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Gênero, sexualidade e swing: a ressignificação de valores através da troca de casais

Género, sexualidad y swing: la resignificación de valores a través del intercambio de parejas

Gender, sexuality and swinging: resignification of values through partner exchange

Resumos

O objeto de estudo deste artigo é o swing, também chamado de troca de casais. Pretende-se compreender questões fundamentais que norteiam este universo no que diz respeito à sexualidade e às identidades de gênero dos praticantes. A análise é feita a partir de trabalho de campo realizado em um clube de swing na região de Lisboa e em entrevistas com seis casais adeptos da prática. Procura-se entender de que maneira as identidades de gênero e sexuais são reproduzidas, ressignificadas ou negadas no swing, bem como o que caracteriza a feminilidade e a masculinidade neste universo. Esta pesquisa também aponta algumas particularidades da troca de casais não apenas para o relacionamento afetivo-sexual, mas também para os indivíduos envolvidos.

swing; monogamia; gênero; sexualidade; conjugalidade


Este artículo trata del swing, también llamado intercambio de parejas. Se busca comprender cuestiones fundamentales que orientan este universo, en lo que respecta a la sexualidad y las identidades de género de sus practicantes. El análisis se basa en trabajo de campo realizado en un club de swing en la región de Lisboa y en entrevistas con 6 parejas que lo practican. Se procura entender de qué manera son reproducidas, resignificadas o negadas en el swing las identidades sexuales y de género, así como qué caracteriza a la feminidad y a la masculinidad en este universo. La investigación señala también algunas particularidades del intercambio de parejas, no sólo para la relación afectivo-sexual sino también para los individuos implicados.

swing; monogamia; género; sexualidad; conyugalidad


The subject of this article is swinging, also known as partner exchange or swinging lifestyle. It addresses fundamental issues that guide this universe with regard to practitioners' sexuality and gender identities. The analysis is based on an ethnography conducted at a swingers' club in the Lisbon area, and on interviews with six swinger couples. It seeks to understand how gender and sexual identities are reproduced, resignified or denied in swinging, as well as what characterizes femininity and masculinity in this universe. This research also points out some peculiarities of swinging not only for conjugal life, but also for the individuals involved.

Swinging; Monogamy; Gender; Sexuality; Conjugality


Introdução

O swing pode ser definido como uma prática em que casais heterossexuais estáveis mantêm relações sexuais com outros casais ou pessoas solteiras (singles) na companhia e com o consentimento do parceiro. É importante ter em mente que se trata de uma prática entre casais heterossexuais, embora a incidência da bissexualidade feminina seja alta e, a masculina, um tabu. Uma das características fundamentais do swing é a separação entre sexo e amor, o que faz com que os praticantes se considerem amorosamente monogâmicos e sexualmente não monogâmicos.

Apesar de pertencerem ao grupo da sexualidade normativa - a heterossexualidade - os swingers não se enquadram nos padrões sexuais e matrimoniais das sociedades ocidentais ao desafiarem a monogamia, um dos pilares centrais do modelo cristão de casamento. Estes casais, no entanto, não pretendem alterar legalmente esse padrão e não lutam por reconhecimento político. Muito pelo contrário, para a sociedade em geral eles reproduzem o modelo dominante, já que a prática e a identidade individual são mantidas no anonimato.

Este artigo procura compreender questões fundamentais que norteiam o universo swinger no que diz respeito à sexualidade e às identidades de gênero dos praticantes. Para tanto, discorro inicialmente sobre a prática da troca de casais e apresento algumas de suas principais características. Em seguida, reflito acerca da conjugalidade swinger e apresento alguns efeitos da prática para a relação e seus indivíduos. Por fim, analiso como as identidades de gênero e sexuais são reproduzidas, ressignificadas ou negadas no swing, destacando o que caracteriza a feminilidade e a masculinidade neste universo.

A análise é feita a partir de etnografia em um clube de swing na região de Lisboa, Portugal, e do discurso dos adeptos da prática. O trabalho de campo aconteceu ao longo de 12 visitas nos meses de outubro e novembro de 2012 e fevereiro de 2013, e inclui observação de práticas sexuais nos espaços coletivos do clube.

Além disso, foram realizadas entrevistas gravadas com seis casais swingers, 1 1 Os nomes dos informantes desta pesquisa são fictícios e foram escolhidos aleatoriamente para preservar a identidade dos entrevistados. A definição acerca dos casais participantes deu-se, principalmente, pela disposição dos mesmos em participar da pesquisa. Em seguida, foi dada preferência a casais mais velhos que estão juntos há algumas décadas e, portanto, vivenciaram primeiramente um longo período de conjugalidade monogâmica antes de entrarem para o swing. A amostra engloba, sobretudo, pessoas com nível financeiro estável e ocupação profissional que vai de médicos, advogados e empresários a secretárias e desempregados. A diferença de idade de um casal para o outro é de aproximadamente 10 anos, o homem mais velho com 66 anos e a esposa 63, enquanto o casal mais novo tem 28 anos (homem e mulher). com duração aproximada de duas horas cada. As entrevistas continham um roteiro semiestruturado, mas adotaram um caráter de conversa informal com o objetivo de conhecer a história e o perfil de cada membro do casal, compreender seus valores e ideais acerca de casamento e conhecer sua vivência enquanto swinger. As reflexões feitas neste artigo provêm, sobretudo, da análise dos relatos concedidos nas entrevistas, mas são acrescidas e contrastadas por conversas informais com os swingers durante o trabalho de campo e pela observação da dinâmica e das práticas sexuais no clube.

O swing

Não é possível precisar o local e a data de origem formalizada desta prática. A versão mais difundida associa o swing aos key clubs (clubes da chave), encontros realizados por casais militares da Califórnia durante a década de 1950 (McGinley in Bergstrand & Williams, 2000BERGSTRAND, Curtis R. & WILLIAMS, Jennifer Blevins. 2000. "Today's alternative marriage styles: the case of swingers" [Online]. Electronic Journal of Human Sexuality, 3. Available at: http://www.ejhs.org/volume3/swing/body.htm . [Accessed on 19.10.2014].
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). Nestes encontros, os maridos empilhavam as chaves do carro no centro de um cômodo e as esposas pegavam uma chave aleatoriamente. O dono da chave escolhida seria o parceiro sexual da mulher durante aquela noite. Estas festas chegaram ao conhecimento da imprensa da época e foram apelidadas de wife swapping - troca de esposas (Bergstrand & Williams, 2000BERGSTRAND, Curtis R. & WILLIAMS, Jennifer Blevins. 2000. "Today's alternative marriage styles: the case of swingers" [Online]. Electronic Journal of Human Sexuality, 3. Available at: http://www.ejhs.org/volume3/swing/body.htm . [Accessed on 19.10.2014].
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). Posteriormente, os próprios swingers questionaram o termo por considerá-lo androcêntrico e ultrapassado, pois subentendia que as esposas não tinham escolha e que a prática não era consensual.

O jornalista investigativo Terry Gould (in Von der Weid, 2008VON DER WEID, Olívia. 2008. Adultério Consentido: gênero, corpo e sexualidade na prática do swing. Dissertação de Mestrado, Unversidade Federal de Rio de Janeiro, Brasil.) acredita que o swing teria surgido durante a 2ª Guerra Mundial entre pilotos da força aérea estadunidense. A taxa de mortalidade entre esses pilotos era muito elevada e por isso eles e suas esposas desenvolveram fortes laços de amizade e intimidade entre si. Isso garantiria que, caso algum militar fosse morto, os outros cuidariam de sua esposa tanto emocional como sexualmente.

Alguns autores enfatizam a contribuição dos militares que serviram na guerra e, principalmente, dos que participaram dos exércitos de ocupação do pós-guerra na mudança em relação à ética sexual. "[Eles] trouxeram consigo experiências e atitudes sexuais muito mais variadas do que as que estavam disponíveis para os homens americanos de qualquer geração anterior. As esposas competiam com a memória masculina de prostitutas e gueixas fervorosas" (O'Neill & O'Neill, 1972O'NEILL, Nena & O'NEILL, George. 1972. Open Marriage: a new life style for couples. New York: Evans.:30). Bergstrand e Sinski (2010BERGSTRAND, Curtis R. & SINSKI, Jennifer Blevins. 2010. Swinging in America: love, sex and marriage in the 21st century. Santa Barbara: Praeger ABC-CLIO.) também destacam a plausibilidade do swing ter tido início entre os militares. Segundo os autores, o grande perigo envolvido na atividade e a baixa expectativa de vida podem ter incentivado os soldados e suas esposas a um estilo de vida hedonista e a atitudes experimentais, desafiando os tabus sexuais.

Em inglês, a prática é atualmente denominada swinging e muitas vezes é referenciada pelos praticantes apenas como "the Lifestyle" - o estilo de vida (Bergstrand & Sinski, 2010BERGSTRAND, Curtis R. & SINSKI, Jennifer Blevins. 2010. Swinging in America: love, sex and marriage in the 21st century. Santa Barbara: Praeger ABC-CLIO.). Em Portugal, os swingers com quem conversei também consideram esta opção como um estilo de vida, bem como uma filosofia de vida ou uma forma de estar. Não é possível precisar o porquê do termo swinging (balançar, oscilar, girar). Morgado (2006MORGADO, Júlio. 2006. Swing. s.l., s.n.:255) especula que a palavra teria surgido a partir de um pastor de igreja que declarava a seus congregados que "havia gente estranha que se balançava (swinging) de cama em cama como macacos."

O swing permite uma variedade de práticas sexuais, dentre as quais se destacam o exibicionismo, o voyeurismo, mènage à trois, soft swing, hard swing e sexo grupal. O exibicionismo é quando as pessoas gostam de ser observadas enquanto mantêm relações sexuais. O voyeurismo é quando se tem prazer em assistir às relações de outras pessoas. O mènage à trois, comumente chamado de mènage, é o sexo a três, podendo envolver duas mulheres e um homem (mènage feminino) ou dois homens e uma mulher (mènage masculino). O soft swing, também chamado de troca leve, caracteriza-se por carícias, beijos ou sexo oral entre os casais ou apenas um membro do casal, mas sem ocorrer penetração. Já o hard swing, ou troca completa, envolve penetração com alguém que não seja o parceiro e representa o que é normalmente chamado de swing. Todas estas atividades sexuais, no entanto, não são exclusivas do universo swinger e ocorrem em outros contextos.

