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Downside Risk Aplicado a Carteiras de Ações Brasileiras durante Período Pandêmico da COVID-19

RESUMO

O objetivo desse artigo é a formação e a otimização de carteiras de investimento com ações negociadas na B3 e baseada na teoria de diversificação do modelo de Markowitz e na Programação Quadrática. Considerou-se a minimização do risco da carteira pelo sistema Downside Risk, modelado e implementado computacionalmente. O período de coleta de dados iniciou-se em 2020, ano em que houve uma crise econômica mundial em razão da pandemia da Sars-CoV-2 e consequentes medidas de isolamento que afetaram profundamente a economia. Foram formadas três carteiras que performaram entre Janeiro de 2021 a Março de 2022 e mostraram resultados acima do esperado em comparação à variação percentual do Ibovespa.

Palavras-chave:
programação quadrática; Downside Risk; pandemia COVID-19

ABSTRACT

Objective of this paper is the formation and optimization of investment portfolios with shares traded on B3 and based on the theory of diversification of the Markowitz model and on Quadratic Programming. The minimization of the portfolio risk was considered by the Downside Risk system, modeled and implemented computationally. The data collection period began in 2020, the year in which there was a global economic crisis due to the Sars-CoV-2 pandemic and consequent isolation measures that profoundly affected the economy. Three portfolios were formed that performed between January 2021 and March 2022 and showed better-than-expected results compared to the percentage change in the Ibovespa.

Keywords:
quadratic programming; Downside Risk; COVID-19 pandemic

1 INTRODUÇÃO

No cenário econômico atual, ao estabelecer uma carteira de ações, os investidores buscam alternativas para obter o maior lucro possível dentro de um cenário de risco reduzido, representando uma situação ideal. Para auxiliá-los, o uso da Teoria Moderna de Portfólio de Markowitz é bastante frequente 1717 M. Rubinstein. Markowitz’s portfolio selection: A fifty-year retrospective. The Journal of finance, 57(3) (2002), 1041-1045..

Em 2020, teve início a pandemia da COVID-19 e com ela, uma crise sanitária generalizada que afetou rapidamente a economia mundial. Foi observada uma queda abrupta nas bolsas de valores ao redor do mundo, inclusive no Brasil. O que podia parecer um desastre total para os investidores de ações, começou a ser visto como um momento com oportunidades de lucro a médio prazo, apostando numa recuperação da economia em razão dos avanços na busca por uma vacina contra a doença.

O estudo aqui apresentado justifica-se pela alta procura por investimentos em renda variável pelo pequeno e médio investidor que, muitas vezes, não está preparado para envolver-se com a bolsa de valores e os riscos que maus investimentos podem causar. Outro fator importante está no olhar do investidor aos períodos de maior crise durante a história e como esses períodos podem gerar oportunidades de ganhos.

Neste artigo, analisou-se o mercado financeiro no período de janeiro de 2020 até março de 2022. Então, com base em dados estatísticos, na Teoria Moderna de Portfólio de Markowitz e no Modelo Downside Risk, construiu-se três carteiras de investimento em ações listadas na Bolsa de Valores do Brasil, a B3, sendo que os dados do ano de 2020 foram utilizados para construção de uma carteira que performou de janeiro a junho de 2021, que foi o período utilizado para definição de uma carteira para performar de julho a dezembro de 2021, período este utilizado para montar uma terceira carteira, performada de janeiro a março de 2022. As carteiras foram otimizadas a fim de minimizar seus respectivos riscos para um determinado nível de retorno esperado, por meio da resolução de um problema de programação quadrática 1515 J. Nocedal & S. Wright. “Numerical Optimization”. Springer, New York, 2nd ed. (2006)..

Otimizar carteiras de investimento fazendo uso da Teoria Moderna de Portfólio de Markowitz é uma prática utilizada com significativa recorrência há tempos. Ela fornece um cálculo de risco da carteira baseado nas variâncias e covariâncias dos ativos selecionados. Contudo, com o avanço dos estudos posteriores à criação desta teoria, surgiu o questionamento sobre a forma de calcular esse risco, uma vez que o cálculo da variância faz com que dados heterogêneos sejam interpretados como maior volatilidade de uma ação e consequente risco ao investidor, sem diferenciar oscilações acima do retorno médio e abaixo desse valor.

