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Propostas para a área de gestão do trabalho e educação na saúde para o fortalecimento do SUS

Resumo

Este documento propositivo foi delineado no âmbito do 13º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, realizado em novembro de 2022. O evento congregou 6,8 mil pessoas imbuídas de esperança pela eleição de um governo progressista e democrático, além de um espírito de articulação, integração e de defesa de direitos. O documento foi escrito com o objetivo de contribuir para a formulação de soluções para problemas enfrentados pela sociedade brasileira, apresentando propostas à comissão de transição do governo federal que são caras à área de gestão do trabalho e educação na saúde e caminham na direção de um Sistema Único de Saúde forte e igualitário.

Palavras-chave:
Trabalho em Saúde; Educação na Saúde; Gestão em Saúde; Gestão de Recursos Humanos em Saúde; Sistema Único de Saúde

Abstract

This propositional document was outlined within the scope of the 13th Brazilian Congress on Collective Health, held in November 2022. The event brought together 6,800 people imbued with hope for the election of a progressive and democratic government, as well as a spirit of articulation, integration, and defense of rights. The document was designed with the objective of contributing to formulating necessary solutions for problems faced by the Brazilian society, presenting proposals to the federal government’s transition commission that are dear to the work management and education in the healthcare field and move towards a strong and egalitarian Brazilian National Health System.

Keywords:
Health Work; Health Education; Health Management; Health Personnel Management; Brazilian National Health System

Introdução

Nos últimos anos, temos assistido ao desmonte das políticas sociais no Brasil. A educação e a saúde foram duas das áreas mais afetadas por esse processo. Na educação, o governo federal promoveu medidas que enfraqueceram a educação pública e gratuita, com cortes orçamentários e desmontes de programas e políticas públicas. Entre as medidas criticadas por especialistas, estão a ampliação do ensino a distância (EaD) e o não cumprimento da promoção de inclusão em todas as esferas sociais. Já na saúde, o desmonte das políticas públicas teve impacto imediato na qualidade da assistência prestada à população. A falta de investimentos na rede pública, o sucateamento dos serviços e a privatização de hospitais e unidades de saúde são apenas algumas das medidas que prejudicaram o acesso da população aos serviços de saúde (Inesc, 2021INESC - INSTITUTO DE ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS. A conta do desmonte: balanço do orçamento geral da União 2021. Brasília, DF: Inesc, 2021.; Magnago; Martins, 2023MAGNAGO, C.; MARTINS, C. L. Crises contemporâneas: retrocessos sociais, políticas de saúde e desafios democráticos. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 32, n. 1, p. 1-10. 2023. DOI: 10.1590/S0104-12902023230228pt
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).

Não bastasse esse cenário, a pandemia de covid-19 evidenciou ainda mais a falta de investimentos em saúde e educação. Os profissionais dessas áreas foram expostos a risco de contágio e não receberam o suporte necessário para enfrentar os desafios impostos por essa crise sanitária. Diante dessa realidade, é fundamental que a atenção de pesquisadores, docentes, profissionais de saúde, gestores públicos e da sociedade em geral se volte para a manutenção e ampliação das políticas sociais, especialmente das áreas supracitadas, como parte de um projeto de sociedade inclusivo e democrático.

Nesse sentido, mesmo com a conjuntura política desafiadora e ainda sob os efeitos avassaladores da pandemia de covid-19, realizou-se em novembro de 2022, em Salvador, o 13º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). O evento, motivado pela esperança de eleição de um governo progressista e democrático e o espírito de articulação, integração e de defesa de direitos, teve como tema central “Saúde é democracia: diversidade, equidade e justiça social” e reuniu 6,8 mil pessoas. Participaram profissionais, trabalhadores e gestores do Sistema Único de Saúde (SUS) e representantes dos mais diferentes setores da sociedade, incluindo universidades, movimentos sociais e membros da comunidade (Abrasco, 2022ABRASCO - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SAÚDE COLETIVA. Carta de Salvador - Abrascão 2022. Salvador, 24 nov. 2022. Disponível em: <Disponível em: https://www.abrasco.org.br/site/eventos/congresso-brasileiro-de-saude-coletiva/carta-de-salvador-abrascao-2022/70333/ >. Acesso em: 31 jul 2023.
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).

