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Renato Oliveira: C&T e o Estado do Rio Grande do Sul

ENTREVISTA

Renato Oliveira* * Secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Rio Grande do Sul : C&T e o Estado do Rio Grande do Sul

Por Maíra Baumgarten

Editora da Revista Sociologias - PPGS/UFRGS

Maíra Baumgarten: O próximo número de Sociologias terá um dossiê sobre temas relacionados à ciência, tecnologia, desenvolvimento e globalização. A idéia dessa entrevista é debater esses temas a partir da perspectiva da Secretaria de C&T do Rio Grande do Sul. Poderíamos começar com uma visão geral passando, em seguida, a algumas questões mais específicas?

Renato Oliveira: Bem, há duas visões que tiveram um peso muito forte, e ainda têm, na história das políticas de ciência e tecnologia, que são visões equivocadas. E que hoje nós podemos dizer que se constituem equívocos de conseqüências bastante problemáticas. De um lado, uma visão que advoga o investimento maciço na aquisição de tecnologia, como se tentando se justificar por uma argumentação que enfatiza necessidade de resultados de curto prazo em países como o Brasil. A aquisição de tecnologia possibilitaria dar saltos no desenvolvimento econômico, queimar as etapas correspondentes ao desenvolvimento científico que posteriormente poderia gerar produto tecnológico, etc. Então, essa visão seria fundamentada no suposto de que a simples introdução de novos artefatos tecnológicos numa economia seria capaz de gerar desenvolvimento e, mais do que isso, seria capaz de gerar modernização social. Essa foi uma visão predominante na América Latina nos anos 50. Acho que ela esteve fortemente influenciada pela visão cepalina, de uma modernização da economia via investimentos maciços do Estado que, inúmeras vezes, eram feitos sob a forma de incorporação de tecnologia importada. Investimentos sobretudo de infraestrutura e também de facilidades fiscais para importação de tecnologia através de empreendimentos empresariais privados, etc.

Uma outra visão que eu acho igualmente equivocada, é aquela que enfatiza o oposto, ou seja, não podemos nos resumir a uma simples importação de novos artefatos tecnológicos e devemos sim investir na pesquisa básica, fortalecendo uma cultura nacional na área de pesquisa. Por que essa visão também produz equívocos? Pela a forma como ela procurou se legitimar historicamente, advogando a existência de uma relação linear, necessária, entre desenvolvimento científico e desenvolvimento econômico e social... quer dizer, uma vez que se produz ciência, haveria mecanismos, meios automáticos, na economia e na sociedade, que fariam com que essa ciência mais cedo ou mais tarde, e bem ou mal, acabasse repercutindo em modernização. A liberdade de pesquisa, a liberdade de criação do cientista, se traduziriam em modernização econômica e social. Há nessa perspectiva uma defesa unilateral dos investimentos em ciência e tecnologia, vistas, essas, como motor do desenvolvimento econômico e social. Quer dizer, tenta-se justificar esse desenvolvimento por uma certa visão ético-finalista da atividade científica. No final da história, a ciência vai resultar em desenvolvimento.

Por que eu acho que ambas visões são equivocadas? A primeira por razões mais ou menos óbvias: o simples investimento de tecnologia, normalmente importada, em países como o Brasil, acaba gerando uma maior dependência econômica, tanto pelo custo da tecnologia propriamente dita, pela dificuldade de adaptação da tecnologia à cultura empresarial e produtiva local, e pelo fato de que se cria aí uma dependência tecnológica necessária.

Um estudo do médico espanhol Vicente Navarro é um bom exemplo dessa situação. Ele compara o investimento em tecnologia médico-hospitalar feito nos principais países da América Latina ao longo dos anos 50 e 60 e a evolução do quadro de morbidade geral da população, e conclui que as duas são curvas ascensionais quase no mesmo nível. Ou seja, quanto mais tecnologia médico-hospitalar se importou, mais grave ficava o quadro de morbidade da população. A modernização do sistema médico-hospitalar não resultou em melhorias nas condições de vida, não só porque não se investia em saúde coletiva, saúde pública, prevenção de doenças, etc... mas porque o aparato de formação dos recursos humanos do setor acabou determinado. Quer dizer, ele acabou recebendo influência das faltas tecnológicas importadas. Forma-se gente para operar tecnologia importada e não pra conhecer a realidade local e gerar tecnologia localmente.

Essa conclusão, de uma forma ou de outra, pode mais ou menos ser generalizada, e demonstra a dependência do país ou da região, do ponto de vista das suas relações econômicas, com o mercado externo. E, no limite, nós poderíamos projetar para o futuro o fenômeno que ocorreu no Brasil Colônia, ou seja, todas, quase todas as regiões subdesenvolvidas hoje foram desenvolvidas em algum momento do passado, mas foi um desenvolvimento exógeno, quer dizer, induzido, tanto pelas demandas do mercado externo quanto por tecnologias externas. A partir do momento que acaba a demanda de lado e o fornecimento de tecnologia, a coisa afunda, não há raiz no desenvolvimento.

