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Pretty Modern: beauty, sex, and plastic surgery in Brazil

RESENHAS

Ailton Santos

Doutorando em Saúde Coletiva. Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Bolsista do Programa de Bolsas de Estudos da Ford Foundation. Rio de Janeiro, Brasil. tsocial@ig.com.br

EDMONDS, Alexander. 2010. Pretty Modern: beauty, sex, and plastic surgery in Brazil. Durham and London: Duke University Press. 352 p.

No livro Pretty modern: beauty, sex, and plastic surgery in Brazil, Alexander Edmonds, professor assistente de antropologia na Universidade de Amsterdam, mergulha no universo da beleza construída pelas cirurgias plásticas no Brasil.

Para isso, realiza uma etnografia nas clínicas de cirurgia plástica e em sites, examinando criticamente as implicações da noção de "saúde estética" sublinhada na cura oferecida pela cirurgia plástica. Sua etnografia envolveu mulheres de diferentes classes sociais e artistas, recolhendo suas histórias de vida focadas nas modificações que elas fizeram em seus corpos e nos modelos de beleza predominantes no Brasil.

O perfil das pessoas entrevistadas por Edmonds é bem diversificado: estrelas pop famosas e socialites, empregadas domésticas que desejam a cirurgia plástica, moradores das favelas que sonham com modelagem para moda, mães solteiras que almejam esculpir o corpo erótico.

Seu texto apresenta um diálogo interessante, resultando em uma provocativa exploração do erótico, do comercial e de íntimos aspectos da beleza em uma nação com extremos de riqueza e pobreza e uma reputação de sensualidade natural. "As tensões entre estes ideais estéticos refletem maior ambivalência na trajetória do Brasil rumo à modernidade, uma civilização única, multicolorida e tropical, com um genioso sincretismo, e um 'embranquecimento' nacional, afastando-se da África, e como a cirurgia o coloca 'rumo à Europa'" (:26-27).

O livro tem duas linhas de investigação. A primeira questiona como o Brasil pode lançar luz sobre o significado da beleza como um domínio da experiência moderna. A segunda envolve o uso da beleza como uma lente para focar em algumas das tensões mais amplas na modernização do Brasil, incluindo as desigualdades profundas de mercado e de uma cultura próspera de consumo; uma identidade moderna, baseada na mistura racial e cultural e em uma nova afirmação de identidade política; e uma reputação de natural sensualidade, mas com altas taxas de medicina intervencionista sobre o corpo feminino.

O livro está organizado em três partes e a conclusão, cada uma focada em uma demanda principal da experiência moderna: medicina e psicologia; raça e nação; e gênero e sexualidade. Na parte I existem dois tipos de narrativas. A primeira fala da história de um novo fato social; o notável crescimento da indústria cosmética em um "país em desenvolvimento", ainda em uma relação periférica com os países centrais onde grande parte do capital e das tecnologias da beleza foi desenvolvida primeiro.

O autor examina como a "racionalidade terapêutica" para a cirurgia cosmética é combatida na clínica privada e nos hospitais públicos, onde ambos servem a uma população necessitada e providenciam treinamento para residentes em cirurgia plástica. A segunda linha de análise situa a cultura da beleza e a cirurgia plástica num quadro de amplas transformações sociais no Brasil modernizado, tais como: o nascer da mídia popular, a busca por uma identidade nacional autêntica e a importação de tecnologias médicas.

Quando discute a estética das raças, o autor analisa a ideia controversa de que o Brasil desfruta de formas de convivência racial harmônica que se encontram ausentes na maioria dos outros países. Para ele, esta ideia dominou os brasilianistas e as elaborações nacionalistas da moderna identidade durante todo o século 20. Edmonds destaca que, desde os anos 1960, um grande número de críticos e o crescente movimento negro têm desafiado essa visão de excepcionalidade racial, denunciando ainda que a democracia racial brasileira é um mito.

A segunda parte do livro aborda a cultura da beleza como um dos lados da "janela" sobre essa controvérsia (o mito da democracia racial) e a mudança do significado da cor no período pós-ditadura, quando pessoas negras queriam ser uma celebridade e aquilo que era consumido pela classe média havia se tornado um campo de identificação. Edmonds situa então a cirurgia plástica em relação ao cenário econômico, médico e psíquico do capitalismo tardio, concentrando-se em questões como o surgimento da mídia de massa, a busca pela identidade nacional autêntica e a importação de tecnologias médicas. Sua análise sugere como identificações de classe podem ser redefinidas e reformuladas na cultura da beleza.

