Acessibilidade / Reportar erro

Da emergência da Lei Especial contra a Violência Baseada no Gênero em Cabo Verde à sua operacionalização na Rede Sol

The Special Law on Gender-Based Violence in Cape Verde: from enactment to implementation by Rede Sol

Resumo

Neste artigo, procuro refletir sobre o contexto de emergência da lei que torna público o crime da Violência Baseada no Gênero (VBG) em Cabo Verde, ou Lei de VBG, como é vulgarmente conhecida, e sobre o enquadramento dos casos de violência conjugal nas estruturas da Rede Interinstitucional de Atendimento às Vítimas de Violência Baseada no Género (Rede Sol). Para tanto, recupero, num primeiro momento, os temas/questões que permearam os diferentes momentos de discussão (na Comissão de seguimento do projeto-lei e no parlamento: violência contra as mulheres versus violência baseada no gênero, (in)constitucionalidade, desestabilização da família e interferência de agendas globais sobre decisões locais. Num segundo momento, busco entender como se construíram os consensos e se aprovou o referido projeto-lei. Por fim, apresento reflexões sobre esse processo de construção de legalidades de equidade de gênero considerando dimensões globais e locais.

Palavras-chave
maus-tratos; violência baseada no gênero; família; Rede Sol

Abstract

The article presents the context in which the law that criminalizes Gender-Based Violence (GBV) in Cape Verde, or the GBV Law, as it is commonly known, emerged and examines the framing of cases of marital violence within the structures of Interinstitutional Network for Assistance to Victims of Gender-Based Violence (Rede Sol). To that end, at first, the themes/questions that permeated the different moments of discussion (in both the advisory commission and in the parliament) of the Bill are considered: violence against women vs. gender-based violence, (un)constitutionality, destabilization of the family and interference of global agendas on local decisions. Secondly, I seek to understand how consensus was built and the aforementioned bill was approved, and, finally, I present reflections on this process of construction of gender equality legalities considering global and local dimensions.

Keywords
abuses; gender-based violence; family; Rede Sol

Introdução

Desde a década de 1970, por influência de diferentes movimentos feministas, a violência doméstica, em especial, a exercida por homens contra as mulheres, deixou de estar restrita ao domínio da privacidade familiar, para constituir-se, inicialmente, em (i) uma das principais lutas feministas e/ou de organizações não governamentais (Ongs) que atuam no campo da promoção da igualdade de gênero; (ii) temas de pesquisas nos mais diversos campos de produção de conhecimento; e (iii) objeto de produção de legalidades e de políticas públicas em inúmeros países do mundo.

No contexto de Cabo Verde, à semelhança de Brasil, Moçambique e Espanha – países tomados como referência na concepção da Lei Especial Contra Violência Baseada no Gênero – os processos de construção social das violências foram marcados por “pressões” de organismos internacionais e de Ongs que atuam no campo da promoção de igualdade de gênero. Em paralelo a esse movimento – que se impõe, sobretudo, a partir do norte global –, observa-se também o desenvolvimento de um campo teórico-metodológico cujo foco de discussão se desloca das noções de maus-tratos, violência doméstica e violência contra a mulher (entre finais da década de 1990 e finais da década de 2000),1 1 Vale referir que esse deslocamento não significou a extinção do artigo 134º do CP que tipifica os maus-tratos aos cônjuges. O referido artigo aplica-se ainda hoje nos casos em que o desequilíbrio de poder não constitui a motivação para a violência entre os cônjuges. para se centralizar na violência baseada no gênero (VBG) (a partir da década de 2010).

Os primeiros debates privilegiaram, portanto, o conceito de violência doméstica, tipificado, no âmbito do primeiro Código Penal de Cabo Verde (de 2004), em seu artigo 134º, como crime os maus-tratos físicos, psicológicos ou tratamentos cruéis infligidos a cônjuge ou a pessoa com quem se está unido de fato. A partir desse instrumento jurídico, as violências no âmbito de conjugalidades se deslocam do naturalmente aceito para se constituírem num crime de natureza semipública2 2 O procedimento penal passa a depender do desejo da vítima ou de pessoa com autoridade legitimamente reconhecida para o registro da queixa. (Artigo 376º do Código Penal). Nesse período, as discussões eram muito vinculadas à ideia do patriarcado como operador das desigualdades sociais – uma proposta de análise centrada na naturalização da desigualdade de gênero e, portanto, marcada pela matriz do pensamento ocidental. Tal abordagem não só́ apresentava as mulheres como vítimas exclusivas das violências perpetuadas pelos homens, como invisibilizava os significados particulares que os envolvidos (homens e mulheres, enquanto sujeitos particulares de direitos) nas situações de violências construíam dessas práticas.

Embora, para o momento em que se vivia, a tipificação dos maus-tratos representasse um passo importante no processo de desnaturalização das violências contra a mulher, o instituto responsável pelas políticas de promoção da mulher (Instituto da Condição Feminina – ICF) e as Ongs feministas do país entendiam que a complexidade do fenômeno da violência perpetrada contra as mulheres não apenas demandava o deslocamento do foco do debate do núcleo de relações (a família) para os sujeitos particulares de direitos (a mulher e o homem), mas que era igualmente necessário autonomizar e tornar público o crime das violências. Para tanto, a partir do final da década de 2000, conjugaram-se vários esforços – da sociedade civil organizada, do Instituto Cabo-verdiano para a Igualdade e Equidade de Género (ICIEG), de parlamentares, das lideranças dos partidos políticos, com o apoio dos organismos internacionais – que possibilitaram a aprovação da Lei número 84/VII/11, instrumento que torna público, amplia3 3 Com a entrada em vigor da lei n. 84/VII/2011, a VBG deixa de se circunscrever exclusivamente ao espaço doméstico e àquelas situações que ocorrem na relação conjugal, para alargar seu âmbito às situações que acontecem nos espaços públicos, como no meio laboral. e autonomiza o crime da “violência com base no gênero”. Somente a partir desse diploma é que, efetivamente, redefinem-se os lugares de masculinidades e feminilidades em Cabo Verde. Ou seja, que a VBG passa a ser entendida como resultado do exercício de poder, reforçando as representações sociais em torno do que se entende por “ser homem” e por “ser mulher” (ICIEG, s.d13 ICIEG – Instituto Cabo-verdiano para a Igualdade e Equidade de Género. Implementando mecanismos de combate à violência baseda no gênero. Praia: Tipografia Santos, [S/d.].).

A mudança do eixo da promoção da família – no quadro da lei que versa sobre os maus-tratos –, para a igualdade de gênero, no âmbito da Lei Especial contra violência baseada no gênero, também foi acompanhada de deslocamentos na abordagem do problema. Se, até o final da década de 2000, os trabalhos em torno da violência doméstica centralizaram a análise no patriarcado, reduzindo as mulheres à condição de “vítimas” das determinações históricas, e os homens a autores exclusivos dessa prática, sustentando a análise na abordagem da dominação masculina4 4 Refiro-me à dominação masculina, no sentido usado pelo sociólogo Pierre Bourdieu (1999). e da dominação patriarcal,5 5 A abordagem da dominação patriarcal é aqui referenciada a partir das contribuições da socióloga feminista Heleieth Saffioti (1995). a partir de 2009 começa-se a perceber o deslocamento de um discurso “vitimista”, em especial relacionado à mulher, para uma abordagem relacional, que permite trazer à discussão narrativas de mulheres e homens em situação de violências (Silva, 200924 SILVA, Carmelita. Trajetória de mulheres vítimas de violência conjugal: análise a partir da percepção das mulheres que vivenciam o drama. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade de Cabo Verde, Praia, 2009.; Furtado, 20169 FURTADO, Manuela; ANJOS, José Carlos dos. Incompatibilidades de género: caso de são Miguel. In: SILVA, C.; VIEIRA, M. (Org.). Género e Sociabilidades no interior de Santiago. Praia: Edições Uni-CV; Editora da UFRGS, 2016. Estudo Sociais Cabo-verdianos, Vol. 4, Série III.).

Nesse processo “classificatório” ou de “deslocamento semântico” de “maus-tratos a cônjuges/violência doméstica” para a “violência baseada no gênero”, observa-se um deslocamento tanto teórico como de objeto de intervenção. Se, na primeira categorização, as discussões evidenciaram a família como bem jurídico a proteger, na segunda, destaca-se a necessidade de proteger os direitos individuais das pessoas, mulheres e homens, envolvidas em situações de violências. A violência passa, portanto, a ser pensada como prática que afeta tanto mulheres como homens, ainda que de modo desigual.

Contexto de emergência do projeto-lei de VBG

Os avanços globais no campo do reconhecimento dos direitos das mulheres, possibilitaram a criação, a partir da década de 2000, do primeiro Código Penal de Cabo Verde, que tipificou, em seu artigo 134º, os maus-tratos a cônjuges como crime semipúblico. Não obstante essa mudança no ordenamento jurídico interno, as desigualdades e violências continuam a permear as relações entre homens e mulheres (Silva, 200924 SILVA, Carmelita. Trajetória de mulheres vítimas de violência conjugal: análise a partir da percepção das mulheres que vivenciam o drama. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade de Cabo Verde, Praia, 2009.). Conforme o jurista Carlos Reis,6 6 Informações concedidas em entrevista realizada em janeiro de 2016. a própria gravidade de certos casos de violência que davam entrada no Ministério Público (MP) e a forma como as mulheres que procuravam esse serviço para denunciar situações de violência expressavam suas subjetividades, evidenciavam a necessidade de um novo enquadramento jurídico para esses casos.

No trecho que se segue, o jurista explicita, a partir de duas situações de violência que deram entrada no MP, entre 2005 e 2006, numa altura em que exercia o cargo de procurador na Ilha do Fogo, os limites operacionais do artigo 134º, e destaca algumas das estratégias que têm sido usadas para garantir que os casos cheguem a julgamento. Como afirma,

na primeira [situação], a mulher, na faixa etária dos 25/26 anos, que tinha sido agredida pelo marido com uma garrafa que lhe deixou hematomas na cabeça, apresentou a queixa. No dia do julgamento, quando chegaram, sentaram-se juntos e eu perguntei à senhora: “vocês já se reconciliaram?” e ela me disse que sim; e o procurador lhe perguntou: “você quer desistir da queixa?” e ela disse “não, não quero desistir da queixa, eu quero que o tribunal decide e se ele for condenado a alguma coisa, posso até ajudar, mas eu quero que ele aprenda a lição para que isso não volte a repetir. Nós já estamos bem em casa, ele até, regra geral, é um bom marido, assume responsabilidade pelo nosso filho, mas eu não quero desistir da queixa.