Quanto à segunda posição equivocada - essa defesa meio unilateral do investimento em ciência e tecnologia, como sendo um bem em si mesmo - temos que entendê-la no seu contexto. No caso do Brasil, nós temos uma comunidade científica que é muito forte, muito organizada, mas que se formou em um país que não possui uma cultura favorável à ciência. No entanto, a comunidade se desenvolveu muito e soube utilizar eficazmente relações privilegiadas nos mais diversos níveis, com o aparato estatal, desenvolvendo uma lógica corporativa. Claro que vai uma simplificação disso, mas ela desenvolveu uma certa lógica corporativa, numa sociedade fortemente corporativa como é a sociedade brasileira. Então ela estava desenvolvendo um discurso de legitimação de interesses, que no fundo são interesses corporativos, "...eu quero é grana pro meu projeto, porque eu vivo disso". Desenvolveu um discurso que tenta articular sua atividade com uma certa visão idealizada de bem comum. Bom, os dados que se tem de posição, hoje, mostram que não há nenhuma relação necessária entre o investimento que se faz na pesquisa e o desenvolvimento econômico resultante da transformação do conhecimento em produto. Um exemplo gritante. São os dados comparativos entre o Brasil e Coréia do Sul. Ambos os países têm um nível de produção de ciência, de conhecimento novo, que é mais ou menos semelhante, ambos estão na faixa de (1 a 1,5 %) um a um e meio por cento da produção de ciência no mundo. No entanto, enquanto a Coréia do Sul depositou mais de 2800 pedidos de novas patentes tecnológicas nos Estados Unidos no ano de 1999, o Brasil no mesmo ano depositou 82 pedidos. Ou seja, a ciência que se produz não se transforma num produto capaz de ser assimilado pela sociedade, e no nosso caso isso gera uma cultura de academicismo, um certo elitismo intelectual que não consegue criar elos de comunicação com o meio social como um todo. Se produz um efeito mais ou menos semelhante ao que foi a realidade da ciência e tecnologia na antiga União Soviética: nós tínhamos na União Soviética algumas das melhores universidades ou centro de pesquisas do mundo, em áreas de tecnologia avançada especialmente, e que no entanto conviviam com uma sociedade de baixíssimo nível tecnológico no seu cotidiano. Quer dizer, o Estado suprimiu o mercado e não substituiu o mercado, até porque não é função do Estado substituir o mercado, na criação de elos de difusão da inovação potencial que a ciência produz. Esse é um exemplo inverso ao dos Estados Unidos, lá cria-se teoricamente um sistema de processamento de massas de dados, pensa-se nesse sistema para grandes corporações, que lidam com massas de dados na sua administração cotidiana. E, paralelamente, alguém "bola" algo novo sobre isso. Dessa forma, aquilo que é pensado pela sua própria natureza para grandes corporações passa a fazer parte do cotidiano, do uso individual cotidiano através do uso de computadores pessoais, e difunde-se rapidamente na sociedade via mercado.

Eu acho que no caso brasileiro nós já estivemos muito mais próximos da União Soviética, como modelo de relações de ciência e sociedade. Até porque o aparato científico sempre foi muito mais fortemente sustentado pelo Estado, do que o modelo americano. Obviamente, eu acho que o modelo americano não nos serve, esse modelo de difusão da ciência e tecnologia via mercado... pela fraqueza, pela debilidade do mercado no Brasil. Mas eu acho que hoje nós vivemos um grande desafio: como formular políticas de ciências e tecnologia que articulem a inovação intrínseca à atividade científica com um processo de inovação mais amplo da sociedade, processo de inovação social? Ou seja, que tipo de mecanismos, que tipo de mediações podem ser estabelecidas entre o fazer ciência e a produção econômica propriamente dita?

Mas, então é isso, acho que a relação entre ciência, tecnologia e desenvolvimento não é uma relação necessária, não é uma relação positiva automática.

Maíra Baumgarten: Ou seja, é necessário o Estado formular políticas....

Renato Oliveira: Isso! Vamos supor um exemplo atual: (eu estava mencionando isso na abertura de um workshop sobre network, sobre redes, um trabalho na PUC) nós vivemos hoje um fenômeno paradoxal, a difusão da tecnologia que possibilita o trabalho em rede responde a uma grande modernização na área de serviços, por exemplo, e na área de gestão: gestão de processos, de produtos, gestão tecnológica, gestão de relações de trabalho, gestão de rede de comunicação e que tem uma grande evolução na área de serviços. Aparentemente se moderniza a sociedade por essa via. No entanto, se não dominarmos os processos tecnológicos e industriais que produzem essas redes, a modernização acaba funcionando como um motor de incremento da dependência econômica e tecnológica, e como conseqüência, no custo social dessa modernização. Portanto, só importar equipamentos e novos artefatos não é o caminho.

