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Processamento de Ligas de Níquel com Técnica de Manufatura Aditiva Utilizando Plasma por Arco Transferido

Processing of Ni Superalloys by Additive Manufacturing Using Plasma Transferred Arc

Resumo

A manufatura aditiva é um processo utilizado para a construção e reparos de peças que possuem geometria complexa ou que necessitem de gradiente de propriedades. Nessa técnica múltiplas camadas são depositadas para a construção da geometria do componente. O sucesso desse procedimento depende de fatores como a técnica de deposição, parâmetros, liga a ser depositada e condições da deposição, como temperatura e atmosfera protetora. Neste estudo, o potencial da técnica de Plasma por arco transferido para manufatura aditiva foi avaliado produzindo “paredes finas”, construídas a partir da sobreposição de cordões. Foram utilizadas duas ligas a base de níquel, uma endurecida por precipitação e outra endurecida por solução sólida. Durante os trabalhos, foram selecionados os parâmetros de processamentos, incluindo a avaliação do efeito do pré-aquecimento a 300°C. Resultados mostraram que a composição química da liga influencia a geometria da parede construída assim como a utilização de pré-aquecimento. Estruturas de solidificação exibindo dendritas refinadas com crescimento epitaxial entre camadas são identificadas. Entretanto, as características da liga determinam o perfil de dureza ao longo da seção transversal, sendo a liga endurecida por precipitação influenciada pelos ciclos térmicos de deposição e a liga endurecida por solução sólida pela diluição com o substrato. Em qualquer dos casos é recomendado a aplicação de tratamento térmico pós-soldagem para uniformização das propriedades.

Palavras-chave:
Manufatura aditiva; Plasma por arco transferido (PTA); Superligas de níquel

Abstract

Additive manufacturing (AM) is a process used to build and repair complex shape components or whenever a property gradient is required. In this manufacturing procedure, multiple layers are deposited to fabricate a component. The success of the procedure is strongly dependent on the deposition technique, processing parameters selection and chemical composition of the material being deposited. Also pre-heating and the use of inert atmosphere impact on cracking, wettability and oxidation of the deposited layers. In this study, the potential of plasma transferred arc for additive manufacturing was assessed by the fabrication of “thin walls”. Two Ni superalloys were used, a solid solution hardening and a gamma prime precipitation hardening alloy. The analysis of processing parameters that allowed to process “thin wall”, included pre-heating at 300°C. Results showed that the chemical composition and the using of pre-heating impact on the layers geometry. In both alloys, a fine dendritic solidification structure with epitaxial growth between layers was identified. However, each alloy determined the hardness profile along the cross section. The precipitation hardened alloy is strongly influenced by the deposition thermal cycle of each layer. The solid solution hardened alloy is mainly influenced by dilution of the first layers with the substrate.

Key-words: Additive manufacturing; Plasma transferred arc (PTA); Nickel superalloys

1 Introdução

A manufatura aditiva (AM – additive manufacturing) é um processo de fabricação que consiste na construção de componentes através da deposição de múltiplas camadas para obter uma geometria específica, Figura 1. Esse processo se baseia em modelos CAD 3D, nos quais os componentes ou a área a ser recuperada são divididos em várias camadas, de forma a planejar a trajetória e sequência de deposição. Com essa trajetória definida, as camadas são produzidas por um processo de deposição, geralmente um processo de soldagem, auxiliado com um sistema CNC de movimentação. Os processos de deposição mais utilizados são os a laser, porém a utilização de processos a arco, como os de plasma, GMAW e GTAW, vem ganhando mais importância em diversas pesquisas pelo mundo [1Alberti, EA, Silva, LJ, D' Oliveira, ASCM. Manufatura aditiva: o papel da soldagem nesta janela de oportunidade. Soldagem & Inspeção. 2014;19(2):190-198.]. O processo de manufatura aditiva também é conhecido como impressão 3D, processos de adição e fabricação “free form” [2Frazier EW. Metal additive manufacturing: a review. Journal of Materials Engineering and Performance. 2014;23(6):1917-1928. http://dx.doi.org/10.1007/s11665-014-0958-z.
http://dx.doi.org/10.1007/s11665-014-095...
].

