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EXPERIÊNCIAS DA AUTOLESÃO NÃO SUICIDA PARA ADOLESCENTES QUE SE AUTOLESIONARAM - CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA PSICANALÍTICA WINNICOTTIANA

RESUMO

Objetivo:

identificar e analisar os elementos presentes na experiência da autolesão não suicida por adolescentes que se autolesionaram.

Método:

pesquisa qualitativa, com coleta de dados realizada no período de agosto a outubro de 2019 por meio de Consultas Terapêuticas Individuais, mediadas pelo recurso dialógico Procedimento Desenho-Estória com Tema. As participantes foram oito adolescentes que referiram autolesão em uma escola de um município do interior de São Paulo, Brasil. A análise temática foi desenvolvida a partir dos dados, ancorada na teoria psicanalítica winnicottiana.

Resultados:

foram identificadas duas categorias temáticas: “acho que não tenho importância para ninguém”; e “não vejo o colorido de antes”. Os elementos presentes nas experiências das adolescentes sobre a autolesão não suicida destacaram a importância de um ambiente, físico e relacional, que ofereça holding e seja capaz de integrar características do próprio processo do adolescer. Destaca-se a importância da existência de uma rede de apoio familiar e de pares, assim como a necessidade da família, escola e profissionais de saúde se implicarem no enfrentamento e prevenção da autolesão não suicida.

Conclusão:

a autolesão não suicida é um fenômeno múltiplo, intimamente relacionado com o ambiente, que merece atenção e cuidado na área da saúde da criança e do adolescente. As questões presentes no processo de adolescer emergem como elementos essenciais para a compreensão e enfrentamento da autolesão não suicida. Por sua característica múltipla, as políticas de enfrentamento e prevenção devem abarcar diversas áreas, como saúde, educação e assistência social. A presença de programas de saúde mental nas escolas faz-se fundamental.

DESCRITORES:
Adolescente; Comportamento autodestrutivo; Pesquisa qualitativa; Psicanálise; Serviços de saúde escolar

ABSTRACT

Objective:

to identify and analyze the elements present in non-suicidal self-injury experiences by adolescents who self-injured.

Method:

a qualitative research, with data collection conducted from August to October 2019 through individual therapeutic consultations, mediated by the dialogical resource Drawing-Story with Theme Procedure. Participants were eight adolescents who reported self-injury in a school of a municipality in the countryside of São Paulo, Brazil. Thematic analysis was developed from data anchored in Winnicott’s psychoanalytic theory.

Results:

two thematic categories were identified: “I think nobody cares about me” and “I do not see the colors I used to see before”. The elements present in adolescents’ experiences on non-suicidal self-injury highlighted the importance of a physical and relational environment that offers holding and is able to integrate characteristics of the adolescence process itself. The importance of a family and peer support network, as well as the need for family, school and health professionals to be involved in coping with and preventing non-suicidal self-injury stands out.

Conclusion:

non-suicidal self-injury is a multiple phenomenon, closely related to the environment, which deserves attention and care in the field of child and adolescent health. The issues present in the process of becoming an adolescent emerge as essential elements for understanding and coping with non-suicidal self-injury. Due to their multiple characteristics, coping and prevention policies should include several areas, such as health, education, and social assistance. The presence of mental health programs in schools is fundamental.

DESCRIPTORS:
Adolescent; Self-Injurious behavior; Qualitative research; Psychoanalysis; School health services

RESUMEN

Objetivo:

identificar y analizar los elementos presentes en la experiencia de autolesión no suicida por parte de adolescentes que se autoinsultan.

Método:

uma investigación cualitativa, con recolección de datos realizada de agosto a octubre de 2019 a través de Consultas Terapéuticas Individuales, mediadas por el procedimiento dialógico Procedimiento Dibujo-Historia con Tema. Los participantes fueron ocho adolescentes que refirieron autolesiones en una escuela de una ciudad del interior de São Paulo, Brasil. El análisis temático se desarrolló a partir de los datos, anclado en la teoría psicoanalítica winnicottiana.

Resultados:

se identificaron dos categorías temáticas: “creo que no soy importante para nadie”; y “no veo los colores de antes”. Los elementos presentes en las vivencias de los adolescentes sobre la autolesión no suicida resaltaron la importancia de un entorno, físico y relacional, que ofrezca agarre y sea capaz de integrar características del propio proceso del adolescente. Se destaca la importancia de tener una red de apoyo familiar y de pares, así como la necesidad de que la familia, la escuela y los profesionales de la salud se involucren en el afrontamiento y la prevención de las autolesiones no suicidas.

Conclusión:

la autolesión no suicida es un fenómeno múltiple, íntimamente relacionado con el medio ambiente, que merece atención y cuidado en el área de la salud infantil y adolescente. Los temas presentes en el proceso de la adolescencia surgen como elementos esenciales para comprender y afrontar la autolesión no suicida. Por sus múltiples características, las políticas de afrontamiento y prevención deben cubrir varias áreas, como la salud, la educación y la asistencia social. La presencia de programas de salud mental en las escuelas es fundamental.

DESCRIPTORES:
Adolescente; Conducta autodestructiva; Investigación cualitativa; Psicoanálisis; Servicios de salud escolar