O problema é como articular políticas. Esse é o nosso desafio. Eu acho que a articulação de políticas deve também responder a princípios do trabalho em rede. Ou seja, do meu ponto de vista a formulação de Patrick Flichy é muito interessante. Ele usa o seguinte: há um processo de inovação quando há um ambiente que permite estabelecer um conjunto de relações que unem de um lado a comunidade dos pesquisadores, os agentes sociais num sentido amplo, que são os "demandadores de tecnologia" e os poderes públicos como mediadores dessas relações. Isso é um pouco da velha noção da tríplice-hélice. Agora, um elemento conceitual que é importante também: colocando as coisas dessa forma, nós não estamos falando em desenvolvimento, nós estamos falando em inovação. O que é algo interessante, porque o desenvolvimento supõe uma certa visão um pouco ontológica da sociedade, com mais ou menos dificuldades, por caminhos mais ou menos alternativos. Mas, o desenvolvimento supõe que a sociedade evolui numa certa direção predeterminada, numa direção de realização de valores que já estão implícitos. Então, isso tem uma certa ontologia.

Maíra Baumgarten: Uma valoração do ser social como se houvesse uma única direção pré-determinada?...

Renato Oliveira: É...quando se fala em inovação, a abordagem muda. Ou seja, o que é inovação? Inovação é a possibilidade de o conjunto de relações de agentes sociais operar em sistemas diferentes dentro da sociedade... quer dizer, de um lado se tem o pesquisador, do outro lado o empresário, o sindicalista, e do outro lado se tem o poder público; quando se propicia um encontro desses três agentes sobre fatos novos produzidos por um por outro, criam-se novas situações que são rigorosamente imprevistas. No entanto, essas novas situações devem ao mesmo tempo ser objetos de tecnologia de gestão pública, que permitam que elas tenham um sentido para as sociedades na qual elas ocorrem. Portanto, para que a política de ciência e tecnologia conduza ao desenvolvimento, entendido como inovação, deve estar inserida no contexto de uma política democrática, no contexto de relações democráticas entre os diversos agentes que compõem a sociedade civil e a sociedade política. Quer dizer, o contexto de relações democráticas é fundado na existência de instituições que permitam um debate público consistente e permanente, que permitam aquilo que os kantianos chamam de "uso público da razão". Quer dizer, para que a sociedade num processo permanente de deliberação, fundada na argumentação esclarecida, saiba tirar proveito das situações em inovação...

Maíra Baumgarten: Pode-se aí entrar no debate de uma questão interessante, que é a da análise dos pares que, por um lado, tem sido um instrumento importantíssimo pra comunidade acadêmica e para o avanço da ciência no mundo inteiro, mas, por outro lado, tem algumas limitações que vêm sendo colocadas e estão sendo bastante discutidas mundialmente. Dentre os vários aspectos a questão da possibilidade/necessidade da análise por ímpares, ou seja, aqueles não são do meio, mas que, de alguma forma, sofrem os efeitos do desenvolvimento científico e tecnológico. Como é que o Secretário veria essa questão?

Renato Oliveira: Eu acho assim: a defesa da análise por pares como sendo o único critério compatível para julgar o mérito de um projeto é a condição típica dos que advogam a segunda orientação que eu mencionei no início, aquela segundo a qual o investimento em ciência, por si só, gera desenvolvimento; e ele gerará tanto mais desenvolvimento quanto mais sólida for a cultura científica do projeto em questão. Então, tem que analisar por partes.

Já a análise por ímpares pode gerar distorções perigosas, tais como justamente em nome do interesse imediato correr o risco de sacrificar a capacidade que a ciência tem de projetar problemas novos, não previstos pelos interesses imediatos, além disso ela pode obviamente comprometer a própria solidez, a ciência como tal...

Maíra Baumgarten: A qualidade do trabalho científico...

Renato Oliveira: A qualidade do trabalho. Agora, eu acho que nós temos que pensar essa questão, esse problema, do ponto de vista daquilo que eu falei antes, ou seja, de como se pode projetar a política de pesquisa e de ciência e tecnologia em um contexto de relações que permita um confronto democrático, um confronto argumentativo, entre todos os grupos de interesse que estão colocados na história, e a partir daí eu acho que é possível fazer algumas distinções importantes.

A valorização desinteressada do resultado da pesquisa vai ter que levar em conta o ponto de vista das pessoas que estão diretamente interessadas. Então, vai se procurar um ambiente de, isso que eu chamei, "confrontação argumentativa de pontos de vista", que não são necessariamente coincidentes na sua origem. É claro que isso é relativamente fácil de ser pensado quando estamos tratando com uma pesquisa diretamente aplicada a problemas pré-identificados, quando a gente tá na área do binômio pesquisa e desenvolvimento. Agora, quando se pensa que certas áreas do desenvolvimento científico estão menos comprometidas com a vida prática, aí a coisa complica um pouco. Seria o caso das pesquisas de certas áreas das ciências humanas que envolvem reflexão. O que se chama comumente de pesquisa básica. Nesse caso essas relações são mais complicadas, mas elas não são ausentes.