Figura 1
Esquema de múltiplas deposições de cordões realizados na manufatura aditiva.

As principais vantagens do processo de manufatura aditiva são a liberdade de design com a possibilidade de fabricação de formas complexas e a utilização de uma variada gama de materiais. Aplicações dessa tecnologia podem ser identificadas em diferentes indústrias. Na indústria aeroespacial componentes de ligas a base de Ti são fabricados por manufatura aditiva, conciliando baixa densidade, resistência e geometria complexa. Também na fabricação de carros de luxo, que envolve produção de alguns componentes de geometria complexa em baixa escala, há grande potencial para o uso da manufatura aditiva. Pode-se ainda mencionar a utilização na fabricação de implantes médicos, na indústria de ferramentaria e na militar como exemplos que oferecem uma gama de oportunidade para a aplicação da manufatura aditiva [3Bourell DL, Leu MC, Rosen DW. Roadmap for additive manufacturing. Austin: University of Texas at Austin; 2009.].

Em paralelo às muitas vantagens, a técnica de manufatura aditiva ainda precisa de vencer algumas barreiras para que seu uso seja mais amplo e competitivo em outras áreas da engenharia. Entre estes pode-se citar o tempo de fabricação de um único componente, que é muito maior se comparado a processos de fabricação em massa e a disponibilidade de máquinas com a flexibilidade necessária para trabalhar com diversos materiais, geometrias e com a precisão adequada [3Bourell DL, Leu MC, Rosen DW. Roadmap for additive manufacturing. Austin: University of Texas at Austin; 2009.]. Porém, com a maior utilização e disponibilização dos resultados de pesquisa relacionados a essa área de manufatura, a competitividade desta técnica aumentará gradativamente.

Durante a construção/reconstrução de um componente por AM, alguns cuidados são importantes para o sucesso do processo. Em procedimentos de reparos, por exemplo, a deposição do primeiro cordão tem de garantir a continuidade do material e uma boa ligação metalúrgica com o substrato, com o mínimo de impacto sobre ele, além de uma espessura e morfologia adequadas. Na deposição dos demais cordões visando à formação de uma “parede”, a morfologia e a microestrutura de cada cordão devem ser adequadas para se obter os resultados esperados. A morfologia dos cordões é controlada através da seleção de parâmetros de deposição, e é verificada visualizando a continuidade dos cordões, variação de altura e defeitos. Uma seleção inadequada pode resultar em cordões com grande variação de largura ou falta de fusão do metal depositado [4Martina F, Mehnen J, Williams SW, Colegrove P, Wang F. Investigation of the benefits of plasma deposition for the additive layer manufacture of Ti–6Al–4V. Journal of Materials Processing Technology. 2012;212(6):1377-1386. http://dx.doi.org/10.1016/j.jmatprotec.2012.02.002.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jmatprotec.2...
].

Os materiais processados por manufatura aditiva variam entre ligas de alumínio, titânio, superligas, aços, etc. Entre essas ligas, há um grande destaque para as superligas de níquel, materiais que possuem grande utilização para a construção e reparos de componentes que trabalham em elevadas temperaturas. As superligas são ligas especiais compostas principalmente de níquel, níquel-ferro ou cobalto. As ligas à base de níquel representam uma importante classe de materiais para engenharia, em consequência de suas excelentes propriedades em altas temperaturas, como elevada resistência à corrosão, elevada dureza e resistência à fadiga. Essas propriedades fazem com que as superligas de níquel sejam muito requisitadas nas diversas aplicações de engenharia, como a indústria química, turbinas a vapor, turbinas a gás e muitos componentes de reponsabilidade que operam a altas temperaturas [5Donachie JM, Donachie JS. Superalloys: a technical guide. 2 ed. Ohio: ASM International; 2002.,6Dupont JN, Lippold JC, Kiser SD. Welding metallurgy and weldabylity of nickel-base alloys. New Jersey: John Wiley & Sons; 2009.].