Durante o trabalho de campo pude observar que o hard swing é o que acontece em menor proporção. Segundo Bartell (in Jenks, 1998 JENKS, Richard. 1998. "Swinging: a review of the literature". Archives of Sexual Behavior. Vol. 27, nº 5, p. 507-521), muitos swingers ressaltam que observar a performance dos outros permite aprender novas técnicas que podem ser utilizadas com o próprio parceiro, além de propiciar a superação de determinadas inibições sexuais. Já D'Orlando (2010D'ORLANDO, Fabio. 2010. "Swinger Economics". The Journal of Socio-Economics. Vol. 39, p. 295-305.) analisou os anúncios veiculados em uma página na internet e concluiu que os casais se iniciam no swing pela seção exibicionista, em seguida passam para a seção soft e só então se anunciam na seção hard. Em minha etnografia, percebi que muitos casais vão juntos para um quarto privado ou permanecem no labirinto (dark room) sem necessariamente ter contato físico entre si. Para eles, o fato de partilharem o mesmo ambiente e sentirem ou ouvirem a excitação dos outros já é estimulante. Outros preferem compartilhar as preliminares e deixar o clímax para o parceiro.

Alguns de meus informantes confirmam as constatações descritas acima. Gabriela, que assume abertamente que ela e o marido não têm o mesmo gosto, repetiu várias vezes que "o swing é uma agulha no palheiro". Para ela, é extremamente difícil que um casal ache os dois membros do outro casal interessantes e, reciprocamente, sejam desejados pelos dois membros do outro casal. Em outras palavras, Milton explica que ele e Marcela tiveram poucas experiências no swing porque "a cada dez mulheres, nove são bonitas e a cada dez homens, um é jeitoso". No estudo realizado por Jenks (1998 JENKS, Richard. 1998. "Swinging: a review of the literature". Archives of Sexual Behavior. Vol. 27, nº 5, p. 507-521), esta dificuldade foi apontada pelos casais como o segundo maior problema do swing, atrás apenas do medo de contrair alguma doença sexualmente transmissível.

Razões para o swing e perfil dos praticantes

O motivo mais alegado para o envolvimento com o swing é a variedade de experiências e de parceiros sexuais que a prática proporciona (Silvério, 2014aSILVÉRIO, Maria. 2014a. Swing: Eu, Tu... Eles. Lisboa: Chiado.; Bergstrand & Sinski, 2010BERGSTRAND, Curtis R. & SINSKI, Jennifer Blevins. 2010. Swinging in America: love, sex and marriage in the 21st century. Santa Barbara: Praeger ABC-CLIO.; Jenks, 1998 JENKS, Richard. 1998. "Swinging: a review of the literature". Archives of Sexual Behavior. Vol. 27, nº 5, p. 507-521). A segunda razão mais encontrada por Jenks (1998) é a busca por prazer e excitação. O terceiro motivo mais citado neste estudo é a possibilidade de conhecer pessoas novas. Já Bergstrand e Sinski (2010BERGSTRAND, Curtis R. & SINSKI, Jennifer Blevins. 2010. Swinging in America: love, sex and marriage in the 21st century. Santa Barbara: Praeger ABC-CLIO.) alegam que os aspectos da vida social foram subestimados em muitas pesquisas. De acordo com os autores, "conhecer novos amigos e expandir a vida social" é considerado muito importante para 35,4% dos swingers e importante para 45,7%. Apenas 19% alegam que isso não tem importância.2 2 Os dados incluem a resposta de 1.023 swingers, sendo 704 homens e 319 mulheres.

Embora a comunidade swinger venha ganhando cada vez mais adeptos ao longo dos anos e tenha sido retratada com mais frequência nos meios de comunicação, livros e filmes, a prática "ainda se mantém como uma das subculturas mais estigmatizadas e mal compreendidas na nossa sociedade" (Bergstrand & Sinski, 2010BERGSTRAND, Curtis R. & SINSKI, Jennifer Blevins. 2010. Swinging in America: love, sex and marriage in the 21st century. Santa Barbara: Praeger ABC-CLIO.:13). O fato de não se enquadrarem nos padrões sexuais e matrimoniais das sociedades ocidentais faz com que os swingers sejam normalmente considerados desviantes. Jenks (1985JENKS, Richard . 1985. "A test of two theories and a proposed new model".. Archives of Sexual Behavior Vol. 14, nº 6, p. 517-527.) concluiu3 3 O autor conduziu uma pesquisa com mais de 100 não swingers e mais de 300 swingers. Para chegar ao resultado, ele comparou todas as respostas. que os swingers são vistos como usuários de álcool, maconha e outras drogas, além de serem tidos como pessoas que necessitam de orientação psicológica.

Diante dos resultados, o autor afirmou que "os swingers são percebidos não só como desviantes 'específicos' mas como desviantes 'gerais', ou seja, desviantes não apenas em um caminho (o swing), mas em áreas totalmente sem relação com o swing" (Jenks, 1998 JENKS, Richard. 1998. "Swinging: a review of the literature". Archives of Sexual Behavior. Vol. 27, nº 5, p. 507-521:510). Esta conclusão foi baseada na labeling approach, nomeadamente em Becker (1963) e Hughes (1945), que argumentam que "quando uma pessoa é vista, ou labeled (rotulada, classificada) como tendo traços indesejáveis, as outras pessoas também a consideram como detentora de outras características indesejáveis" (Jenks, 1998 JENKS, Richard. 1998. "Swinging: a review of the literature". Archives of Sexual Behavior. Vol. 27, nº 5, p. 507-521).

É importante ressaltar que esta imagem negativa acerca do comportamento swinger também foi observada nos primeiros estudos conduzidos entre as décadas de 1970 e 1990. Neubeck e Neubeck (in Bergstrand & Williams, 2000BERGSTRAND, Curtis R. & WILLIAMS, Jennifer Blevins. 2000. "Today's alternative marriage styles: the case of swingers" [Online]. Electronic Journal of Human Sexuality, 3. Available at: http://www.ejhs.org/volume3/swing/body.htm . [Accessed on 19.10.2014].
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) alertam para a tentativa de determinar se os swingers seriam de famílias abusivas e desestruturadas. Segundo os autores, esta relação aparenta ser uma suposição implícita ou explícita de patologização dos swingers. Jenks (1998 JENKS, Richard. 1998. "Swinging: a review of the literature". Archives of Sexual Behavior. Vol. 27, nº 5, p. 507-521) destaca o trabalho de Duckworth e Levitt (1985DUCKWORTH, Jane & LEVITT, Eugene E. 1985. "Personality analysis of a swingers' club". Journal of Family and Economic Issues. Vol. 8, nº 1, p. 35-45.) em que foi aplicado em 30 swingers o teste MMPI (um dos mais utilizados pela área da saúde mental em países ocidentais para detectar psicopatias e desvios de personalidade). Os resultados obtidos neste estudo, bem como em todos os outros de caráter psicossocial, não apontaram evidências de distúrbios nos praticantes de swing.

Em nível internacional, as pesquisas são, de maneira geral, provenientes de análises quantitativas realizadas por sociólogos, nomeadamente nos Estados Unidos, na França e na Inglaterra. Os estudos concentram-se em dois momentos distintos: o primeiro na década de 1970, cujo objetivo principal era compreender o perfil dos swingers e as razões para a entrada no meio (ver mais em Denfeld & Gordon, 1970DENFELD, Duane & GORDON, Michael. 1970. "The sociology of mate swapping: or the family that swings together clings together". The Journal of Sex Research. Vol. 6, nº 2, p. 85-100.; Henshel, 1973HENSHEL, Anne-Marie. 1973. "Swinging: a study of decision making in marriage". American Journal of Sociology. Vol. 78, nº 4, p. 885-891.; Spanier & Cole, 1975SPANIER, Graham B. & COLE, Charles L. 1975. "Mate swapping: perceptions, value orientations, and participation in a midwestern community".. Archives of Sexual Behavior Vol. 4, nº 2, p. 143-159.; Alexander, 1976ALEXANDER, Jannette. 1976. "Alternative life styles: relationship between new realities and practice". Clinical Social Work Journal. Vol. 4, nº 4, p. 289-301.; Biblarz & Biblarz, 1980BIBLARZ, Arturo & BIBLARZ, Dolores Noonan. 1980. "Alternative sociology for alternative life styles: a methodological critique of studies of swinging". Social Behavior and Personality. Vol. 8, p. 137- 144.; Duckworth & Levitt, 1985DUCKWORTH, Jane & LEVITT, Eugene E. 1985. "Personality analysis of a swingers' club". Journal of Family and Economic Issues. Vol. 8, nº 1, p. 35-45.; Jenks, 1985JENKS, Richard . 1985. "A test of two theories and a proposed new model".. Archives of Sexual Behavior Vol. 14, nº 6, p. 517-527.).

O segundo momento é entre o final dos anos 1990 e primeira década dos anos 2000. A intenção é perceber as transformações ocorridas no universo swinger, os efeitos da prática no relacionamento, o impacto da Aids, o crescimento das conjugalidades não monogâmicas, a vivência das identidades de gênero e sexuais etc. (ver mais em Silvério, 2014aSILVÉRIO, Maria. 2014a. Swing: Eu, Tu... Eles. Lisboa: Chiado.; Fernandes, 2011; Barker & Langdridge, 2010BARKER, Meg & LANGDRIDGE, Darren. 2010. "Whatever happened to non-monogamies? Critical reflections on recent research and theory". Sexualities. Vol. 13, nº 6, p. 748-772.; Bergstrand & Sinski, 2010BERGSTRAND, Curtis R. & SINSKI, Jennifer Blevins. 2010. Swinging in America: love, sex and marriage in the 21st century. Santa Barbara: Praeger ABC-CLIO.; Von der Weid, 2008VON DER WEID, Olívia. 2008. Adultério Consentido: gênero, corpo e sexualidade na prática do swing. Dissertação de Mestrado, Unversidade Federal de Rio de Janeiro, Brasil.; Powell, 2006POWELL, Lane H. 2006. "Marital and sexual lifestyle in the United States: attitudes, behaviors and relationships in social context". Family Relations. Vol. 55, nº 1.; Rubin, 2001RUBIN, Roger H. 2001. "Alternative lifestyles revisited, or whatever happened to swingers, group marriages, and communes?". Journal of Family Issues. Vol. 22, p. 711-726.; Bergstrand & Williams, 2000BERGSTRAND, Curtis R. & WILLIAMS, Jennifer Blevins. 2000. "Today's alternative marriage styles: the case of swingers" [Online]. Electronic Journal of Human Sexuality, 3. Available at: http://www.ejhs.org/volume3/swing/body.htm . [Accessed on 19.10.2014].
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; Jenks, 1998 JENKS, Richard. 1998. "Swinging: a review of the literature". Archives of Sexual Behavior. Vol. 27, nº 5, p. 507-521).