INTRODUÇÃO

No Brasil, o número de adolescentes na população é bastante significativo, mesmo considerando a diminuição no crescimento da população jovem. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2016, os adolescentes configuravam um total de 51.402.821 pessoas, cerca de 36,89% da população geral.11. Ministério da Saúde (BR). Proteger e Cuidar de Adolescentes na Atenção Básica [Internet]. Brasília, DF(BR): Editora do Ministério da Saúde; 2017 [cited 2019 June 8]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/proteger_cuidar_adolescentes_atencao_basica.pdf
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Segundo o Ministério da Saúde, as adolescências são compreendidas como categoria social, culturalmente construídas, com “uma base material vinculada à idade. Essa facticidade dos ciclos etários apresenta um modo particular de estar no mundo em sua temporalidade, com distâncias e durações diferenciadas”.11. Ministério da Saúde (BR). Proteger e Cuidar de Adolescentes na Atenção Básica [Internet]. Brasília, DF(BR): Editora do Ministério da Saúde; 2017 [cited 2019 June 8]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/proteger_cuidar_adolescentes_atencao_basica.pdf
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:1717. Hennink MM, Kaiser BN, Marconi VC. Code saturation versus meaning saturation: how many interviews are enough? Qual Health Res [Internet]. 2017 [cited 2019 Sept 11];27(4):591-608. Available from: https://doi.org/10.1177/1049732316665344
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A compreensão da adolescência, assim como a prevenção ou atenção dispensada a essa categoria social, deve ultrapassar concepções universalizantes e cristalizadas, como aquelas propostas apenas pelos marcadores etários ou da puberdade, pois apesar de ser possível fazer definições gerais, são sujeitos singulares constituídos de acordo com a história de vida e com o momento histórico e sociocultural em que vivem.22. Silva MAI, Mello FCM, Mello DF; Ferriani MGC, Sampaio JMC, Oliveira WC. Vulnerability in adolescent health: contemporary issues. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2014 [cited 2019 June 05];19(2):619-27. Available from: https://doi.org/10.1590/1413-81232014192.22312012.Portuguese.
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Diferentes instituições e organizações definem diferentes faixas etárias para a adolescência. Neste estudo optou-se por adotar a definição da Organização Mundial da Saúde, que considera a faixa dos 10 aos 19 anos, sendo o período inicial entre 10 e 14 anos, e o final entre os 15 e os 19 anos.33. Word Health Organization. Global status report on violence prevention [Internet]. Geneva(CH): World Health Organization; 2014 [cited 2019 June 09]. Available from: https://www.who.int/violence_injury_prevention/violence/status_report/2014/en/
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A adolescência é um período que, em comparação com outras faixas etárias, não apresenta grandes índices de adoecimento.11. Ministério da Saúde (BR). Proteger e Cuidar de Adolescentes na Atenção Básica [Internet]. Brasília, DF(BR): Editora do Ministério da Saúde; 2017 [cited 2019 June 8]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/proteger_cuidar_adolescentes_atencao_basica.pdf
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Apesar disso, existem questões de saúde de grande importância que devem ser observadas nessa população. Uma dessas questões é a dos comportamentos autolesivos, ou as autolesões, que têm sido cada vez mais priorizados em níveis nacionais e internacionais nos últimos anos.33. Word Health Organization. Global status report on violence prevention [Internet]. Geneva(CH): World Health Organization; 2014 [cited 2019 June 09]. Available from: https://www.who.int/violence_injury_prevention/violence/status_report/2014/en/
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Na literatura não há consenso sobre a nomenclatura a ser utilizada para definir os comportamentos autolesivos, o que dificulta o entendimento e a comparação de dados sobre o tema. Atualmente, na quinta versão do Manual Estatístico e Diagnóstico de Transtornos Mentais - DSM-5 foi formalizado o termo autolesão não suicida. Este tem sido o termo que melhor define as ações e comportamentos dos adolescentes no âmbito da violência autoinfligida. Optou-se, neste estudo, por seguir com o termo autolesão não suicida (ALNS).44. American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders: DSM-5. 5th ed. Washington, DC(US): American Psychiatric Publishing; 2013. Vale ressaltar que, apesar da ALNS não ter intenção consciente de suicídio, pessoas com histórico de autolesão compõe um grupo de risco importante para a prevenção do suicídio.55. Hawton K, Bergen H, Cooper J, Turnbull P, Waters K, Ness J, et al. Suicide following self-harm: findings from the Multicentre Study of self-harm in England, 2000-2012. J Affect Disord [Internet]. 2015 [cited 2019 June 06];175:147-51. Available from: https://doi.org/10.1016/j.jad.2014.12.062
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A ALNS pode ser definida como “o comportamento repetido do próprio indivíduo em infligir lesões superficiais, embora dolorosas, à superfície do seu corpo”.4:9474. American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders: DSM-5. 5th ed. Washington, DC(US): American Psychiatric Publishing; 2013. Para ser considerado ALNS, o dano intencional ao corpo é feito com a expectativa somente de dano físico, que provavelmente não resultará em morte.44. American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders: DSM-5. 5th ed. Washington, DC(US): American Psychiatric Publishing; 2013. Destaca-se que não são considerados ALNS comportamentos socialmente aceitos como piercing e tatuagem.44. American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders: DSM-5. 5th ed. Washington, DC(US): American Psychiatric Publishing; 2013.

Segundo o Boletim Epidemiológico publicado pelo Ministério da Saúde, entre 2011 e 2016, 23,75% dos casos de autolesão foram de pessoas entre 10 e 19 anos. Esse número corresponde a 30.075 casos em meninas e 11.789 casos em meninos.66. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde, Boletim epidemiológico [Internet]. Brasília, DF(BR): Ministério da Saúde; 2017 [cited 2019 June 08]. Available from: http://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2017/setembro/21/2017-025-perfil-epidemiologico-das-tentativas-e-obitos-por-suicidio-no-brasil-e-a-rede-de-atencao-a-saude.pdf
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Ainda que a singularidade dos casos de ALNS deva ser levada em consideração, existem certas semelhanças entre eles. Um estudo de revisão integrativa buscou identificar fatores associados ao comportamento autolesivo no ciclo vital, e identificou diversos fatores de risco à ALNS na adolescência, a saber, impulsividade; experimentação e uso abusivo de álcool e outras drogas; preocupações com a orientação sexual; baixa autoestima; problemas de parentalidade; negligência emocional; isolamento social; bullying; e amigos com história de ALNS, caracterizando a importância da grupalidade nesse período.77. Silva AC, Botti NCL. Self-injurious behavior along the vital cycle: integrative literature review. Rev Port Enferm Saúde Mental [Internet]. 2017 [cited 2019 June 06];18:67-76. Available from: https:/doi.org/10.19131/rpesm.0194
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O fenômeno pode estar relacionado a mecanismos de enfrentamento de emoções; tentativas de regulação emocional por meio da diminuição ou alívio do sofrimento e diminuição das tensões; e dificuldade de identificação e expressão verbal das emoções.77. Silva AC, Botti NCL. Self-injurious behavior along the vital cycle: integrative literature review. Rev Port Enferm Saúde Mental [Internet]. 2017 [cited 2019 June 06];18:67-76. Available from: https:/doi.org/10.19131/rpesm.0194
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Assim, observa-se que muitos dos fatores de risco da ALNS são questões presentes na adolescência em geral, acompanhadas de dificuldades de enfrentamento de estressores.