O evento evidenciou uma convergência entre os desejos dos participantes do evento e os da sociedade brasileira: vencer a pandemia, elevar a importância do conhecimento científico e recuperar os preceitos fundamentais da democracia e da solidariedade. Nessa direção, foi um congresso de “intenso posicionamento ético, político e jurídico, trocas de saberes e partilhas de experiências em torno dos valores defendidos pela comunidade da Saúde Coletiva e pelos diferentes grupos atuantes na luta em defesa do direito à saúde e da equidade” (Abrasco, 2022ABRASCO - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SAÚDE COLETIVA. Carta de Salvador - Abrascão 2022. Salvador, 24 nov. 2022. Disponível em: <Disponível em: https://www.abrasco.org.br/site/eventos/congresso-brasileiro-de-saude-coletiva/carta-de-salvador-abrascao-2022/70333/ >. Acesso em: 31 jul 2023.
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).

Os grupos estruturantes da Abrasco tiveram um papel importante nesse movimento, contribuindo com debates, reflexões e elaboração de propostas a serem incorporadas à agenda das áreas de saúde, educação e ciência e tecnologia dos próximos governos - federal, estaduais ou municipais -, de modo a contribuir para a reconstrução e o redirecionamento das políticas públicas relevantes e estratégicas para o Brasil. Este manuscrito apresenta um dos documentos propositivos formulados no âmbito deste congresso, desenhado pelo Grupo Temático (GT) Trabalho e Educação na Saúde da Abrasco.

A Associação Brasileira de Saúde Coletiva

A Abrasco foi criada em 1979 para atuar como mecanismo de apoio, fortalecimento e articulação entre as instituições de ensino e pesquisa em saúde coletiva. Entre os seus objetivos, está o alargamento do diálogo com a comunidade técnico-científica, assim como o diálogo desta com as organizações governamentais e não governamentais, os serviços de saúde e a sociedade civil (Abrasco, 2019ABRASCO - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SAÚDE COLETIVA. Estatuto da Associação Brasileira de Saúde Coletiva. Rio de Janeiro: Abrasco, 2019.). Organiza-se, atualmente, a partir de uma diretoria, um conselho e um conjunto de comissões, comitês, fóruns e GT, que devem “priorizar processos de trabalho com estratégias de atuação flexíveis e com foco na ação política que articule diversas instâncias da Abrasco” (Abrasco, 2018ABRASCO - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SAÚDE COLETIVA. Regimento interno da Associação Brasileira de Saúde Coletiva. Rio de Janeiro: Abrasco , 2018., p. 1).

As comissões são grupos constituídos para a construção coletiva de reflexões e ações que fomentam o campo da saúde coletiva a partir de três áreas estruturantes: ciências sociais e humanas; política, planejamento e gestão; e epidemiologia. Têm caráter permanente e assessoram a diretoria da Abrasco. Os comitês são instâncias de assessoramento da diretoria que mobilizam autoridades, gestores e acadêmicos, e discutem e desenham propostas direcionadas ao avanço das áreas sobre as quais estudam (Abrasco, 2018ABRASCO - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SAÚDE COLETIVA. Regimento interno da Associação Brasileira de Saúde Coletiva. Rio de Janeiro: Abrasco , 2018.).