Na segunda (...) situação, oposta a essa, era de uma senhora que era agredida pelo marido com quem tinha dois filhos. Um deles já um adolescente que até intervinha e ameaçava-o por conta da agressão que exercia sobre a mãe. Ela então, ao sair da casa deles para ficar em casa de uma irmã, não levou os filhos porque não havia espaços, mas deixava que o marido saísse de casa para trabalhar e voltava para a casa, limpava, cozinhava e voltava a sair para não entrar em contato com ele; isto depois de várias agressões/atitudes muito violentas. Queixava-se, e quando o processo ia ao Ministério Público (MP), havia desistências. Desistiu na primeira, segunda, com o mesmo procurador e na terceira vez, o procurador, lhe disse, “minha senhora, desse jeito você corre o risco de eu estar a fazer o seu levantamento de cadáver ...”. A senhora se sentiu até ofendida pelo que disse o procurador. Mais tarde, quando eu entrei em contato com esta situação, foi num episódio em que o companheiro chega mais cedo à casa e encontra a mulher... e já estava bêbado e agride-a de tal forma que parte-lhe uma costela, perfurando-lhe um pulmão, e ela foi evacuada para a cidade da Praia e o procurador disse... “neste caso, nem vou apresentar como crime de maus-tratos, vou enquadrar como crime mais grave – ofensas agravadas porque, assim, ela não vai poder desistir da queixa no MP”.

(Carlos Reis, entrevista concedida em janeiro de 2016).

Esses dois casos evidenciam os limites da lei de “maus tratos a cônjuges” diante da complexidade das situações de violência que vinham ocorrendo no país, e chamam a atenção para as necessidades: (i) de o procedimento criminal não depender da manifestação do desejo da vítima em denunciar e manter a queixa; (ii) de autonomização do crime da violência; e (iii) de a punição dos casos não depender da habitualidade e do vínculo conjugal, o que deixava impunes os agressores.

Essas situações fizeram com que o ICIEG, em articulação com seus parceiros, começasse a refletir sobre a necessidade de um novo enquadramento jurídico para o problema das violências. Uma demanda que, embora não tenha sido protagonizada por movimentos feministas à semelhança do que aconteceu no Brasil (Vieira, 201329 VIEIRA, Miriam S. Processos de significação em contraste: violência contra as mulheres no Brasil e em Cabo Verde. Ciências Sociais Unisinos, v. 49, n. 1, p. 90-96, 2013. https://doi.org/10.4013/csu.2013.49.1.11
https://doi.org/10.4013/csu.2013.49.1.11...
) e noutras paragens, não ocorreu de forma isolada. Assim como a criminalização dos maus-tratos, também o processo de concepção da Lei Especial VBG, formalmente iniciado entre 2009 e 2010, resultou de um trabalho articulado com os organismos internacionais e Ongs que atuam na promoção da igualdade de gênero. Trata-se, portanto, de uma questão que faz parte da agenda interna, ao mesmo tempo em que conjuga demandas internacionais e regionais.

Com efeito, embora desde 2004,7 7 Importa referir que a proposta de uma lei que torna público o crime de violência doméstica, em especial a exercida contra as mulheres, foi uma iniciativa da Associação de Mulheres Juristas (AMJ), na sequência de recomendações saídas do estudo Proteção às vítimas de crimes violentos (em particular as mulheres): Relatório provisório de 2002, produzido pela mesma associação (AMJ) sob coordenação do jurista, Jorge Carlos Fonseca. A não implicação dos outros parceiros, nacionais, regionais e internacionais, fez com que a proposta não chegasse, conforme referem os juristas, Carlos Reis e Dionara Anjos, a ser apreciada pelo governo (entrevistas realizadas em janeiro e fevereiro do ano 2016, respetivamente). quando acompanhava o processo de elaboração do primeiro Código Penal cabo-verdiano (CPC), e em 2005, na sequência da publicação dos resultados do II Inquérito Demográfico e de Saúde Reprodutiva (IDSRII), o ICIEG já tivesse manifestado sua preocupação face à necessidade de tornar público o crime de VBG, o processo de concepção do Projeto-lei somente viria a ser formalizado entre 2009 e 2010. Importa, contudo, salientar que a introdução do módulo “violência doméstica” no IDSRII, que reforçou a necessidade da criação da referida lei, resultou de uma exigência da Organização das Nações Unidas (ONU). Conforme o referido organismo internacional, a introdução da categoria “violência doméstica” como indicador adicional no processo de seguimento do Objetivo do Desenvolvimento do Milénio (ODM3) e a constar no relatório da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW) devia, necessariamente, passar pela assunção do compromisso de Cabo Verde em dar a conhecer as estatísticas nacionais sobre o fenômeno.8 8 Os dados apontavam para a maior representatividade da violência física (16%), seguida da psicológica (14%) e da sexual (4%); constatou-se que a maioria das vítimas se concentrava no meio urbano (24%), que uma em cada cinco mulheres era vítima da violência por parte de companheiro ou ex-companheiro; 19% das mulheres admitiram ser vítima de mais de um tipo de violência. Além de chamar a atenção para a necessidade de pensar uma proposta de lei que autonomizasse e ampliasse o âmbito do crime da violência doméstica contra as mulheres,9 9 Para mais informações a esse respeito ver Relatório de Avaliação do estágio de implementação da lei nº 84/VII/11 de 2017. dados recolhidos e sistematizados a partir do IDSRII estimularam a elaboração do I Plano Nacional contra a Violência Baseada no Gênero (PNVBG).10 10 Plano que operacionaliza um dos eixos estratégicos do Plano Nacional de Promoção da Igualdade de Gênero (PNIEG – 2005/2009).

Processo de concepção e aprovação do Projeto-lei VBG: da divergência de perspectivas à construção do consenso

Concepção e socialização do Projeto-lei junto à comissão de seguimento dos trabalhos

O projeto-lei contra VBG surgiu da harmonização de duas propostas apresentadas ao concurso lançado pelo ICIEG para a elaboração da lei contra a violência.">

Processo de concepção e aprovação do Projeto-lei VBG: da divergência de perspectivas à construção do consenso

Concepção e socialização do Projeto-lei junto à comissão de seguimento dos trabalhos

O projeto-lei contra VBG surgiu da harmonização de duas propostas apresentadas ao concurso lançado pelo ICIEG para a elaboração da lei contra a violência.11 11 Foram selecionadas duas equipes de consultores. Uma equipe constituída por duas juristas, uma brasileira, graduada em Direito e doutorada em Direitos Humanos, e uma cabo-verdiana, graduada em direito e inscrita na Ordem dos Advogados de Cabo Verde (OACV). A outra equipe era formada por dois juristas, ambos de nacionalidade cabo-verdiana, um membro fundador da Rede Laço Branco, Cabo Verde e deputado das bancadas parlamentares do Movimento para a Democracia (MPD) e do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV). Uma proposta tomava como referência a Lei Maria da Penha (LMP) do Brasil, que propunha seguir a CEDAW e outros instrumentos da Organização das Nações Unidas (ONU), e que entendia a violência baseada no gênero como sinônimo de violência contra a mulher. A outra, apoiava-se na Plataforma de Ação de Beijing, propondo uma abordagem mais ampla sobre o fenômeno da violência, que não circunscrevia gênero a uma perspectiva dicotômica homem/mulher, mas buscava pensá-lo como construção social independentemente do sexo, percebendo a violência como prática relacional.

Para apoiar o processo da harmonização das duas propostas, o ICIEG integrou mais um consultor nacional. Conforme salienta a jurista Dionara Anjos, em entrevista concedida em 2016, não se tratou apenas de harmonizar as duas propostas de projeto-lei,12 12 Além de suas propostas serem influenciadas pelos organismos internacionais – ONU, de modo particular, também se poderia notar influências derivadas do tipo organizações da sociedade civil e da política de pertença de consultoras(res) e das universidades que frequentaram, sem se esquecer das marcas de gênero. mas também de tentar equilibrar a posição das Ongs membros da Rede Sol que faziam parte da comissão de acompanhamento do projeto-lei.

Segundo a jurista, entre as Ongs se podia, igualmente, perceber duas correntes. Uma delas, embora reconhecendo as mulheres como “vítimas” preferenciais das violências perpetradas pelos homens, defendia que, para um combate a médio e longo prazo, era necessário formular uma lei contra a violência baseada no gênero. A outra corrente, fundamentada na ideia do desequilíbrio histórico de poder em desfavor das mulheres, entendia que se deveria avançar com um projeto-lei sobre a violência contra as mulheres. Portanto, não havia entre as Ongs o consenso quanto ao bem jurídico a proteger. Se, na primeira corrente, a tônica era colocada na necessidade de assegurar a efetiva igualdade entre homens e mulheres como princípio de combate às desigualdades históricas de poder e, por conseguinte, a VBG, na segunda, a mulher é apresentada como bem jurídico a proteger.

Gerir as diferentes perspectivas, seja dos consultores, seja das Ongs e, ao mesmo tempo, levar em consideração os compromissos internacionais do Estado e estratégias de mobilização de deputados e deputadas das duas bancadas com maior assento parlamentar, MPD e PAICV, levantou algumas suspeições no núcleo de trabalho. Como refere o jurista Clóvis Silva,

nós tivemos que fazer um trabalho entre nós para justificarmos perante o núcleo e as nossas colegas consultoras que era importante que nós analisássemos essa perspectiva [gênero como relação]. Por quê? Porque isto não estava nos termos de referência. A ideia não era criar uma lei de violência do gênero, [a ideia] foi construída pela equipa… não havia… portanto... não era esta a ideia inicial. Tanto que, se for aos rascunhos… vai ver que não há esta abordagem, esta abordagem foi criada posteriormente. E acho que na segunda ou terceira versão, já confluímos… já aparece essa construção de gênero, já aparece essa construção despida da ideia de que a mulher é a vítima exclusiva e nós aprendemos muito nesse processo e acho que foi um golpe de sorte nós termos estado naquele lugar, naquela hora…

(Clovis Silva, entrevista concedida em março de 2017).