Apesar do crescente interesse em estudar a ALNS, e das tentativas de medir a prevalência dos casos, verifica-se que ainda existem lacunas na produção científica relacionada às estratégias de prevenção e enfrentamento do comportamento autolesivo entre adolescentes. A literatura atual tem trabalhado a ALNS por meio de: análise descritiva de interações virtuais sobre o assunto;88. Silva AC, Botti NCL. Characterization of the profile of participants in a facebook self- mutilation group. Salud Sociedad [Internet]. 2018 [cited 2019 June 06];9(2):160-9 Available from: https://doi.org/10.22199/S07187475.2018.0002.00003
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-1010. Costa JS, Silva AC, Vedana KGG. Posts on non-suicidal self-injury on the internet. Adolesc Saude [Internet]. 2019 [cited 2019 Aug 08];16(1):7-12. Available from: http://www.adolescenciaesaude.com/detalhe_artigo.asp?id=766&idioma=English#
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de aplicação de escalas para análise da frequência e características do comportamento autolesivo;1111. Fonseca PHN, Silva AC, Araujo LMC, Botti NCL. Non-suicidal self-injury intent among adolescentes. Arq Bras Psicol. [Internet]. 2018 [cited 2019 Aug 08];70(3):246-58. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/arbp/v70n3/17.pdf
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de revisão integrativa do comportamento autolesivo.77. Silva AC, Botti NCL. Self-injurious behavior along the vital cycle: integrative literature review. Rev Port Enferm Saúde Mental [Internet]. 2017 [cited 2019 June 06];18:67-76. Available from: https:/doi.org/10.19131/rpesm.0194
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Assim, considerando (I) a importância que a ALNS tem tomado quando se trata de promoção de saúde e prevenção de agravos em adolescentes; e (II) as lacunas na literatura científica sobre o fenômeno, em especial na saúde e na Enfermagem, optou-se por adotar as experiências da ALNS para adolescentes como objeto de estudo na presente pesquisa. Para tal aproximação, apoiamo-nos na Teoria do Amadurecimento de D. W. Winnicott.1212. Winnicott DW. O ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional. Porto Alegre, RS(BR): Artmed; 1983.

Para esse autor, a saúde mental tem como um de seus fundamentos a concepção de que todo indivíduo humano é dotado de uma tendência inata para o amadurecimento. Apesar de inata, essa tendência não se realiza sozinha, pois não se refere a uma determinação.1212. Winnicott DW. O ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional. Porto Alegre, RS(BR): Artmed; 1983. Para que essa tendência se realize e seja atingida a saúde de forma integral, o sujeito depende fundamentalmente da presença de um ambiente facilitador que forneça cuidados suficientemente bons, e que possibilite a realização de processos de integração. Assim, na perspectiva winnicottiana, as condições ambientais (considerando ambiente tudo aquilo que influencia e é influenciado pelo sujeito, como o ambiente físico e as relações pessoais) são decisivas para o estabelecimento da saúde do indivíduo ao longo de todo o processo de desenvolvimento.1212. Winnicott DW. O ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional. Porto Alegre, RS(BR): Artmed; 1983. Nesse sentido, tal referencial se mostra coerente a esse objeto, considerando a importância do ambiente ao desenvolvimento saudável de adolescentes.

Diante desse cenário, entende-se que o olhar para as experiências da ALNS pelos próprios adolescentes que vivenciaram este fenômeno pode trazer subsídios para o avanço no conhecimento de estratégias de enfrentamento e cuidado à ALNS. Ademais, tal temática se mostra essencial às agendas contemporâneas da saúde e Enfermagem, aprofundando o debate interprofissional sobre as vulnerabilidades presentes na vida de adolescentes, bem como se pode contribuir para o fortalecimento de vínculos e a construção de ambientes suficientemente bons no contexto da Atenção Primária em Saúde. Assim, o objetivo do presente estudo foi identificar e analisar os elementos presentes na experiência da autolesão não suicida por adolescentes que se autolesionaram.

MÉTODO

Pesquisa de abordagem qualitativa, entendida como aquela destinada ao estudo das relações ou fenômenos sociais.1313. Flick U. An introduction to qualitative research. 5th ed. Thousand Oaks, CA(US): Sage; 2014. Esse delineamento permite o reconhecimento das perspectivas dos participantes, diretamente envolvidos em determinado fenômeno, e o que se pode compreender a partir de suas nuances e singularidades em termos de contexto.1313. Flick U. An introduction to qualitative research. 5th ed. Thousand Oaks, CA(US): Sage; 2014.

Especificamente, este estudo foi realizado em um município do interior de São Paulo. A cidade em questão possui 221.950 habitantes de acordo com censo de 2010, com estimativa para 2018 de 249.415 habitantes. A população de 10 a 19 anos é de 33.169 pessoas, cerca de 15% deste total.1414. Ministério da Saúde (BR). Estado de São Paulo, Município de São Carlos, Unidade de Saúde USF Água Vermelha, Relatório de cadastro individual. Brasília, DF(BR): Ministério da Saúde; 2018. O campo específico foi uma escola estadual de ensino fundamental e médio de um distrito do município. A escolha por esse local se deu devido (a) à existência de um projeto de extensão da universidade nesse local; (b) ao crescente número de situações de ALNS por adolescentes reportadas aos serviços de saúde do município; e (c) à ausência de intervenções nesse campo pela extrema vulnerabilidade da região. No distrito, vivem aproximadamente 3.000 pessoas. A população adolescente é de 385 pessoas, o que equivale a 13% do total do distrito, sendo cerca de 47% do sexo masculino e 53% do sexo feminino.1414. Ministério da Saúde (BR). Estado de São Paulo, Município de São Carlos, Unidade de Saúde USF Água Vermelha, Relatório de cadastro individual. Brasília, DF(BR): Ministério da Saúde; 2018.

As participantes foram incluídas mediante os critérios: (1) ser estudante matriculado na escola citada; (2) ter idade entre 10 e 19 anos; (3) ser indicado pela direção ou professores por vivenciar situações de ALNS. Foram excluídos os adolescentes afastados do convívio escolar por quaisquer motivos. Ressalta-se que a pesquisadora principal e sua orientadora participaram do convívio escolar por meio de um projeto de extensão. Tal aspecto facilitou a aproximação e longitudinalidade do olhar aos adolescentes. A direção da escola indicou oito adolescentes do sexo feminino que tinham relato de situações de ALNS, as quais foram relatadas pelas próprias adolescentes ou por seus familiares. Antes do início da coleta de dados, a direção realizou contato com os pais para anuência da participação das adolescentes. As pesquisadoras realizaram uma primeira conversa com as adolescentes, para convidá-las a participar do estudo, e todas as adolescentes indicadas pela direção aceitaram.

A estratégia de coleta de dados adotada foi o uso da Consulta Terapêutica Individual, mediada pelo recurso dialógico Procedimento Desenho-Estória com Tema, sendo que o tema apresentado foi Autolesão Não Suicida. Consulta terapêutica é uma técnica desenvolvida por Winnicott que consiste em poucos encontros (um a três), que contam com o uso de um mediador dialógico para expressão e privilegia o acolhimento dos conteúdos emergentes.1515. Winnicott DW. Consultas terapêuticas em psiquitria infantil. Rio de Janeiro, RJ(BR): Imago; 1971. A consulta terapêutica se respalda em uma comunicação significativa entre pesquisador e participante, sendo utilizada como diagnóstico e como instrumento de pesquisa dos conteúdos que estão afligindo o participante.1515. Winnicott DW. Consultas terapêuticas em psiquitria infantil. Rio de Janeiro, RJ(BR): Imago; 1971. Ressalta-se que a primeira autora, que realizou as Consultas Terapêuticas, possuía formação e experiência prévia com a técnica.