Atualmente existem cálculos que quantificam o tempo de transformação de uma descoberta num produto novo. A eletricidade era conhecida no essencial já no século 18, e ela só foi gerar produto assimilado pela sociedade no final do século 19. Essa distância que chegou a ser de cem anos já na idade moderna, hoje possui intervalos de tempo mais curtos, o que significa que a ciência está cada vez mais imbricada com a produção. Isso envolve riscos, do meu ponto de vista, porque existem direcionamentos, emulações, sinalizações sobre o que deve ser pesquisado e através dessa incorporação existem demandas que são formuladas pelo sistema econômico e se não se explicitam os mecanismos através dos quais existe incorporação de novos conhecimentos na produção econômica, acabam se criando teias de relações e de interesses que fogem à análise pública, que fogem ao debate público, e eu acho que isso é um problema. Quer dizer, em uma sociedade que está cada vez mais determinada pela ciência e pela tecnologia na sua vida cotidiana é necessário que se constituam espaços de debate público sobre o que se faz e o que não se faz na ciência, e que não funcionem como espaços de censura ou espaço de deliberação impositiva sobre o trabalho do pesquisador. Porque essas relações sempre existem, e, quando há relações que não são explicitadas, elas acabam se tornando ligações perigosas.

Maíra Baumgarten: Há também uma outra questão, um pouco articulada com isso, mas que vai por um outro lado, que é a da forma de estruturação da comunidade acadêmica. Como é que ela vem se estruturando genericamente, e especificamente no Brasil: em torno de disciplinas. A questão da especialização crescente. Eu gostaria, se fosse possível, de debater como pensar essa questão da especialização crescente e da estruturação da comunidade acadêmica em torno das disciplinas, cotejada com a questão de grandes temas da vida concreta. Porque a vida é interdisciplinar, multi-disciplinar, transdisciplinar...

Renato Oliveira: A vida não é disciplinada.

Maíra Baumgarten: A vida não cabe dentro de disciplinas, não tem disciplina. Então como é que uma instância de governo como a secretaria que tem, funcionando junto a ela, agências de fomento que são permeadas por essa visão disciplinar e por essa estruturação da comunidade acadêmica e das próprias universidades e institutos, em grandes áreas disciplinares cada vez mais especializadas, poderia formular e implementar políticas que transcendam e articulem disciplinas. Como se poderia achar formas para tratar com temas que são trans-disciplinares, como as questões do meio ambiente, da saúde, do desenvolvimento regional, como é que se pode obter espaços de trabalho inter-disciplinares e validar esses espaços nas agências?

Renato Oliveira: É... isso é um problema sério. Quando nós assumimos a direção da FAPERGS, essa foi uma das primeiras formulações feitas por mim. Não quero discutir o diagnóstico que eu faço da instituição. Nós temos uma instituição comprometida com uma cultura acadêmica que gera um desvio academicista, ou seja, primeiro: uma valorização do conhecimento como um bem em si, que gera por sua vez uma aversão a qualquer disfunção pública, sobre o que está sendo feito com os recursos públicos que são investidos na pesquisa. Segundo: como parte dessa valorização unilateral da ciência, uma valorização do seu código, o que significa uma reprodução das suas especialidades, uma institucionalização na própria FAPERGS de especialidades e consequentemente disputas de recursos, etc, pelas distintas especialidades, porque cada especialista pensa que aquilo que ele sabe é o que é definitivamente importante para salvar a humanidade do caos, e, portanto, todo o recurso que não for para a especialidade dele é um desperdício de dinheiro. Na medida que a vida vai se tornando mais complexa nós começamos a nos defrontar, na FAPERGS, com situações complexas. Por exemplo, existem certas áreas hoje em que, rigorosamente, nós não temos comitês assessores para analisar. Pesquisa na educação física, coloca-se na saúde ou na educação? Pesquisa em certos domínios da matemática aplicada, faz parte da informática ou... Enfim, são problemas concretos.

Nós tivemos um exemplo muito interessante, quando foi necessário formular um edital de agroecologia. Nós tínhamos duas visões antagônicas sobre os pressupostos e a definição dos termos de referência do edital de agroecologia. Existia uma definição dos agrônomos clássicos, para os quais um edital deveria contemplar as relações de interação entre o inseto tal e a bactéria x, na planta y, na ausência de qualquer insumo químico... isso era agroecologia. Existia no extremo oposto a visão holística, sob a qual a agroecologia deveria contemplar projetos que discutiriam o homem e o mundo e suas relações. Deus, o homem, etc., quer dizer, sem nenhuma capacidade de precisar objetos. Então, agroecologia é um sistema novo de conhecimento de pesquisas que é, na sua origem, multidisciplinar, que engloba conhecimentos da área química, da área de botânica, da área de biologia de uma forma geral, e da área de ciências sociais, e resolvemos, então, arbitrar um conceito de agroecologia para a FAPERGS, para esse primeiro edital, e depois ver o resultado, e literalmente arbitramos. Foi o comitê técnico administrativo que realizou esse trabalho.