As propriedades das superligas de níquel são consequência principalmente de dois mecanismos: endurecimento por solução sólida ou endurecimento por precipitação. No primeiro caso as ligas apresentam em sua composição elementos como Mo, W, Co e Fe cuja função é promover um endurecimento por solução sólida na matriz à base de níquel-cromo. Contudo, esse tipo de liga também apresenta a precipitação de alguns carbonetos do tipo MC e M23C7 (M sendo Mo ou Ti). Nas superligas de níquel endurecidas por precipitação é encontrado uma grande porcentagem de Titânio, Alumínio ou Nióbio. Os principais precipitados são as fases γ’ e γ’’ (Ni3Al, Ni3Ti e Ni3Nb) [7Davis JR. editor. ASM specialty handbook: heat resistant materials. 2 ed. Ohio: ASM Internacional; 1997.].

As ligas endurecidas por precipitação apresentam grande susceptibilidade à formação de trincas, fazendo com que sua aplicação em processos de soldagem tenha grandes desafios. As trincas ocorrem principalmente durante a solidificação, podendo apresentar-se na forma intergranular, devido a tensões geradas por ciclos térmicos ou à segregação de elementos ou de precipitados, que acumulam-se em uma determinada região, fragilizando-a [8Kou S. Welding metallurgy. 2 ed. New Jersey: John Wiley & Sons; 2003.]. Essa tendência à formação de trincas exige um maior rigor na seleção dos parâmetros e condições de soldagem. As ligas endurecidas por precipitação também apresentam maior susceptibilidade a formação de trincas por reaquecimento devido a essa segregação, fazendo com que em diversos casos as soldagens ocorram em elevadas temperaturas, buscando diminuir a amplitude do ciclo térmico impostos pela deposição de cada cordão, e consequentemente a formação de trincas [9Henderson MB, Arrell D,. Larsson R, Heobel M, Marchant G. Nickel based superalloy welding practices for industrial gas turbine applications. Science and Technology of Welding and Joining. 2004;9(1):13-21.].

O presente estudo visa avaliar o potencial da técnica de deposição por PTA com manufatura aditiva para a produção de paredes finas (próximo a 2 mm) utilizando superligas de níquel. Para isso duas ligas de níquel serão utilizadas e as condições de deposição avaliadas quanto ao impacto na geometria e microestrutura de paredes finas construídas pela sobreposição de cordões.

2 Materiais e Métodos

2.1 Deposições

O sistema utilizado para a deposição dos materiais por manufatura aditiva é constituído por um equipamento de deposição de plasma por arco transferido (PTA), sendo a movimentação da tocha plasma durante a deposição auxiliada por um braço robótico. A Figura 2 apresenta o sistema instalado no Laboratório de Engenharia de Superfícies da Universidade Federal do Paraná. Foi utilizado um eletrodo com 3,2 mm de diâmetro, com um recuo de 3,2 mm, como recomendado pelo fabricante. O material adicionado é alimentado na forma de pó, através de dois orifícios de alimentação da tocha plasma, e o gás utilizado como proteção para formação do plasma e para o transporte do material de adição foi o argônio.

Figura 2
Equipamento utilizado para a deposição dos cordões com a técnica de manufatura aditiva.

Como substrato para as deposições foram utilizadas chapas de superligas de níquel endurecidas por precipitação, com 150 mm de comprimento, 8 mm de espessura e 50 mm de altura. Duas superligas à base de Ni foram depositadas, uma endurecida por precipitação, com composição similar ao substrato, e outra endurecida por solução sólida. As composições das ligas, assim como do substrato estão na Tabela 1. A utilização desses materiais ocorreu devido às várias possibilidades de aplicação em componentes de engenharias que operam em elevadas temperaturas, área no qual a manufatura aditiva possui grande potencial de aplicação.