Winnicott indica que a comunicação significativa aparece com relativa facilidade durante esse tipo de consulta que pode utilizar brincadeiras, desenhos e jogos como ferramentas.1212. Winnicott DW. O ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional. Porto Alegre, RS(BR): Artmed; 1983. Considerando tais apontamentos, escolheu-se neste estudo utilizar o Procedimento Desenho-Estória com Tema.1616. Aiello-Vaisberg TMJ. Investigação de Representações Sociais. In: Trinca W, ed. Formas de investigação clínica em psicologia: procedimento de desenhos-estorias - procedimento de desenhos de famílias com estórias. São Paulo, SP(BR): Vetor; 1997. p. 255-88. Esse procedimento consiste em solicitar ao participante que faça um desenho com um tema pré-determinado pelo pesquisador. Ao terminar o desenho, ele deve contar a história de sua produção gráfica. O pesquisador realiza os mesmos passos que o participante. Ao término dessa fase, ambos mostram seus desenhos e contam suas histórias. A escolha desse procedimento deve-se à sua caraterística de facilitar a imersão de conteúdos de difícil expressão oral, considerando que, conforme indicado anteriormente, a literatura indica dificuldades de expressividade e comunicação nos casos de autolesão.1616. Aiello-Vaisberg TMJ. Investigação de Representações Sociais. In: Trinca W, ed. Formas de investigação clínica em psicologia: procedimento de desenhos-estorias - procedimento de desenhos de famílias com estórias. São Paulo, SP(BR): Vetor; 1997. p. 255-88.

A coleta de dados foi realizada no período de 22 de agosto a 06 de outubro de 2019, numa sala privativa na própria escola, sem a presença de outras pessoas. Os horários foram combinados com a equipe escolar de forma a evitar o prejuízo às atividades escolares. Antes do início do procedimento Desenho-Estória com Tema, a pesquisadora realizou uma breve entrevista com caráter sociodemográfico. O processo de desenho e consulta teve duração entre 30 e 55 minutos. O conteúdo foi gravado no gravador de voz do aparelho Samsung J4 após autorização das participantes. Posteriormente, os áudios foram transcritos na íntegra, sendo todos nomes presentes, neste artigo, fictícios, escolhidos pelos autores. O anonimato das participantes foi preservado.

Os dados coletados com oito adolescentes possibilitaram a discussão mais profunda, rica em detalhes e complexa para assegurar a compreensão do fenômeno de interesse, permitindo uma resposta densa à questão de estudo.1717. Hennink MM, Kaiser BN, Marconi VC. Code saturation versus meaning saturation: how many interviews are enough? Qual Health Res [Internet]. 2017 [cited 2019 Sept 11];27(4):591-608. Available from: https://doi.org/10.1177/1049732316665344
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Cada adolescente participou de dois a cinco encontros individuais, sendo que somente o primeiro foi utilizado para análise de dados. O primeiro encontro contou com o levantamento socioeconômico, o Desenho-Estória com Tema, e a livre expressão dos conteúdos emergentes. No último encontro, foi feita devolutiva, encerramento, e encaminhamentos necessários a serviços de saúde. Uma das participantes já estava em acompanhamento psicológico na data da coleta de dados; foi necessário encaminhar para atendimento psicológico e médico quatro participantes, além de conversar com os pais para advertir do risco de suicídio identificado durante a coleta de dados, após a autorização das mesmas.

Os dados foram analisados a partir da técnica de análise temática.1818. Clarke V, Braun V. Teaching thematic analysis: overcoming challenges and developing strategies for effective learning. Psychologist [Internet]. 2013 [cited 2019 Sept 11];26(2):120-3. Available from: https://www.researchgate.net/publication/269928387_teaching_thematic_analysis_overcoming_challenges_and_developing_strategies_for_effective_learning
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A análise temática é essencialmente um método para identificar e analisar padrões de dados qualitativos. Foram realizados os seguintes passos: (I) familiarização com os dados por meio de transcrição das falas das adolescentes, sendo realizadas leituras exaustivas do conjunto de dados; (II) codificação, por meio da criação de códigos que capturam a leitura semântica e conceitual dos dados; (III) busca por temas por meio do agrupamento significativo desses códigos iniciais; (IV) revisão de temas para verificar sua representatividade; (V) definição, descrição e nomeação dos temas. As etapas de codificação e definição de temas são apresentadas no Quadro 1.

Quadro 1
Codificação e definição de temas. Elaborado pelos autores. Cidade do estado de São Paulo, Brasil, 2019.

Da análise dos dados, emergiram dois temas: “acho que não tenho importância pra ninguém” e “não vejo o colorido de antes”. Para garantir maior validade e confiabilidade dos dados, foram realizadas as seguintes estratégias: devolutiva dos dados às adolescentes em encontro posterior para “checagem” da coerência do conteúdo; análise com pares, ou seja, a construção dos códigos e temas se deu por dois pesquisadores independentes e validados por um terceiro quando foi necessário; uso do diário de campo, garantindo maior transparência de todo o processo de pesquisa.

A pesquisa atendeu aos aspectos éticos envolvendo seres humanos, sendo aprovada pelo Comitê de Ética e autorizada pela escola cenário da pesquisa. Reitera-se que as informações foram coletadas apenas após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos responsáveis e do Termo de Assentimento Livre e Esclarecido pelas adolescentes.

RESULTADOS

Em termos de caracterização, todas as participantes do estudo eram do sexo feminino, sendo duas de 12 anos, quatro de 13 anos, e duas de 14 anos. Cinco das adolescentes estavam no sétimo ano do ensino fundamental e três no oitavo ano do ensino fundamental. Em relação à religião, quatro participantes afirmaram serem católicas, duas afirmaram serem evangélicas e duas declararam não ter religião. A quantidade de pessoas que viviam na mesma casa variou entre três e seis pessoas, sendo que todas moravam com a mãe, e os outros membros variaram entre pai, padrasto, irmãos e diferentes familiares. Quanto à escolaridade dos responsáveis, a menor escolaridade foi não saber ler nem escrever (responsáveis por uma participante) e a maior foi ensino médio completo (mães de duas participantes e pai de uma). A seguir são exploradas as categorias identificadas no estudo.

1º tema - Acho que não tenho importância pra ninguém

Neste tema, evidenciou-se que o modo que se estruturam as relações pessoais (sejam entre colegas, namorados, pais ou responsáveis) tem grande influência no fato da adolescente recorrer à ALNS. As adolescentes descreveram relações conflituosas e de desamparo, em sua maioria. Aspectos de desamparo foram referidos de forma verbal e também nos desenhos realizados pelas participantes.