Um retorno acima da média oferece um resultado positivo para o investidor que deseja o maior lucro possível. Assim, uma oscilação positiva não deveria ser considerada risco à carteira, ao contrário das oscilações abaixo da média, que trazem de fato um risco ao capital investido.

Deste modo, a partir dos estudos e revisões da Teoria Moderna de Portfólio de Markowitz, surge o Modelo Downside Risk que diferentemente do modelo clássico de Markowitz, considera as oscilações positivas apenas como incerteza e não risco ao investidor, isto é, apenas o lado negativo de uma distribuição normal de probabilidades dos dados colhidos a partir dos retornos médios dos ativos é considerado como risco 77 J. Estrada. Mean-semivariance optimization: A heuristic approach. Journal of Applied Finance (Formerly Financial Practice and Education), 18(1) (2008)..

A vantagem em utilizar a medida de risco do Modelo Downside Risk na otimização de carteiras de investimento consiste em obter resultados mais precisos. Com a recente crise financeira enfrentada devido à pandemia da COVID-19, percebeu-se a oportunidade de aplicar o referido modelo à carteiras de ações neste delicado período, observando seus desempenhos e expectativa de resultados positivos apesar de um momento adverso, o que caracterizou um trabalho inovador. A relevância deste estudo consiste não apenas em otimizar carteiras de investimento em um momento crítico da economia mundial, mas otimizá-las de maneira ainda mais eficiente, levando em conta apenas as variações negativas da cotações das ações para determinação do risco.

2 MERCADO FINANCEIRO E PANDEMIA COVID-19

A integração econômica entre países faz com que eventos externos afetem a economia local. Assim, os mercados mundiais apresentam tendências semelhantes, seja em períodos de ascensão ou de crise.

Em dezembro de 2019, alguns casos de pneumonia começaram a ser registrados em pacientes de Wuhan, província chinesa de Hubei. Em janeiro de 2020, foi possível estabelecer a causa: o advento de uma nova cepa de um vírus pertencente à família Coronaviridae1. O Comitê Internacional de Taxonomia de Vírus o nomeou como Síndrome Respiratória Aguda Grave, Síndrome Coronavírus Dois ou Sars-CoV-2. Esse vírus está relacionado à transmissão zoonótica e tem como principais sintomas febre, cansaço e tosse seca. A transmissão ocorre por via aérea, sendo elevado o índice de contágio, o que forçou medidas que restrinjissem a concentração de pessoas entre 2020 e 2021 88 H.L. Feyisa. The World Economy at COVID-19 quarantine: contemporary review. International journal of economics, finance and management sciences, 8(2) (2020), 63-74..

Governantes brasileiros, com base nas experiências de outros países, decidiram implementar um plano de contenção e mitigação da infecção por COVID-19 com o fechamento de estabelecimentos públicos e privados, restrição de mobilidade nas fronteiras e isolamento temporário da população.

O mercado financeiro reagiu à notícia da pandemia do coronavírus de forma drástica e intensa, considerando-a uma das maiores crises sanitárias da história. O termo Circuit breaker, um mecanismo de proteção que interrompe os negócios nas bolsas de valores do Brasil quando as quedas são muito expressivas, mais especificamente, quando a ibovespa cai mais que 10%, passou a ser utilizado com certa frequência. Apenas em 2020, o Circuit breaker foi acionado 6 vezes em 8 pregões. Em toda a história, esta prática ocorreu 24 vezes no total 22 Bolsa de Valores B3. URL URL http://www.b3.com.br . Acesso março/2022.
http://www.b3.com.br...
.

Em vista deste cenário, o Comitê de Política Monetária (Copom) realizou sucessivos cortes na taxa básica de juros como forma de estímulo à economia. Neste período, houve grande adesão de pessoas físicas na bolsa de valores. No primeiro semestre de 2021 havia na B3 cerca de 3,2 milhões de investidores contra 2,2 milhões no mesmo período do ano anterior. Esse movimento foi impulsionado justamente pela redução da taxa Selic. Esta entrada de brasileiros no mercado de ações compensou a retirada de capital estrangeiro e equilibrou, em certa medida, a balança financeira 1616 B. Quesada. “Revista Exame”. Editora e Comércio Valongo Ltda, São Paulo, 1232 ed. (2021)..