Os fóruns são espaços de articulação entre instituições de ensino e pesquisa em saúde coletiva e outros órgãos governamentais, promovendo o debate e o compartilhamento de experiências e demandas relativas à formação de sanitaristas e a questões de interesse das atividades editoriais de periódicos do campo (Nunes, 2015NUNES, E. D. Prefácio. In: LIMA, N. T.; SANTANA, J. P.; PAIVA, C. H. A. (Org.). Saúde coletiva: a Abrasco em 35 anos de história. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2015. p. 9-14. DOI: 10.7476/9788575415900
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; Abrasco, 2018ABRASCO - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SAÚDE COLETIVA. Regimento interno da Associação Brasileira de Saúde Coletiva. Rio de Janeiro: Abrasco , 2018.). Já os GT são compreendidos como conjuntos de especialistas sobre determinado assunto, que se estabelecem para aprofundar o debate e a implementação de políticas e ações referentes a um determinado tema (Belisário, 2002BELISÁRIO, S. A. Associativismo em saúde coletiva: um estudo da Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coletiva - ABRASCO. 2002. 401 f. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) - Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2002.). São espaços de estudos e intercâmbio científico, de caráter temporário, que se organizam para a realização de eventos e projetos colaborativos de pesquisa que contribuam para o fortalecimento de áreas relevantes ao campo da saúde coletiva (Abrasco, 2018ABRASCO - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SAÚDE COLETIVA. Regimento interno da Associação Brasileira de Saúde Coletiva. Rio de Janeiro: Abrasco , 2018.).

Constituídos a partir de 1983, os GT foram originariamente pensados para funcionar de forma transitória, mas uma ampla aceitação possibilitou a sua consolidação, expansão e diversificação. Atualmente, a Abrasco abriga 22 grupos, entre os quais o GT Trabalho e Educação na Saúde.

O Grupo Temático Trabalho e Educação na Saúde

O GT Trabalho e Educação na Saúde foi criado em 1994 no 4º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, em Olinda/PE, sob a denominação de Recursos Humanos e Profissões. Em um primeiro momento, este grupo realizou uma série de ações de natureza técnica, científica e política, tendo contribuído para a consolidação do processo da reforma sanitária brasileira e do campo da saúde coletiva, de forma multiprofissional e interdisciplinar. O grupo também concebeu e estruturou a Rede Observatório de Recursos Humanos em Saúde. Em um segundo momento, a renovação técnica e conceitual ocorrida no campo do trabalho e da educação na saúde demandou a ampliação não só do escopo teórico e das temáticas a serem trabalhadas, como também a do número de integrantes (Abrasco, 2014ABRASCO - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SAÚDE COLETIVA. Linha do tempo GT Trabalho e Educação na Saúde. Rio de Janeiro: Abrasco , 2014. Disponível em: <Disponível em: https://www.Abrasco.org.br/site/gttrabalhoeeducacaonasaude/wp-content/uploads/sites/8/2014/05/Gt-trabalho-e-educa%C3%A7%C3%A3o.png >. Acesso em: 24 abr 2023.
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).

Nesse movimento, o GT passou por um processo de reformulação, em que se elaborou o seu primeiro plano diretor e o grupo foi renomeado como GT Trabalho e Educação na Saúde, adotando a seguinte definição:

Este GT se constitui como um grupo questionador, investigativo e propositivo de ações para os campos de Trabalho e Educação, oferecendo subsídios e informações ao processo de Reforma Sanitária e ao sistema de saúde brasileiro, ampliando e fortalecendo os grupos e a produção científica na área de sua competência e dedicando-se à sua difusão. (Abrasco, 2014ABRASCO - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SAÚDE COLETIVA. Linha do tempo GT Trabalho e Educação na Saúde. Rio de Janeiro: Abrasco , 2014. Disponível em: <Disponível em: https://www.Abrasco.org.br/site/gttrabalhoeeducacaonasaude/wp-content/uploads/sites/8/2014/05/Gt-trabalho-e-educa%C3%A7%C3%A3o.png >. Acesso em: 24 abr 2023.
https://www.Abrasco.org.br/site/gttrabal...
).