Em sentido semelhante, o jurista Carlos Reis expressa que

apesar de ter sido difícil dizer: “nós não vamos fazer uma lei para as mulheres, mas uma lei em prol da igualdade de gênero” (...) lembro da coordenadora da Rede Sol a chegar a uma determinada altura em que a discussão estava acalorada, ela disse: “Bom, minha gente, eu quero é garantir que: 1, temos a lei e 2, que a lei puna os agressores. Se, na prática, os agressores são tendencialmente homens e as vítimas tendencialmente mulheres, é um bocado indiferente a lei dizer se especificamente ou não, vai favorecer as mulheres”. Portanto, é como eu digo, teríamos discussões muito complicadas relativamente à constitucionalidade da lei. Se haverá que proteger as mulheres e teríamos uma discussão sobre a discriminação positiva, se podia ou se não podia; o princípio da igualdade, a questão das relações homossexuais, colocar-se-ia, pois é como eu digo, se a LMP, protege mulheres ainda que tendo uma relação homossexual, mas não protegendo homens na mesma relação, você não pode configurar a representação dos papéis do gênero num casal homossexual composto por duas mulheres e não configurar essa possibilidade num casal de homossexuais formado por dois homens ... e isso seria um ponto muito complicado ultrapassar. Daí que esta foi também uma boa justificação, para convencer esta comissão de acompanhamento a submeter um projeto desta natureza...

(Carlos Reis, entrevista concedida em janeiro de 2016).

Apesar da dificuldade inicial em gerir as diferentes perspectivas, as relações entre os(as) consultores(as) e Ongs representadas na comissão de acompanhamento dos trabalhos não foram marcadas por conflitos. Havia consenso em que a aprovação do projeto-lei num parlamento como o nosso, constituído maioritariamente por homens13 13 O processo de elaboração do projeto-lei ocorreu no período da VII Legislatura (2006, 2011). Nessa legislatura, o parlamento era composto por quarenta e um (41) deputados do Partido Africano para a Independência de Cabo Verde (PAICV), partido que suporta o governo, 29 do Movimento para a Democracia (MPD) e os outros dois são representantes da União Cabo-Verdiana Independente e Democrática (UCID). Em termos de gênero, havia 11 deputadas contra 61 deputados. , demandava equilíbrio de gênero e de representação de partidos com maior assento parlamentar, na constituição da equipa de consultores e que, o gênero fosse concebido numa perspectiva relacional, envolvendo homens e mulheres.

Embora o processo de concepção, discussão e socialização da proposta do projeto-lei na comissão de acompanhamento tivesse como preocupação a definição de estratégias políticas internas que pudessem garantir sua aprovação no parlamento – fato que exigiu o redirecionamento daquilo que inicialmente se previa –,14 14 Para mais informações, ver o Caderno de Encargos para a elaboração do projeto de lei (ICIEG, 2009). a preocupação central era pensar uma proposta de lei que levasse em conta as expectativas de homens e mulheres cabo-verdianos(as) e que traduzisse a realidade do país. As narrativas da ex-presidente do ICIEG e dos juristas que estiveram implicados na concepção do projeto-lei VBG revelaram essa preocupação.

Para Cláudia Rodrigues, ex-presidente do ICIEG,

restringir a violência baseada no gênero à violência contra as mulheres não dava resposta às necessidades locais, mesmo porque não se incluiria a homofobia e o Instituto estava, naquele momento, implementando um projeto de salvaguarda dos direitos LGBT, tendo sido importante permitir a integração da homofobia no contexto

(Claudia Rodrigues, citada em Anjos, 20151 ANJOS, Dionara. Políticas públicas cabo-verdianas contra violência baseada no gênero. 2015. Tese (Doutorado em História Medieval, Moderna e Contemporânea) – Universidade de Salamanca, Salamanca, 2015., p. 305).

Rodrigues deixa explícita na sua narrativa a necessidade de uma lei que levasse em conta as particularidades de Cabo Verde, destacando a homofobia como uma prática violenta que deveria ser incluída no projeto-lei. O jurista Carlos Reis considera, por sua vez, que se a VBG fosse conduzida à semelhança do disposto na Lei Maria da Penha, do Brasil, para uma situação em que as “vítimas” fossem única e exclusivamente as mulheres,

estaríamos a deixar de fora um certo número de situações em que se pode constatar violência de gênero em relação a homens, meninos e rapazes, onde a VBG tem uma configuração muito mais específica (...) se repararmos, a VBG, em relação às nossas crianças, aos meninos e rapazes, que começam na sua formação enquanto homem, nas suas afirmações de masculinidade fundamentadas em estereótipos que, normalmente, os incita a terem uma atitude mais agressiva e eventualmente até mais violenta perante obstáculos de vida

(entrevista Carlo Reis, entrevista concedida em janeiro de 2016).

Segundo o jurista, em Cabo Verde, pensar uma proposta de lei sobre violências que proteja exclusivamente os direitos das mulheres, à semelhança das leis do Brasil, Espanha e Moçambique, seria excludente e, portanto, redutor a médio e longo prazos. Mesmo que, no caso de Cabo Verde, a proposta busque ampliar o conceito de gênero, aproximando-o da ideia de papéis sociais de gênero e do desequilíbrio de poder, é importante ter presente que os papéis sociais não são fixos e se constituem na relação (Scott, 199528 SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, v. 20, n. 2, p. 71-99, 1995.). Se assim é, tanto homens como mulheres podem se constituir como autores(as) e “vítimas” de VBG.

Algumas situações observadas e relatos escutados durante o nosso trabalho de campo15 15 Trabalho desenvolvido, em novembro de 2014, no âmbito do projeto de tese intitulado “A Rede Sol e a Lei Especial contra Violência Baseada no Gênero: processos institucionais e narrativas de mulheres e homens em situação de de violências conjugais em Cabo Verde”. demonstraram, a título de exemplo, que o papel de provedor da família, antes atribuído quase que exclusivamente aos homens, pode, em função das mudanças ocorridas no domínio laboral e no plano cultural, passar a ser assumido por muitas mulheres. O que não significa, necessariamente, a existência de uma relação de dominação por parte das mulheres. Os casos de Sónia e de Abel são bastante reveladores.

(...) ele chegou a ficar desempregado por um ano e, nesse período, eu é que cuidava da casa e me responsabilizava pelas despesas da família. Precisavas ver o comportamento dele, todo mansinho! Há cerca de um mês que voltou a trabalhar como chefe da guarda municipal, transformou-se completamente, é outra pessoa.... nunca esperava que ele fosse capaz de me agredir… ontem agrediu-me de todas as maneiras: com a cadeira, pedaços de vidro dos objetos que partia enquanto brigávamos, bofetadas, socos na cabeça, mordeu-me no pescoço, como se não bastasse, pegou num cinto e tentou me estrangular...

(Sónia, professora, 30-35 anos, notas de campo, novembro de 2014).

Já passei de tudo com esta mulher... é possessiva, ciumenta, ou doença mesmo!!? Não sei, talvez!! Quando fiquei desempregado, comi o pão que o diabo amassou. Me obrigava a fazer tudo, inclusive lavar suas cuecas... era humilhação e controlo demais para uma pessoa. Entrei em estado profundo de depressão... Há 20 dias que comecei a trabalhar de novo, e quase todos os dias ela vai no meu trabalho, cria casos... faz escândalos. É basta me ver com uma colega, que logo pensa que é a minha mulher...

(Abel, Técnico superior, 30-35 anos, notas de campo, novembro de 2014).

Embora os relatos evidenciem alguma relação entre o papel de provedor da família e o exercício da violência, é importante perceber, tal como defendem Ortner e Whitehead (1981)17 ORTNER, Sherry; WHITEHEAD, Harriet. Introduction: accounting for sexual meanings. In: ORTNER, S.; WHITEHEAD, H. (ed.). Sexual meanings: the cultural construction of gender and sexuality. Cambridge: Cambridge University Press, 1981., que as relações de gênero não podem ser entendidas como simples reflexo da divisão sexual do trabalho e que, portanto, o papel de provedor da família não é uma prerrogativa dos homens. As atividades de mulheres e homens são, conforme Henrietta Moore (1997, p. 12)16 MOORE, Henrietta. Understanding sex and gender. In: INGOLD, T. (ed.). Companion encyclopedia of Anthropology. Londres: Routledge, 1997. p. 813-830.,16 16 Tradução de Júlio Assis Simões, exclusivamente para uso didático. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/269229/mod_resource/content/0/henrietta%20moore%20compreendendo%20sexo%20e%20g%C3%AAnero.pdf “informadas por uma multiplicidade de discursos de gênero e relações de gênero, eles próprios produzidos e reproduzidos por meio dessas mesmas atividades, que refletem as mudanças no entendimento da cultura”. As narrativas de Abel e de Sónia enfatizam o poder como elemento central no exercício da violência, não como algo fixo e que se impõe apenas a partir do polo masculino da relação, à semelhança do que sugere Pierre Bourdieu (1999)3 BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999., mas como elemento que circula nas relações de gênero, podendo igualmente ser exercido pelo polo feminino.

Diante dessas narrativas, que chamam a atenção para a necessidade de o projeto-lei ser pensado para e com cabo-verdianas e cabo-verdianos, respeitando suas particularidades, chegou-se ao consenso de que o foco do debate não deveria centrar-se exclusivamente no eixo “vitimista” e na penalização e responsabilização da parte agressora, mas que também se deveria pensar no tratamento dessas pessoas e, logo, que se deveria deslocar o eixo da “promoção da mulher” como bem jurídico a proteger para o da “igualdade de gênero”.