Tabela 1
Composição química (% em massa) das superligas de níquel utilizadas nas deposições e do substrato

A seleção de parâmetros buscou uma condição de deposição capaz de produzir cordões lineares finos, com o intuito de criar paredes com espessura final (efetiva) próxima a 2 mm. Os cordões depositados devem apresentar largura um pouco superior para permitir o acabamento final por usinagem. Os cordões também devem apresentar uma molhabilidade adequada para permitir a construção de uma parede, sendo nesse trabalho aceito próximo a 90°. Os estudos iniciaram-se com a deposição de um único cordão, sendo então analisados os resultados em relação à geometria produzida, e posteriormente buscou-se parâmetros para a deposição de 3 e 5 cordões sobrepostos. Os parâmetros de deposição avaliados foram corrente de soldagem, taxa de alimentação e velocidade de soldagem. Buscando uma proteção contra oxidação das ligas de níquel durante a deposição dos múltiplos cordões foi construído um sistema para proteção, Figura 3. Nesse sistema, argônio é injetado dentro do sistema por um tubo, mantendo uma vazão de 15 l/min durante todo o processo.

Figura 3
Sistema para controle de atmosfera visando reduzir a oxidação.

Para o estudo comparativo entre temperaturas de deposição, foram utilizadas duas temperaturas, uma sem pré-aquecimento (próximo a 30°C) e outra com pré-aquecimento de 300°C. Essas temperaturas foram utilizadas nas deposições de todos os cordões e medidas com o auxílio de termopares tipo K na lateral do substrato e cordões.

2.2 Análises e medições

Após a seleção dos parâmetros para cada condição capaz de formar os cordões com as geometrias adequadas, foram produzidas amostras com 1, 3 e 5 cordões sobrepostos, que foram avaliados por análise visual e com líquido penetrante. A medida da espessura das “paredes” depositadas usou a técnica apresentada por Martina [4Martina F, Mehnen J, Williams SW, Colegrove P, Wang F. Investigation of the benefits of plasma deposition for the additive layer manufacture of Ti–6Al–4V. Journal of Materials Processing Technology. 2012;212(6):1377-1386. http://dx.doi.org/10.1016/j.jmatprotec.2012.02.002.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jmatprotec.2...
], no qual são medidas as espessuras total e efetiva da parede, Figura 4a, de seções transversais removidas no centro das paredes depositadas. A espessura total representa a maior espessura apresentada pelos cordões depositados, já a espessura efetiva é aquela capaz de produzir uma parede reta após usinagem.

Figura 4
(a) esquema da medição de espessura total e efetiva dos cordões depositados; (b) esquema da medição de dureza nos perfis dos cordões depositados.

Posteriormente, as microestruturas das amostras foram analisadas na seção transversal em microscópio óptico, e em microscópio eletrônico de varredura (MEV). Para essas observações se realizou uma preparação metalográfica seguida por um ataque químico para revelação da microestrutura utilizando o reagente Kalling’s (5g CuCl2, 100 ml HCl, 100 ml álcool absoluto) [1010 Vander Voort GF, editor. Metallography and microstructures. Ohio: ASM International; 2004. (ASM Handbook, 9).]. Testes de durezas foram realizados em um perfil na seção transversal dos cordões depositados. Os ensaios foram realizados utilizando uma carga de 0,3 kg. O perfil de dureza foi traçado adotando o limite entre a poça de fusão e os substratos como o ponto 0. Acima deste ponto, ou seja, na região de deposição as distâncias são positivas e somam-se até a superfície. Abaixo deste limite as medidas estão no substrato, são negativas e subtraem-se, até uma distância de –1750 µm, Figura 4b.

3 Resultados e Discussões

3.1 Seleção dos parâmetros

Os estudos iniciaram-se com a seleção de parâmetros para a deposição de 1 cordão da liga endurecida por precipitação com composição química similar ao substrato. Os parâmetros utilizados nas amostras variaram entre 78 e 102 mm/min na velocidade de deposição, 20 a 32 A de corrente e 3,5 a 6,5 g/min na taxa de alimentação. Análise dos cordões processados mostrou que velocidades mais altas apresentaram cordões poucos homogêneos (Figura 5a), já velocidades mais baixas apresentavam cordões muito largos. Correntes de soldagem mais elevadas apresentaram um excesso de fusão do substrato, enquanto correntes menores resultaram em falta de fusão entre cordão e substrato (Figura 5b). As menores taxas de alimentação comprometeram a continuidade dos cordões, porém, taxas superiores resultaram cordões largos, mas sem fusão. Os parâmetros que resultaram em depósitos de melhor qualidade são: velocidade de deposição entre 78 a 90 mm/min, corrente entre 22 a 26 A e taxa de alimentação entre 4 e 5,5 g/min.