Bem, isso já foi um esforço de definir um marco institucional de multidisciplinaridade, não como um exercício abstrato, mas como um marco conceitual definido a partir de um problema determinado. E nós só podemos evoluir concretamente, na multidisciplinaridade, se adotarmos essa prática, ou seja, nós vamos formular projetos, problemas de pesquisa, campos de investigação, a partir de problemas determinados, concretos, que tenham relevância. A partir desses problemas nós vamos ver, num exercício de "pensamento para trás", quais são as especialidades, os campos de conhecimento científico que vão servir como instrumental para a solução desses problemas. Eu acho que formulando a coisa dessa forma necessariamente o trabalho é multidisciplinar. Não se trata de um somatório, de uma colaboração de uma especialidade com outra mas relacionando-os externamente, mantendo suas respectivas identidades. Não se trata de elas realmente realizarem um esforço conjunto para entender problemas que isoladamente não estão nem numa nem noutra especialidade, agora, também nós não podemos criar ilusões.

Eu acho que a especialidade é algo absolutamente necessário. O que a cultura de interdisciplinaridade está gerando são novas especialidades, bio-informática por exemplo: isso é uma nova especialidade que tem na sua origem a junção de duas especialidades anteriores e que permitem formular novos problemas. Então, acho que isso é um processo de recriação permanente. Como possibilitar isso? Eu acho que nós temos na experiência em nossas universidades, no Brasil, um ambiente terrível, o ambiente dos departamentos e suas respectivas disciplinas. Quer dizer, tudo o que acontece de inovador dentro da universidade é resultado de grupos inter-departamentais, interdisciplinares, ou seja, de trabalho que é realizado fora dos departamentos. Isso é uma nova realidade, e o departamento está cada vez mais se tornando na instância burocrática de administração de parcelas do trabalho da universidade, e de parcelas eventualmente cada vez menos importantes, porque a parcela realmente importante começa a ser executada em grupos multidisciplinares, em áreas que juntam, e que são também áreas interdisciplinares. Então, grupo de estudos da mulher, grupo de estudos da estrela Sírius, isso junta pessoas que têm interesse nesse problema e que acham que podem colocar a sua visão, a sua especialização e contribuir para uma coisa nova.

Maíra Baumgarten: Fica muito mais próximo de uma realidade concreta...

Renato Oliveira: Exatamente...

Maíra Baumgarten: O grande problema é a questão da avaliação desses projetos nas agências e também da avaliação da área de ciência e tecnologia e diretórios. Por exemplo, no Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq já há os setores de atividade, mas mesmo assim os setores ainda não são suficientes para dar conta da complexa realidade atual.

Renato Oliveira: Não. Eu acho que a gente vai levar um certo tempo. Eu conheci poucas experiências de outros países que tenham aportado soluções para essa questão. Acho que vamos levar um certo tempo para desenvolver uma cultura institucional que permita albergar o trabalho multidisciplinar.

Maíra Baumgarten: Uma outra questão que é fundamental é a das potencialidades dos órgãos de pesquisa do Governo do Estado. Existe uma capacidade instalada na administração público-estadual direta. Eu sei que esse conjunto de institutos de pesquisa, de órgãos de pesquisa, passou por um processo muito grande de deterioração, e seria interessante ver o que vem sendo feito pela Secretaria, como um órgão de gestão de ciência e tecnologia, no sentido de recuperar a capacidade de pesquisas desses institutos e de estabelecer uma relação produtiva entre esses institutos e as universidades, até porque esses institutos, por definição, estariam muito mais próximos das necessidades concretas do Estado...

Renato Oliveira.: - Agora... veja, a Secretaria de Ciência e Tecnologia tem possibilidades limitadas de ação. Nós não controlamos, por exemplo, o acesso, os mecanismos de concursos para o Estado.

Maíra Baumgarten: Que é o grande ponto de estrangulamento.

Renato Oliveira: Exatamente. E mesmo quanto à questão dos recursos, nós temos acessos limitados. A principal agência de fomento, a única que nós temos que é a FAPERGS, também tem recursos limitadíssimos. Agora, nós estamos tentando. Dentro do nosso quadro de atividades, o que nós estamos tentando fazer? Orientar parte dos recursos da FAPERGS para uma política de requalificação dos institutos de pesquisa da administração estadual, reservando parte dos recursos para programas específicos de recuperação, etc, ou criando mecanismos que tornem o acesso do pesquisador desses institutos mais fácil. Agora, isso só é viável se houver um aumento na dotação orçamentária, ou seja, se continuar a política de aumento na dotação orçamentária, porque nós não podemos impedir o acesso do pesquisador altamente qualificado, da UFRGS por exemplo, aos recursos da FAPERGS.

Maíra Baumgarten: Mas havia um programa específico para os institutos da administração direta...

Renato Oliveira: Sim, há editais específicos para os institutos de pesquisa do governo.

Maíra Baumgarten: Existe alguma política de qualificação dos recursos humanos?...

Renato Oliveira: Sim. O nosso grande desafio agora é o seguinte: montar um programa de pós-graduação, strctu sensu, mestrado e doutorado, com ênfase para formação de doutores. Programa com bolsa da FAPERGS, porque a FAPERGS dá bolsas para pesquisadores do Estado realizarem seu doutorado onde quiserem.

Maíra Baumgarten: Do Estado ou do Governo do Estado?

Renato Oliveira: Não, não... que atuam no Estado...

Maíra Baumgarten: Não corre o risco de cair de novo na questão...