Após o consenso de que a judicialização dos conflitos de gênero deve focar nas relações de gênero, o ICIEG iniciou um intenso processo de advocacy junto às entidades que teriam influência e poder de decisão na aprovação da lei.17 17 Antes da sua discussão no Parlamento, o projeto-lei foi socializado com o Presidente da República, o presidente da Assembleia, o Procurador da República e representantes dos partidos políticos com assento parlamentar. Com essa ação se pretendia sensibilizar personalidades influentes para apoiar a aprovação da lei. Essa ação contou com a participação da Rede de Mulheres Parlamentares de Cabo Verde (RMPCV) e apoio das agências da ONU no país. Portanto, também nessa etapa as ações continuaram a ser protagonizadas pelo ICIEG e outros setores (magistrados e parlamentares), Ongs e não por movimentos sociais organizados, como tem sido prática no Brasil (Vieira, 201329 VIEIRA, Miriam S. Processos de significação em contraste: violência contra as mulheres no Brasil e em Cabo Verde. Ciências Sociais Unisinos, v. 49, n. 1, p. 90-96, 2013. https://doi.org/10.4013/csu.2013.49.1.11
https://doi.org/10.4013/csu.2013.49.1.11...
) e outros países (Espanha, Moçambique), cujas leis serviram de inspiração à Lei Especial contra VBG de Cabo Verde (questão que será desenvolvida mais à frente).

Não obstante o consenso, notamos, ao longo do trabalho de campo, que as medidas de políticas continuam focadas na proteção dos direitos das mulheres. Situação que Wânia Pasinato pondera derivar-se

do reconhecimento de que tratar da desigualdade de gênero, significa colocar o foco sobre a persistência daquelas práticas, medidas, ações ou omissões que afetam de forma desproporcional as mulheres em razão de sua condição de gênero

(Pasinato, s/d.18 PASINATO, Wânia I. A Lei de Violência Baseada no Gênero na percepção de homens e mulheres. S./l., S./d. Documento avulso. p. 4).

Numa perspectiva semelhante, a então Coordenadora Nacional da Rede Sol alude que promover a igualdade é “proteger aquele que, por alguma razão, em dado momento, se encontre numa situação de desequilíbrio de poder”.18 18 Informações concedidas em entrevista, realizada em novembro de 2016. Portanto, ainda que não esteja explícito na lei, o que, em termos práticos parece estar em jogo quando se pensa a VBG, é a necessidade de estabelecer medidas de discriminação positiva que permitam garantir a efetiva igualdade entre homens e mulheres.

Apesar de a equipe de consultores para elaboração da proposta do projeto-lei estar integrada por homens e mulheres de nacionalidade cabo-verdiana, de todo o processo de discussão e socialização da proposta contar com a participação de instituições e Ongs que atuam na promoção de igualdade de gênero no país, e de, ao longo do processo de discussão conceitual notar-se um esforço em pensar categorias que estejam mais próximas da realidade cabo-verdiana, importa ter presente que essas circunstâncias não necessariamente revelam que a proposta de lei traduza a realidade do país. Levando em consideração que o projeto-lei se sustenta no paradigma científico dominante ou na matriz do pensamento eurocêntrico, pode-se, à semelhança do que adverte Edward Said, notar que há uma relação de dominação legitimada pelo discurso do conhecimento, que se torna ainda mais profunda do que a militar/política, pois persiste mesmo depois da colonização estrito senso (Said, 200322 SAID, Edward. O orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. Tradução de Tomás Rosa Bueno. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.). Portanto, seria difícil para os consultores terem reflexões fora desse referencial teórico eurocêntrico.

Questões que envolvem a interferência do global no local continuaram a nortear as discussões do projeto-lei, a nível do Parlamento. Para os propósitos do item que se segue, procuro discorrer sobre a forma como os parlamentares percebiam o projeto-lei: que implicações sua natureza pública teria para a família pensada a partir do modelo ocidental e que efeitos produziria sobre outros ordenamentos jurídicos internos.

Da discussão e votação do projeto-lei especial contra VBG no Parlamento

O processo de discussão e aprovação na íntegra do projeto-lei sobre a violência baseada no gênero, decorrido em julho de 2010, permitiu que fossem aprofundadas com o parlamento nacional e os partidos políticos questões relacionadas com o estado de implementação da CEDAW e a necessidade de reforço do quadro legal para a efetivação da igualdade de gênero e a eliminação de situações de discriminação contra as mulheres.

Apesar de os membros da comissão de acompanhamento alcançarem consenso, durante o processo de discussão e socialização do projeto-lei em que a igualdade de gênero deve ser o bem jurídico a proteger, a audiência pública para a aprovação do projeto-lei VBG no parlamento trouxe novamente à discussão: (i) a necessidade da proteção da família como finalidade última da produção de leis no campo das violências; (ii) a questão da inconstitucionalidade; e (iii) a interferência de políticas globais na definição de medidas internas.

Relativamente à primeira questão, importa referir que, embora a proposta de lei submetida ao parlamento conte com o apoio de todos os partidos com assento parlamentar,19 19 Importa lembrar que o projeto-lei foi submetido ao parlamento pela Rede de Mulheres Parlamentares de Cabo Verde, uma rede presidida por uma deputada do partido no poder, na época, o PAICV, e tendo como vice uma deputada do partido da oposição (MPD). Além disso, a rede integra deputadas da bancada parlamentar de todos os partidos com assento parlamentar (PAICV, MPD e UCID). a análise dos discursos proferidos pelos deputados das diferentes bancadas parlamentares durante a audiência pública remete a posições divergentes e, por vezes, contraditórias no que se refere à natureza pública da proposta de lei. Se, para alguns deputados, em particular os da bancada parlamentar do MPD (partido da oposição, à época), não se deveria avançar com a aprovação de um projeto–lei em que vários artigos punham em causa a estabilidade familiar, tomando como modelo a família nuclear, para a maioria deles, a transformação da violência em um problema social, ao invés de desestabilizar a família, contribuiria para a sua segurança e proteção. Em ambas as posições, a preocupação central parece ser a de garantir a proteção da família. As mulheres e homens em situação de violência não eram vistos como sujeitas(os) particulares de direito, ou seja, suas demandas e expectativas particulares não foram objetos de discussão.

A esse respeito, os discursos dos deputados Rui Figueiredo e Rui Semedo, das bancadas parlamentares do MPD e PAICV, respectivamente, são bastante reveladores. Para Figueiredo, deslocar a natureza do crime de violência de semipúblico para público pode gerar a instabilidade familiar. Nesse sentido, alerta,

será que todos nós nos demos conta de que transformando este crime em crime público não há sequer a possibilidade de desistência? e que qualquer pessoa, uma escaramuça, ou ouvindo determinadas tomadas de posições ou discussões ou violências... se temos violências entre casais, qualquer pessoa pode fazer essa queixa, o Ministério Público deve oficiosamente agir e que não há possibilidades de desistência de queixa, que muitos casais homens e mulheres correm o risco de verem sua família mais em perigo que atualmente. Quer dizer há questões básicas que devem ser discutidas. Devia ver com o máximo de serenidade esta questão, reformular o diploma, trazê-lo no mês de outubro e certamente teríamos votos unânimes desta casa parlamentar. Se não, se insistimos em fazê-lo agora, corremos o risco de não ter consenso na aprovação na generalidade (...) [o que] não me parece uma boa prática parlamentar

(Deputado Rui Figueiredo, audiência pública de discussão do projeto-lei contra Violência Baseada no Gênero).

Ao questionar o fato de o projeto-lei protagonizar o Estado, em detrimento da família, abrir a possibilidade para interferência na gestão dos problemas privados e de impossibilitar a desistência da queixa, o deputado defende a ideia da reprivatização da violência conjugal. Por sua vez, ainda que partilhe a ideia de proteção da família, o deputado Rui Semedo não considera que deslocar a natureza semipública da lei para pública contribua para a desestabilização da unidade doméstica. Assim, sobre o questionamento do deputado Figueiredo, o deputado Semedo lança novas questões.

Será isso [a violência] saudável, para a família, para a criança que vive neste ambiente de escaramuça, sem que ninguém da sociedade possa ter possibilidade de intervir para eliminar essa anomalia social? Porque aí, esta tomada de posição estaria a dizer: sim senhor, é normal haver alguma violência entre a família (...) não ir para a questão de transformamos em crimes públicos teríamos essa outra face da moeda também.

(Deputado Rui Semedo, audiência pública de discussão do projeto-lei contra Violência Baseada no Gênero).

Analisando o discurso dos dois deputados, percebe-se que, embora ambos defendam a necessidade de garantir a estabilidade familiar, como núcleo constituído por mãe, pai e filhos partilhando o mesmo espaço, em detrimento da defesa dos direitos individuais dos sujeitos, apresentam percepções distintas sobre a mesma questão. Para o primeiro, a estabilidade familiar aparece associada à ideia da naturalização da submissão da mulher à dominação masculina, enquanto, para o segundo, a estabilidade significa ausência e não silenciamento da violência por parte da vítima. Com efeito, a garantia de direitos dos sujeitos se dá, tal como referem Rifiotis e Vieira (2012, p. 19, 74)20 RIFIOTIS, Theophilos; VIEIRA, Danielli. Um olhar antropológico sobre violências e justiças: etnografias, ensaios e estudos de narrativas. Florianópolis: Editora da UFSC, 2012., pela garantia do “bem social”, o que acaba por destituir “o sujeito de seu poder de decisão, transferindo para o Estado o protagonismo das lutas sociais”. Situação que, segundo os autores, pode levar a um descompasso entre os objetivos e práticas dos operadores da lei e as demandas e expectativas das mulheres e homens em situação de violência.

Essa situação foi bastante evidenciada durante o trabalho de campo, realizado no Gabinete de Apoio à Vítima de VBG e na Procuradoria da Comarca da Praia, para a questão da VBG e da família. A partir da escuta de relatos em sala de espera e de atendimento/audiência nessas duas instâncias da Rede Sol, pude perceber que muitas mulheres e homens que procuravam esse serviço para denunciar situações de violência não desejavam procedimento criminal do caso, mas apenas o aconselhamento ao(à) parceiro(a), para retomarem a relação não marcada pela violência – desejo que a natureza pública da lei não permitia que fosse atendido. Feita a denúncia, a instrução do processo não dependerá da vontade da(o) denunciante.