3 TEORIA DE MARKOWITZ

Ao criar uma carteira de investimentos, o interesse do investidor geralmente está em obter o maior lucro com o menor risco de perda de capital. Para tanto, há a necessidade de utilizar algum modelo matemático para atingir o objetivo esperado ou se aproximar o máximo possível deste. A Teoria Moderna de Portfólio de Markowitz veio para auxiliar nesta perspectiva e nas tomadas de decisões do mercado financeiro. Na realidade, o modelo de média-variância de Markowitz foi o precursor na área de otimização de portfólio, onde o retorno esperado e a volatilidade do mesmo são de extrema importância na definição da melhor carteira de investimento 1111 H. Markowitz. Portfolio selection. Journal of Finance, 1 (1952).) (1717 M. Rubinstein. Markowitz’s portfolio selection: A fifty-year retrospective. The Journal of finance, 57(3) (2002), 1041-1045.. O problema é formulado de modo a minimizar o risco do portfólio ou maximizar o nível de retorno do mesmo.

Deste modo, para cada valor de retorno esperado, o investidor deseja buscar o menor nível de risco possível. Como os ativos não são perfeitamente correlacionados entre si, é possível por meio da diversificação obter um portfólio com menor risco. A diversificação consiste no fato do investidor dividir seus recursos nos diversos ativos financeiros, reduzindo assim os riscos de perda de capital.

A concentração de investimentos gera maior risco para o investidor, de forma que a diversificação dos mesmos proporciona uma redução de risco na carteira. A diversificação defendida por Harry Markowitz relaciona o grau de correlação entre os retornos dos ativos e procura combinar ativos que têm correlações baixas, gerando uma carteira de investimentos com risco reduzido.

A diversificação está relacionada com o Teorema do Limite Central. A soma de muitas variáveis aleatórias independentes e com mesma distribuição de probabilidade tende à distribuição normal, ou seja, à distribuição Gaussiana 1313 P.L. Meyer. “Probabilidade: aplicações a estatística”. LTC, Reading (2009)..

A variável diversificação será controlada e manipulada de forma que se possa encontrar a combinação ótima das ações que leve ao menor risco possível para o portfólio, dado um retorno específico.

Desta maneira, um investidor deve escolher um conjunto de ativos para compor uma carteira obedecendo às restrições de disponibilidade de recursos ou de outra natureza e fazendo uso da diversificação.

Consideram-se n ativos, com taxas de retorno r 1, ..., r n , sendo que um portfólio é especificado pela quantidade investida em cada ativo, w 1, ..., w n . As taxas de retorno são consideradas variáveis aleatórias. Os dados do modelo (que supõem-se conhecidos) são o vetor das taxas de retorno esperadas, E(r), e a matriz de covariância das taxas de retorno, Cov(r). É um pressuposto do modelo termos a matriz de covariância definida positiva.

Para carteiras formadas por diferentes ativos, a variância será dada por:

V = i = 1 N j = 1 N w i w j s i j (3.1)

onde:

  • N: número de ativos na carteira;

  • wi: peso do ativo i na composição da carteira;

  • wj: peso do ativo j na composição da carteira;

  • si j: covariância entre o par de ativos i e j, se i for diferente de j e variância se i for igual a j.

O risco de um portfólio pode ser calculado pela sua variância. O investidor deseja buscar uma solução para o trade-off entre média e variância. O modelo de média-variância de Markowitz pode ser descrito pelo seguinte problema de programação quadrática:

m i n i = 1 N j = 1 N w i w j s i j (3.2)

s u j e i t o a i = 1 N w i r i = μ (3.3)

i = 1 N w i = 1 (3.4)

w i 0 p a r a i = 1 , 2 , . . . , N , (3.5)

sendo µ o valor esperado do retorno do portfólio.

A equação (3.2), tem como objetivo minimizar a variância do portfólio, isto é, minimiza o risco da carteira e, a equação (3.4) garante que todo o capital disponível seja investido.