Renato Oliveira: Não, porque o programa deve, primeiro, priorizar algumas áreas de conhecimento que são julgadas estratégicas, nas quais o Estado tem carências. Em segundo lugar, ele pode também distribuir recursos de forma a incrementar a descentralização, pode- se adotar um mecanismo similar ao que já é adotado no programa de fomento à pesquisa chamada "de balcão", em que nós dividimos o Estado em três regiões e os recursos são distribuídos equitativamente para cada uma das três regiões, e a demanda é desigual. Quer dizer, a Região Metropolitana e Norte do Estado recebem um terço dos recursos, e a Fronteira Oeste e campanha recebem um terço dos recursos. Então há aí um mecanismo forte de descentralização, e também um mecanismo de impedir que uma mesma instituição tenha projetos correspondentes a mais do que X% do total de recursos da respectiva região. Bom, claro que, no limite, isso estrangula instituições mais competentes, mas nós sabemos que as instituições mais competentes têm acesso a outros recursos que as menos competentes não têm.

Então, a FAPERGS tem que atuar no sentido de criar condições, de fomentar efetivamente condições onde não existam. O programa de bolsas pode também atuar de forma parecida. Agora, o programa de bolsas, do meu ponto de vista, também tem que ser pensado para mudar um pouco a cultura de formação acadêmica das universidades e centros de pesquisas do interior, especialmente das universidades do interior, porque nós temos muito ainda a figura do professor que quer ter uma bolsa que lhe permita fazer o seu mestrado ou doutorado de fim de semana, na UFRGS ou na PUC, ou em Santa Maria. Não, o programa vai ter que ser para dedicação integral, ele vai sair da sua cidade, é um esquema de formação clássica de pesquisadores. Então, isso também é uma política. A FAPERGS também tem as bolsas de pesquisadores visitantes, que é um programa muito interessante, que funciona muito bem, mas que infelizmente tem uma demanda baixíssima. Os projetos de pesquisa da FAPERGS geram equipamentos para laboratórios que são muito importantes, eu tenho visto coisas aí que a gente não imagina. Tu vais a Panambi, onde eu fui esses dias, tem um laboratório lá, um colégio tecnológico, em que se fazem coisas que a gente não imagina que seja possível, com equipamento doado pela FAPERGS ...

Maíra Baumgarten: Bem, há mais duas questões basicamente...

Renato Oliveira: Eu queria só colocar uma coisa sobre a política de recuperação do Estado. Um assunto meio complexo, mas numa revista acadêmica dá para falar. Há dificuldades na obtenção de recursos para a Secretaria de Ciências e Tecnologia e para a política de ciência e tecnologia strictu sensu. Há dificuldades, por quê? Porque nós vivemos num Estado de uma cultura conservadora. O Rio Grande do Sul tem uma cultura conservadora que não é privilégio nem de A nem de B, nem da direita nem da esquerda. E do ponto de vista dessa cultura conservadora, a ciência e a tecnologia são atividades que não têm ainda um espaço definido na cultura política do Estado, sobretudo porque, no campo da economia, nós valorizamos o trabalho, a capacidade de poupança, a capacidade de geração de riquezas a partir do trabalho. É isso que é valorizado. Diferentemente de São Paulo, por exemplo, onde a indústria começa com os capitais da cafeicultura. Então, ela começa grande e importando a tecnologia necessária. Lá se começa um processo de industrialização e de modernização econômica onde o trabalho é a última coisa a ser valorizada, o que é valorizado é o capital e a tecnologia, a inovação. Aqui não, o trabalho é a primeira coisa a ser valorizada na cultura empresarial. Não estou dizendo que aqui os trabalhadores vivam no paraíso, é diferente. Mas, enfim, há o trabalho, o orgulho. Como me disse um dono de uma metalúrgica de Caxias, de tamanho médio para grande, quatrocentos e poucos operários: "esta empresa aqui é o resumo das empresas da região. Isso aqui é o resultado de trabalho, aqui dentro só tem trabalho. Agora é que nós estamos começando a pensar em tecnologia." Dá para entender?

Maíra Baumgarten: Não se pensa em trazer tecnologia, importar...

Renato Oliveira: Não, mas a gente está conseguindo. Esse empresário está financiando um programa de convênio da UFRGS com uma instituição da Finlândia para desenvolver uma tecnologia que vai ser fantástica na área de fundição. Mas é isso, nós vivemos num Estado que tem uma cultura conservadora, um certo atavismo cultural, valorização, idealização do passado, e isso dificulta a discussão sobre ciência e tecnologia no contexto da nossa cultura política. Isso é complicado...

Maíra Baumgarten: Com relação a essa questão ainda, mas tratando dos institutos, há mais uma dúvida só pra fechar essa parte da capacidade do Estado. Um dos pontos de estrangulamento importante, que eu me lembro, nos institutos, era o problema por um lado, dos recursos humanos pouco qualificados, e poucos recursos humanos e, por outro lado, a gestão de ciência e tecnologia. Existe pouca experiência de gestão de ciência e tecnologia, enfim, de trabalhar com a área. Há algum programa, algum trabalho em termos de gestão em ciência e tecnologia da Secretaria ou vinculado a FAPERGS?