Figura 5
Defeitos e condições inadequadas para o processo de manufatura aditiva; (a) cordão heterogêneo; (b) falta de fusão entre cordão e substrato.

Para a deposição do segundo e terceiro cordões dessa liga, inicialmente, mantiveram-se os parâmetros da primeira deposição. Contudo, foi verificado um excesso de fusão do primeiro cordão e um aumento na largura dos cordões, sendo necessária uma diminuição da energia imposta. Desta forma foi possível o “crescimento” de uma parede, isto é, privilegiar o incremento na altura sem acréscimo significativo na largura dos cordões, pela sobredeposição de cordões. Os parâmetros para as deposições da liga endurecida por precipitação estão apresentados na Tabela 2 e a seção transversal da deposição com cinco cordões sobrepostos está apresentada na Figura 6a.

Tabela 2
Intervalo de variação dos parâmetros utilizados nas deposições das ligas endurecidas por precipitação e por solução sólida
Figura 6
Seção transversal das paredes “construídas” com (a) liga endurecida por precipitação e (b) liga endurecida por solução sólida.

Esse mesmo procedimento de seleção dos parâmetros foi aplicado para construir a parede utilizando a liga de Ni endurecida por solução sólida. Entretanto, a maior molhabilidade dos cordões processados com essa liga em relação à liga endurecida por precipitação exigiu que para o “crescimento” da parede se reduzisse a corrente e aumentasse a velocidade de soldagem. Na Tabela 2 são encontrados os valores dos parâmetros de deposição utilizados para a liga endurecida por solução sólida e a Figura 6b apresenta a seção transversal da parede processada com esta liga.

Uma vez selecionados os parâmetros que permitiram a deposição de cordões de forma a “construir” uma parede fina, foi avaliado o impacto do pré-aquecimento sobre as características das paredes. As deposições com pré-aquecimento utilizaram os mesmos parâmetros das deposições sem pré-aquecimento. A liga endurecida por precipitação apresentou um comportamento de deposição muito similar nas duas condições, tendo uma melhora na molhabilidade com o aquecimento, mas sem demais modificações. Já a liga endurecida por solução sólida apresentou um aumento significativo na molhabilidade dos cordões, sendo necessário um aumento na velocidade de deposição para compensar o aumento na largura. Na Figura 7a,b estão apresentadas as seções transversais das paredes construídas pela deposição de 5 cordões utilizando pré-aquecimento da liga endurecida por precipitação e da liga endurecida por solução sólida, respectivamente.

Figura 7
Seções transversal das paredes processadas pela deposição de cinco cordões com pré-aquecimento de 300°C da (a) liga endurecida por precipitação e (b) liga endurecida por solução sólida.

3.2 Análise dos cordões

A análise das paredes processadas pela deposição de cinco cordões iniciou com a aplicação de um ensaio não destrutivo, com líquido penetrante, buscando a identificação de defeitos. Os ensaios não indicaram a presença de trincas passantes pelos cordões depositados.

Na sequência foi caracterizada a geometria das paredes processadas de acordo com a metodologia já descrita. A necessidade de remoção de material para a formação de paredes retas nas duas liga ocorre em quantidades semelhantes. Na liga endurecida por solução sólida sem pré-aquecimento a espessura total da deposição apresentou 3,8 mm, com uma espessura efetiva de 2,3 mm. Essa diferença de 1,5 mm ocorre em grande parte no primeiro cordão, que é o mais largo entre os cinco depositados. Para a liga endurecida por precipitação a espessura total foi de 4,2 mm, com 2,8 mm de espessura efetiva. Nessa liga a diferença de espessura entre efetiva e total é de 1,4 mm e é distribuída por todos os cordões. Ao levar em consideração a fabricação de paredes com 2 mm de espessura, como o proposto pelo trabalho, a liga endurecida por solução sólida apresentou valores mais próximos. Este resultado pode ser explicado pela melhor soldabilidade desse material que facilita a seleção de parâmetros que permitem obter cordões mais finos.