A comunidade swinger é heterogêna no que tange a um perfil sociodemográfico, mas a maioria dos estudos indica tratar-se, predominantemente, de pessoas das classes média e média-alta, com nível de instrução e salarial elevado, posições profissionais estáveis ou em cargos de gerência, casadas e brancas (Silvério, 2014aSILVÉRIO, Maria. 2014a. Swing: Eu, Tu... Eles. Lisboa: Chiado.; Bergstrand & Sinski, 2010BERGSTRAND, Curtis R. & SINSKI, Jennifer Blevins. 2010. Swinging in America: love, sex and marriage in the 21st century. Santa Barbara: Praeger ABC-CLIO.; Jenks, 1998 JENKS, Richard. 1998. "Swinging: a review of the literature". Archives of Sexual Behavior. Vol. 27, nº 5, p. 507-521). Vale ressaltar que grande parte dos casais tem filhos. Os dados mais divergentes dizem respeito à faixa etária dos swingers, mas podemos concluir que a média é de mulheres acima dos 30 e homens acima dos 35 anos.

É difícil dizer o tamanho da comunidade swinger internacional, mas, ao que tudo indica, ela vem crescendo acentuadamente ao longo dos anos.4 4 A maior parte dos dados, sobretudo acerca da quantidade de clubes e praticantes de swing, não é oficial e por isto pode ter imprecisões. Como a prática do swing ainda acontece às margens da sociedade, é muito difícil apurar as informações com exatidão. Além disso, o número de casais e singles que aderem ou abandonam a prática diariamente e os clubes que abrem ou fecham as portas são praticamente imensuráveis nessas circunstâncias e podem variar com bastante frequência. De acordo com Robert McGinley (in Jenks,1998 JENKS, Richard. 1998. "Swinging: a review of the literature". Archives of Sexual Behavior. Vol. 27, nº 5, p. 507-521), presidente da North American Swing Club Association, a lista de contatos da associação passou de aproximadamente 12 mil para 30 mil em dez anos. O país tinha cerca de 400 clubes de swing na época. Jenks (1998 JENKS, Richard. 1998. "Swinging: a review of the literature". Archives of Sexual Behavior. Vol. 27, nº 5, p. 507-521) também analisou estudos realizados entre as décadas de 1970 e 1990 e concluiu que uma estimativa razoável seria que 2% dos casais estadunidenses em relação matrimonial seriam swingers. Já uma reportagem de setembro de 2006 da rede de televisão ABC News5 5 "The 'Lifestyle'-Real-Life Wife Swaps". Disponível em: http://abcnews.go.com/2020/ Health/story?id=2395727&page=1 afirma que 4 milhões de pessoas seriam swingers nos Estados Unidos. A estimativa é baseada em diversas pesquisas e em dados do Instituto Kinsey.

Em relação a Portugal, durante a etnografia detectei a existência de 11 clubes de swing. No que diz respeito à quantidade de praticantes, obtive respostas distintas de dois proprietários de clubes: um dizia haver na ordem dos 5.000 a 7.500 casais, sendo que destes cerca de 1.000 seriam "ativos" e frequentariam os clubes ao menos uma vez por mês. Na região de Lisboa seriam cerca de 2.500, dos quais 500 "ativos". A outra resposta indicava cerca de 2.000 casais em Portugal, sendo aproximadamente 400 casais na região de Lisboa.

D'Orlando (2010D'ORLANDO, Fabio. 2010. "Swinger Economics". The Journal of Socio-Economics. Vol. 39, p. 295-305.) estima que a população swinger na Itália seja de mais de 1,5 milhão. Segundo o autor, a quantidade de casais estaria entre 370 e 400 mil e o restante seriam singles masculinos. O país conta aproximadamente com 200 clubes, com uma média de 1.800 membros cada um. No Brasil, Von der Weid (2008VON DER WEID, Olívia. 2008. Adultério Consentido: gênero, corpo e sexualidade na prática do swing. Dissertação de Mestrado, Unversidade Federal de Rio de Janeiro, Brasil.) reuniu informações da internet que indicavam a existência de 55 clubes de swing, sendo que 47 estavam nas regiões Sul e Sudeste. Apenas os estados do Rio de Janeiro e São Paulo concentravam 31 destes clubes.

Bergstrand e Sinski (2010BERGSTRAND, Curtis R. & SINSKI, Jennifer Blevins. 2010. Swinging in America: love, sex and marriage in the 21st century. Santa Barbara: Praeger ABC-CLIO.) acreditam que os países com o maior número de clubes são os Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, França, Alemanha e Japão. Já Morgado (2006MORGADO, Júlio. 2006. Swing. s.l., s.n.) acredita ser o continente europeu e cita a Bélgica como exemplo. O país tem uma população de aproximadamente 10,5 milhões de pessoas (próxima à de Portugal e inferior à da cidade de São Paulo) e possui mais de 50 clubes.

Von der Weid (2008VON DER WEID, Olívia. 2008. Adultério Consentido: gênero, corpo e sexualidade na prática do swing. Dissertação de Mestrado, Unversidade Federal de Rio de Janeiro, Brasil.) conta que em 1998 foi realizado em Toulouse, França, o primeiro seminário europeu sobre o swing (échangisme, em francês) sob a direção do sociólogo Daniel Welzer-Lang. Ao que tudo indica, este foi o único seminário científico sobre o assunto e contou com a colaboração das universidades de Toulouse, Barcelona e Rovira i Virgili (Tarragona). Welzer-Lang (1998WELZER-LANG, Daniel. 1998. "L´échangisme: une réalité aux mille visages". In:. Entre commerce du sexe et utopies. Actes du premier séminaire européen sur l'échangisme. Toulouse: Université Toulouse Le Mirail) estimou entre 200 e 400 mil swingers na França, e Karottki (1998KAROTTKI, Beatriz. 1998. "La planète échangiste de Barcelone". In: Entre commerce du sexe et utopies. Actes du premier séminaire européen sur l'échangisme. Toulouse: Université Toulouse Le Mirail.) apontou a existência de 10 clubes de swing em Barcelona, na Espanha.

Aspectos econômicos

Diversos clubes e sites na internet oferecem serviços variados, como pacotes de férias e viagens para adultos, venda de produtos eróticos, discussões sobre o swing e legislação etc. Segundo Von der Weid (2008VON DER WEID, Olívia. 2008. Adultério Consentido: gênero, corpo e sexualidade na prática do swing. Dissertação de Mestrado, Unversidade Federal de Rio de Janeiro, Brasil.), algumas agências de viagem no Rio de Janeiro oferecem tours que possibilitam visitar clubes de swing. O público que procura essas visitas guiadas é formado, principalmente, por casais da própria cidade, além de estrangeiros.

De acordo com D'Orlando (2010D'ORLANDO, Fabio. 2010. "Swinger Economics". The Journal of Socio-Economics. Vol. 39, p. 295-305.), as atividades relacionadas com o swing (clubes, viagens, anúncios, internet e outros) correspondem a 14% do faturamento da indústria global do sexo. Isto significa aproximadamente 1,1 bilhão de euros por ano. Ainda segundo o autor, o volume anual de negócios da indústria do sexo no mundo é de 7,5 bilhões de euros, sendo que a prostituição é responsável por 68%, seguida da pornografia (18%) que envolve filmes, sex shops, televisão, ligações telefônicas eróticas, feiras eróticas etc.

Estes valores, no entanto, são de mensuração extremamente difícil e possivelmente estão muito aquém do montante gerado anualmente pela indústria global do sexo. Em muitos países, práticas pertencentes a este negócio, como a prostituição, não são legalizadas ou regulamentadas. Heineman, MacFarlane e Brents (2012HEINEMAN, Jenny; MACFARLANE, Rachel & BRENTS, Barbara. 2012. "Sex Industry and Sex Workers in Nevada". The Social Health of Nevada: Leading Indicators and Quality of Life in the Silver State, p. 1-26.) mostram que, em 2008, o lucro das vendas a varejo do entretenimento adulto foi de 12 bilhões de dólares somente nos Estados Unidos.

D'Orlando (2010D'ORLANDO, Fabio. 2010. "Swinger Economics". The Journal of Socio-Economics. Vol. 39, p. 295-305.) destaca que o swing também envolve gastos que não podem ser formalmente computados na indústria do sexo, mas que muitas vezes têm este propósito quando realizados por swingers. Exemplo disto é a compra de roupas e lingeries sensuais em lojas não direcionadas, aquisição de máquina digital ou computadores, idas a restaurantes ou outros estabelecimentos para conhecer novos casais etc. D'Orlando (2010D'ORLANDO, Fabio. 2010. "Swinger Economics". The Journal of Socio-Economics. Vol. 39, p. 295-305.) ressalva, no entanto, que ao contrário da prostituição e da pornografia que sempre envolvem gastos financeiros, o swing não necessariamente movimenta a economia. Isto só acontece quando os swingers frequentam clubes, fazem viagens, usufruem da indústria pornográfica ou compram produtos de cunho não sexual para este fim.

Gould (in Von der Weid, 2008VON DER WEID, Olívia. 2008. Adultério Consentido: gênero, corpo e sexualidade na prática do swing. Dissertação de Mestrado, Unversidade Federal de Rio de Janeiro, Brasil.) ressalta que são realizadas 12 convenções todos os anos sobre o estilo de vida swinger em oito estados norte-americanos. Segundo o autor, os eventos monopolizam resorts durante quatro dias e contam com a presença de pessoas de diversos países. A maior convenção deste estilo é a SwingFest e, de acordo com McGinley (in Jenks, 1998 JENKS, Richard. 1998. "Swinging: a review of the literature". Archives of Sexual Behavior. Vol. 27, nº 5, p. 507-521), quando foi realizada em Palm Springs, Califórnia, injetou mais de 1,6 milhão de dólares na economia local.

Conjugalidade swinger

Os modelos conjugais na contemporaneidade são marcados pelo respeito à individualidade e às diferenças do outro, liberdade, igualdade e reciprocidade. Para Giddens (1996GIDDENS, Anthony. 1996. Transformações da Intimidade: sexualidade, amor e erotismo nas sociedades modernas. Oeiras: Celta Editora.), a conjugalidade nos dias de hoje pode ser definida como uma "relação pura", um laço emocional com outra pessoa que é assumido por si mesmo, como a sua própria razão de existir. De acordo com o autor, na relação pura não é o companheiro que é especial, mas sim a relação em si. Este tipo de compromisso não é, como foi o casamento em outros períodos, uma relação cuja durabilidade é tomada como adquirida. Ela dura apenas enquanto os parceiros sentirem que ela satisfaz ambos os envolvidos. Caso contrário, qualquer um pode terminar a relação em um determinado momento.

Uma relação afetivo-sexual, no entanto, só atinge esse patamar se houver uma comunicação aberta entre o casal. Giddens (1996GIDDENS, Anthony. 1996. Transformações da Intimidade: sexualidade, amor e erotismo nas sociedades modernas. Oeiras: Celta Editora.:136) defende que "o imperativo da comunicação livre e aberta é a condição sine qua non da relação pura". Todos os meus informantes destacam que é crucial para um casal swinger ter abertura para conversar sobre todo tipo de assunto, sem medos ou tabus. Gabriel define bem esta questão ao sugerir que "uma definição de amor não é a pessoa estar apaixonada por outra pessoa. É a pessoa sentir-se bem, saber comunicar-se com a outra pessoa e também saber ouvir. Isso tudo é que faz parte do amor".