Renato Oliveira: Não, não há nada consolidado. O que existe são preocupações e algumas iniciativas ainda tímidas que nós estamos tomando, por exemplo: no âmbito interno aqui da Secretaria nós estamos discutindo alguns parâmetros pra adoção de um programa de gestão do conhecimento, aqui dentro, e que obviamente tenha relação e que coloque o conhecimento disponível para fora também. E, através da FAPERGS, nós estamos começando um projeto de mapeamento da estrutura de laboratórios existentes no Estado do Rio Grande do Sul: qual é a nossa base física de pesquisa. Isso está sendo desenvolvido no escritório de Investimento e Transferência e Tecnologia da UFRGS que funciona lá no Campus e que desenvolveu esse trabalho na UFRGS propriamente dita.

Maíra Baumgarten: E esse estudo é um estudo sobre a capacidade instalada dos órgãos do Governo do Estado ou de toda a capacidade instalada no Estado...

Renato Oliveira: De toda a capacidade instalada do Estado, universidades públicas e privadas. Claro que isso vai ser a médio prazo, está sendo feito um levantamento preliminar dos dados. Nós estamos fazendo a estimativa do universo da pesquisa ainda e, enquanto sistema de gestão de ciência e tecnologia, nós temos ainda muita confusão na área. O próprio sistema de ciência e tecnologia do Estado ainda é confuso. As sua relações, a sua hierarquia e as suas dependências administrativas. Por exemplo, nós temos três órgãos vinculados na Secretaria, que é a FAPERGS, a CIENTEC e a Fepagro, mas a Fepagro tem uma situação indefinida, em termos de vinculação política, entre a Secretaria de Agricultura e a C&T. A Secretaria do Meio Ambiente, por sua vez, tem os seus órgãos de pesquisa, que são fundamentalmente na área da Fundação Zoobotânica.

Maíra Baumgarten: A Secretaria da Saúde...

Renato Oliveira: A Secretaria da Saúde, idem, tem os seus órgãos. Então, tentar unificar esse sistema é um negócio muito complicado.

Maíra Baumgarten: E tem a Universidade Estadual também. Será vinculada à educação ou à ciência e tecnologia?...

Renato Oliveira: À Secretaria da Educação.

Maíra Baumgarten: E o sistema de informação?

Renato Oliveira: Nós não temos um sistema de informação de ciência e tecnologia, não se sabe o que se faz no Estado, o que a FAPERGS já gerou de conhecimento. Agora existe também um esboço de um projeto feito através da Escola de Administração da UFRGS para definir metodologias para trazer esses dados todos à luz do dia. O que nós já tomamos, a partir do ano passado, foram medidas para que os trabalhos, daqui para frente, fiquem numa base de dados de acesso on line. Mas isso é recente, a FAPERGS tem trinta e tantos anos, e o que foi feito não se sabe...

Maíra Baumgarten: Seria interessante falar, ainda, de uma das questões que é chave para a ciência e tecnologia, para os impasses da ciência e tecnologia: é a questão das gerações futuras, da sustentabilidade. Como é que a Secretaria está vendo essa questão? Existe um trabalho conjunto/ próximo com o meio ambiente?...

Renato Oliveira: Sim, nós já discutimos... A decisão já foi tomada. Agora estamos na fase da definição conceitual de um projeto conjunto entre a Secretaria de Ciência e Tecnologia e a Secretaria do Meio Ambiente para mapear a biodiversidade do Estado. E também estamos aprofundando relações com a SEMA na área das mudanças climáticas. Fizemos em conjunto um primeiro seminário, regional, sobre mudanças climáticas, que deu margem para que nós planejássemos um seminário regional, no âmbito do MERCOSUL. Quer dizer, é uma secretaria com a qual nós temos interfaces evidentes. Também na área do GENOMA, acho que a gente perdeu muito tempo, GENOMA e biotecnologia...

Maíra Baumgarten: O que levanta um pouco a questão da ética também, que está muito articulada...

Renato Oliveira: É, eu tenho ficado satisfeito, porque eu estudei um pouco essa área que é a ética e biociências, bioética, e quando eu tenho saído pra falar com pesquisadores da área de biotecnologia, e tenho enfatizado a questão da ética e questionado alguns de seus pressupostos. Para a minha agradável surpresa isso tem dado "ibope". Tanto que tenho recebido muitos convites. Proximamente vou falar sobre ética e biotecnologia.

Tem algo inovador aqui no Estado, que eu acho que vai ser um pouco revolucionário, dentro das nossas limitações, que é um edital, um mecanismo institucional para criar institutos virtuais de pesquisa no Estado. Ou seja, redes de pesquisas, na área do genoma, por exemplo, na área do meio ambiente, na área de ciências sociais aplicadas, especialmente sobre gestão da inovação. Enfim, tem algumas prioridades que estão sendo discutidas, mas a idéia é essa: criar institutos virtuais mesmo, que trazem pesquisadores de várias instituições, trabalhando sobre o mesmo tema, o mesmo problema, de forma multidisciplinar, e com recursos garantidos, com prazo superior a um ano. Eu acho que isso pode trazer bons resultados e o estudo da biodiversidade a gente quer ver se articula ainda através de um instituto virtual. Vamos fazer o Instituto Virtual de Pesquisa sobre a Biodiversidade do Rio Grande do Sul.