Diferenças significativas na quantidade de material a ser removido em função da liga depositada foram observadas nas paredes processadas com pré-aquecimento. Observa-se agora uma menor diferença entre espessura total e espessura efetiva quando se utilizou a liga endurecida por precipitação, significando menores perdas para fabricar paredes retas. Esta diferença de comportamento está associada à melhora na molhabilidade dos cordões com a temperatura de pré-aquecimento. Na liga endurecida por solução sólida os resultados demonstram um aumento da espessura total, porém com a espessura efetiva mantendo-se inalterada. Consequentemente será necessário maior desperdício de material na fabricação das paredes retas. Esse aumento da espessura total foi consequência da maior molhabilidade na deposição do primeiro cordão. Os valores da espessura das paredes processadas estão apresentados na Tabela 3.

Tabela 3
Valores medidos das espessuras totais e efetivas e da altura total das deposições com 5 cordões das ligas endurecidas por precipitação e por solução sólida, depositadas com e sem pré-aquecimento

A análise da microestrutura dos cordões revelou características semelhantes a deposições de ligas similares com processos a laser [1111 Bi G, Gasser A. Restoration of nickel-base turbine blade knife-edges with controlled laser aided additive manufacturing. Physics Procedia. 2011;12:402-409. http://dx.doi.org/10.1016/j.phpro.2011.03.051.
http://dx.doi.org/10.1016/j.phpro.2011.0...
,1212 Dinda GP, Dasgupta AK, Mazumder J. Laser aided direct metal deposition of Inconel 625 superalloy: Microstructural evolution and thermal stability. Materials Science and Engineering A. 2009;509(1-2):98-104. http://dx.doi.org/10.1016/j.msea.2009.01.009.
http://dx.doi.org/10.1016/j.msea.2009.01...
], com uma estrutura refinada de solidificação dendrítica. As paredes processadas com a liga endurecida por precipitação exibiram crescimento epitaxial desde a interface com o substrato até o último cordão depositado. Na liga endurecida por solução sólida é observado crescimento epitaxial apenas na interface entre cordões. Esta diferença é consequência do crescimento epitaxial ser facilitado pela semelhança entre a composição química e estrutura cristalina entre cordões e com o substrato. Este fenômeno, em processos de soldagem, é visto como benéfico devido à continuidade do grão do material base, reduzindo interfaces e, consequentemente, concentradores de tensão [1313 Neves, MDM, Lotto A, Berretta JR, Rossi W, Vieira ND Jr. Solidificação da Zona de Fusão na soldagem do AISI 304 com Inconel 600 por laser de Nd:YAG. Soldagem & Inspeção. 2009;14(2):104-113.]. Independente da composição química da liga utilizada para a construção da parede, no último cordão é identificado uma mudança na direção de crescimento das dendritas, Figura 8c e Figura 9a.

Figura 8
Microestrutura da liga endurecida por precipitação, (a) seção transversal do 3° cordão, (b) seção transversal do 1° e 2° cordões; (c) imagens das seções transversal, longitudinal e de topo do 5° cordão.
Figura 9
Microestrutura da liga endurecida por solução sólida, (a) seção longitudinal do 5° cordão, (b) seção longitudinal do 1° cordão; (c) imagens das seções transversal, longitudinal e de topo do 3° cordão.

Detalhamento da análise da microestrutura nos primeiros cordões foi obtida por microscopia eletrônica de varredura. A interação com o substrato teve impactos diferenciados dependendo da liga depositada. Na liga endurecida por precipitação se observam precipitados de Ti ao longo de toda a seção transversal da parede, tanto na deposição de cordões com e sem o pré-aquecimento, Figura 10a. A análise por espectroscopia de energia dispersiva (EDS) desses precipitados sugere que são compostos em sua maioria por titânio e carbono, e também molibdênio, o que indica a presença de precipitados de carbonetos desse elemento nas formas MC e M23C7, Figura 10b.