O mesmo não se pode dizer em relação a alguns dos serviços prestados nas Casas do Direito (CD). Refiro-me, neste particular, à mediação enquanto forma alternativa de resolução de litígios, cuja realização e procedimento dependem do desejo das partes envolvidas em conflitos de participarem nas sessões. Ainda que se possa verificar algum descompasso entre as expectativas dos envolvidos em situação de conflitos e da equipe de mediação, sendo uma ação extrajudicial, as pessoas denunciantes podem desistir a qualquer momento, sem que se incorra em qualquer penalidade.

Pude, a partir da participação em sessões de mediação entre casais, perceber que, embora as partes aceitem participar da mediação, podem não encontrar soluções que contemplem e satisfaçam seus interesses, e, por conseguinte, chegar a um acordo. Conforme o mediador da CD de Terra Branca, mesmo nos casos em que se chega a estabelecer o acordo, ele nem sempre é cumprido pelas partes e não existem, naquela instância, mecanismos que obriguem o seu cumprimento e/ou o julgamentos de acordos.

De certa forma, a mediação aproxima-se do que propõem Rifiotis e Vieira (2012)20 RIFIOTIS, Theophilos; VIEIRA, Danielli. Um olhar antropológico sobre violências e justiças: etnografias, ensaios e estudos de narrativas. Florianópolis: Editora da UFSC, 2012. para superar os limites da centralidade no sistema judiciário: “o deslocamento do debate em termos do direito dos sujeitos para o sujeito de direito”. Com efeito, ao invés de pensar o direito a partir de uma perspectiva normativa e prescritiva, que protagoniza o Estado, anulando a possibilidade de agência dos sujeitos e desvalorizando outras formas de ação social, os autores propõem que o direito seja pensado com os sujeitos, ou seja, tendo em consideração “suas experiências, dilemas e modalidades de enfrentamento da violência, apropriação que fazem dos discursos e práticas judicializantes” (2012, p. 17-22). Longe de pretender negar a importância da constituição de uma “cultura de direitos humanos”, o que os autores recomendam é que tal “cultura” seja construída com os sujeitos sociais e não por uma via exclusivamente judicializante/criminalizante (Rifiotis; Vieira, 201220 RIFIOTIS, Theophilos; VIEIRA, Danielli. Um olhar antropológico sobre violências e justiças: etnografias, ensaios e estudos de narrativas. Florianópolis: Editora da UFSC, 2012., p. 74).

Posição essa não partilhada por Guita Debert e Filomena Gregori (2008), para quem, resultando os direitos das demandas dos movimentos sociais, eles refletem, desde logo, os interesses e as demandas dos sujeitos. O que consideram problemático não é a centralidade no direito, mas a forma como este é materializado no sistema brasileiro (questão que retomarei mais à frente, quando abordo sobre influências externas na aprovação da lei VBG).

Outra questão que norteou as discussões, por ocasião da aprovação do projeto-lei no parlamento, foi a da inconstitucionalidade e interferência de políticas globais na definição de medidas internas. Para o deputado Rui Figueiredo, as ações do Estado devem ser definidas internamente e regidas pela constituição. Nesse sentido, antes da sua declaração de voto, lançou o seguinte apelo à mesa da Assembleia Nacional,

(...) que os deputados exerçam o seu mandato em perfeita liberdade e sem qualquer condicionamento. (...) As pessoas nas galerias, sejam elas quem forem, não podem levantar-se para observar com ar de desafio deputados nesta casa parlamentar. Eu, da minha parte, exercerei sempre o meu mandato em perfeita liberdade e em consciência. (...) apesar de ter dúvidas no início, dispunha-me a votar favoravelmente. Essas dúvidas foram grandemente agravadas com o parecer das comissões especializadas e com isto não me senti em condições de, mesmo apesar das dúvidas, votar favoravelmente; acabei por votar abstenção em relação a este importante diploma (...) O projeto como este, do meu ponto de vista, enferma de graves inconstitucionalidades (...) impedem a aprovação na generalidade neste momento (...) e por isso mesmo, é que eu propus que se fizesse aqui, que se procedesse ao cancelamento da iniciativa e retomar esta iniciativa, tirando do diploma as normas que podem ser consideradas inconstitucionais. Compromissos externos não podem marcar a agenda parlamentar, (...) nenhum compromisso nos deve levar a alterar a agenda parlamentar

(Deputado Rui Figueiredo, audiência pública de discussão do projeto-lei contra Violência Baseada no Gênero no parlamento).

Esse discurso chama a atenção, tal como alude o sociólogo Cláudio Furtado (2017)8 FURTADO, Cláudio A. Gênero, justiça social e empoderamento das mulheres. In: SIMPÓSIO EM GéNERO, JUSTIÇA SOCIAL E EMPODERAMENTO DAS MULHERES, 2017, Praia. Anais [...]. Praia: CIGEF/Uni-CV, 2017., para a necessidade de os governantes assumirem uma perspectiva crítica em relação às agendas globais que tendem a se impor sobre as decisões locais, não respeitando as particularidades de realidades concretas/demandas internas. Embora, no contexto de Cabo Verde, a demanda por criminalização da violência leve em consideração as demandas das Ongs que atuam nesse campo, a insuficiência de recursos faz com que tendencialmente se busque “encaixar” as agendas nacionais àquelas de organismos internacionais. É notável o esforço do governo em desenvolver e/ou apoiar iniciativas que ajudem o país a assumir seus compromissos internacionais e/ou a atingir as metas/objetivos traçados por esses organismos para um determinado período.

Nesse caso, antes de questionar se as demandas das Ongs e do ICIEG traduzem os interesses particulares dos sujeitos, é importante, como referem Celeste Fortes (2013)6 FORTES, Celeste. “M t’studa p’m k ter vida k nha mãe tem”. Gênero e educação em Cabo Verde. Ciências Sociais, v. 49, n. 1, p. 80-89, 2013. https://doi.org/10.4013/csu.2013.49.1.10
https://doi.org/10.4013/csu.2013.49.1.10...
, Miriam Vieira (2013)29 VIEIRA, Miriam S. Processos de significação em contraste: violência contra as mulheres no Brasil e em Cabo Verde. Ciências Sociais Unisinos, v. 49, n. 1, p. 90-96, 2013. https://doi.org/10.4013/csu.2013.49.1.11
https://doi.org/10.4013/csu.2013.49.1.11...
e Cláudio Furtado (2017)8 FURTADO, Cláudio A. Gênero, justiça social e empoderamento das mulheres. In: SIMPÓSIO EM GéNERO, JUSTIÇA SOCIAL E EMPODERAMENTO DAS MULHERES, 2017, Praia. Anais [...]. Praia: CIGEF/Uni-CV, 2017., questionar se tais demandas expressam os problemas que efetivamente constituem prioridades locais. Ainda que as demandas pela institucionalização da lei contra VBG resulte da necessidade de atender as demandas internas da sociedade civil organizada, iniciadas desde a independência do país em 1975, elas refletem, igualmente, a necessidade de o país assumir seus compromissos firmados quando da ratificação de instrumentos internacionais e regionais de promoção da igualdade de gênero, em especial os direcionados ao combate à VBG.20 20 No âmbito internacional, destacam-se: Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher de 1979 – CEDAW, o Protocolo Opcional à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres; e, em nível regional: Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, Protocolo à Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, relativo aos Direitos da Mulher em África. Assim, a Lei VBG é resultado não apenas do processo histórico do país, mas também de sua abertura ao mundo (Anjos, 20151 ANJOS, Dionara. Políticas públicas cabo-verdianas contra violência baseada no gênero. 2015. Tese (Doutorado em História Medieval, Moderna e Contemporânea) – Universidade de Salamanca, Salamanca, 2015.).

Dos critérios aos limites de enquadramento dos casos pelos operadores da lei

A lei especial contra VBG, diferentemente das leis de Espanha, Brasil e Moçambique, tomadas como referência em sua concepção, desloca o debate da vitimização exclusiva das mulheres, para pensar a violência como prática relacional, um pouco na linha do que defendem Miriam Grossi e Joana Pedro (1998)12 GROSSI, Miriam P.; PEDRO, Joana M. (org.). Masculino, feminino, plural: gênero e interdisciplinaridade. Florianópolis: Editora Mulheres, 1998., Filomena Gregori (1993)10 GREGORI, Maria Filomena. Cenas e queixas: um estudo sobre mulheres, relações violentas e a prática feminista. São Paulo: Paz e Terra; Anpocs, 1993. e Guita Debert e Filomena Gregori (2008)5 DEBERT, Guita G; GREGORI, Maria Filomena. Violência e gênero. Novas propostas, velhos dilemas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 23, n. 66, p.165-185, 2008. https://doi.org/10.1590/S0102-69092008000100011
https://doi.org/10.1590/S0102-6909200800...
. A pretensão deixou de ser a de tratar somente a violência doméstica ou familiar exercida contra as mulheres, à semelhança do que aconteceu nas legislações do Brasil e de todos os países pilotos do Programa Juntos na Ação21 21 Para o continente asiático: Vietnã e Paquistão; Continente Africano: Moçambique, Ruanda, Tanzânia e Cabo Verde; continente europeu: Albânia; e, finalmente, na América Latina e Caribe, foi escolhido o Uruguai. da ONU,22 22 Importa registrar que Ruanda constituiu uma exceção. para centralizar no exercício desigual de poderes em razão de gênero.

Como refere Miriam Vieira (2013)29 VIEIRA, Miriam S. Processos de significação em contraste: violência contra as mulheres no Brasil e em Cabo Verde. Ciências Sociais Unisinos, v. 49, n. 1, p. 90-96, 2013. https://doi.org/10.4013/csu.2013.49.1.11
https://doi.org/10.4013/csu.2013.49.1.11...
, a criminalização das modalidades [física, psicológica, sexual, patrimonial e assédio sexual]23 23 Para uma definição dos diferentes tipos de violências, ver Artigo 3º, i), ii), iii) e iv) da Lei Especial Contra Violência Baseada no Gênero. de violências, em Cabo Verde, deixou, diferentemente do Brasil, de assentar-se nas hierarquias de gênero – focadas nas mulheres –, para privilegiar a categoria gênero, abordando homens e mulheres.