Durante as entrevistas, observei que o intenso diálogo entre os casais swingers inclui a abordagem de experiências, inclusive sexuais, vivenciadas com antigos parceiros. Com frequência, enquanto um membro do casal me relatava algum acontecimento do casamento anterior, o companheiro interrompia para acrescentar alguma informação. É notório que os meus informantes conhecem em detalhes a vida do parceiro. Todos eles destacam que os dois pilares fulcrais para uma relação amorosa são a confiança e o respeito. Aparentemente eles conquistam isso através do compartilhamento de frustrações, angústias, alegrias e emoções. É interessante analisar este aspecto através da alegação de Giddens (1996GIDDENS, Anthony. 1996. Transformações da Intimidade: sexualidade, amor e erotismo nas sociedades modernas. Oeiras: Celta Editora.) de que a confiança e o amor desenvolvem-se na relação pura com base na intimidade, na disposição dos parceiros em revelar ao outro as suas preocupações e necessidades, sem o receio de lhe ser vulnerável.

Apesar da confiança, da sinceridade e da honestidade aparente na vida conjugal dos meus informantes, a maioria não possui uma vida social independente à do cônjuge. Embora eles enfatizem que o outro tem liberdade para realizar atividades cotidianas com outras pessoas, isto acontece com pouca frequência, assemelhando-se ao "casal fechado"6 6 O'Neill e O'Neill (1972) designaram o termo open marriage(casamento aberto) para contrapor ao casamento patriarcal moderno definido por eles como closed marriage (casamento fechado) por exigir exclusividade e totalidade dos cônjuges em todos os aspectos. que tenta fundir as duas pessoas em uma entidade única, dificultando o crescimento individual de cada uma (O'Neill & O'Neill, 1972O'NEILL, Nena & O'NEILL, George. 1972. Open Marriage: a new life style for couples. New York: Evans.).

Bruno diz que as amizades que tinha ficaram no outro casamento, pois eram "amigos do casal" e, como o casal deixou de existir, o mesmo aconteceu com os amigos. Ele acrescenta que tem alguns amigos de infância, mas se encontra pouco com eles "devido à nossa vida de trabalho [...] só me sobra tempo no fim de semana. O fim de semana serve para descansar, para passar um pouco em família e para o nosso swing. Portanto, não sobra tempo para sair com amigos que não pertençam a esse meio". Giddens (1996GIDDENS, Anthony. 1996. Transformações da Intimidade: sexualidade, amor e erotismo nas sociedades modernas. Oeiras: Celta Editora.:97) faz a seguinte avaliação:

Em determinadas condições, a relação pura pode criar um ambiente social que facilite o projeto reflexivo do self. [...] A história partilhada desenvolvida por uma relação pode servir para expulsar as perturbações para o mundo exterior; um indivíduo ou ambos podem tornar-se dependentes não tanto do outro quanto da relação e das rotinas estabelecidas, como um meio de se isolarem de um envolvimento pleno com outras tarefas ou obrigações sociais. É problemático conseguir o equilíbrio entre autonomia e dependência.

Neste sentido, o próprio swing parece ser o elemento principal para o desenvolvimento de uma possível dependência neste tipo de conjugalidade. O depoimento de Renata e Renato ilustra bem esta questão:

Claro que agora, vendo de cá para lá, para o passado, era mais cinzento, digamos assim. Agora temos um projeto conjunto que é interessante também e está muito no início. Temos uma coisa para fazer em conjunto, para explorar em conjunto, para falar sobre. E se não tivéssemos nada, então a coisa estava assim muito mais... Ela tem a vida profissional dela, eu tenho a minha vida profissional e de resto é só tratar de todos... tratar de crianças. Assim, temos uma coisa só para nós. Mas não acredito que de alguma maneira a nossa relação estaria comprometida se não fosse isso... Nós temos uma relação muito forte.

Outro aspecto da relação swinger que merece atenção é o fato de os casais manterem a prática em segredo para evitar discriminação e conservar a boa reputação. Dos seis casais de informantes, apenas um afirma não esconder de ninguém, três contaram para uma ou duas pessoas de bastante confiança, como a irmã ou a filha, e dois casais não compartilham isso com mais ninguém. Um dos casais relata que os filhos desconfiam e já fizeram insinuações ou perguntas a respeito, mas eles sempre negam ou desconversam.

Além das razões citadas anteriormente como justificativa para esconder tal atividade, também aparecem no discurso dos meus informantes alegações como "isso é uma questão muito particular do casal", "isso não interessa a mais ninguém", "é um segredo nosso, é a nossa cumplicidade... o nosso íntimo... é uma coisa pessoal".

Todos os meus informantes afirmam não ter qualquer dilema ético ou moral com o estilo de vida adotado e, pelo contrário, ressaltam que estão satisfeitos por terem tido coragem de dar esse "passo à frente" ou "quando olho para aquilo que nós atingimos, esta abertura que alcançamos, as saídas que fazemos, eu sinto orgulho em ter tido essa capacidade".

Uma questão que levanto, no entanto, é como esperar que o swing deixe de ser uma prática socialmente marginalizada se os próprios swingers preferem continuar no anonimato? Vasconcelos (1998VASCONCELOS, Pedro. 1998. "Vida Familiar em Portugal". In: MACHADO PAIS, José (coord.). Gerações e Valores na Sociedade Portuguesa Contemporânea. Lisboa: ICS. p. 321-406.) destaca que os valores, as visões de mundo e as atitudes dos indivíduos estão intrinsecamente ligados à sua socialização primária (origens sociais e condições de formação) e à sua trajetória social (processos de ressocialização que acontecem ao longo da vida). Desta maneira, se os casais swingers se dispusessem a falar abertamente com os filhos, estes teriam a referência de que o modelo monogâmico não é a única opção conjugal e provavelmente enxergariam outros tipos de conjugalidade com menos preconceito, contribuindo para a aceitação social da prática.

A partir de todas estas questões, avalio apropriado afirmar que a conjugalidade swinger parece exigir do casal uma comunicação aberta, reciprocidade e negociação constante com ainda mais intensidade do que a de qualquer outro casal contemporâneo que mantém a monogamia. Além disso, o fato de os swingers rejeitarem o único pilar prevalecente do casamento cristão indica que o casal, de fato, assumiu as rédeas da sua relação baseando-se no que considera melhor para cada indivíduo e para o casal em si. Paralelamente, o swing também parece estimular a manutenção de alguns valores do complexo do amor romântico, aquele que, como afirma Giddens (1996GIDDENS, Anthony. 1996. Transformações da Intimidade: sexualidade, amor e erotismo nas sociedades modernas. Oeiras: Celta Editora.), assume as qualidades de "para sempre, único e exclusivo". A intimidade, a confiança e a mutualidade adquiridas levam a uma possível dependência e ao desejo de indissolubilidade do relacionamento, aumentando a crença de que o parceiro seja único e complementar por dividir um estilo de relação especial, exclusivo daquele casal.

Efeitos do swing

A maioria dos estudos (Silvério, 2014aSILVÉRIO, Maria. 2014a. Swing: Eu, Tu... Eles. Lisboa: Chiado.; Silvério, 2014bSILVÉRIO, Maria . 2014b. "Swing em Portugal: uma interpretação antropológica da troca de casais". Etnográfica. Vol. 18 (3), p. 551-574.; Bergstrand & Sinski, 2010BERGSTRAND, Curtis R. & SINSKI, Jennifer Blevins. 2010. Swinging in America: love, sex and marriage in the 21st century. Santa Barbara: Praeger ABC-CLIO.; Jenks, 1998 JENKS, Richard. 1998. "Swinging: a review of the literature". Archives of Sexual Behavior. Vol. 27, nº 5, p. 507-521) ressalta que o swing proporciona mais benefícios do que consequências negativas, não só para a relação, mas também para os swingers enquanto indivíduos. As alegações mais comuns são que a atividade fortalece o casamento e aumenta a percepção acerca da qualidade do mesmo; aproxima o casal emocional e sexualmente; melhora a vida sexual e aumenta o desejo pelo parceiro; além de propiciar uma comunicação mais aberta e honesta.

Bergstrand e Sinski (2010BERGSTRAND, Curtis R. & SINSKI, Jennifer Blevins. 2010. Swinging in America: love, sex and marriage in the 21st century. Santa Barbara: Praeger ABC-CLIO.) detectaram em sua pesquisa com 704 homens e 319 mulheres swingers estadunidenses que 62,9% dos homens e 62% das mulheres consideram que o casamento ficou mais feliz após a entrada para o swing; 35,8% (homens) e 35,3% (mulheres) alegam que o grau de felicidade se manteve o mesmo; contra 1,3% (homens) e 2,8% (mulheres) que afirmam que a relação ficou menos feliz.

É importante ressaltar, no entanto, que as pesquisas são realizadas com casais e singles que vivenciam esse estilo de vida no momento do estudo, ou seja, pessoas que estão desfrutando dos benefícios do swing. É extremamente difícil ter acesso a ex-swingers e, quando isto ocorre, a quantidade de pessoas é reduzida. Enfatizo também que quase todos os estudos foram realizados por sociólogos ou psicólogos através da metodologia quantitativa de aplicação de questionário, muitas vezes enviados pela internet ou distribuídos a membros de um clube.

Denfeld (in Jenks, 1998 JENKS, Richard. 1998. "Swinging: a review of the literature". Archives of Sexual Behavior. Vol. 27, nº 5, p. 507-521) apurou as razões para o abandono da prática do swing através do envio de mais de 2 mil questionários a terapeutas conjugais e de família. Ele obteve retorno de aproximadamente 45%. Destes, 49% relataram que acompanharam pelo menos um caso de desistência do swing. Os motivos alegados foram: ciúme (24%), culpa (15%), ameaça ao casamento (15%), desenvolvimento de laços externos (12%), tédio com o swing (11%), decepção com o swing (7%), divórcio ou separação (6%), incapacidade da esposa de lidar com o swing (6%), medo de descoberta (3%). Já Murstein et al. (in Jenks, 1998 JENKS, Richard. 1998. "Swinging: a review of the literature". Archives of Sexual Behavior. Vol. 27, nº 5, p. 507-521) encontrou como razão principal a incapacidade da esposa de lidar com o swing e citou também o medo de doenças sexualmente transmissíveis, culpa, medo de descoberta, tédio e ciúmes.

