceito
    16 Abr 2020
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