Figura 10
(a) Imagem em MEV apresentando precipitados de titânio como pontos claros e escuros na liga endurecida por precipitação depositada, (b) análise com EDS apresentando as regiões ricas em titânio.

A parede processada com a liga endurecida por solução sólida exibe uma região de diluição com o substrato que se estende ao longo dos dois primeiros cordões. O perfil de composição química nessa parede, Figura 11, mostra maior porcentagem de Ti nos primeiros cordões, possibilitando a formação de precipitados identificados nas primeiras camadas, mas que não foram identificados a partir do 3° cordão, os quais exibem redução no teor de Ti.

Figura 11
Variações de composição através do cordão depositado utilizando a liga com endurecimento por solução sólida na condição sem pré-aquecimento.

Essa variação de composição tem um impacto nas propriedades ao longo da seção transversal da parede processada com a liga endurecida por solução sólida, como demonstrado pelo perfil de dureza. Os primeiros cordões são influenciados pela composição da liga de Ni do substrato, que aumenta a porcentagem de elementos formadores de precipitados em solução sólida. Quando o cordão mais rico em Ti é exposto ao ciclo térmico de deposição do cordão posterior se formam precipitados que resultam no aumento de dureza nos primeiros cordões. À medida que a influência do substrato é reduzida, com o aumento do número de cordões sobrepostos, a dureza se aproxima do valor esperado para a liga depositada (Figura 12).

Figura 12
Perfil de microdureza Vickers da deposição de 5 cordões sobrepostos da liga endurecida por solução sólida, nas condições com e sem pré-aquecimento.

A liga endurecida por precipitação tem uma variação de dureza na seção transversal da parede bem distinta exibindo oscilações de dureza. Estas estão associadas aos ciclos térmicos da sobreposição dos cordões que impõem sequência alternadas de solubilização e precipitação, com consequente variação de dureza.

Dependendo da liga utilizada, o impacto do uso de pré-aquecimento também pode ser identificado nos perfis de dureza medidos na seção transversal das paredes processadas. Observa-se que a utilização do pré-aquecimento aumenta o patamar de dureza correspondente aos dois primeiros cordões da parede construída com a liga endurecida por solução sólida (Figura 12), sugerindo uma maior influência do substrato e consequente aumento de precipitados nessa região. Na liga endurecida por precipitação não há uma variação significativa nos valores de dureza obtidos entre as paredes processadas com e sem pré-aquecimento (Figura 13), uma vez que essa temperatura não é alta o suficiente para alterar o ciclo de solubilização e precipitação desta liga. Estes resultados ilustram a necessidade de se aplicar um tratamento térmico após deposição para uniformização das propriedades.

Figura 13
Perfil de microdureza Vickers da deposição de 5 cordões sobrepostos da liga de endurecimento por precipitação, nas condições com e sem pré-aquecimento.

4 Conclusões

Nas condições de teste utilizadas neste trabalho é possível concluir que deposições por manufatura aditiva de superligas de níquel utilizando plasma por arco transferido são capazes de criar paredes com pequenas espessuras (próximas a 2 mm). Pode-se também concluir com esse trabalho que:

  • Temperaturas de pré-aquecimento ajudam na molhabilidade dos cordões e a produzir paredes com menor variação de geometria, de forma a reduzir desperdícios de materiais em usinagens posteriores;

  • A utilização de ligas dissimilares durante deposições está sujeita a fenômenos de difusão entre as ligas, promovendo variação nas propriedades ao longo das deposições;

  • A deposição de multicamadas gera alterações de microestrutura nas ligas endurecidas por precipitação que poderão requerer tratamento térmico posterior para homogeneizar a estrutura e, em consequência, as propriedades;

  • A liga endurecida por solução sólida apresentou um melhor comportamento visando à manufatura aditiva devido a menor variação de propriedades causada pela múltipla deposição de cordões.

Agradecimentos

Agradecimentos ao Programa de P&D regulado pela ANEEL, a Petrobras e ao Institutos Lactec pelo suporte necessário para a realização deste trabalho.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    19 Fev 2015
  • Aceito
    12 Maio 2015
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