Ainda que a lei de VBG não abra a possibilidade para pensar as violências fora do quadro dos estereótipos de gênero, derivados de uma cultura machista e patriarcal, não se pode excluir a possibilidade de “vitimização” dos homens, se pensarmos que os papéis sociais não são fixos e que, dependendo da própria dinâmica de transformação social, podem ocorrer situações de inversão/ transitoriedade de papéis (Furtado; Anjos, 20169 FURTADO, Manuela; ANJOS, José Carlos dos. Incompatibilidades de género: caso de são Miguel. In: SILVA, C.; VIEIRA, M. (Org.). Género e Sociabilidades no interior de Santiago. Praia: Edições Uni-CV; Editora da UFRGS, 2016. Estudo Sociais Cabo-verdianos, Vol. 4, Série III. apud Silva; Vieira, 201626 SILVA, Carmelita; VIEIRA, Miriam S. (org.). Género e sociabilidades no interior de Santiago. Praia: Edições Uni-CV; Editora da UFRGS, 2016. Estudo Sociais Cabo-verdianos, Vol. 4, Série III.).

Durante minha pesquisa de campo no Gabinete de Apoio à Vítima de Violência Baseada no Género da Esquadra da Polícia Nacional de Achada Santo António, na capital, Praia, enquanto acompanhava o registro de uma queixa na sala de audiência, fomos bruscamente interrompidos por uma senhora muito aflita, pedindo apoio para retirar a filha de seis meses que tinha deixado em casa, na sequência da briga com o companheiro. Para atender o pedido, foi acionado o Serviço de Piquete24 24 Serviço de emergência da Polícia Nacional. que, acompanhado da presumível vítima, conseguiu recuperar a criança e proceder à sua entrega em casa da avó materna, conforme as indicações da mãe (denunciante). Em seguida, conduziram o companheiro da denunciante para a esquadra,25 25 Estrutura de atendimento policial, correspondente à delegacia no Brasil. onde foi ouvido pelo agente da polícia nacional e a então coordenadora do GAV. Nesse interrogatório, o acusado relatou sua experiência de vida marcada por sucessivas agressões, sobretudo psicológicas, resultados da assunção, pela mulher, do papel de provedora da família.

Os dois exemplos demonstram o caráter dinâmico e descentralizado das relações de poder e rejeita a condição da mulher como vítima passiva na relação conjugal violenta, casos que também podem ser analisados à luz das ideias de Guita Debert e Filomena Gregori (2008)5 DEBERT, Guita G; GREGORI, Maria Filomena. Violência e gênero. Novas propostas, velhos dilemas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 23, n. 66, p.165-185, 2008. https://doi.org/10.1590/S0102-69092008000100011
https://doi.org/10.1590/S0102-6909200800...
, quando referem ao agenciamento das mulheres, realçando sua capacidade de resistência aos arranjos opressivos em diferentes contextos e/ou recorrendo à proposta de Manuela Furtado (2016)9 FURTADO, Manuela; ANJOS, José Carlos dos. Incompatibilidades de género: caso de são Miguel. In: SILVA, C.; VIEIRA, M. (Org.). Género e Sociabilidades no interior de Santiago. Praia: Edições Uni-CV; Editora da UFRGS, 2016. Estudo Sociais Cabo-verdianos, Vol. 4, Série III. quando refere que o acesso e controle dos recursos pelas mulheres podem potencializar o exercício de poder sobre os homens, exigindo-lhes que ajam de acordo com o que deles espera a sociedade. Não obstante o fato de homens e mulheres estarem no papel de autores e vítimas de violências nas relações de gênero, no quadro da Lei de VBG importa referir que são formas distintas de vitimização e exercício de poderes. Logo, não podem ser colocadas no mesmo patamar analítico.

Conforme Wânia Pasinato e João Delgado, ainda que, historicamente, a configuração dos papéis sociais de gênero coloque as mulheres na condição de submissas e os homens, de dominantes, ambos podem, dependendo da posição que ocupam na relação, ser autores e/ou vítimas de violências. A violência de gênero contra os homens é, na perspectiva desses autores, exercida para pressioná-los a ser mais ambiciosos, assumirem e desempenharem “os papéis designados aos homens em nossa sociedade, tanto no espaço público como no privado...” (Pasinato; Delgado, 201319 PASINATO, Wânia; DELGADO, João. Manual de procedimentos para as forças policiais. Praia: ICIEG, 2012., p. 13).

Portanto, tomar o gênero e o desequilíbrio de poder como categorias de análise não exclui a possibilidade de pensar homens e mulheres em situação de violência. Dados da nossa pesquisa de campo revelam que os homens apareciam, quase sempre, como “vítimas” de violências exercidas por suas companheiras em reação às sucessivas agressões a que as submetiam, mas também, em alguns casos, como “vítimas” de sucessivos comportamentos violentos, de iniciativa das mulheres. Os casos de Pepe26 26 Um dos interlocutores, que declara experienciar situações de violência conjugal e aceita partilhar sua experiência no Gabinete de Apoio à Vítima de VBG, recusando, entretanto, proceder ao registro da queixa, alegando o fato de “ser homem”. e de Roger,27 27 Um dos interlocutores cuja experiência de violência me foi partilhada na Casa do Direito de Terra Branca. que a seguir apresento, são bastante reveladores de situações de violência enquanto práticas relacionais.

Vivemos juntos há cerca de 18 anos e até bem pouco tempo a nossa relação caminhava bem, mas depois, por causa de ciúmes, os conflitos começaram a surgir e se tornaram frequentes. Tudo começou no dia 24 de dezembro, em que trabalhei no táxi toda a noite; em seguida fui ajudar o meu irmão a resolver uns assuntos, chegando em casa por volta das 5 da manhã... uma amiga disse à minha mulher que tinha uma “rapariga” e que havia passado a noite com essa menina... enquanto eu dormia, ela [a minha companheira] me deu um soco no pescoço. Levantei e perguntei o que estava a passar ... ela foi apanhar uma faca e tentou me agredir e aí, tive que me defender. Dei um soco no braço dela (...) a partir daquele dia ganhou confiança para me bater. Passou a me tratar como uma criança (...) fazia várias ameaças que me dava com faca, água quente, que me tocava fogo com gasolina enquanto dormia...

(Roger, taxista, 35-40 anos).

Lembro de um dia ter ido buscar a minha filha, e ela recusou determinadamente que não deixaria... depois de muita insistência, sem resultado, decidi pegar a criança à força. Aí, ela [ex-companheira] apanhou um copo, quebrou e em seguida me acertou na costa... Quando vi que estava a sair muito sangue, acabei por descontrolar um pouco, parti também para a agressão... Não fui para o hospital e nem quis denunciá-la na polícia. Não queria parecer de ridículo! Sou homem! Mas tive que vir, porque ela se queixou de mim e pior do que isso, a queixa foi encaminhada para o tribunal e ela consegui convencer todo o mundo que ela simplesmente reagiu às minhas agressões e evitado que a matasse, em sua própria casa. Alguns vizinhos que chegaram praticamente no final daquela cena, testemunharam contra mim, acrescentando que estava bêbado... Fui condenado a um ano e quatro meses de pena suspensa convertida em multa.

(Pepe, condutor GRP, 25-30 anos)

Esses dois casos mostram os limites de pensar o gênero pela representação do sexo biológico, determinada pela ideia de papéis sociais como fixos e de analisar os sistemas de desigualdades, expressos em razão do sexo e do gênero, exclusivamente pela ideia do patriarcado. Ainda que, como refere Grossi (1994, p. 478)11 GROSSI, Miriam P. Novas/velhas violências contra a mulher no Brasil. Revista Estudos Feministas, v. 2, n. especial, p 473-483, 1994., o lugar de passividade possa fazer parte do jogo relacional, ele “não necessariamente remete a uma visão estática de um feminino a-histórico e a-cultural”. A esse respeito, a proposta de Gayle Rubin (1993, p. 24)21 RUBIN, Guyle. O tráfico de mulheres: notas sobre a “economia política” do sexo. Tradução de Christine Rufino Dabat, Edileusa da Rocha e Sonia Corrêa. Recife: S.O.S Corpo, 1993., de pensarmos a subordinação, em especial das mulheres, não como reflexo do patriarcado, mas como “um produto das relações por meio das quais sexo e gênero são organizados e produzidos”, parece-me adequada para a análise desses casos. Mesmo que essa proposta lhe tenha permitido desnaturalizar a opressão das mulheres, ela não foi suficiente para a compreensão das relações de gênero e a problematização do caráter sociocultural do sexo.

Embora a proposta de deslocamento da violência doméstica – como sinônimo de violência contra as mulheres – para a violência baseada no gênero, implicando homens e mulheres, esteja expressa nos textos da lei e dos vários manuais e materiais de apoio à sua implementação (Silva, 200924 SILVA, Carmelita. Trajetória de mulheres vítimas de violência conjugal: análise a partir da percepção das mulheres que vivenciam o drama. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade de Cabo Verde, Praia, 2009.), é visível a dificuldade dos operadores do direito na análise e enquadramento dos casos pelo eixo das relações do poder. Mesmo sendo essa lei, no contexto de Cabo Verde, conforme refere o jurista Carlos Reis, possivelmente aquela que mais medidas de sensibilização produziu, as dificuldades no enquadramento dos casos pelos operadores jurídicos continuam um desafio a vencer. Dificuldades essas que, conforme pude verificar durante o acompanhamento da denúncia de casos nas diferentes instâncias da Rede Sol, estavam relacionadas não apenas ao desafio de encontrar elementos de prova, mas à própria operacionalização dos conceitos de gênero e poder. Assentar o enquadramento dos casos de VBG na construção de relações de poder desiguais baseadas nos estereótipos de gênero e não apenas na existência de uma relação de intimidade, afetividade, casamento ou situações análogas, é um aspecto inovador que, entretanto, parece complexificar o problema.