No caso dos meus informantes, as perguntas centrais para apurar esta questão foram: "como avaliam a relação de vocês antes e depois de entrarem para o swing?"; "e em nível individual, o que mudou?". Apenas o casal Renata e Renato respondeu de forma imediata, sem parar para pensar: "Melhorou muito. Muito mesmo. Sem dúvida, sem dúvida. [...] Solidifica porque acabamos por conhecer a nós próprios muito mais profundamente, não é?! Há coisas que... não era por razão nenhuma, mas que não conhecíamos, não sabíamos".

Apesar da espontaneidade da resposta, percebi que todos os casais, sobretudo o mais velho e também mais antigo no meio, enfatizaram diversas vezes que a relação já era boa e estável. Era como se o mais importante não fosse esclarecer os benefícios da prática, mas sim assegurar que o swing não é o responsável pela satisfação conjugal. Durante a etnografia, muitos me disseram que as pessoas de fora do meio não conseguem compreender como é possível ver a pessoa que se ama ter relações sexuais com outras e, por isso, julgam que os swingers são infelizes no casamento, não respeitam e não dão valor ao companheiro. Desta forma, acredito que os meus informantes tenham agido assim para tentar quebrar este estereótipo e diminuir o preconceito.

Todos os informantes deixaram claro que o swing é aconselhável apenas para casais que possuem uma relação forte, estável e satisfatória, conforme também apontado por outros estudos (Silvério, 2014aSILVÉRIO, Maria. 2014a. Swing: Eu, Tu... Eles. Lisboa: Chiado.; Silvério, 2014bSILVÉRIO, Maria . 2014b. "Swing em Portugal: uma interpretação antropológica da troca de casais". Etnográfica. Vol. 18 (3), p. 551-574.; Bergstrand & Sinski, 2010BERGSTRAND, Curtis R. & SINSKI, Jennifer Blevins. 2010. Swinging in America: love, sex and marriage in the 21st century. Santa Barbara: Praeger ABC-CLIO.; Von der Weid, 2008VON DER WEID, Olívia. 2008. Adultério Consentido: gênero, corpo e sexualidade na prática do swing. Dissertação de Mestrado, Unversidade Federal de Rio de Janeiro, Brasil.). Segundo os swingers que entrevistei, um erro grave é entrar para o meio com o objetivo de "salvar o casamento" ou "tentar recuperar uma relação já fracassada". Gabriela faz a seguinte avaliação: "O swing é o telhado da casa. As pessoas só vão para o swing quando tudo entre elas está bem resolvido. E, acima de tudo, os dois têm que pensar que o que um não quer, os dois não fazem". Gabriel resume o assunto da seguinte maneira:

O swing pode proporcionar ao casal uma descoberta de novas experiências sexuais que pode ser boa ou pode ser má, como todas as coisas. Pode fortalecer ou destruir um casamento. Depende de como as pessoas levam a sua vida para o swing. O swing tem o lado bom e o lado mau, como todas as outras situações.

Somente depois que os meus informantes estavam seguros de que eu havia percebido esta questão, é que eles começaram a ressaltar os benefícios do swing para a relação conjugal e a vida individual. Em algumas entrevistas, precisei voltar ao assunto mais de uma vez para obter respostas específicas. Júlia e Júlio afirmam que a intimidade entre eles aumentou muito no aspecto sexual e pessoal, pois passaram a se conhecer melhor. Eles também destacam que ficaram mais unidos e começaram a lidar melhor com a falta de paciência referente a pequenas coisas do cotidiano. Júlio explica que "quando entramos no quarto com um casal... a maneira de conhecer, de explorar, de mexer... isso faz com que a gente seja mais calmo, mais brando com nós mesmos... Tem que estar atento ao que se passa". Júlia acrescenta:

Sentimos melhor com nós próprios, com nosso corpo, nos sentimos outra vez desejados... É uma sensação... parece de princípio de namoro, quando a gente ainda não conhece... aquele mistério. [...] Ajuda na autoestima [...] Melhorou também no aspecto de eu ter conseguido me libertar mais da minha timidez, que era muita. Ajudou-me um bocadinho a desabrochar, a conseguir falar melhor com as pessoas. Não ter medo de falar, de agir, da reação da outra pessoa.

Bianca e Bruno destacam que "como pessoas crescemos porque desenvolvemos intelectualmente mais, desinibimos mais". Eles enfatizam que isso ocorreu sobretudo com Bianca, pois ela era muito tímida, não tinha autoconfiança e segurança, já que viveu quase 20 anos presa ao núcleo familiar. Bianca explica que as idas aos clubes, o convívio com outros casais, o emprego e o atual casamento ajudaram a transformá-la "sem dúvida em uma outra mulher, que consegue se desenrascar sozinha".

Outro benefício inesperado do swing parece ser no âmbito profissional. Duas das minhas informantes destacam este aspecto. Renata diz que com frequência precisa conversar com os pacientes sobre sexo e eles não se sentem à vontade. O swing ajuda a tratar do assunto com mais naturalidade e abertura. Já Gabriela, advogada, afirma que aumentou sua capacidade de avaliar as pessoas e, hoje em dia, consegue perceber a personalidade de alguém apenas pela postura física.

Torna-te uma pessoa muito mais desinibida em todos os aspectos. Quando tu tens a questão sexual, que é uma questão muito importante na vida do ser humano... e não estou a falar de taradices, nem ninfomaníacos, nem nada disso... quando tu estás bem com a tua sexualidade, tu encaras... mesmo a sua própria vida profissional... e tudo mais... encaras bem, naturalmente, com calma. Até muitas vezes com um sorriso nos lábios... não fazes tragédias de muita coisa que às vezes acontece à sua volta. Reages sempre com alguma calma porque crias outro tipo de maturidade.

O casal Marcela e Milton foi o que mais abordou os benefícios do swing:

Nos ajudou porque éramos muito fechados. [...] Começou a ficar uma vida vazia [...] Temos encontrado casais espetaculares que nos têm tirado da nossa casca, da nossa redoma. [...] A gente vinha do emprego, estávamos em casa, víamos televisão, víamos telenovelas... Portanto, era para fugir da rotina do dia a dia, não era para fugir da rotina do casamento. [...] Fomos a uma discoteca de lésbicas e gays. Nunca tínhamos ido. [...] O swing veio a abrir um bocadinho o nosso horizonte. [...] Numa questão sexual mudou mais o atrevimento... Quando estamos no nosso ninho somos um bocadinho feticheiros, fazemos umas fantasias.

É interessante perceber que as mulheres são as que mais destacam mudanças em nível individual. É como se o swing permitisse a elas ter acesso a uma parte da esfera pública que sempre pertenceu aos homens, ajudando a transformar a sua maneira de lidar com diferentes aspectos da vida. Para Giddens (1996GIDDENS, Anthony. 1996. Transformações da Intimidade: sexualidade, amor e erotismo nas sociedades modernas. Oeiras: Celta Editora.), a separação entre a sexualidade e sua conexão com a reprodução, o parentesco e as gerações é denominada sexualidade plástica. Esta seria uma sexualidade descentrada, sem relação com as suas antigas funções e desligada da sua subserviência ao poder diferencial entre os sexos. É uma sexualidade na qual o prazer e o gosto sexual são os únicos determinantes.

Segundo o autor, a sexualidade plástica teve origem nas tendências iniciadas nos finais do século XVIII para controlar a dimensão da família, mas só se desenvolveu definitivamente a partir dos métodos contraceptivos e, posteriormente, das novas tecnologias reprodutivas. Neste sentido, o discurso das informantes parece indicar que o swing faz com que a sexualidade feminina se torne propriedade das próprias mulheres, atuando no seu processo de autonomia, reflexão da autoidentidade e na maneira de estar no mundo.

Feminilidade e masculinidade

O que caracteriza ser mulher ou ser homem no swing? O caráter liberal da prática influencia rupturas ou ressignificações das identidades de gênero? Em meados dos anos 1970 houve uma explosão de estudos antropológicos sobre a sexualidade que buscavam uma definição para o gênero a partir do construcionismo social e não do determinismo biológico.

Um dos marcos iniciais desta abordagem foi o conceito de "sistema sexo/gênero" desenvolvido por Gayle Rubin: "conjunto de medidas mediante o qual a sociedade transforma a sexualidade biológica em produto da atividade humana e essas necessidades sexuais transformadas são satisfeitas" (in Vance, 1995VANCE, Carole. 1995. "A antropologia redescobre a sexualidade: um comentário teórico". Physis. Vol. 5, nº 1, p. 7-31.:11). Desta forma, Rubin estabelece que o sexo (masculino/feminino) seria natural, biológico, enquanto o gênero (homem/mulher) seria uma elaboração sociocultural. A antropóloga analisa como uma matéria-prima (sexo) é transformada em um produto (gênero) pelo aparato social e de que maneira isso contribui para a domesticação e a submissão das mulheres.

Posteriormente, a própria Rubin (in Vance, 1995VANCE, Carole. 1995. "A antropologia redescobre a sexualidade: um comentário teórico". Physis. Vol. 5, nº 1, p. 7-31.) sugere a desconstrução do sistema sexo/gênero, considerando que ambos correspondem a domínios distintos e, portanto, necessitam de estruturas explicativas independentes. O construcionismo social que havia desafiado os modelos antropológicos tradicionais passa a ser questionado por aparentemente pressupor uma dicotomia de gênero incontornável que se estabelece a partir de diferenças biológicas de tipos essencialistas (Vale de Almeida, 2003VALE DE ALMEIDA, Miguel. 2003. "Antropologia e Sexualidade - Consensos e conflitos teóricos em Perspectiva histórica". In: FONSECA Lígia; SOARES, Catarina & VAZ, Júlio Machado (orgs.). A sexologia, perspectiva multidisciplinar. Vol. 2. Coimbra: Quarteto. p. 53-72.).

Butler (1990BUTLER, Judith. 1990. Gender Trouble: feminism and the subversion of identity. New York: Routledge.), atualmente um dos nomes mais referenciados nas teorias sobre o gênero, baseia sua abordagem em duas críticas à teoria feminista: a primeira diz respeito à utilização inapropriada do termo "mulher" por considerá-lo uma ficção regulatória e não uma unidade natural, além de produzir uma falsa ideia de estabilidade. A segunda rejeita as categorias binárias por serem conceitos que pensam as identidades como fixas. Butler (1990) propõe o repensar das noções de sexo e gênero já que, para ela, ambos são construídos discursiva e culturalmente.

Adicionalmente, a autora defende que o gênero não é reflexo do sexo e que estes não necessariamente possuem uma ligação direta entre si. Para ela, o gênero é derivado de significados culturais assumidos pelo corpo sexuado, é proveniente de uma sequência de atos e gestos performáticos que originam significados. Ele é, portanto, algo produzido, móvel e que se transforma em um "artifício de livre flutuação com a consequência de que homem e masculino podem, tão facilmente, significar um corpo feminino como um masculino, e mulher e feminino podem com a mesma facilidade significar tanto um corpo masculino como um feminino" (Butler, 1990BUTLER, Judith. 1990. Gender Trouble: feminism and the subversion of identity. New York: Routledge.:6).