O modelo matemático da Teoria Moderna de Portfólios identifica, dentre as infinitas possibilidades de combinações entre ativos diferentes, aquelas que se localizam na fronteira eficiente: uma curva que une todas as carteiras capazes de gerar o máximo retorno possível, para cada nível de risco 1212 D. Martin, A. Clark & C. Green. “Robust Portfolio Construction”. Springer, New York, 2nd ed. (2010).) (1414 H. Moosaei & M. Hladík. “Minimum norm solution of the Markowitz mean-variance portfolio optimization model”. Mendel University in Brno (2020), 383-388 p..

Apesar da grande influência da Teoria Moderna de Portfólios, hoje mais de cinquenta anos após o trabalho de Markowitz, alguns problemas identificados na teoria original estimularam a busca de técnicas mais avançadas para a otimização de portfólios de ativos financeiros. Na literatura, alguns algoritmos, como os propostos por Sharpe (1963) 1818 W.F. Sharpe. A Simplified Model for Portfolio Analysis. Management Science, 9 (1963), 277-293. e Elton, Gruber e Padberg (1977) 66 J. Elton, J. Gruber & M. Padberg. Simple Rules for Optimal Portfolio Selection: The Multi Group Case. Journal of Financial and Quantitative Analysis, 12 (1977), 329-345., foram criados a fim de linearizar e melhorar a eficiência do modelo de covariância de Markowitz.

O grande problema é que o modelo possui premissas que o tornam menos eficiente. Por exemplo, assume-se que apenas os dois primeiros momentos da distribuição probabilística dos retornos importam. É precisamente por esta razão que ele também é conhecido como o modelo da média e da variância. O modelo utiliza o desvio-padrão como medida única do risco de uma carteira e uma distribuição normal para os retornos, sendo essa uma premissa muitas vezes não satisfeita na prática.

4 MODELO DOWNSIDE RISK

Pelo modelo downside risk, a volatilidade é considerada como incerteza a partir de determinado valor e não mais como risco ao investidor, diferente do modelo clássico de Markowitz 77 J. Estrada. Mean-semivariance optimization: A heuristic approach. Journal of Applied Finance (Formerly Financial Practice and Education), 18(1) (2008)..

Em investimentos, o modelo downside risk é uma importante ferramenta no estudo do risco atrelado a investimentos diversos. Ao considerar apenas as diferenças negativas, o modelo de determinação do risco de uma carteira de investimentos será baseado apenas nas variações negativas do preço de um ativo, ou seja, quando houve perdas no período. As variações positivas indicam ganho, uma vez que quando isto ocorre, o preço do ativo está acima da média histórica do período.

Matematicamente, serão considerados para cálculo da semivariância os valores dados pela equação (4.1):

min z i , 0 z i se z i < 0 0 s e z i 0 (4.1)

onde zi=xi-x¯ é a diferença entre uma amostra e a média.

Tomando todos os valores z i < 0, a semivariância ς poderá ser calculada como mostra a equação (4.2)

ς = i = 1 n z i 2 n (4.2)

onde n é o número de amostras.

Assim, o problema de programação quadrática pode ser escrito utilizando o modelo downside risk para minimização do risco da carteira, como mostra na relação (4.3):

min i = 1 N j = 1 N w i w j Ω i j Sujeito a i = 1 N w i r i = μ i = 1 N w i = 1 w i 0 , para i = 1 , 2 , , N (4.3)

onde Ωi j é a semi-covariância entre dois ativos ou semivariância quando i = j e é dado por:

Ω i j = 1 T t = 1 T min r i t , 0 × min r j t , 0 .

Neste modelo utiliza-se min(r i , 0), embora seja possível calcular de outras formas como minri, r¯ ou min(r i , s), sendo s um retorno desejado pelo investidor. A escolha pela comparação com o 0 se dá em razão da simetria da matriz de semi-covariância (Ωi j = Ω ji , ∀i, j = 1, 2, . . . , T ), necessária para o algoritmo de resolução de problema de programação quadrática. Utilizando como comparação r¯ ou s existe a possibilidade de que a matriz gerada não seja simétrica, trazendo mais complexidade à resolução do problema 77 J. Estrada. Mean-semivariance optimization: A heuristic approach. Journal of Applied Finance (Formerly Financial Practice and Education), 18(1) (2008)..