Isso começou quando eu tava no terceiro ano, eu comecei a sofrer bullying. Começaram a me zuar. [...] Aí indo pro sexto ano eu comecei a namorar meu melhor amigo, relacionamento não deu certo. Tive muitos relacionamentos fracassados (Dafne).

Desenho-Estória de Amanda: esse é meu padrasto e minha mãe brigando, e eu e meu irmão chorando. Eu tenho muitos motivos pra me cortar, e esse é um deles. (Figura 1)

Figura 1
Desenho-Estória de Amanda. Cidade do estado de São Paulo, Brasil, 2019.

Percebe-se nas narrativas, ainda, que as adolescentes não encontram em sua rede pessoal apoio e compreensão quando procuram falar sobre seus sentimentos e sobre a ALNS, o que as leva a experimentar sentimentos de invalidação, tristeza e solidão.

Eu já tentei falar com meus pais, mas eles não levam muito a sério, eles não acreditam muito em mim. Eu já tentei falar com a minhas amigas também, mas elas falam que é frescura (Marina).

Na maioria das vezes, que falam que é drama eu não ligo tanto. Mas, magoa. Porque não é drama. Aí isso me deixa mais pra baixo ainda (Julia).

Eu me sentia sozinha, sem ninguém, por isso me cortava (Nicole).

Ainda nesse aspecto, após experiências de invalidação e desamparo, as adolescentes não encontram espaço para expressão de sentimentos e se calam como reação a essas experiências.

Aí eu seguro o choro e respiro, porque se eu deixar cair uma lágrima, eu não vou conseguir parar de chorar, eu vou ter que subir aqui, vão ligar pra minha mãe, e vai ser difícil explicar pra minha mãe, porque eu não me sinto à vontade falando dessas coisas com ela (Marina).

A gente mesmo estando mal por fora, a gente tenta sorrir sempre, mostrar pras pessoas que a gente tá bem, mas não e fácil [...] porque se a gente falar que não tá, ele começam a perguntar porquê e eu não vou conseguir desabafar. Elas vão falar que não é nada (Letícia).

A repercussão parece ser ainda maior quando a falta de apoio vem por parte dos pais e familiares. Muitas adolescentes relataram que a reação dos pais ao descobrirem que suas filhas se autolesionavam foi agressiva ou negligente, causando sentimento de culpa e desamparo.

[...] eu falei pra minha mãe que ela tinha que tentar me entender, ela falou que ela não tem que tentar me entender, eu que tenho que tentar entender ela, porque ela faz de tudo pra mim, que eu tava sendo uma decepção pra ela, aí ela veio e deu um tapa no meu rosto (Marina).

Eu cheguei em casa e ela não disse nada, aí depois que eu levei meu irmão na escola ela perguntou porque que eu tava me cortando e ela começou a me xingar, começou a chorar, não foi trabalhar, ficou lá comigo. [...] Aí ela me bateu, me pôs de castigo, falou que eu não preciso fazer mais nada pra ela, porque tudo que eu faço eu reclamo (Letícia).

Ainda no âmbito das relações pessoais, quando questionadas a respeito da rede de apoio, as adolescentes referiram ter uma rede pequena e frágil, composta em sua maioria por pares na escola. Apenas uma das participantes afirmou que, além de alguns amigos, contava com a tia e com o Centro de Valorização da Vida.

Pesquisadora: Você consegue pensar em algumas pessoas que você se sente bem pra conversar? Dafne: “Minha amiga que mora perto da minha casa. É a única, eu não consigo me abrir com a minha mãe, sabe (Dafne)?

Não sei, eu acho que eu não tenho importância pra ninguém. Aí eu vou pro meu quarto, fico lá sozinha, choro (Letícia).

Observa-se que nesse ambiente pouco acolhedor e sustentador para o adolescer, as adolescentes recorrem à experiência da ALNS. Diante dessas situações, falas como “só tinha as lâminas que me ajudavam (Marina) e “acho que não tenho importância pra ninguém (Letícia) são recorrentes e associadas à ALNS como enfrentamento e alívio dos estressores.

2º tema - Não vejo o colorido de antes

Este tema aborda as questões da adolescência pontuadas livremente pelas participantes nos relatos, e que foram fortemente articuladas à experiência da ALNS. Aparece aqui a questão da passagem da infância para a adolescência, passando pelo luto da perda da infância, e por características do adolescer, como a busca pela identidade nem sempre suportada pelo ambiente.

Não é uma mudança muito boa [] era tudo tão bom, eu era tão feliz, que agora com uma certa idade eu comecei a pensar nessas coisas, comecei a me sentir sozinha. Comecei a perder a esperança de tudo. Mas, ao mesmo tempo tá sendo bom, por causa que eu vou me tornando uma mulher (Dafne).

Observa-se que a infância aparece idealizada, simbolizada pelas cores e pelo colorido. Já a adolescência é representada pelo cinza, e por falas de terceiros, caracterizando-a como uma fase, como algo que passa.

As pessoas falam que é uma coisa que passa, mas não passa (Marina)!

Minha mãe até falou esses dias pra mim que eu era uma menina tão alegre, ela não sabia nem o que tava acontecendo comigo, imagina eu (Dafne).

Tem vez que a gente se sente pior, tem vez que não. Mas, eu não vejo mais o colorido de antes (Letícia).

Desenho-Estória de Letícia: o meu no começo era assim, tudo feliz, tudo com alegria, tudo certo, passarinhos, tudo bonitinho, minha mãe e meu pai, tudo certinho. Depois, não teve mais colorido, mais nada. Meus amigos me zuavam na escola, aí comecei a me cortar. Meu pai e minha mãe sempre me xingavam, sempre era eu, sempre tava errada. E meu irmão sempre dava risada. (Figura 2)

Figura 2
Desenho-Estória de Letícia. Cidade do estado de São Paulo, Brasil, 2019.

Quando se referem à autoimagem, as participantes trazem relatos de baixa autoestima e auto depreciação.

Agora eu comecei a ir na igreja, e aí quando alguém não quer falar comigo, ou só não quer conversar, não quer ficar perto, vem essa voz falando que é culpa minha, que eu sou ruim, que ninguém gosta de mim e que eu fiz alguma coisa errada (Amanda).

Desenho-Estória de Julia: eu fiz isso aqui, porque antigamente eu me cortava. E aqui é a minha perna, eu tinha escrevido “Eu me odeio” na minha perna aqui, porque eu cheguei num ponto de não gostar de mim, porque estava dando tudo errado pra mim. (Figura 3)

Figura 3
Desenho-Estória de Julia. Cidade do estado de São Paulo, Brasil, 2019.