Membros desse GT tiveram protagonismo no debate e formulação das conferências da área de gestão do trabalho e da educação, contribuindo inclusive com propostas que resultaram na criação da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, marco importante para a área (Pinto, 2017PINTO, I. C. M. A interlocução com as instituições acadêmicas e os órgãos gestores da política de saúde. Ensaios & Diálogos em Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, n. 4, p. 15-16, jun. 2017. ).

Em um terceiro momento, dentre as diversas atividades realizadas pelo GT, destaca-se a elaboração de seu segundo Plano Diretor, o desenvolvimento de um projeto de monitoramento dos então recém-criados Cursos de Graduação em Saúde Coletiva; a participação na criação do Fórum de Graduação em Saúde Coletiva da Abrasco; o levantamento da produção científica do campo e sua posterior publicação em um catálogo; e a atuação intensa na preparação e no desenvolvimento dos Congressos Brasileiro de Saúde Coletiva e de Política, Planejamento e Gestão em Saúde.

Adotando um formato diferenciado de gestão, desenvolvido por um coordenador e um colegiado gestor, o GT está atualmente em sua sétima coordenação. No que concerne aos congressos, além de integrar as comissões organizadora e científica, participar de mesas de debate e painéis, o GT organiza, no período pré-congresso, o Simpósio Internacional Trabalho e Educação na Saúde, que já teve três edições1 1 O I Simpósio foi realizado em Natal, em 2017, por ocasião do 3º Congresso de Política, Planejamento e Gestão em Saúde da Abrasco; o II Simpósio aconteceu no Rio de Janeiro, em 2018, como parte do 12º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva; e o III Simpósio ocorreu em 2022, em Salvador, como atividade anterior ao 13º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva. . O simpósio reúne pesquisadores, gestores, trabalhadores do campo, nacionais e internacionais, e objetiva refletir sobre as mudanças, desafios e perspectivas próprias ao campo do trabalho e da educação na saúde.

O III Simpósio Internacional Trabalho e Educação na Saúde, realizado em 2022, debateu os cortes nos direitos trabalhistas; a então gestão do governo federal durante a pandemia de covid-19; e a necessidade de se pensar o país, o SUS, a saúde coletiva, a população brasileira e as pessoas que cuidam. Ao final do evento, deliberou-se como encaminhamento o envio de um documento assinado por este GT à então Comissão de Transição do governo federal a ser iniciado em 1º de janeiro de 2023, contendo propostas para o fortalecimento da área de gestão do trabalho e educação na saúde, que reproduzimos na sequência.

Proposta do GT Trabalho e Educação na Saúde da Abrasco para a Comissão de Transição do Governo Federal2 2 Esta proposta foi encaminhada à Comissão de Transição Governamental do atual governo federal, presidido por Luís Inácio Lula da Silva e Geraldo Alckmin, em dezembro de 2022.

A mudança governamental que ocorrerá a partir de 1º de janeiro de 2023 se apresenta como uma oportunidade para redefinir a agenda nacional da área da gestão do trabalho e da educação na saúde. Nesse sentido, o primeiro aspecto a ser ressaltado é a centralidade de trabalhadores e trabalhadoras da saúde para o processo de consolidação do SUS, que emprega diretamente mais de 3,5 milhões de pessoas. Mesmo com a crescente incorporação de tecnologias na área, incluindo a robótica e a inteligência artificial, grande parte das ações de saúde requerem o encontro e a comunicação direta e efetiva entre usuários dos serviços e trabalhadores de saúde.