Para investimentos, a relação entre risco e retorno pode determinar o quão confortável o investidor está com as escolhas que fez. Basear-se em um método numérico e estatístico significa fornecer uma forte base psicológica para o investidor seguir seus projetos 1919 T.R. Tomaselli & L.C. Oltramari. A psicologia do mercado acionário: representações sociais de investidores da BOVESPA sobre as oscilações dos preços. Estudos de Psicologia (Natal), 12 (2007), 275-283.. O modelo Down- side Risk se apresenta, então, como uma alternativa desejável em relação à média-variância por preocupar-se com o risco inerente às ações sem deixar de aproveitar picos de valorização dos ativos que compõem uma carteira. Além desse fator, esse modelo permite uma rotina de revisões em torno das ações adquiridas e seus respectivos percentuais máximos de exposição.

5 SELEÇÃO DOS ATIVOS PARA FORMAÇÃO DAS CARTEIRAS DE INVESTIM&OS

Do grande número de ativos disponíveis na bolsa brasileira, foram selecionadas 35 ações, negociadas no período de janeiro à dezembro de 2020. A seleção de tais ações deu-se pela análise fundamentalista, que estuda o cenário econômico e os ciclos do mercado, bem como aspectos específicos de cada empresa.

A Tabela 1 mostra as 35 ações escolhidas na bolsa brasileira. Foram selecionadas empresas de 22 setores diferentes, o que auxilia na diversificação proposta por Markowitz.

Tabela 1
Ações selecionadas para composição de carteira de investimentos.

As ações de 1 à 12 são de empresas de setores perenes, ou seja, tem baixa volatilidade no longo prazo e costumam valorizar-se sem relação com os ciclos de mercado, dada a demanda por serviços básicos como água, saneamento e energia elétrica, bem como o setor de seguros, que foi impactado pela crise do Coronavírus, porém, aumentou a base de clientes nas empresas, fazendo com que sua recuperação fosse acelerada.

O setor bancário destaca-se com a alta dos juros, porém, não deixa de gerar lucro em períodos de baixa dos juros devido à sua capacidade de transferência de valores e financiamento de empresas.

A procura constante pela evolução da infraestrutura de empresas faz com que setores ligados a metalurgia, máquinas e equipamentos sejam sólidos e apresentem crescimento quase constante. Fato que apoiou a escolha de empresas como Weg (WEGE3), Gerdau (GGBR4) e Unipar (UNIP6).

Algumas empresas representam quase o todo de seus setores, fazendo com que sejam bastante sólidas, como Telefônica (VIVT3), Ambev (ABEV3) e Brasil Agro (AGRO3).

Nos setores cíclicos, impactados pela variação dos juros e inflação, destacam-se construção e comércio, que se desvalorizam com a alta dos juros, por estarem ligadas ao consumo de bens e financiamentos, que ficam mais caros com os juros altos. Também destacam-se as commodities, que são impactadas positivamente pelo ciclo de alta dos juros. Empresas como Petrobrás (PETR4), Brasil Agro (AGRO3), Bradespar (BRAP4), Marfrig (MRFG3) e Petrorio (PRIO3) são destaques destes setores.

Para completar, foram escolhidas empresas fortemente impactadas pela pandemia. Setores como o de transportes aéreos, viagens e lazer ainda sofrem com a desvalorização causada pelas restrições aplicadas ao redor do mundo.

Numa análise geral, as ações foram escolhidas considerando a solidez de empresas em seus setores, fazendo com que os lucros destas empresas sejam em sua maioria crescentes, o que impacta positivamente no valor de mercado obtido pelo produto entre o número de ações em circulação e seu preço unitário.

Ações com baixo valor de mercado quando comparadas com empresas como Petrobras (PETR4 e PETR3) com valor de mercado acima de 400 bilhões de reais e Itausa (ITSA3 e ITSA4) com valor de mercado próximo a 190 bilhões de reais foram escolhidas devido a seu potencial de crescimento nos próximos anos, casos como ENBR3 (4,4 bilhões de reais), MGLU3 (16,7 bilhões de reais) e EZTC3 (4,1 bilhões de reais).

Apesar da volatilidade que empresas cíclicas podem gerar na carteira, uma composição entre setores que se beneficiam com a alta dos juros como os bancos e commodities e os que sofrem nesse aspecto como construtoras e comércio fornecem diversificação através da baixa correlação.