DISCUSSÃO

Destaca-se o fato de que todas as participantes deste estudo eram do sexo feminino. Estudos vêm apontando um maior número desse comportamento em meninas.1919. Andrew T, Martin G, Hasking P, Page A. Predictors of onset for non-suicidal self-injury within a school-based sample of adolescents. Prev Sci [Internet]. 2014 [cited 2019 Sept 11];5(6):850-9. Available from: https://doi.org/10.1007/s11121-013-0412-8
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-2020. Heerde JA, Toumbourou JW, Hemphill SA, Herrenkohl TI, Patton GC, Catalano RF. Incidence and course of adolescent deliberate self-harm in Victoria, Australia, and Washington State. J Adolesc Health [Internet]. 2015 [cited 2019 Oct 05];57(5):537-44. Available from:Available from:https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.2015.07.017
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Entretanto, um estudo recente desenvolvido com amostra significativa de adolescentes com aproximadamente 15 anos, de dez países europeus e Israel, identificou que não ocorreu associação entre o gênero e um primeiro evento de ALNS.2121. Kaess M, Eppelmann L, Brunner R, Parzer P, Resch F, Carli V, et al. Life events predicting the first onset of adolescent direct self-injurious behavior - a prospective multicenter study. J Adolesc Health [Internet]. 2020 [cited 2019 Nov 02];66(2):195-201. Available from: https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.2019.08.018
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Uma das questões levantadas é que esses estudos que indicam uma associação da ALNS ao gênero feminino foram realizados com adolescentes mais jovens.2121. Kaess M, Eppelmann L, Brunner R, Parzer P, Resch F, Carli V, et al. Life events predicting the first onset of adolescent direct self-injurious behavior - a prospective multicenter study. J Adolesc Health [Internet]. 2020 [cited 2019 Nov 02];66(2):195-201. Available from: https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.2019.08.018
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Outra questão é que podem existir diferenças de gênero, essencialmente por eventos cumulativos relacionados à ALNS, um deles é a relação por pares, que pode trazer implicações diferentes para meninos e meninas. Tais relações podem levar a maior vulnerabilidade a problemas emocionais e comportamentais em meninas.2121. Kaess M, Eppelmann L, Brunner R, Parzer P, Resch F, Carli V, et al. Life events predicting the first onset of adolescent direct self-injurious behavior - a prospective multicenter study. J Adolesc Health [Internet]. 2020 [cited 2019 Nov 02];66(2):195-201. Available from: https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.2019.08.018
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Os elementos presentes nas experiências das adolescentes sobre a ALNS nos fazem olhar diretamente para o ambiente em que elas estão inseridas e suas inúmeras possiblidades de relação, e para o próprio processo do adolescer. A adolescência deve ser vista somente como uma fase? Os adolescentes necessitam menos de um ambiente sustentador que crianças? Como acolher o sofrimento adolescente, emanado muitas vezes pela não existência deste ambiente? Qual o papel da família e sociedade frente à ALNS e o desenvolvimento saudável dos adolescentes?

As adolescentes relataram experiências em ambientes percebidos por elas como hostis e não sustentadores, onde não encontram alternativas para alívio de estressores, facilitando a recorrência da ALNS. O mesmo ambiente invalida e agride quando se explicitam episódios de ALNS, levando-as a impossibilidade de expressão verdadeira. Winnicott discute em sua obra a importância de um ambiente facilitador para o amadurecimento saudável, em todas as etapas da vida.1212. Winnicott DW. O ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional. Porto Alegre, RS(BR): Artmed; 1983. Para existência de um ambiente facilitador é essencial que exista o holding, conceito inicialmente descrito como conjunto de cuidados físicos e psicológicos dispensados ao bebê no período posterior ao seu nascimento, destacando o amparo e acolhimento maternos.1212. Winnicott DW. O ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional. Porto Alegre, RS(BR): Artmed; 1983. Ao longo de sua obra, Winnicott amplia a compreensão de holding para além dos cuidados maternos, trazendo a noção de cuidado realizado em um ambiente que acolha o sujeito física e psicologicamente.1212. Winnicott DW. O ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional. Porto Alegre, RS(BR): Artmed; 1983.

Nesse sentido, as condições ambientais que possibilitam o holding são decisivas para o estabelecimento da saúde do indivíduo, assim como as psicopatologias e as diferentes formas de sofrimento mental estão diretamente associadas às falhas ou intrusões ambientais, como negligência, violência, traumas que invadem o sujeito.1212. Winnicott DW. O ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional. Porto Alegre, RS(BR): Artmed; 1983. Estudo desenvolvido junto a adolescentes vítimas de violência e acolhidos institucionalmente, desvelou que o apoio social afetivo foi determinante para romperem situações de violência a que eram expostos, essencialmente advindo da comunidade. Ademais, o apoio emocional recebido pelos profissionais da instituição de acolhimento foi apontado como significativo para enfrentamento das situações vivenciadas e adaptação, demonstrando a relevância do holding frente a experiências estressoras vivenciadas na adolescência.2222. Carlos DM, Ferriani MGC, Esteves MR, Silva LMP, Scatena L. Social support from the perspective of adolescent victims of domestic violence. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2014 [cited 2019 Sept 10];48(4):610-7. Available from: https://doi.org/10.1590/S0080-623420140000400006
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As relações interpessoais, como parte indispensável e determinante para a qualidade do ambiente, exercem papel fundamental na experiência de saúde dessas participantes. Observa-se a importância que essas relações têm tanto no relato das participantes quanto na teoria de Winnicott. A importância da experiência vivida com o outro é apontada a todo o momento no trabalho de Winnicott.1212. Winnicott DW. O ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional. Porto Alegre, RS(BR): Artmed; 1983. O teórico aponta que é somente por meio da experiência e, fundamentalmente, da experiência vivida com o outro, que o processo de amadurecimento se dá.1212. Winnicott DW. O ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional. Porto Alegre, RS(BR): Artmed; 1983. Quando fala das relações de dependência, é importante destacar que mesmo a etapa de maior independência ainda é uma independência relativa, demonstrando a necessidade da presença de outro ser humano.1212. Winnicott DW. O ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional. Porto Alegre, RS(BR): Artmed; 1983.

A autonomia do adulto, que começa a se apresentar na adolescência, só pode ser alcançada de fato quando existe um suporte social capaz de fazê-lo. O trabalho de Winnicott aponta o quão fundamental é um ambiente que apoie o indivíduo para que dele se separe e, assim, ser capaz de estar só. Compreende-se que o relacionar-se é fundamental no amadurecimento psíquico por toda a vida, pois até mesmo a expressão plena de autonomia e a capacidade de estar só dependem do ambiente e do suporte social.1212. Winnicott DW. O ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional. Porto Alegre, RS(BR): Artmed; 1983.