A gestão do trabalho e da educação na saúde é uma área interdisciplinar, interprofissional e intersetorial, estruturada por distintos saberes e práticas. Conformada por fenômenos que constituem os espaços da formação e capacitação dos profissionais de saúde, gestão e regulação do trabalho, tem mobilizado distintos segmentos da sociedade, mesmo na contramão de uma conjuntura adversa, que inclui o cerceamento do ambiente democrático e mudanças na lógica de financiamento e gestão do Estado instituídas pelas políticas neoliberais. Pela abrangência e complexidade das questões que permeiam o debate em torno da área, pode-se destacar múltiplas dimensões de análise:

  1. dimensão política, em que se faz necessário refletir sobre a desregulamentação da proteção do trabalho, a estruturação do mercado de trabalho privado da saúde, a expansão crescente e descontrolada do mercado educacional e a fragilidade dos mecanismos de monitoramento da qualidade da formação e da prática profissional;

  2. dimensão econômica, em cujo âmbito se destaca a importância do SUS na geração de empregos e a necessidade de reverter o retrocesso produzido pela implementação de políticas de austeridade fiscal;

  3. dimensão gestora, em que se destaca o desafio da gestão descentralizada e a necessidade de alinhamento das estratégias de gestão do trabalho e da educação na saúde, tendo em vista a universalidade, a inclusão e o atendimento das necessidades da população;

  4. dimensão dialógica, na qual se enfatiza a importância de explorar o potencial da comunicação e da gestão do conhecimento para a formulação e implementação de ações concretas que favoreçam as mudanças nas práticas e nas relações das equipes e dos trabalhadores de saúde;

  5. dimensão internacional ou global, em que se deve fortalecer as possibilidades de diálogos com outros países, nas diversas interfaces da formação de profissionais e do mercado de trabalho em saúde.

Nesta perspectiva, o GT Trabalho e Educação na Saúde da Abrasco, com o objetivo de contribuir para a formulação de soluções necessárias à sociedade brasileira, apresenta propostas, a seguir, à comissão de transição do Governo Federal, que são caras à área de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde e caminham na direção de um SUS forte e igualitário.

Propostas de âmbito geral

  • Incrementar o orçamento da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES), fortalecendo-a como espaço que assegura a implementação de ações da Política de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde;

  • Estabelecer mecanismos para o financiamento tripartite da Política Nacional de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde;

  • Aperfeiçoar a Política Nacional de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, no âmbito do SUS, realizando a revisão dos Princípios e Diretrizes para a Norma Operacional Básica de Recursos Humanos para o SUS (NOB/RH-SUS), instituídos por meio da Resolução nº 330, de 4 de novembro de 2003;

  • Realizar a IV Conferência Nacional de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde;

  • Reverter os processos de desregulamentação do direito do trabalho, materializados por meio das reformas trabalhista e previdenciária, e da Lei da Terceirização, objetivando proteger os trabalhadores contra os atos atentatórios que impeçam ou dificultem a garantia de condições de labor saudáveis, humanizadas e dignas;

  • Retomar e fortalecer a Rede Observatório de Recursos Humanos em Saúde enquanto espaço que reúne informações sobre a força de trabalho em saúde e desenvolve investigações sobre o trabalho e a educação na saúde, na perspectiva de contribuir, de forma ativa, para refinar e melhorar políticas públicas e estratégias de gestão, regulação e formação para o SUS.

Propostas no âmbito da gestão do trabalho

  • Ampliar o debate sobre a regulação do trabalho em saúde, garantindo a participação de diferentes atores sociais na busca de respostas e estratégias criativas que zelem pela supremacia do interesse público sobre os interesses corporativos e particulares;

  • Estabelecer uma regulação abrangente e eficaz do teletrabalho, considerando as condições estruturais e os preceitos éticos necessários para sua efetivação;

  • Aperfeiçoar o atual sistema de regulação das profissões de saúde, visando harmonizar a regulação vigente e direcioná-la para uma organização dos escopos de prática das diferentes profissões, com o objetivo de atender as necessidades de saúde da população de forma integrada às políticas de saúde;

  • Apoiar a regulação da profissão de sanitarista por meio de lei, como profissão de ensino superior, possibilitando a sua inserção nos sistemas de saúde da União, dos Estados e dos Municípios, inclusive por meio de concursos públicos;