Após a análise fundamentalista das empresas selecionadas, utilizou-se um método quantitativo para filtrar as ações e escolher aquelas que fornecem um menor nível de correlação. Foram selecionadas 20 ações para compor a carteira de investimentos, observando a correlação entre as empresas. Quanto maior for o grau de correlação entre duas ou mais empresas, maior será o risco diversificável da carteira, uma vez que existe a possibilidade de crise no setor que afeta todas essas ações, causando desvalorização dos papeis e, consequentemente, da carteira. Por outro lado, empresas pouco correlacionadas fornecem uma boa diversificação para a carteira e menor risco ao capital do investidor, mesmo que para isso os rendimentos sejam reduzidos.

A partir da ferramenta correlação do software Libreoffice Calc, calculou-se os níveis de correlação entre as empresas escolhidas, ou seja, comparadas duas a duas, as ações apresentam um valor entre -1 e 1, em que quanto mais próximo de -1, mais divergente é o movimento das cotações das duas ações e quanto mais próximo de 1, mais similares são as movimentações de preço entre as ações analisadas. Já as correlações próximas a 0 significam um alto nível de independência nas movimentações de mercado das ações em estudo. A partir desse cálculo, uma matriz triangular é gerada, sendo possível determinar as empresas com menores níveis de correlação. Na Tabela 2, encontra-se a relação das 20 ações selecionadas, juntamente com os códigos das empresas, chamados de tickers, o menor nível de correlação detectado e a ação correspondente à comparação. Nota-se que VIVT3 apresenta descorrelação com a maioria dos ativos em carteira, podendo ser considerado um ativo de proteção contra grandes quedas na carteira.

Tabela 2
Ações selecionadas após comparação da correlação.

6 PROBLEMA DE PROGRAMAÇÃO QUADRÁTICA

A resolução de Problemas de Programação Quadrática pode ser resolvido com métodos de programação linear devido a convexidade da função objetivo e sendo todas as restrições lineares 33 S. Carvalho, C. Lyra & A.R.L. Oliveira. Predispatch of hydroelectric power systems with modifications in network topologies. Annals of Operations Research - Springer, 2 (2018), 1-19.) (44 S. Carvalho & A.R.L. Oliveira. Interior point method applied to the predispatch problem of a Hydroelectric with scheduled line manipulations. American Journal of Operations Research, 1 (2012), 266-271.) (55 S.M.S. Carvalho & A.R.L. Oliveira. Interior Point Methods Applied to the Predispatch Hydroelectric System with Simulated Modification in the Network Topology. Magazine IEEE Latin America, 13 (2015), 143-149. . Com a carteira de ações definida, foi possível determinar o Problema de Programação Quadrática 11 M.S. Bazaraa, J.J. Jarvis & H.F. Sherali. “Linear Programming and Network Flows”. John Wiley & Sons, New York, 4th ed. (2009). tema deste trabalho.

Primeiramente, são definidas as variáveis do problema, dadas pelos pesos percentuais de cada ação, apresentadas pela Tabela 3 e reunidas no vetor w das variáveis, como mostra a Equação (6.1).

w = w 1 w 2 w 20 (6.1)

Tabela 3
Pesos percentuais dos 20 ativos selecionados.

Através do Libreoffice Calc, calculou-se a matriz de semicovariância entre os 20 ativos, com base nos dados históricos das cotações de cada ação referentes ao ano de 2020. Deste modo, definiu-se a função objetivo do problema em questão pela minimização do risco da carteira, calculada em relação às semivariâncias e semi-covariâncias entre os ativos, conforme apresentado no problema (4.3).

Com o objetivo de minimizar o risco associado à carteira de ações, deve-se buscar um retorno específico. O retorno da carteira formada neste trabalho considerou os ganhos de um dos maiores investidores da história: Warren Buffet.

Warren Buffet é conhecido por seus investimentos muito rentáveis e por sua perspicácia em notar e aproveitar-se dos ciclos econômicos. Buffet ostenta uma média de retorno de 20% ao ano com seus investimentos. Marca difícil de ser batida por investidores em um prazo tão longo, sustentando os ganhos por mais de 50 anos 99 R. Hagstrom. “The Warren Buffett Way” (2013)..