Se, por um lado, o conceito de gênero trazido no corpo da lei28 28 “Representação social do sexo biológico, determinada pela ideia de tarefas, funções e papéis atribuídos a mulheres e aos homens na sociedade e na vida pública e privada, bem como da relação que se desenvolve entre eles” (Lei Especial Contra Violência Baseada no Gênero, Artigo n. 3º a). não consegue dar conta da realidade em permanente transformação, por centrar-se na ideia de papéis sociais, por outro, uma das grandes dificuldades na operacionalização do conceito de VBG prende-se ao fato de a lei não esclarecer o conceito de poder e suas dimensões. A não definição da categoria poder no texto da lei abre a possibilidade para o enquadramento de casos dependendo do entendimento que cada técnico/operador da lei faz desse conceito.

Além de problemas conceituais, a falta de elementos de prova (constituição de testemunhas, guia de exame direto e fotografias) e o silêncio da pessoa denunciante são outros constrangimentos que se colocam ao procurador no enquadramento dos casos e, consequentemente, na aplicação de medidas no quadro da lei VBG. Tal situação, como pude verificar durante o trabalho de campo na Seção de Crimes de VBG e Contra a Família (SCVBGF), fez com que muitos casos fossem considerados passíveis de ser enquadrados em outras tipologias de crimes e/ou arquivados.

Nesse sentido, a narrativa da Dionara Anjos é bastante reveladora. Conforme ela assegura,

para facilitar sua vida, os magistrados não estão enquadrando o crime como VBG e estão colocando tudo como ofensa, porque aí diminui o trabalho. É a forma mais fácil, que dá menos trabalho. É uma lástima, mas é isso que estou vendo na Praia. Há algum tempo estava se fazendo uma coisa horrorosa, o julgamento coletivo de casos de VBG. Uma situação muito constrangedora para as vítimas...

(Jurista Dionara Anjos, em entrevista concedida em fevereiro de 2016).

Para superar essas dificuldades no enquadramento dos casos e possibilitar a uniformização dos procedimentos no atendimento, o ICIEG vem investindo na produção de instrumentos específicos para cada setor. Essa ação não tem, necessariamente, permitido a resolução do problema, pois a questão não se limita à inexistência de instrumentos, mas, sobretudo, à sua não aplicação pelos respectivos técnicos/operadores. Durante a pesquisa de campo nas estruturas da Rede Sol, pude observar que técnicos e técnicas desconheciam a existência de manuais de procedimentos ou outros instrumentos, ou, na maioria dos casos, consideravam-nos impraticáveis no contexto específico em que atuavam.

Considerações finais

No contexto de Cabo Verde, a busca crescente pelo direito como forma de organização social tem sido uma demanda interna impulsionada pelas Ongs feministas – em estreita parceria com as instituições do Estado, em particular com o Instituto Cabo-verdiano para a Igualdade e Equidade de Gênero – e reflete o comprometimento do país em assumir os protocolos internacionais e regionais. A análise dos processos institucionais e das narrativas de operadores do direito permitiu-me compreender que a luta pelo reconhecimento de direitos dos sujeitos no campo das violências de gênero é uma questão tanto local quanto global. Essa espécie de gestão tripartida no combate às desigualdades de gênero e na definição de medidas políticas, em especial no campo das violências, evidencia não apenas o protagonismo do Estado em detrimento dos sujeitos de direitos, como revela, também, a imposição de um modelo global que limita a agência dos atores e atrizes sociais envolvidas nos processos em questão.

Para abordar essa questão do lugar subordinado que mulheres e homens da sociedade cabo-verdiana ocuparam na produção do direito em torno das violências no país, tomei como referência a promulgação, na década de 2010, da lei que torna público o crime das violências com base no gênero. A análise dessa lei permitiu-me perceber que, tomar como referência as recomendações da ONU e as leis de Brasil, Moçambique e Espanha, por serem países onde persistia a cultura patriarcal, não permitiu o reconhecimento de mulheres e homens como sujeitas(os) de direitos. Duas questões foram importantes para considerar que o projeto-lei privilegiou o debate em torno dos direitos dos sujeitos e não dos sujeitos de direitos: a representação dos homens e das mulheres em situação de violências pelas Ongs feministas do país e a universalização de direitos.

Em relação à primeira, observo que não basta o instrumento jurídico resultar das demandas dos movimentos sociais ou das Ongs, e de tais demandas serem construídas a partir dos problemas enfrentados pelos atores sociais, para que traduzam os interesses particulares dos sujeitos. Percebendo que essas Ongs tendem a representar esses atores tomando como referência outros espaços de enunciação, isto é, que partem da episteme eurocêntrica, e que suas ações dependem, em grande medida, de financiamentos externos, considero que suas intervenções podem levar à reprodução das agendas globais, ao invés de traduzir as reais expectativas daqueles(as) que demandam justiça na Rede Sol.

Mesmo para algumas Ongs, como a Organização das Mulheres de Cabo Verde (OMCV) e a Associação Cabo-verdiana de Autopromoção da Mulher (MORABI), que costumam adotar o sistema de microcréditos como estratégia para garantir a sua autonomia financeira, coloca-se o problema da representação efetiva dos atores sociais em suas especificidades. É interessante, aqui, destacar o fato de que o combate às desigualdades de gênero e violências se dá numa estreita articulação entre as Ongs e o governo, o qual se compromete a apoiar iniciativas que auxiliem o país a assumir seus compromissos internacionais e/ou a atingir as metas/objetivos por esses traçados, enquanto as Ongs tendem a “encaixar” suas demandas às agendas de organismos internacionais, afastando-se, por vezes, daquilo que efetivamente constituem as prioridades do país. Nesse sentido, o compromisso pelo governo de assumir uma perspectiva crítica em relação às agendas globais que tendem a se impor sobre as decisões locais revela-se muito importante.

Em relação à universalização, destaco que o problema, nesse processo de garantia de direitos como estratégia de enfrentamento das violências baseada no gênero, não está unicamente na forma como a lei se configura, mas também na ambiguidade do sistema penal cabo-verdiano na resolução dos conflitos que ocorrem nas relações. Esse sistema universaliza os direitos, ocultando desigualdades de classe, conjugalidade, gerações, regiões, tipologias de famílias e, por conseguinte, reproduz a violência nas relações de gênero. Nesta pesquisa, procurei focalizar as relações sociais de dominação a partir das interseccionalidades e da construção de um feminismo de resistência às diferentes formas de opressão, como forma de visibilizar as mulheres e homens de diferentes localidades e ilhas do país.

Apesar de a proposta de deslocamento da violência doméstica como sinônimo de violência contra as mulheres para a violência baseada no gênero, implicando homens e mulheres, estar expressa no texto da lei, em termos de operacionalização se verifica quase que um retorno às leis e convenções referenciadas na concepção do projeto-lei contra violência baseada no gênero. Centrando a análise/enquadramento dos casos de violências nas hierarquias de gênero e/ou nos valores da cultura patriarcal, as ações dos operadores da lei, as campanhas de sensibilização, programas de empoderamento e mesmo os debates em torno da igualdade de gênero têm focado nas mulheres, e não na dimensão relacional do gênero, como previsto na lei.

Portanto, mesmo perante o esforço do país em pensar leis, programas e medidas que vão ao encontro das particularidades locais e que, portanto, traduzam as demandas e expectativas dos(as) cabo-verdianos(as), sua vulnerabilidade econômica (do país) tem limitado a implementação de uma agenda endógena de promoção da igualdade de gênero e de uma cultura da não violência no país.

A necessidade de criar as condições materiais e técnicas para a operacionalização da lei – e vencer, portanto, desafios que fazem parte do próprio processo político de construção da igualdade entre homens e mulheres – como um tema da agenda social e política do país, continua premente.