Durante a etnografia e as entrevistas, percebi que a estrutura binária do gênero é prevalecente no meio swinger e, com frequência, atua como um fator proibitivo para determinadas rupturas. Outras vezes, no entanto, esta fronteira é ultrapassada fazendo com que mulheres e homens adotem comportamentos, práticas e valores relacionados socioculturalmente ao universo "do outro". Bianca explica a dificuldade enfrentada para aceitar o swing:

Não é aceito socialmente [...] Ninguém dá a sua mulher... a mulher que ama, para outro homem ter sexo. A nossa sociedade pensa assim, não é?! [...] Isso foi uma das coisas que eu pensei muitas vezes no início: 'se nós não fôssemos swingers, será que estávamos juntos?'... 'não estás comigo só porque aceito esse mundo?'... E vindo eu de uma família tão conservadora... Teve um bocado de confusão na minha cabeça... 'Eu vou meter-me nisso aqui?!'... 'Se ele realmente gostasse de mim, não me pedia para vir para aqui' [...] Mas isso foi só no início. Depois de entrar, de conhecer e ver como é que isso realmente funciona, as coisas mudaram.

Já Gabriel acredita que a comunidade swinger poderia ser muito maior se as mulheres tivessem socialmente a mesma liberdade que os homens em demonstrar interesse por este tipo de atividade. Segundo ele, uma das razões para a iniciativa ser quase sempre do homem (Silvério, 2014aSILVÉRIO, Maria. 2014a. Swing: Eu, Tu... Eles. Lisboa: Chiado.; Silvério, 2014bSILVÉRIO, Maria . 2014b. "Swing em Portugal: uma interpretação antropológica da troca de casais". Etnográfica. Vol. 18 (3), p. 551-574.; Bergstrand & Sinski, 2010BERGSTRAND, Curtis R. & SINSKI, Jennifer Blevins. 2010. Swinging in America: love, sex and marriage in the 21st century. Santa Barbara: Praeger ABC-CLIO.; Von der Weid, 2008VON DER WEID, Olívia. 2008. Adultério Consentido: gênero, corpo e sexualidade na prática do swing. Dissertação de Mestrado, Unversidade Federal de Rio de Janeiro, Brasil.; Jenks, 1998 JENKS, Richard. 1998. "Swinging: a review of the literature". Archives of Sexual Behavior. Vol. 27, nº 5, p. 507-521) é o fato de ele não ficar mal visto ao fazer tal proposta, já que para a sociedade "a mulher que tem vários homens é uma puta e o homem que tem várias mulheres é um mulherengo".

Um casal de informantes mostra que romper os vínculos com os papéis tipicamente femininos ou masculinos pode ser muito mais complicado do que se pensa, algo também constatado por Von der Weid (2008VON DER WEID, Olívia. 2008. Adultério Consentido: gênero, corpo e sexualidade na prática do swing. Dissertação de Mestrado, Unversidade Federal de Rio de Janeiro, Brasil.) no universo swinger brasileiro. O marido diz que se descobriu cuckold (homem que sente prazer ao ver a sua mulher com outro homem) e explica que imaginar isso o faz sentir ciúmes e medo que atuam como adrenalina excitante. No entanto, ele ainda não sabe se está preparado para isso acontecer e se refere a seu fetiche como algo "esquisito", "difícil de explicar", "que eu próprio não compreendo". Segundo ele, possivelmente seria muito mais fácil se o desejo fosse ver a esposa com outra mulher, pois é isso que acontece com a maioria dos homens.

A dificuldade de meu informante pode ser explicada a partir do significado de "ser homem" na interação social. De acordo com Vale de Almeida (1995VALE DE ALMEIDA, Miguel . 1995. Senhores de Si: uma interpretação antropológica da masculinidade. Lisboa: Fim de Século.), isto não se reduz apenas aos caracteres sexuais, mas a um conjunto de atributos morais de comportamento que é socialmente sancionado. Este conjunto é constantemente negociado, reavaliado e relembrado, fazendo com que "ser homem" seja um processo contínuo de construção. Neste sentido, "ser homem" na nossa cultura ainda está associado a ser dominador e ter várias parceiras sexuais, fazendo com que a figura do cuckoldseja uma ameaça a esse processo.

Paralelamente, a esposa deste informante diz que se sente mal em se envolver sexualmente com outros homens e que seria mais fácil ter relações com mulheres no swing, mesmo sendo heterossexual. Ela então explica: "eu não sei muito bem por que... talvez o modelo de minha mãe. Ela sempre foi uma pessoa perfeitamente dedicada ao meu pai [...] Eu não sei de onde isso vem... Talvez tenha a ver com essa história de religião... pelo meu corpo... a minha intimidade não é para qualquer pessoa... é uma coisa sagrada para mim...". Assim como o marido, a esposa mostra que também não conseguiu romper com papéis tradicionais de gênero que esperam devoção feminina e atribuem às mulheres a função social de esposa e mãe.

Por outro lado, também é possível perceber que alguns comportamentos e características atribuídos a determinado gênero são ressignificados ou negados no meio swinger. Dos 12 informantes, 10 acreditam que homens e mulheres possuem os mesmos instintos e impulsos sexuais. Somente o casal descrito acima atribui ao sexo masculino mais apetite sexual. Outro aspecto diz respeito à emotividade. Como enfatiza Vale de Almeida (1995VALE DE ALMEIDA, Miguel . 1995. Senhores de Si: uma interpretação antropológica da masculinidade. Lisboa: Fim de Século.), as sociedades ocidentais pós-iluministas têm associado a emoção à feminilidade e a razão à masculinidade de maneira quase taxativa.

Desta forma, se as mulheres fossem "naturalmente" mais emotivas, sentimentais e afetuosas que os homens, as swingers teriam extrema dificuldade em serem adeptas da prática, já que uma de suas características principais é a separação entre sexo e amor. Não é exatamente isso que os informantes mostram. Das 12 pessoas, somente uma mulher e dois homens comentaram que têm dificuldade em fazer esta separação. Um destes homens explica:

Eu tenho uma ideia muito particular que julgo que seja 50% e 50%. E eu pertenço àqueles 50% que não consigo ter nada com ninguém se não sentir um carinho, se não sentir nenhum afeto... sim, ok... um afeto. Portanto, se não sentir e não tiver nada dentro desses parâmetros, dessas coisas... não se consegue ter nada com uma outra pessoa que seja útil para nós. Útil no sentido de gostarmos ou transmitirmos também algum carinho, algum afeto à outra pessoa, não é?! Há pessoas que utilizam a outra pessoa no swing como um objeto... eu acho errado...

Já sua esposa afirma:

Para mim, com o devido respeito, tudo que entra em um casal tem que entrar como um objeto... se criam laços, o casamento vai ruir. [...] Mas isso porque eu ponho a razão por cima da emoção... também sou diferente, não é?! O grande problema que sempre tive com ele é exatamente este... É que ele tem que ter ligação, já eu não... nem quero. [...] E com quem eu tenho ligação, nunca tenho nada. [...] Ele é dos seres humanos mais bonzinhos que já conheci na minha vida. Não há maldade naquilo... e ele entende que o ser humano deve ser tratado com respeito, com sentimento, com aquilo tudo... Tudo bem, eu concordo com isso... "não fiques agora a pensar que sou uma cabra!"... Mas, para mim, nestes meios, não.

Outro casal explica:

[Ela]: Eu sou muito fria. Eu não gosto, por exemplo, quando a gente está em um clube de swing e vai para um privado... o que acontece no privado não tem que vir cá para fora. Aqueles beijos... aqueles... para mim é muito... A gente só está ali por sexo... não estamos ali por carinho porque carinho eu tenho em casa, não é?! Então é por sexo, mais nada... É chegar ali e arrumou e vem embora... e se for preciso, eu nem sequer conheço o homem mais. É por sexo. [...]

[Ele]: Mas foi complicado porque como ela é muito mais fria do que eu neste aspecto... eu preciso aquecer... Não é chegar ali e... "bora?!"... Tem que haver uma sedução, tem que haver antes alguma coisa... E era complicado, porque se não havia esses espaços todos, o mais certo era eu entrar no local onde fôssemos fazer sexo e não conseguir excitar-me... Mas pronto... Eu hoje acho que já não sou tão quente como era... não preciso aquecer tanto, mas ela também já não é tão fria, tão pragmática como antes.

Estes depoimentos deixam claro que os maridos não associam emoção ao domínio feminino e, inclusive, não veem muito sentido em um ato sexual que não envolva carinho e afeto. Os informantes, assim, incorporam o universo do amor romântico introduzido na nossa cultura na era industrial que, segundo Luhmann (1991LUHMANN, Niklas.1991 [1982]. O amor como paixão: para a codificação da intimidade. Lisboa: Difel.), consagra a interdependência entre sexualidade e amor.

Para Giddens (1996GIDDENS, Anthony. 1996. Transformações da Intimidade: sexualidade, amor e erotismo nas sociedades modernas. Oeiras: Celta Editora.), o amor romântico é totalmente assimétrico em termos de poder e corresponde ao amor no feminino, já que o seu lugar é em casa e o espaço doméstico pertence às mulheres. Estas swingers, no entanto, parecem não ter dificuldade em romper com este ideal e "usar" os outros somente para satisfazer os seus desejos sexuais, algo tradicionalmente associado ao universo masculino. Em sua pesquisa, Von der Weid (2008VON DER WEID, Olívia. 2008. Adultério Consentido: gênero, corpo e sexualidade na prática do swing. Dissertação de Mestrado, Unversidade Federal de Rio de Janeiro, Brasil.) encontrou realidade semelhante entre as swingers brasileiras entrevistadas.

Exatamente estes dois casais nos quais os homens têm dificuldade em separar sexo e amor enfrentaram uma consequência indesejada no swing. Eles se envolveram com uma single feminina por um período mais prolongado e as singles, bem como um dos informantes, desenvolveram laços emocionais. Um dos casais diz que a situação foi rapidamente resolvida, e a outra esposa explica que saiu "psicologicamente maltratada do episódio" e, por isso, o casal ainda não voltou a se envolver com uma single. Ela garante, no entanto, que isso não ameaçou o casamento.

Durante a etnografia, um swinger explicou que considera mais provável e comum as pessoas se apaixonarem no ambiente de trabalho do que no swing, pois elas convivem por muito mais tempo, se conhecem melhor e não conseguem controlar os desejos proibidos. Outra estratégia para evitar este tipo de problema, segundo um casal de informantes que estabelece laços de amizade com outros casais, é escolher bem com quem se envolver. Eles explicam que utilizam critérios, como casais maduros que estão juntos há muitos anos, que têm filhos, que possuem sintonia etc.