  • Reimplantar a Câmara de Regulação de Profissões de Saúde no âmbito federal, a fim de harmonizar a regulação exarada pelos treze conselhos profissionais de saúde de ensino superior atualmente existentes;

  • Desenvolver e fomentar estudos que subsidiem a implantação de sistemas de carreiras do SUS como forma de valorizar o trabalhador da saúde, reverter a precarização dos vínculos e assegurar direitos trabalhistas para tornar o trabalho no SUS uma opção profissional atrativa, considerando o conjunto das profissões da saúde;

  • Adotar mecanismos de valorização do trabalho e dos trabalhadores(as), assegurando: melhores condições de trabalho, correspondência entre as demandas de serviço e o quadro de pessoal em toda rede de atenção à saúde, e processos de educação permanente e de cuidados à saúde do trabalhador que contemplem a saúde mental;

  • Reimplantar o Sistema Nacional de Negociação Permanente do SUS, com especial atenção à reinstalação da Mesa Nacional de Negociação Permanente do SUS e fomento às mesas estaduais e municipais;

  • Criar estratégias direcionadas às revisões do aparato legislativo que afetam diretamente o trabalho em saúde, comprometendo seus resultados, como a Lei de Responsabilidade Fiscal, a Lei Trabalhista e a Lei da Terceirização;

  • Assegurar recursos financeiros para ações de saúde e segurança dos trabalhadores(as), com ênfase na vigilância, promoção e proteção da saúde dos trabalhadores(as) e redução da morbimortalidade decorrente dos modelos de desenvolvimento e dos processos produtivos de trabalho;

  • Reativar o Comitê Nacional Interinstitucional de Desprecarização do Trabalho no SUS, a fim de elaborar estratégias que reduzam a precarização e vulnerabilidade dos trabalhadores(as), incorporando os pressupostos do trabalho decente nas políticas relacionadas ao trabalho em saúde;

  • Propor instrumentos que assegurem o provimento adequado de trabalhadores, incentivando a estruturação de processos sustentáveis de planejamento e dimensionamento da força de trabalho em saúde.

Propostas no âmbito da gestão da educação na saúde

  • Fortalecer a regulação da oferta de cursos de graduação em saúde, com especial atenção para a modalidade de educação a distância (EaD), na perspectiva de garantir a qualidade nos processos formativos;

  • Adotar a concepção do “SUS como escola”, atendendo ao artigo 200 da Constituição Federal e ao conjunto de ações e evidências que destacam a centralidade do trabalho no processo formativo;

  • Fortalecer a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde e fomentar ações descentralizadas de formação no cotidiano do trabalho que possibilitem a ressignificação das práticas profissionais;

  • Criar políticas de indução de abertura de cursos de graduação em saúde e programas de residências, a partir de estudos de escassez;

  • Criar mecanismos de incentivo às mudanças nos processos de ensino-aprendizagem da formação de profissionais de saúde em todos os níveis, fortalecendo a interdisciplinaridade e a educação permanente em saúde, e a inclusão da educação interprofissional como componente curricular dos cursos de graduação em saúde. A educação interprofissional se refere ao aprendizado compartilhado, de forma interativa, entre estudantes e profissionais de diferentes áreas, com o explícito propósito de desenvolver habilidades para o trabalho em equipe e a prática colaborativa.

  • Inserção, permanência e incremento das ações afirmativas nas instituições de ensino superior;

  • Estimular a qualificação do diálogo e a integração entre as instituições formadoras, os serviços de saúde e organizações da sociedade civil;

  • Fortalecer as escolas de saúde pública e as escolas técnicas do SUS enquanto espaços de formação e valorização do trabalhador.