Desta forma, buscou-se obter um retorno de 20% a.a. com a carteira de ações e, como os ativos foram analisados mensalmente, a taxa utilizada foi de µ = 1,53% a.m.

Deste modo, a restrição do retorno esperado é definida pela Equação (6.2)

w T r = μ (6.2)

onde µ = 1,53% e r é o vetor dos retornos médios mensais dos ativos durante o ano de 2020. Uma outra restrição do problema obriga a aplicação de todo o capital do investidor, ou seja,

w 1 + w 2 + + w 20 = 1 .

Mais uma restrição foi aplicada, reduzindo a alocação máxima em cada ativo. Essa medida foi tomada em razão do risco que a alta exposição a um único ativo pode causar para a carteira e, consequentemente, ao capital investido. Nas duas carteiras elaboradas para o ano de 2021, a alocação máxima utilizada foi de 10% em cada ativo e, na carteira elaborada para o primeiro trimestre de 2022, este valor aumentou para 18%, uma vez que nenhuma solução factível seria encontrada pelo algoritmo utilizado atribuindo peso menor às ações em razão da forte queda das cotações no semestre anterior, não sendo possível atingir o retorno esperado. A Equação (6.3) mostra a restrição aplicada, onde I 20 é a matriz identidade de ordem 20.

I 20 w ( 10 % , 10 % , , 10 % ) T 20 × (6.3)

A restrição de não negatividade é definida pela Equação (6.4)

I 20 w 0 (6.4)

Após a definição das restrições e da função objetivo, tem-se o Problema de Programação Quadrática tema deste trabalho, como apresentado a seguir, onde foi considerada a alocação máxima em cada ativo em 10%.

M i n w T Ω i j w S u j e i t o a w T r = 0 , 0153 i = 1 20 w i = 1 I 20 w 0 , 1 0 , 1 0 , 1 - I 20 w 0 (6.5)

7 RESULTADOS E ANÁLISE DE DESEMPENHO

Com a carteira de ações definida, utilizou-se o pacote cvxopt, implementado computacionalmente em linguagem de programação Python para resolver o Problema de Programação Quadrática (6.5), que atende à forma padrão do algoritmo utilizado.

O algoritmo cvxopt.solvers.qp resolve Problemas de Programação Quadrática através de solvers que linearizam a função objetivo do problema e utilizam um método baseado no simplex, desde que a função objetivo seja convexa e a matriz de coeficientes dos termos quadráticos do problema seja simétrica 11 M.S. Bazaraa, J.J. Jarvis & H.F. Sherali. “Linear Programming and Network Flows”. John Wiley & Sons, New York, 4th ed. (2009).) (1010 D.G. Luenberger. “Linear and Nonlinear Programming”. Addison-Wesley, Reading, 4th ed. (2015).) (2020 R.J. Vanderbei. “Linear Programming - Foundations and Extensions”. Kluwer Academics Publishers, Boston, USA, 4th ed. (2017)..

O referido algoritmo foi implementado três vezes como mostrado na Tabela 4: para as duas carteiras referentes aos dois semestres de 2021 e para a carteira referente ao primeiro trimestre de 2022. Para as carteiras que performaram o primeiro e segundo semestre de 2021, o algoritmo determinou a solução ótima de Problemas de Programação Quadrática após 7 iterações, com tempo computacional 8,93 × 10−3s e 8,67 × 10−3s respectivamente . Já para a carteira de 2022, o programa encontrou a solução ótima após 10 iterações, dentro de 9,41 × 10−3s. Esta ocorrência deve-se ao fato de que os dados estavam distribuídos de tal forma que foi mais difícil encontrar soluções factíveis. Ao refletir sobre essa diferença, é possível observar que durante o segundo semestre de 2021, período durante o qual foram colhidos os dados para montagem da carteira de 2022, grande parte dos ativos da bolsa brasileira apresentou queda em suas cotações, como mostra a Figura 1. A elipse em destaque evidencia um movimento de queda nas cotações representadas pela linha azul.

Tabela 4
Resultados Algoritmo.

Figura 1
Gráfico do Ibovespa entre 2018 e 2022.