Esta preocupação pode ser analisada a partir do que Heilborn (2004HEILBORN, Maria Luiza. 2004. Dois é par: gênero e identidade sexual em contexto igualitário. Rio de Janeiro: Garamond.) chamou de "feminização" do relacionamento. Segundo a autora, a regra sociológica da conjugalidade contemporânea é a mutualidade, ou seja, ao invés da noção de complementaridade, o casal é regido por princípios de igualdade e simetria, por um tipo de trocas em que a mesma dádiva dada é também recebida. Este casal é denominado pela autora de casal igualitário, e isto implica a rejeição da demarcação de papéis de gênero. Neste sentido, Heilborn (2004HEILBORN, Maria Luiza. 2004. Dois é par: gênero e identidade sexual em contexto igualitário. Rio de Janeiro: Garamond.) explica que a conjugalidade igualitária exige que os homens se aproximem de dois domínios conjugais considerados estritamente femininos na conjugalidade patriarcal: o trabalho doméstico e o investimento emocional na relação.

Nos meus informantes, este investimento é notório por parte de ambos os cônjuges, assim como também foi identificado por Von der Weid (2008VON DER WEID, Olívia. 2008. Adultério Consentido: gênero, corpo e sexualidade na prática do swing. Dissertação de Mestrado, Unversidade Federal de Rio de Janeiro, Brasil.). Um dos swingers portugueses explica que é necessário ter muito cuidado com o outro e com a relação, pois esta "é uma permuta constante... uma ajuda constante e precisa ser alimentada todos os dias e nas coisas mais insignificantes [...] Não é porque fazemos anos que devemos oferecer uma coisa ao outro. Não... façamos todos os dias". Outro marido conta que quando o casal se chateia "os dois não querem dar o braço a torcer" e ele toma a iniciativa de conversar com a esposa e tentar resolver a situação em nove de cada dez vezes.

O próprio swing parece ser o ponto crucial de investimento e cuidado por parte de ambos na relação. A prática é encarada como uma maneira de aproximar e fortalecer ainda mais o casal e só existe através de consentimento. Portanto, exige diálogo, negociação constante, confiança e respeito mútuos. Além disso, existem riscos que solicitam igual dedicação dos dois companheiros a fim de preservar o relacionamento.

Hetero, homo e bissexualidade

"Onde tudo é permitido e nada é obrigatório". Este lema internacional do swing é utilizado para mostrar o caráter liberal e hedonista da prática, o que não significa um universo sem regras. O lema, no entanto, é questionável no que diz respeito à bissexualidade masculina, prática sobre a qual não existe uma norma proibitiva explícita, mas parece estar claramente definida no imaginário dos swingers. Todos sabem que somente a bissexualidade feminina é aceita e bem vinda nos clubes, ao menos na frente dos outros.

Durante a etnografia e as entrevistas, ouvi diversas explicações para isso que podem ser agrupadas da seguinte maneira: os que dizem não saber a razão, mas saberem apenas que é assim; os que afirmam que provavelmente é porque é feio e agressivo ver dois homens juntos, enquanto ver duas mulheres é delicado e bonito; por fim, os que consideram ser um reflexo dos valores culturais do "macho", caracterizando-se como uma contradição e hipocrisia do swing.

Para Vale de Almeida (1995VALE DE ALMEIDA, Miguel . 1995. Senhores de Si: uma interpretação antropológica da masculinidade. Lisboa: Fim de Século.), assim como a fissura entre as categorias de homem e mulher é central para a dinâmica do poder patriarcal, no caso dos homens a divisão primordial é entre masculinidade hegemônica e várias outras masculinidades subordinadas. Neste sentido, o autor explica que o que está em jogo não é o papel masculino, mas sim uma variedade específica de masculinidade que se sobrepõe a outras variedades.

O autor afirma que a masculinidade hegemônica exige um autocontrole, ou vigilância, elevado, aplicando-se ao modo de falar e de usar o corpo, ao que se diz, à roupa, dentre outros domínios de interação. Vale de Almeida (1995VALE DE ALMEIDA, Miguel . 1995. Senhores de Si: uma interpretação antropológica da masculinidade. Lisboa: Fim de Século.) acrescenta que ser homem é sobretudo algo do nível discursivo e do discurso enquanto prática, existindo uma longa distância entre o que se diz e o que se faz. Além disso, a masculinidade assenta-se fortemente nos aspectos sexuais, fazendo com que a associação à homossexualidade seja uma das ameaças mais comuns a esta hegemonia. O depoimento de um dos meus informantes ilustra bem esta questão:

Eu sou tarado! Uma coisa que me satisfaz é a parte do sexo. De qualquer maneira que seja... Hétero... [a palavra é pronunciada com ênfase]. Gosto de me informar, de saber posições... Eu tenho interesse por uma série de coisas, mas o único tema que me levou até a querer pesquisar sobre o assunto foi o tema do sexo... Querer saber sempre mais e fazer mais... de maneira variada [...]. Por isso é que sempre fui naquela de nunca dizer não a uma ciência que inicialmente desconheço... Só há uma coisa que estou seguro e sei que não hei de querer... É a parte do homo... Porque estou seguro daquilo que eu gosto e... ver homens juntos não me excita... Ver duas mulheres juntas excita-me. E me ver com uma mulher me excita ainda mais... Logo, sei que a partida... em partes assim mais para o bi, comigo não funciona. O interesse termina por ali... Não tenho qualquer problema em ver dois homens juntos [...]. Simplesmente neste nível eu preferiria manter-me à parte.

Um pouco mais adiante na entrevista, o informante conta que ele e a parceira estiveram com um casal em que o homem disse que "virou bi" porque teve dificuldades em ter ereção em uma determinada situação e foi o outro homem que conseguiu excitá-lo. "Ele teve uma experiência e gostou. Foi basicamente isso. E aí apercebeu-se... 'olha, afinal eu até gosto'. Portanto, antes não sabia porque nunca tinha experimentado". Mesmo assim, o informante garante que sabe muito bem do que gosta e não tem interesse em experimentar. Ele e a parceira, assim como todos os swingers que conheci, disseram que a bissexualidade masculina é comum no swing, mas somente às escondidas e com pessoas de confiança. É interessante observar também que somente "os outros" são bissexuais.

Apenas um dos informantes admitiu já ter se envolvido com outros homens. Na opinião dele, é normal existir curiosidade em relação ao mesmo sexo tanto para homens quanto para mulheres, e o meio swinger deveria ser o local onde isso pudesse acontecer sem problemas. No entanto, "nós, os homens, desde miúdos somos os machos, não é?! Fica mal ser... 'aquele é paneleiro, aquele é maricas'... É depreciativo". Ele explica que tinha esta curiosidade mesmo antes de ser swinger e foi um momento de insegurança, de dúvidas e vergonha de contar à companheira. Esta, por sua vez, "no início ficou um pouco chocada, mas depois passou da fase... talvez por ter visto que eu tinha essa curiosidade, ela passou a excitar-se com isso também". O casal então explica:

[Ele]: Realmente o que nos atrai é o sexo oposto. Ponto. Pode haver no meio daquele calor todo um toque, pode haver...

[Ela]: Pode haver um beijo...

[Ele]: Beijo?!... beijo, eu nunca beijei um homem na vida... Isso é por acaso...

[Ela]: Está fora de questão... também acho que é uma coisa que... já vimos em Espanha, mas não...

[Ele]: Mas isso não... Mas já fiz sexo oral e já gostei... mas também já fiz sem gostar. Portanto... cheguei à conclusão que é um bocado aquilo que ela está a dizer...

[Ela]: Tem que haver qualquer coisa, tem que haver a tal química, não é?! Não havendo, não faz sentido sequer [...].

[Ele]: Se tiver aí um homem, eu não tenho desejo nenhum de estar com ele, de trocar carícias, por exemplo... É mesmo só sexo.

[Ela]: Uma coisa não tem nada a ver com a outra. É totalmente diferente.

Esta questão pode estar começando a mudar no meio swinger português. Um casal de informantes afirma que a bissexualidade masculina está ganhando espaço nas saunas, já que muitos singlesmasculinos frequentam o ambiente e possibilitam aos casais realizarem esta fantasia. Os informantes explicam, no entanto, que ainda assim a bissexualidade masculina só ocorre a portas fechadas e os homens casados "não confessam a bissexualidade deles. Para eles, eles são só machos" e utilizam "a capa" de que vão às saunas para satisfazer a fantasia da esposa de estar com um single. Na etnografia, não presenciei nenhum envolvimento, insinuação ou demonstração de desejo entre dois homens. Já as mulheres dançam agarradas, trocam carícias, beijos e se masturbam nos espaços coletivos.

Alguns swingers afirmam que isso vem acontecendo somente de alguns anos para cá. Um dos informantes comenta que "até se põe a questão que se as mulheres não são bissexuais, não têm muito sucesso no swing". Pergunto se ele concorda, e ele responde que "é verdade... Não é 100%, mas corresponde à verdade. Quando o membro feminino não é bissexual, não consegue desenvolver um swing nem a 75%".

Na minha pesquisa, no entanto, apenas uma informante se disse bissexual, uma se considera bicuriosa (segundo ela, quando existe a vontade de experimentar atos sexuais, mas não há a probabilidade de amar outra mulher) e quatro afirmam ser heterossexuais. Mas é interessante perceber que a orientação sexual das mulheres swingers não é tão rígida quanto essas categorias designam. A única informante bissexual, por exemplo, repetiu diversas vezes durante a etnografia que era "bi" e com frequência ressaltou o tipo físico feminino que mais lhe agrada. Na entrevista, precisei confirmar esta alegação e obtive como resposta:

Não... Eu antes achava que era. Vamos ver se consigo explicar isso... se calhar até sou, pronto. Eu não me importo de estar com uma mulher, mas essa mulher tem que me dizer algo... Não tem a ver com grandes mamas... não tem nada a ver com isso. Tem a ver com empatias... Ao fim e ao cabo, com empatias... Não me custa rigorosamente nada estar com uma mulher [...]. Eu ouço tanto as pessoas falarem da bissexualidade que... se eu for analisar as coisas bem friamente... Ora, se não me importo de estar com uma mulher, então eu sou bissexual, certo?! Mas vou mais além disso. Eu penso assim... se eu tivesse que definir... homem ou mulher... eu preferiria logo o homem... sem dúvida [Pergunta: E você acha que conseguiria se apaixonar por uma mulher ou é só uma questão sexual?] É só uma questão sexual. Sem dúvida nenhuma. Certeza plena.

Já no caso das quatro informantes heterossexuais, somente uma diz que é exclusivamente heterossexual e enfatiza que para ela "está fora de questão" se relacionar sexualmente com outras mulheres. As outras três não têm problemas com isso. Este aspecto do meio swinger suscita um debate interessante sobre identidade, desejo e prática sexuais.