Na terceira parte e na conclusão, o autor retoma os temas desenvolvidos no livro, analisando como gênero e sexualidade moldam as práticas médicas, a dinâmica do mercado e os modos de autogovernança já discutidos. Ao situar a cirurgia plástica em relação com uma ampla política econômica da reprodução feminina, Edmonds mostra como isso é normalizado como um aspecto da saúde feminina.

O pesquisador chama a atenção para o fato de que, enquanto as culturas da beleza refletem uma extensão das forças de mercado em novas esferas da experiência humana, as implicações desse processo para o desenvolvimento humano não se tornam imediatamente aparentes. Ele reitera que, ainda que os antropólogos mantenham a cautela para não serem essencialistas na descrição das culturas, os diferentes estilos de comportamento corporal e as brincadeiras sexuais são evidentes até mesmo para observadores casuais.

A cultura da beleza reflete grandes mudanças na sexualidade e na reprodução feminina, as quais são definidas pelos consumidores de cultura, pela medicina e a psicologia. Todo o texto é ilustrado com exemplos de domésticas que aspiram realizar cirurgias plásticas, de residentes da favela que sonham com lipoescultura corporal, de mulheres solteiras que abraçam a cirurgia plástica como uma forma de escultura corporal erótica.

O autor analisa como as aspirações de classe e sexual estão subjacentes à cultura da beleza, e conclui retornando ao tema central do relacionamento da beleza com os conflitos sociais da modernidade.

Pretty Modern traça a emergência do Brasil como uma força dominante na indústria da cirurgia plástica. Edmonds declara que o papel da cultura da beleza e da cirurgia plástica no Brasil tem uma estética dominante de saúde e sofrimento, identidade nacional e noções de feminilidade. Ele [magistralmente] argumenta que a cirurgia plástica não pode simplesmente ser reduzida à vaidade ou aos debates sobre agência, mas que ela poderia ser explorada em um contexto de modernidade no qual mudanças nas ideias de corpo, tecnologia e sexualidade têm alterado radicalmente as subjetividades.

Edmonds demonstra que a cultura da beleza no Brasil é um domínio único da experiência moderna, que pontua o poder transformativo da biomedicina para alterar o corpo e a forma com a qual os indivíduos e a sociedade lidam com isso.

Na seção final e na conclusão, o autor reune os temas centrais e analisa o gênero, a sexualidade, as práticas médicas, a dinâmica do mercado e os modos de autogoverno que foram discutidos anteriormente no livro. Situando cirurgia plástica em relação a uma política maior de economia de reprodução feminina, Edmonds mostra como ela está se tornando um aspecto normalizador da saúde feminina. Para o autor, culturas da beleza refletem as mudanças maiores na sexualidade feminina e reprodução e como tais fenômenos são definidos dentro da cultura de consumo, medicina e psicologia.

O pesquisador discorre nas conclusões sobre a relação entre o erotismo e a escultura corporal através das cirurgias plásticas e do uso de vestes que modelam os corpos, principalmente os das mulheres, tais como espartilhos, sutiãs e corpetes típicos do período medieval, mas que, na atualidade, continuam presentes no guarda-roupa das mulheres, apesar das novas técnicas cirúrgicas de modificação corporal. Tais recursos não somente moldavam o corpo feminino, como também faziam parte de um jogo muito sutil que procurava esconder e mostrar os atributos anatômicos dessa feminilidade: as ancas, o colo, os seios. A questão da beleza é retomada quando o autor discorre sobre o uso da maquiagem e da presença dos cosméticos desde a Idade Média até os dias atuais.

Quando Edmons fala sobre a influência da raça na modelagem corporal, ressalta as diferenças anatômicas atribuídas aos corpos de mulheres negras e não negras, e demonstra que tais atributos são atualmente acessados através das técnicas cirúrgicas, misturando-se características antes entendidas como próprias do "corpo de branco" e outras do "corpo de negro". A "mulata" é citada como exemplo dessa mistura.

Ao refletir sobre a estética dos corpos das mulheres brasileiras, o autor retoma a ideia do bumbum como "paixão nacional". Para Edmonds, não somente a mestiçagem, mas também a beleza feminina é um tipo de "mito populista". Neste contexto de desconstrução dos mitos brasileiros em relação à beleza, à negritude e à sexualidade, o estudioso entende que a cirurgia contemporânea reflete a persistência dos ideais eugênicos de melhoria racial, bem como uma celebração da miscigenação da beleza.