Maíra Baumgarten: Então, pra encerrar, lembro que, quando o Secretário ainda era presidente da FAPERGS, fez uma palestra no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFRGS, que deixou uma forte impressão positiva com o enfoque proposto pela FAPERGS na área de Ciências Humanas. Ou seja, a clareza sobre a existência de uma forte relação entre as possibilidades de desenvolvimento do Estado e a contribuição das Ciências Humanas - a visão sobre essa relação. Acho que seria interessante falar um pouco sobre isso.

Renato Oliveira: É isso que eu te falei. A gente vai tentar formar um instituto virtual na área de gestão da inovação, portanto envolvendo as ciências humanas. Agora, as ciências humanas têm duas fontes de financiamento na FAPERGS: uma é a clássica, a outra é essa de procurar organizar, sensibilizar, a comunidade de pesquisadores para programas relevantes do ponto de vista de uma política de desenvolvimento do Estado, e sobretudo do ponto de vista da política da ciência e tecnologia do Estado. Tem coisas que são singulares. Nós temos alguns casos aqui no Rio grande do Sul, por exemplo, na área de inovação da gestão empresarial, que são crises mundiais. O caso por exemplo da Marcopolo: trouxeram um modelo japonês, aplicaram aqui, e fizeram uma face própria desse modelo. Eu fui um dia lá visitar a Marcopolo, e perguntei para o diretor-presidente da Marcopolo, qual era o fator diferencial dele na empresa que permitiu que ela desse esse salto de qualidade. Ele disse: "o fator diferencial é o meu gringo". Bom, esses dias fui a Panambi, que tem coisas extraordinárias, como a única empresa brasileira na área de máquinas para movimentação de cargas, em aeroportos, portos, etc..Eles fazem guindastes capazes de levantar vagões de trinta metros de comprimento com não sei quantas toneladas, uma coisa extraordinária. O principal concorrente deles é uma empresa americana. Tem outra empresa ali que desenvolveu uma tecnologia para rastreamento do gado bovino através de brinco na orelha com chips.

Por outro lado, tem a famosa metade sul com uma letargia econômica muito grande. Eu acho que existem componentes culturais e sociológicos, antropológicos, no sentido amplo do termo, que podem permitir que a gente compreenda cientificamente a afirmação desse privilégio, de que o gringo dele é que é o fator diferencial. Por que o gringo de Bagé, o gringo de Alegrete... Então, estudar isso significa entender um pouco melhor os condicionantes sociais num processo de inovação. É disso que eu estava falando antes, dessas redes que devem se estabelecer entre o pesquisador, o demandador, a sociedade e a tecnologia, ou seja, o empresário no sentido amplo do termo, não necessariamente um empresário privado e o poder público. Quer dizer, pra entendermos como é que se processam essas relações e suas possibilidades, temos que entender os valores dentro dos quais essas pessoas operam. Isso que eu estava falando antes da cultura tradicional do nosso Estado, um certo atavismo cultural com relação a certos aspectos da vida, em alguns casos anti-modernizante. É necessário estudar isso, não basta ficar no senso comum, na intuição, porque entendendo vai ser possível saber como se relacionar melhor com eles, como formular a política, etc.. Isso eu acho que é o papel das ciências humanas, ciências sociais, engajadas aí numa política de inovação tecnológica.

Agora, tem um pouco esse defeito, para nós da ciências sociais problemas que deram origem às teorias, são problemas lá de fora. Problema relevante entre nós é a pobreza, marginalidade, a favelização. Acho que não. Têm questões de dinamismo social na nossa cultura, na nossa sociedade, que têm que ser conhecidos, que têm que ser melhor estudados. Como é que um Estado como o Rio Grande do Sul, que teve uma industrialização com bases precárias, pode ser comparado a São Paulo? São Paulo começa a sua industrialização investindo a riqueza em um dos principais pólos de concentração da riqueza no mundo no século 19, que era a cafeicultura. Aqui no Rio Grande do Sul não tinha nada, o charque teve um final melancólico...

Maíra Baumgarten: E éramos o celeiro do País.

Renato Oliveira: Éramos... mas tu entendes, não tem capital, estoque de capital pra investir e, no entanto, essa indústria que começa assim é a segunda indústria de transformação do País, em termos de valor. E quando se vai aqui na serra e se encontra aqueles imigrantes, descendentes de alemães, italianos, se vê que aqui nós temos uma certa ética de trabalho que é singular quando se pensa em comparação com outros. Eu acho que nós temos que começar a estudar isso de forma mais científica e isso é responsabilidade das ciências sociais no Rio Grande do Sul. Então, o objetivo daquele edital era esse, das ciências sociais aplicadas. Lamentavelmente, surgiram cinco projetos apenas... mas é um começo...

Maíra Baumgarten: Muito obrigada.

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    Secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Rio Grande do Sul
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Nov 2003
    • Data do Fascículo
      Dez 2001
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