Butler (1990BUTLER, Judith. 1990. Gender Trouble: feminism and the subversion of identity. New York: Routledge.) afirma que nas nossas sociedades a heterossexualidade é entendida como um sistema total e fechado, excluindo a possibilidade de sua ressignificação. Para ela, existe uma ordem heterossexual compulsória que impõe uma coerência absoluta entre sexo, gênero e desejo, fazendo com que a heterossexualidade seja assumida como presumida. A autora defende, no entanto, que já que o sexo e o gênero são construídos culturalmente, não há qualquer razão para uma relação necessária entre o gênero e o corpo. Deste modo, podemos dizer que identidade, desejo e prática sexuais não precisam ser fixos, rígidos e radicalmente determinados.

No caso dos meus informantes, o único homem que já se envolveu com outros homens, a mulher que tem dúvidas se é bissexual, a que se considera bicuriosa e as três heterossexuais sustentam exatamente a mesma posição: envolvem-se no swing em atos homossexuais em busca de mais prazer, mas não conseguem desenvolver uma relação amorosa com alguém do mesmo sexo.

Neste contexto, a heterossexualidade compulsória alegada por Butler (1990BUTLER, Judith. 1990. Gender Trouble: feminism and the subversion of identity. New York: Routledge.) parece atuar com muito mais força sobre os homens do que sobre as mulheres. A bissexualidade feminina no swing aparenta estar associada ao desejo e à prática, e não à identidade sexual. O fato de desejar outras mulheres ou se envolver em atos homossexuais não significa uma ameaça à heterossexualidade ou à feminilidade, demonstrando flexibilidade e fluidez das categorias.

Já no caso dos homens, a correlação sexo-gênero-desejo-prática é evidente, e a ruptura em público com esta ligação leva a apenas uma possibilidade: a identidade homossexual. Em âmbito privado, no entanto, esta rigidez pode ser rompida, demonstrando a busca de alguns homens swingers para contornar a norma compulsória e os ideais masculinos hegemônicos, a fim de atenderem a seus desejos individuais.

Das minhas seis informantes, cinco dizem não ter problemas em se envolver com outras mulheres. Uma questão importante é saber se o desejo parte delas ou dos maridos, algo que poderia indicar a submissão feminina. Somente uma mulher diz abertamente que o marido sempre teve essa fantasia, e ela quis dar esse prazer a ele. Segundo ela, o desejo dele é anterior à entrada deles no swing e neste universo ela experimentou, "pois quis ver se realmente é bom... Há quem diga que é uma maravilha e eu quis ver, quis experimentar [...]. E, sinceramente, não senti prazer nenhum [...]. Experimentei uma e não gostei... 'se calhar é a pessoa que não diz nada'... Fui experimentar outra. A sensação foi a mesma".

Já no caso das outras quatro mulheres, duas não especificaram se se iniciaram em atividades homossexuais por vontade do marido ou por conta própria. As outras duas afirmam que o interesse parte delas, e um dos companheiros até brinca que "volta e meia estou a olhar para a rapariga que está a passar e eu olho para ela [a esposa] e ela também está a olhar... fico com medo de ela gostar demais!".

Alguns estudos (Silvério, 2014aSILVÉRIO, Maria. 2014a. Swing: Eu, Tu... Eles. Lisboa: Chiado.; Silvério, 2014bSILVÉRIO, Maria . 2014b. "Swing em Portugal: uma interpretação antropológica da troca de casais". Etnográfica. Vol. 18 (3), p. 551-574.; Bergstrand & Sinski, 2010BERGSTRAND, Curtis R. & SINSKI, Jennifer Blevins. 2010. Swinging in America: love, sex and marriage in the 21st century. Santa Barbara: Praeger ABC-CLIO.) detectaram que o alto índice de bissexualidade feminina no swing ocorre, na maioria das vezes, devido à vontade ou ao incentivo do marido. Durante a etnografia, alguns dos informantes disseram concordar com esta afirmação. Esta questão propicia uma análise interessante sobre o meio.

Por mais que as mulheres inicialmente se envolvam homossexualmente por incentivo do marido, ou muitas vezes do próprio ambiente, os relatos das swingers normalmente demonstram que elas continuam com estas práticas porque gostam e sentem prazer. Neste sentido, o swing possibilita às mulheres descobrirem alguns aspectos de sua sexualidade e maneiras diferentes de obter prazer, características também apontadas por Von der Weid (2008VON DER WEID, Olívia. 2008. Adultério Consentido: gênero, corpo e sexualidade na prática do swing. Dissertação de Mestrado, Unversidade Federal de Rio de Janeiro, Brasil.) no contexto brasileiro. A minha informante que assumiu ter experimentado atos homossexuais para atender ao desejo do marido, por exemplo, afirma que ainda pretende se envolver com outras mulheres para verificar se, de fato, não sente prazer neste tipo de experiência ou analisar se foi apenas uma questão de incompatibilidade.

Já a única informante exclusivamente heterossexual diz que ela e o marido não têm relações com outros casais há muito tempo porque a maioria espera um envolvimento entre as mulheres. O casal, então, optou por frequentar as saunas para que ela possa ter relações sexuais com singles masculinos, "às vezes 8, 10...12 ao mesmo tempo".

O ambiente swinger, portanto, permite que as mulheres vivenciem a sexualidade de forma mais livre e propicia a experimentação de práticas sexuais que fora daquele contexto ainda são uma ameaça à reputação feminina. No swing, a respeitabilidade e a virtuosidade que ainda são socialmente esperadas das mulheres são deixadas de lado, e elas passam a desfrutar da permissividade que sempre foi dada aos homens. E se do lado de fora o marido em muitos casos é o principal interessado em uma "mulher respeitável", no swing ele é o principal incentivador e cúmplice.

Ao contrário das mulheres, os homens swingers ainda precisam reafirmar a sua masculinidade para si mesmos, para a companheira e os outros. O fato de estarem com a esposa não significa que são "homens de verdade" e, portanto, uma série de fantasias, curiosidades e possibilidades são aniquiladas ou vivenciadas às escondidas. Segundo Giddens (1996GIDDENS, Anthony. 1996. Transformações da Intimidade: sexualidade, amor e erotismo nas sociedades modernas. Oeiras: Celta Editora.:11), na contemporaneidade, "a 'sexualidade' foi descoberta, exposta e tornada acessível ao desenvolvimento de diferentes estilos de vida. É algo que cada um de nós 'tem' ou cultiva e deixou de ser uma condição natural adquirida". No contexto swinger, esta sexualidade parece ser uma realidade atingível para as mulheres, enquanto os homens aparentam ser as principais vítimas da masculinidade hegemônica no que diz respeito à identidade, ao desejo e à prática.

Considerações finais

Apesar do lema "onde tudo é permitido e nada é obrigatório", o swing pode ser visto como um universo paradoxal e antagônico onde homens e mulheres dispostos a adotar um estilo de vida mais hedonista entram em conflito com valores tradicionais adquiridos ao longo da vida. Neste sentido, considero que o swing pode ser caracterizado como uma prática em que predomina a heteronormatividade liberal.

Por um lado, práticas homossexuais femininas são aceitas e, com frequência, ocorrem por incentivo do marido. Isto não coloca em dúvida a identidade sexual feminina. Por outro, o envolvimento sexual entre dois homens é um tabu, pois automaticamente é considerado como uma ameaça à heterossexualidade de todos os homens swingers. A iniciativa é majoritariamente masculina e muitas mulheres ainda aderem por pressão do marido. Muitas, no entanto, entram para o swing por vontade própria e têm a possibilidade de vivenciar sua sexualidade de forma mais livre e experimental do que os homens, que ainda estão presos aos preceitos da masculinidade hegemônica.

Mesmo com estas ambiguidades, é possível afirmar que o discurso e a experiência dos casais swingers apontam para uma aproximação aos ideais contemporâneos de sexualidade, gênero e conjugalidade: igualdade, respeito, reciprocidade, sinceridade, confiança, comunicação aberta e uma sexualidade voltada para o prazer. Desta maneira, casais guiados por estes valores contemporâneos conseguem usufruir do swing de forma equilibrada e igualitária. Já os casais que se orientam por valores conjugais e de gênero hierárquicos encontram no swing uma maneira de reproduzir e perpetuar estes princípios.

O swing pode ser considerado, assim, como uma espécie de modelo conjugal que tenta encontrar um equilíbrio entre os preceitos do complexo do amor romântico e das conjugalidades contemporâneas. Embora os swingers tenham assumido que não seja possível encontrar em uma única pessoa a totalidade e a complementaridade prometidas pelo amor romântico, eles somente estão dispostos a ir atrás deste preenchimento na companhia da pessoa que um dia julgaram ser capaz de lhe oferecer tudo o que buscavam no âmbito afetivo-sexual.

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  • 1
    Os nomes dos informantes desta pesquisa são fictícios e foram escolhidos aleatoriamente para preservar a identidade dos entrevistados. A definição acerca dos casais participantes deu-se, principalmente, pela disposição dos mesmos em participar da pesquisa. Em seguida, foi dada preferência a casais mais velhos que estão juntos há algumas décadas e, portanto, vivenciaram primeiramente um longo período de conjugalidade monogâmica antes de entrarem para o swing. A amostra engloba, sobretudo, pessoas com nível financeiro estável e ocupação profissional que vai de médicos, advogados e empresários a secretárias e desempregados. A diferença de idade de um casal para o outro é de aproximadamente 10 anos, o homem mais velho com 66 anos e a esposa 63, enquanto o casal mais novo tem 28 anos (homem e mulher).
  • 2
    Os dados incluem a resposta de 1.023 swingers, sendo 704 homens e 319 mulheres.
  • 3
    O autor conduziu uma pesquisa com mais de 100 não swingers e mais de 300 swingers. Para chegar ao resultado, ele comparou todas as respostas.
  • 4
    A maior parte dos dados, sobretudo acerca da quantidade de clubes e praticantes de swing, não é oficial e por isto pode ter imprecisões. Como a prática do swing ainda acontece às margens da sociedade, é muito difícil apurar as informações com exatidão. Além disso, o número de casais e singles que aderem ou abandonam a prática diariamente e os clubes que abrem ou fecham as portas são praticamente imensuráveis nessas circunstâncias e podem variar com bastante frequência.
  • 5
    "The 'Lifestyle'-Real-Life Wife Swaps". Disponível em: http://abcnews.go.com/2020/ Health/story?id=2395727&page=1
  • 6
    O'Neill e O'Neill (1972) designaram o termo open marriage(casamento aberto) para contrapor ao casamento patriarcal moderno definido por eles como closed marriage (casamento fechado) por exigir exclusividade e totalidade dos cônjuges em todos os aspectos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2014

Histórico

  • Recebido
    20 Out 2014
  • Aceito
    27 Nov 2014
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