Esse movimento de baixa fez com que os dados gerados para retorno médio fossem em maior parte negativos, tornando maior o risco da carteira e mais morosa a determinação de uma solução cuja restrição de retorno esperado e peso máximo por ação fossem atendidas.

Ainda que exista essa diferença no número de iterações, não foi observada maior assimetria no tempo de execução do algoritmo, o que significa que para problemas desta magnitude o algoritmo utilizado é suficientemente capaz de determinar a solução ótima em pouco tempo.

Ao final do processo de otimização das três carteiras, obteve-se o peso percentual do capital a ser alocado para cada ação, como mostra a Tabela 5.

Tabela 5
Carteiras otimizadas.

Após o período estudado, as ações selecionadas obtiveram o resultado mostrado na Tabela 6.

Tabela 6
Desempenho das ações em carteira.

A escolha pelo Downside Risk possibilitou que ações que apresentaram movimentações positivas expressivas em relação a média do preço pudessem ser aproveitadas no período subsequente, casos como UNIP6, que obteve um aumento de 100,38% no primeiro semestre de 2021 e BPAC11 que subiu em 30,81% sua cotação no mesmo período. No modelo de média-variância, as variações positivas em torno da média significariam risco para a carteira, sendo aconselhável a exclusão da ação.

O rendimento da carteira otimizada foi comparado com o Ibovespa, maior índice de ações da bolsa brasileira. Esta comparação está expressa na Tabela 7.

Tabela 7
Carteiras otimizadas.

O resultado mostra que a carteira otimizada foi menos volátil que o Ibovespa, ou seja, oscilou de forma mais suave. Este fato decorre da minimização do risco através do Downside Risk. Além de perdas menores em períodos de baixa, como no segundo semestre de 2021, o modelo mostrou-se eficiente quanto ao retorno obtido, que foi mais de 9 vezes maior que a variação do índice de comparação.

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O ano de 2020 foi marcado pelo crash da bolsa em razão da pandemia da COVID-19. Este fato foi levado em consideração na escolha da primeira carteira de investimento a ser otimizada, de modo que foi possível observar a capacidade de recuperação das empresas frente a grandes crises econômicas e cenários desfavoráveis.

A performance da carteira foi acompanhada durante o ano de 2021 e primeiro trimestre de 2022 com o objetivo de realizar realocações de capital de acordo com as sáıdas do algoritmo que foi sendo atualizado com dados mais recentes das ações em carteira, sendo possível observar as mudanças nos pesos percentuais de cada ação.

Em março de 2022 obteve-se a última versão da carteira de investimentos, podendo ser comparada com o índice Ibovespa (IBOV), que é constituído pelas empresas de maior volume negociado na bolsa brasileira. Para possibilitar a comparação e medir a eficácia do método de otimização, utilizou-se o retorno real obtido e a volatilidade no período de aplicação.

O objetivo de minimizar o risco significa ter menor volatilidade negativa em períodos de queda da bolsa e obter bons ganhos em períodos de alta. A efetividade do método mostrou-se à medida em que os resultados obtidos a partir das carteiras otimizadas foram bastante interessantes se comparados com o desempenho do Ibovespa.

É importante ressaltar que até então não havia sido utilizada a medida de risco do Modelo Down- side Risk na otimização de carteiras de investimento formadas para o período pandêmico relativo à COVID-19, o que caracterizou uma inovação obtida com este trabalho.

Além disso, o algoritmo utilizado recorreu ao método Simplex para encontrar o vértice ótimo da região factível e, como o problema apresentado incluía 20 variáveis, a obtenção de uma solução ótima após 7 iterações está dentro do esperado.

Os métodos numéricos de análise e formação de carteiras de investimentos figuram como importantes aliados na mitigação do risco diversificável. A busca por indicadores econômicos auxilia na escolha mais apurada dos ativos que irão compor uma seleção de investimentos e, a partir do estudo de correlação entre essas empresas, a carteira estará apta para a otimização seguindo critérios como retorno desejado e peso máximo dos ativos dentro do portfólio.

Agradecimentos

O presente trabalho foi realizado com apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2023

Histórico

  • Recebido
    21 Jul 2022
  • Aceito
    19 Mar 2023
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