O uso da cultura da beleza como uma lente para analisar a questão da raça no Brasil demonstra a importância da dimensão estética das subjetividades modernas. À medida que a hierarquia de cor torna a aparência um marcador central de status social, Edmonds mostra como não é de estranhar que o atual movimento negro deva ser enquadrado no mesmo idioma estético, ou seja, como uma afirmação da beleza e dos direitos do consumidor negro.

A discussão da miscigenação emerge dos discursos dos cirurgiões plásticos e das mulheres de classe popular entrevistados pelo autor. Os entrevistados afirmam que, entre as diferentes motivações para a realização de cirurgia plástica, está a reconstrução das características anatômicas determinantes do corpo negro e do não negro. Afilar o nariz, diminuir a espessura dos lábios, [diminuir o volume dos seios e a lipoaspiração] são os tipos de modificação facial mais requeridos pelas mulheres, o que pode representar um processo de mistura de características anatômicas e faciais de diferentes raças.

O resultado mais valorizado culturalmente seria o mulato ou a mulata, visto por um dos cirurgiões entrevistados por Edmonds como um produto nacional muito atrativo. O "moreno" também é citado como hibridismo entre o branco e o negro. O moreno seria aquele cujas características fundem as de brancos e negros, principalmente o design de nariz, lábios, olhos e os cabelos lisos, com uma tonalidade de pele mais escura do que o branco, mas não considerada negra. Na opinião do autor, os morenos são idealizados e erotizados no imaginário brasileiro, norte-americanos e europeu.

Edmonds percebe a ideologia da "morenidade" não somente como uma exclusão racial, mas também como uma inclusão. Não se é negro nem branco, mas vive-se em um não lugar privilegiado pela cultura erótica brasileira. Um dos efeitos dessa morenidade é o alisamento massivo e o implante de cabelos longos entre as mulheres negras brasileiras. Estratégia que, segundo uma das entrevistadas por Edmonds, a faria ser vista como "mulata", aparentemente mais aceita e valorizada do que ser tida como negra.

O que o pesquisador nota é que, na comunidade investigada, a cirurgia plástica aparece como uma forma de modificar aquelas características menos valorizadas por remeterem ao perfil negroide presente nas famílias brasileiras em menor ou maior quantidade. Ele afirma que, "no Brasil, membros das famílias, algumas vezes, permutam a cor da pele, as características faciais, e colorem os cabelos com cores que são socialmente aceitas de diferentes formas". Para o autor, a herança genética familiar se torna uma loteria com vencedores - os que nascem com características de "brancos" - e perdedores - os que nascem com "cabelo ruim" e pele mais escura. Assim, as práticas da beleza acabam por refletir uma história particular de dominação racial.

Ao relacionar as modificações corporais ao sexo ou aos apelos do mercado sexual, traz para a sua análise o conceito de zoe, "vida nua", e bios, refletindo a respeito do corpo biológico destituído de sacralidade e, portanto, entregue ao querer do sujeito. Outra discussão retomada nas conclusões do autor é aquela sobre o binômio "natureza" e "cultura", que afirma serem construções sociais, enfatizando o trabalho simbólico que transforma as necessidades biológicas em produtos culturais, além de destacar a biologização do sexo como organismo fisiológico que é constituído como um objeto de manipulação técnica.

O autor chama a atenção para o fato de que o "fetichismo da tecnologia e do progresso" é frequentemente aliado ao fetichismo do corpo feminino, no qual a força da sexualidade é desenhada. Edmonds enfatiza que este corpo fragmentado reflete outros tipos de fragmentação nos modernos domínios da feminilidade.

Para ele, uma das questões prevalentes é a relação entre beleza, sexo e dinheiro. Neste caso, a cultura da beleza reflete outra tensão generificada da modernidade: sexualidade eletiva e livre escolha no amor romântico acompanhada de competição sexual.

O Brasil aparece nessa análise como imerso na cultura da beleza, da juventude e da saúde, em que ter beleza corporal e facial equivale a ter juventude e saúde. Desta forma, o culto à juventude e à saúde [tenta ser democrático na parte que redistribui status social das antigas para as novas gerações.]

A plástica responde a essa nova visão de beleza e a incita como uma forma igualitária de capital social, que depende menos de nascimento, educação e conexão para seu cultivo. O autor reflete que a busca da beleza por meio das cirurgias plásticas não visa apenas à juventude, mas é de fato um esforço realizado pelas pessoas negras para alçarem à carreira de atores e modelos. Neste caso, a beleza pode garantir uma visibilidade social que é um "antídoto" contra o racismo, em que ser ignorado é pior do que ser odiado.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Abr 2013
  • Data do Fascículo
    Abr 2013
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