A importância dada às relações pessoais e rede de apoio é corroborada pela literatura. Adolescentes ingleses, em um estudo que buscou identificar estratégias de prevenção a ALNS, sugeriram que ter um suporte social capaz de escutar e acolher é um meio importante de prevenir a ALNS e de demonstrar apoio para pessoas que sentem vontade de se autolesionar.2323. Fortune S, Sinclair J, Hawton K. Adolescents’ views on preventing self-harm. A large community study. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol [Internet]. 2008 [cited 2019 Sept 11];43(2):96-104. Available from: https://doi.org/10.1007/s00127-007-0273-1
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Neste mesmo estudo os adolescentes apontaram que sentem frequentemente desejo de mais amor, atenção, tempo, apoio e cuidado por parte das famílias, que devem mostrar mais suporte e compreensão a respeito das mudanças enfrentadas na adolescência para prevenir a ALNS. Também foi mencionado que as amizades e relações entre pares são fatores de proteção, apontando para a correlação entre relações pessoais disfuncionais e a ocorrência da ALNS. Outro estudo realizado na Bélgica e Holanda apontou que o apoio familiar oferece ao adolescente, oportunidade de enfrentar sentimentos depressivos adequadamente, no lugar de recorrer à ALNS.2424. Claes L, Luyckx K, Baetens I, Van de Ven M, Witteman C. Bullying and victimization, depressive mood, and non-suicidal self-injury in adolescents: the moderating role of parental support. J Child Fam Stud [Internet]. 2015 [cited 2019 Sept 12];24(11):3363-71. Available from: https://doi.org/10.1007/s10826-015-0138-2
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Apesar da importância desvelada pelas participantes desse estudo, a rede de apoio das mesmas se apresentou fragilizada. Esse dado corrobora estudo realizado com famílias envolvidas em situação de violência contra crianças e adolescentes, em que os vínculos entre as famílias e instituições se mostraram fragilizados e pautados em apoio pontual e informativo. As famílias, em especial em situação de vulnerabilidade, se mostraram isoladas. Nesse sentido, tem dificuldades em romper ciclos de adoecimento, bem como oferecer ambiente sustentador a crianças e adolescentes.

Destarte, é urgente que a Enfermagem, pelo seu lugar privilegiado em serviços de saúde, em articulação interdisciplinar e intersetorial, construa estratégias para ações que abarquem o cuidado centrado na família, de maneira integral e por meio de intervenções significativas e empoderadoras.2121. Kaess M, Eppelmann L, Brunner R, Parzer P, Resch F, Carli V, et al. Life events predicting the first onset of adolescent direct self-injurious behavior - a prospective multicenter study. J Adolesc Health [Internet]. 2020 [cited 2019 Nov 02];66(2):195-201. Available from: https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.2019.08.018
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,2525. Carlos DM, Silva LMP, Beserra MA, Aragão AS, Gregory A, Ferriani MDGC. Social support network of family members of abused children and adolescents: Perspectives and possibilities. J Clin Nurs [Internet]. 2019 [cited 2019 Sept 12];28(5-6):814-27. Available from: https://doi.org/10.1111/jocn.14665
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Quando dizem das relações pessoais e de sua importância, as participantes do presente estudo indicaram o bullying como um gatilho relevante para a ALNS, reforçando achados anteriores que demonstram que há uma correlação positiva entre ser vítima de bullying e ter comportamentos autolesivos.2424. Claes L, Luyckx K, Baetens I, Van de Ven M, Witteman C. Bullying and victimization, depressive mood, and non-suicidal self-injury in adolescents: the moderating role of parental support. J Child Fam Stud [Internet]. 2015 [cited 2019 Sept 12];24(11):3363-71. Available from: https://doi.org/10.1007/s10826-015-0138-2
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,2626. Klomek AB, Snir A, Apter A, Carli V, Wasserman C, Hadlaczky G, et al. Association between victimization by bullying and direct self injurious behavior among adolescence in Europe: a ten-country study. Eur Child Adolesc Psychiatry [Internet]. 2016 Nov [cited 2019 Set 12]; 25(11):1183-93. Available from: https://doi.org/10.1007/s00787-016-0840-7
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-2727. Lereya ST, Copeland WE, Costello EJ, Wolke D. Adult mental health consequences of peer bullying and maltreatment in childhood: two cohorts in two countries. Lancet Psychiatry [Internet]. 2015 [cited 2019 Sept 12];2(6):524-31. Available from: https://doi.org/10.1016/S2215-0366(15)00165-0
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Os adolescentes que sofrem bullying têm um risco aumentado de se autolesionarem. Sofrer desse tipo de violência e a inabilidade de reagir adequadamente a isto podem causar estresse, medo e depressão que, consequentemente, pode ser gatilho para comportamentos autolesivos como meio de enfrentar tais emoções.2424. Claes L, Luyckx K, Baetens I, Van de Ven M, Witteman C. Bullying and victimization, depressive mood, and non-suicidal self-injury in adolescents: the moderating role of parental support. J Child Fam Stud [Internet]. 2015 [cited 2019 Sept 12];24(11):3363-71. Available from: https://doi.org/10.1007/s10826-015-0138-2
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Numa perspectiva macrossocial, se pode pensar essas questões, compreendendo-as como resultados dos processos sociais e, principalmente, os que se desdobram nas escolas e nas famílias. Esse aspecto aumenta os implicados ou responsáveis no enfrentamento da ALNS e na facilitação para o amadurecimento saudável na adolescência, visto que as participantes desse estudo demonstraram ter grande dependência no ambiente e nos adultos. Tal aspecto é corroborado por estudo na área, em que desajustes em eventos interpessoais, a saber, relações com a família e entre pares, se apresentaram como fatores de risco proximais ao primeiro episódio de ALNS na adolescência.2323. Fortune S, Sinclair J, Hawton K. Adolescents’ views on preventing self-harm. A large community study. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol [Internet]. 2008 [cited 2019 Sept 11];43(2):96-104. Available from: https://doi.org/10.1007/s00127-007-0273-1
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Ainda no estudo citado, os resultados reforçaram o papel de eventos estressores cumulativos ao longo da vida, trazendo à tona a relevância do acompanhamento integral de crescimento e desenvolvimento de crianças e adolescentes pelas equipes de saúde.2323. Fortune S, Sinclair J, Hawton K. Adolescents’ views on preventing self-harm. A large community study. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol [Internet]. 2008 [cited 2019 Sept 11];43(2):96-104. Available from: https://doi.org/10.1007/s00127-007-0273-1
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Nesse sentido, Winnicott observou que um dos paradoxos da adolescência é a oscilação entre a dependência infantil e a maturidade adulta, indo e voltando diversas vezes neste processo de desenvolvimento ao longo do ciclo vital.2828. Winnicott DW. Adolescência: transpondo a zona das calmarias. In: Winnicott DW, ed. A família e o desenvolvimento individual. 4th ed. São Paulo, SP(BR): WMF Martins Fontes; 2011. p. 115-28. Tal paradoxo nos leva a discutir outro dos elementos trazidos pelas participantes: o luto pelo fim da infância.