Este documento foi alimentado pelos debates ocorridos no III Simpósio Internacional Trabalho e Educação na Saúde, realizado por ocasião o 13º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, em Salvador/BA. Assumimos, através dele, a defesa de propostas que resgatam o ideário democrático e participativo do SUS, honrando compromissos históricos na área da gestão do trabalho e da educação na saúde em prol de mudanças efetivas e necessárias ao fortalecimento do SUS. Assim, o colegiado do GT Trabalho e Educação na Saúde da Abrasco se coloca à disposição para realizar estudos que ajudem a amadurecer essas proposições, assim como a efetivar sua implementação.

Referências

  • ABRASCO - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SAÚDE COLETIVA. Carta de Salvador - Abrascão 2022. Salvador, 24 nov. 2022. Disponível em: <Disponível em: https://www.abrasco.org.br/site/eventos/congresso-brasileiro-de-saude-coletiva/carta-de-salvador-abrascao-2022/70333/ >. Acesso em: 31 jul 2023.
    » https://www.abrasco.org.br/site/eventos/congresso-brasileiro-de-saude-coletiva/carta-de-salvador-abrascao-2022/70333/
  • ABRASCO - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SAÚDE COLETIVA. Estatuto da Associação Brasileira de Saúde Coletiva. Rio de Janeiro: Abrasco, 2019.
  • ABRASCO - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SAÚDE COLETIVA. Linha do tempo GT Trabalho e Educação na Saúde. Rio de Janeiro: Abrasco , 2014. Disponível em: <Disponível em: https://www.Abrasco.org.br/site/gttrabalhoeeducacaonasaude/wp-content/uploads/sites/8/2014/05/Gt-trabalho-e-educa%C3%A7%C3%A3o.png >. Acesso em: 24 abr 2023.
    » https://www.Abrasco.org.br/site/gttrabalhoeeducacaonasaude/wp-content/uploads/sites/8/2014/05/Gt-trabalho-e-educa%C3%A7%C3%A3o.png
  • ABRASCO - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SAÚDE COLETIVA. Regimento interno da Associação Brasileira de Saúde Coletiva. Rio de Janeiro: Abrasco , 2018.
  • BELISÁRIO, S. A. Associativismo em saúde coletiva: um estudo da Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coletiva - ABRASCO. 2002. 401 f. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) - Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2002.
  • INESC - INSTITUTO DE ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS. A conta do desmonte: balanço do orçamento geral da União 2021. Brasília, DF: Inesc, 2021.
  • MAGNAGO, C.; MARTINS, C. L. Crises contemporâneas: retrocessos sociais, políticas de saúde e desafios democráticos. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 32, n. 1, p. 1-10. 2023. DOI: 10.1590/S0104-12902023230228pt
    » https://doi.org/10.1590/S0104-12902023230228pt
  • NUNES, E. D. Prefácio. In: LIMA, N. T.; SANTANA, J. P.; PAIVA, C. H. A. (Org.). Saúde coletiva: a Abrasco em 35 anos de história. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2015. p. 9-14. DOI: 10.7476/9788575415900
    » https://doi.org/10.7476/9788575415900
  • PINTO, I. C. M. A interlocução com as instituições acadêmicas e os órgãos gestores da política de saúde. Ensaios & Diálogos em Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, n. 4, p. 15-16, jun. 2017.
  • 1
    O I Simpósio foi realizado em Natal, em 2017, por ocasião do 3º Congresso de Política, Planejamento e Gestão em Saúde da Abrasco; o II Simpósio aconteceu no Rio de Janeiro, em 2018, como parte do 12º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva; e o III Simpósio ocorreu em 2022, em Salvador, como atividade anterior ao 13º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva.
  • 2
    Esta proposta foi encaminhada à Comissão de Transição Governamental do atual governo federal, presidido por Luís Inácio Lula da Silva e Geraldo Alckmin, em dezembro de 2022.
  • Contribuições dos autores

    O Grupo Temático Trabalho e Educação na Saúde da Associação Brasileira de Saúde Coletiva foi responsável por todas as etapas relacionadas à elaboração deste manuscrito.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    31 Jul 2023
  • Aceito
    31 Jul 2023
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