  • 1
    Vale referir que esse deslocamento não significou a extinção do artigo 134º do CP que tipifica os maus-tratos aos cônjuges. O referido artigo aplica-se ainda hoje nos casos em que o desequilíbrio de poder não constitui a motivação para a violência entre os cônjuges.
  • 2
    O procedimento penal passa a depender do desejo da vítima ou de pessoa com autoridade legitimamente reconhecida para o registro da queixa.
  • 3
    Com a entrada em vigor da lei n. 84/VII/2011, a VBG deixa de se circunscrever exclusivamente ao espaço doméstico e àquelas situações que ocorrem na relação conjugal, para alargar seu âmbito às situações que acontecem nos espaços públicos, como no meio laboral.
  • 4
    Refiro-me à dominação masculina, no sentido usado pelo sociólogo Pierre Bourdieu (1999)3 BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999..
  • 5
    A abordagem da dominação patriarcal é aqui referenciada a partir das contribuições da socióloga feminista Heleieth Saffioti (1995)23 SAFFIOTI, Heleieth; ALMEIDA, Suely. Violência de gênero: poder e impotência. Rio de Janeiro: Revinter, 1995..
  • 6
    Informações concedidas em entrevista realizada em janeiro de 2016.
  • 7
    Importa referir que a proposta de uma lei que torna público o crime de violência doméstica, em especial a exercida contra as mulheres, foi uma iniciativa da Associação de Mulheres Juristas (AMJ), na sequência de recomendações saídas do estudo Proteção às vítimas de crimes violentos (em particular as mulheres): Relatório provisório de 2002, produzido pela mesma associação (AMJ) sob coordenação do jurista, Jorge Carlos Fonseca. A não implicação dos outros parceiros, nacionais, regionais e internacionais, fez com que a proposta não chegasse, conforme referem os juristas, Carlos Reis e Dionara Anjos, a ser apreciada pelo governo (entrevistas realizadas em janeiro e fevereiro do ano 2016, respetivamente).
  • 8
    Os dados apontavam para a maior representatividade da violência física (16%), seguida da psicológica (14%) e da sexual (4%); constatou-se que a maioria das vítimas se concentrava no meio urbano (24%), que uma em cada cinco mulheres era vítima da violência por parte de companheiro ou ex-companheiro; 19% das mulheres admitiram ser vítima de mais de um tipo de violência.
  • 9
    Para mais informações a esse respeito ver Relatório de Avaliação do estágio de implementação da lei nº 84/VII/11 de 2017.
  • 10
    Plano que operacionaliza um dos eixos estratégicos do Plano Nacional de Promoção da Igualdade de Gênero (PNIEG – 2005/2009).
  • 11
    Foram selecionadas duas equipes de consultores. Uma equipe constituída por duas juristas, uma brasileira, graduada em Direito e doutorada em Direitos Humanos, e uma cabo-verdiana, graduada em direito e inscrita na Ordem dos Advogados de Cabo Verde (OACV). A outra equipe era formada por dois juristas, ambos de nacionalidade cabo-verdiana, um membro fundador da Rede Laço Branco, Cabo Verde e deputado das bancadas parlamentares do Movimento para a Democracia (MPD) e do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV).
  • 12
    Além de suas propostas serem influenciadas pelos organismos internacionais – ONU, de modo particular, também se poderia notar influências derivadas do tipo organizações da sociedade civil e da política de pertença de consultoras(res) e das universidades que frequentaram, sem se esquecer das marcas de gênero.
  • 13
    O processo de elaboração do projeto-lei ocorreu no período da VII Legislatura (2006, 2011). Nessa legislatura, o parlamento era composto por quarenta e um (41) deputados do Partido Africano para a Independência de Cabo Verde (PAICV), partido que suporta o governo, 29 do Movimento para a Democracia (MPD) e os outros dois são representantes da União Cabo-Verdiana Independente e Democrática (UCID). Em termos de gênero, havia 11 deputadas contra 61 deputados.
  • 14
    Para mais informações, ver o Caderno de Encargos para a elaboração do projeto de lei (ICIEG, 200914 ICIEG – Instituto Cabo-verdiano para a Igualdade e Equidade de Género. Caderno de encargos: Projeto-lei sobre a violência baseada no género, Praia: ICIEG, 2009.).
  • 15
    Trabalho desenvolvido, em novembro de 2014, no âmbito do projeto de tese intitulado “A Rede Sol e a Lei Especial contra Violência Baseada no Gênero: processos institucionais e narrativas de mulheres e homens em situação de de violências conjugais em Cabo Verde”.
  • 16
  • 17
    Antes da sua discussão no Parlamento, o projeto-lei foi socializado com o Presidente da República, o presidente da Assembleia, o Procurador da República e representantes dos partidos políticos com assento parlamentar. Com essa ação se pretendia sensibilizar personalidades influentes para apoiar a aprovação da lei.
  • 18
    Informações concedidas em entrevista, realizada em novembro de 2016.
  • 19
    Importa lembrar que o projeto-lei foi submetido ao parlamento pela Rede de Mulheres Parlamentares de Cabo Verde, uma rede presidida por uma deputada do partido no poder, na época, o PAICV, e tendo como vice uma deputada do partido da oposição (MPD). Além disso, a rede integra deputadas da bancada parlamentar de todos os partidos com assento parlamentar (PAICV, MPD e UCID).
  • 20
    No âmbito internacional, destacam-se: Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher de 1979 – CEDAW, o Protocolo Opcional à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres; e, em nível regional: Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, Protocolo à Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, relativo aos Direitos da Mulher em África.
  • 21
    Para o continente asiático: Vietnã e Paquistão; Continente Africano: Moçambique, Ruanda, Tanzânia e Cabo Verde; continente europeu: Albânia; e, finalmente, na América Latina e Caribe, foi escolhido o Uruguai.
  • 22
    Importa registrar que Ruanda constituiu uma exceção.
  • 23
    Para uma definição dos diferentes tipos de violências, ver Artigo 3º, i), ii), iii) e iv) da Lei Especial Contra Violência Baseada no Gênero.
  • 24
    Serviço de emergência da Polícia Nacional.
  • 25
    Estrutura de atendimento policial, correspondente à delegacia no Brasil.
  • 26
    Um dos interlocutores, que declara experienciar situações de violência conjugal e aceita partilhar sua experiência no Gabinete de Apoio à Vítima de VBG, recusando, entretanto, proceder ao registro da queixa, alegando o fato de “ser homem”.
  • 27
    Um dos interlocutores cuja experiência de violência me foi partilhada na Casa do Direito de Terra Branca.
  • 28
    “Representação social do sexo biológico, determinada pela ideia de tarefas, funções e papéis atribuídos a mulheres e aos homens na sociedade e na vida pública e privada, bem como da relação que se desenvolve entre eles” (Lei Especial Contra Violência Baseada no Gênero, Artigo n. 3º a).

Referências

  • 1
    ANJOS, Dionara. Políticas públicas cabo-verdianas contra violência baseada no gênero 2015. Tese (Doutorado em História Medieval, Moderna e Contemporânea) – Universidade de Salamanca, Salamanca, 2015.
  • 2
    ANJOS, Dionara; REIS, Carlos; SILVA, Clóvis. Lei sobre a Violência Baseada no Gênero Versão Anotada. 2. ed. rev. ampl. Praia: ICIEG; UNTF, 2014.
  • 3
    BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.
  • 4
    BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
  • 5
    DEBERT, Guita G; GREGORI, Maria Filomena. Violência e gênero. Novas propostas, velhos dilemas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 23, n. 66, p.165-185, 2008. https://doi.org/10.1590/S0102-69092008000100011
    » https://doi.org/10.1590/S0102-69092008000100011
  • 6
    FORTES, Celeste. “M t’studa p’m k ter vida k nha mãe tem”. Gênero e educação em Cabo Verde. Ciências Sociais, v. 49, n. 1, p. 80-89, 2013. https://doi.org/10.4013/csu.2013.49.1.10
    » https://doi.org/10.4013/csu.2013.49.1.10
  • 7
    FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1979.
  • 8
    FURTADO, Cláudio A. Gênero, justiça social e empoderamento das mulheres. In: SIMPÓSIO EM GéNERO, JUSTIÇA SOCIAL E EMPODERAMENTO DAS MULHERES, 2017, Praia. Anais [...]. Praia: CIGEF/Uni-CV, 2017.
  • 9
    FURTADO, Manuela; ANJOS, José Carlos dos. Incompatibilidades de género: caso de são Miguel. In: SILVA, C.; VIEIRA, M. (Org.). Género e Sociabilidades no interior de Santiago Praia: Edições Uni-CV; Editora da UFRGS, 2016. Estudo Sociais Cabo-verdianos, Vol. 4, Série III.
  • 10
    GREGORI, Maria Filomena. Cenas e queixas: um estudo sobre mulheres, relações violentas e a prática feminista. São Paulo: Paz e Terra; Anpocs, 1993.
  • 11
    GROSSI, Miriam P. Novas/velhas violências contra a mulher no Brasil. Revista Estudos Feministas, v. 2, n. especial, p 473-483, 1994.
  • 12
    GROSSI, Miriam P.; PEDRO, Joana M. (org.). Masculino, feminino, plural: gênero e interdisciplinaridade. Florianópolis: Editora Mulheres, 1998.
  • 13
    ICIEG – Instituto Cabo-verdiano para a Igualdade e Equidade de Género. Implementando mecanismos de combate à violência baseda no gênero Praia: Tipografia Santos, [S/d.].
  • 14
    ICIEG – Instituto Cabo-verdiano para a Igualdade e Equidade de Género. Caderno de encargos: Projeto-lei sobre a violência baseada no género, Praia: ICIEG, 2009.
  • 15
    MINISTÉRIO DA JUSTIÇA DE CABO VERDE. Código Penal de Cabo Verde Praia: Gráfica da Praia, 2004.
  • 16
    MOORE, Henrietta. Understanding sex and gender. In: INGOLD, T. (ed.). Companion encyclopedia of Anthropology Londres: Routledge, 1997. p. 813-830.
  • 17
    ORTNER, Sherry; WHITEHEAD, Harriet. Introduction: accounting for sexual meanings. In: ORTNER, S.; WHITEHEAD, H. (ed.). Sexual meanings: the cultural construction of gender and sexuality. Cambridge: Cambridge University Press, 1981.
  • 18
    PASINATO, Wânia I. A Lei de Violência Baseada no Gênero na percepção de homens e mulheres S./l., S./d. Documento avulso.
  • 19
    PASINATO, Wânia; DELGADO, João. Manual de procedimentos para as forças policiais Praia: ICIEG, 2012.
  • 20
    RIFIOTIS, Theophilos; VIEIRA, Danielli. Um olhar antropológico sobre violências e justiças: etnografias, ensaios e estudos de narrativas. Florianópolis: Editora da UFSC, 2012.
  • 21
    RUBIN, Guyle. O tráfico de mulheres: notas sobre a “economia política” do sexo. Tradução de Christine Rufino Dabat, Edileusa da Rocha e Sonia Corrêa. Recife: S.O.S Corpo, 1993.
  • 22
    SAID, Edward. O orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. Tradução de Tomás Rosa Bueno. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
  • 23
    SAFFIOTI, Heleieth; ALMEIDA, Suely. Violência de gênero: poder e impotência. Rio de Janeiro: Revinter, 1995.
  • 24
    SILVA, Carmelita. Trajetória de mulheres vítimas de violência conjugal: análise a partir da percepção das mulheres que vivenciam o drama. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade de Cabo Verde, Praia, 2009.
  • 25
    SILVA, Carmelita; FORTES, Celeste. As mulheres em Cabo Verde: experiências e perspetivas (org.). Praia: Edições Uni-CV, 2011. Coleção Sociedade, Vol. 4.
  • 26
    SILVA, Carmelita; VIEIRA, Miriam S. (org.). Género e sociabilidades no interior de Santiago. Praia: Edições Uni-CV; Editora da UFRGS, 2016. Estudo Sociais Cabo-verdianos, Vol. 4, Série III.
  • 27
    SALÚSTIO, Dina. Violência contra as mulheres Praia: ICF, 1999.
  • 28
    SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, v. 20, n. 2, p. 71-99, 1995.
  • 29
    VIEIRA, Miriam S. Processos de significação em contraste: violência contra as mulheres no Brasil e em Cabo Verde. Ciências Sociais Unisinos, v. 49, n. 1, p. 90-96, 2013. https://doi.org/10.4013/csu.2013.49.1.11
    » https://doi.org/10.4013/csu.2013.49.1.11

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    07 Jan 2022
  • Aceito
    26 Abr 2022
Programa de Pós-Graduação em Sociologia - UFRGS Av. Bento Gonçalves, 9500 Prédio 43111 sala 103 , 91509-900 Porto Alegre RS Brasil , Tel.: +55 51 3316-6635 / 3308-7008, Fax.: +55 51 3316-6637 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: revsoc@ufrgs.br