No adolescer, há o rompimento do “eu infantil” previamente estabelecido, e surge a necessidade de empenho na resolução desse problema de existência, e na descoberta da identidade atual.2828. Winnicott DW. Adolescência: transpondo a zona das calmarias. In: Winnicott DW, ed. A família e o desenvolvimento individual. 4th ed. São Paulo, SP(BR): WMF Martins Fontes; 2011. p. 115-28. Com o advento da puberdade, as transformações físicas podem, de fato, representar uma quebra na continuidade da vida, e representar algo desalojador do si-mesmo, trazendo consigo algumas alterações importantes para o processo de amadurecimento. Em primeiro lugar, a adolescência potencializa um poder de dominar e de destruir que pode ser assustador. Em segundo, os leva a repetir as angústias dos estágios precoces do desenvolvimento. Além disso, todas essas mudanças favorecem o sentimento de irrealidade, e sua luta, nesse momento, é para sentir-se real.2828. Winnicott DW. Adolescência: transpondo a zona das calmarias. In: Winnicott DW, ed. A família e o desenvolvimento individual. 4th ed. São Paulo, SP(BR): WMF Martins Fontes; 2011. p. 115-28.

A natureza da autolesão parece estar relacionada à forma com que o sujeito vivencia e maneja as exigências de um ambiente não saudável. Quando um adolescente, inábil para expressar-se em palavras, vivencia traumas nesse tipo de ambiente, pode recorrer à autolesão como alívio da dor psíquica em uma tentativa de manifestá-la no corpo físico.2828. Winnicott DW. Adolescência: transpondo a zona das calmarias. In: Winnicott DW, ed. A família e o desenvolvimento individual. 4th ed. São Paulo, SP(BR): WMF Martins Fontes; 2011. p. 115-28. Qual deve ser a postura, então, da sociedade, da escola, da família e dos profissionais de saúde no enfrentamento da ALNS e do sofrimento psíquico adolescente? Essa postura inclui compreender, acolher e fazer-se presente frente às necessidades paradoxais, suportando os conflitos e agressividade que podem emergir naturalmente na adolescência. É uma tarefa delicada que, como ressalta Winnicott, é bem diferente de buscar a cura para os males da adolescência.2828. Winnicott DW. Adolescência: transpondo a zona das calmarias. In: Winnicott DW, ed. A família e o desenvolvimento individual. 4th ed. São Paulo, SP(BR): WMF Martins Fontes; 2011. p. 115-28.

Afinal, a adolescência, apesar das demarcações cronológicas, é uma construção social relativamente recente. Trata-se de um período dinâmico, atravessado por marcas culturais e históricas, que não deve ser analisado apenas pelo viés cronológico ou biológico.11. Ministério da Saúde (BR). Proteger e Cuidar de Adolescentes na Atenção Básica [Internet]. Brasília, DF(BR): Editora do Ministério da Saúde; 2017 [cited 2019 June 8]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/proteger_cuidar_adolescentes_atencao_basica.pdf
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Deve ser compreendida em si, e não apenas como período de preparação para a vida adulta. Assim como qualquer fase do desenvolvimento humano, este é também um momento singular, que varia de pessoa para pessoa. Portanto, o cuidado e a atenção devem pautar-se sempre na integralidade.11. Ministério da Saúde (BR). Proteger e Cuidar de Adolescentes na Atenção Básica [Internet]. Brasília, DF(BR): Editora do Ministério da Saúde; 2017 [cited 2019 June 8]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/proteger_cuidar_adolescentes_atencao_basica.pdf
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Por fim, salienta-se que os resultados do presente estudo possuem algumas limitações, como a amostra composta apenas por adolescentes do sexto feminino e o fato do recrutamento destas ter sido feito apenas via indicação da diretoria da escola. Os dados encontrados apontam para a necessidade de novos estudos que se debrucem sobre as estratégias de enfrentamento da ALNS utilizadas por adolescentes e sobre a visão de familiares e profissionais que lidam diretamente com a ALNS, como profissionais da educação e saúde sobre o fenômeno.

Ressalta-se que a Enfermagem ocupa papel articulador de políticas entre esses setores, bem como pode utilizar de espaços da assistência, em especial na APS, como visitas domiciliares, acolhimento e consultas para potencializar ambientes saudáveis visando o desenvolvimento integral de adolescentes. Ademais, pode colaborar na construção de normas técnicas e fluxos de atendimento voltados ao cuidado qualificado de adolescentes,2929. Gonçalves CFG, Silva LMP, Pitangui ACR, Silva CC, Santana MV. Network action for the care of adolescente victims of violence: challenges and possibilities. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2015 [cited 2019 Sept 11];24(4):976-83. Available from: https://doi.org/10.1590/0104-0707201500004580014
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bem como na articulação intersetorial de programas de prevenção de agravos e promoção da saúde.

CONCLUSÃO

A partir das experiências das adolescentes que se autolesionaram, observou-se que se trata de um fenômeno múltiplo, intimamente relacionado com o ambiente, que merece atenção e cuidado na área da saúde da criança e do adolescente. As questões presentes no processo de adolescer emergiram como elementos essenciais para a compreensão e enfrentamento da ALNS.

Por sua característica múltipla, as políticas de enfrentamento e prevenção da ALNS devem abarcar diversas áreas, como a saúde, educação e assistência social. O fortalecimento dos vínculos e da rede de apoio familiar e de pares deve sustentar tais políticas, além da presença de programas de saúde mental nas escolas para conscientizar, sensibilizar e oferecer apoio para adolescentes em sofrimento mental.

O bullying foi apontado como um dos gatilhos importantes para a ALNS, sinalizando a importância de incluir a prevenção dessa violência em intervenções com adolescentes que se autolesionam. Destaca-se, novamente, que o olhar para a saúde no ambiente escolar deve ser cada vez mais presente e fortalecido.

A aproximação das experiências da ALNS por adolescentes que se autolesionaram aponta caminhos para intervenções futuras, além de contribuir para o entendimento do fenômeno em si, dando voz às próprias pessoas envolvidas nele. Nesse sentido, traz subsídios interessantes para o planejamento do cuidado em Enfermagem, a um público ainda negligenciado nas ações de saúde e a um agravo cada vez mais presente nos serviços de saúde.

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NOTAS

  • FINANCIAMENTO

    Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, Processo 2019/09333-9. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
  • APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

    Aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Carlos, parecer n. 3.526.677/2019, Certificado de Apresentação para Apreciação Ética 17176219.6.0000.5504.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    09 Fev 2020
  • Aceito
    04 Jun 2020
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