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PÓS-COLONIALISMO E DECOLONIALIDADES: ETNICIDADE, REPRODUÇÃO, GÊNERO E SEXUALIDADE - VOZES DA ÁFRICA - NOTAS A PARTIR DE UM CONHECIMENTO EM CURSO

POSCOLONIALISM AND DECOLONIALITY: ETHNICITY, SOCIAL REPRODUCTION, GENDER AND SEXUALITY - AFRICAN VOICES - NOTES FROM AN ACADEMIC COURSE

Resumo

Este artigo decola da experiência de um curso de pós-graduação (o Curso), orientado por perspectiva crítica à ‘colonialidade do saber’ e que sublinha a importância de espaço para vozes não eurocêntricas nas universidades e entrelace de saberes, como os academicamente legitimados e aqueles que encarnam vivencias comunitárias e heranças culturais de povos originais e escravizados. Considerando autores, em especial feministas, latino-americanos e africanos, sobre pós-colonialismo e decolonialidade, no Curso se analisam romances de autoras africanas e se o desenha como uma experiência crítica à colonialidade do saber; identidades culturais negadas e se estimula pesquisar maternidade além do privado, como construto de reprodução social. Demonstra-se também a potencialidade do entrelace entre sociologia e literatura.

Palavras-chave
Decolonialidade; África; América Latina; saberes; feminismos

Abstract

This article takes off from the experience of a post-graduation course (the Course), guided by a critical perspective to the ‘coloniality of knowledge’ and underlining the importance of space for non-Eurocentric voices in universities and interlace of knowledge, such as academically legitimized and those who embody community experiencs and cultural heritages of original and enslaved peoples. Considering authors, especially feminists, Latin Americans and Africans, about postcolonialism and decoloniality, the Course analyzes novels by African authors and draws it as a critical experience to the coloniality of knowledge; denied cultural identities are rescued and maternity research beyond the private as a construct of social reproduction is encouraged. It is also demonstrated the potentiality of the interlace between sociology and literature.

Keywords
Decoloniality; Africa; Latin America; knowledge; feminisms

Esta peça tem o estatuto de notas sobre a construção de um conhecimento que se pretende decolonial, a partir da experiência de um curso de pós-graduação (o Curso), realizado no segundo semestre de 2019.1 1 A referência é o “Curso sobre pós-colonialismo e decolonialidades - etnicidade, reprodução, gênero e sexualidades” ministrado por Mary Garcia Castro - com a colaboração de Thays Monticelli, PhD em sociologia, pós-doutoranda - no âmbito do Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia/IFCS/UFRJ, durante o segundo semestre de 2019. Agradeço a Thays Monticelli e às alunas que dele participaram a colaboração por ricos debates em sala. Também agradeço a Thays Monticelli e Amanda Volotão - doutoranda em sociologia, com formação em letras e também aluna no Curso -, bem como a pareceristas da revista Sociologia & Antropologia. Essas pessoas em muito contribuíram com seus comentários para a revisão do artigo

O objetivo do Curso foi delinear os temas pós-colonialismo e decolonialidade, focalizando debates sobre esses por entrelaces com outros como etnicidade, reprodução, gênero e sexualidade, por referências a autores das ciências sociais e considerando suas representações em romances de autoras africanas, traduzidas ao português, o que orientou a seleção de autores a ser focalizados pelas alunas nos seminários. Selecionaram-se sobretudo, entretanto, romances que focalizassem maternidade, família e gênero, assim como cosmopercepções étnicas sobre tais temas e conflitos com ideário colonial e religioso ocidental, mas que também se referissem a tempos e espaços diversos na África pré-colonial, colonial e pós-colonial.

No Curso, após tal recorrido, debates temáticos e os romances, chegamos à apresentação de autoras brasileiras que discutem “legados africanos”, considerando herança afrocultural e espiritual, importância do sagrado - tópicos comumente silenciados ou desvalorizados no nível docente - e a contribuição de enfoques sobre etnicidade para o resgate de tal herança, como desafia Santana (2017b)Santana, Marise de. (2017b). Legados africanos: Palavra enunciadora de simbolismos étnicos. Odeere, Revista do Programa de Pós-graduação em Relações Étnicas e Contemporaneidade, 3/3. (##1 e ##8). Aportamos em autoras que destacam a importância de nexos cognitivos entre a produção africana e latino-americana para melhor entender a singular importância e diversidade do povo negro, os/as escravizados/as, em resistências às colonialidades do saber, do ser e do poder (conceitos desenvolvidos entre outros por Quijano, 2000Quijano, Aníbal. (2000). Colonialidad del poder, eurocentrismo y América Latina. In: Lander, Edgardo. La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales. Perspectivas latinoamericanas. 9 ed. Caracas: Clacso, p. 201-245. (##2), no âmbito do debate sobre decolonialidade). Referimo-nos a Gonzalez (2019a)Gonzalez, Lélia. (2019a). A categoria político-cultural da amefricanidade. In: Buarque de Hollanda, Heloisa. Pensamento feminista. Conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, p. 341-354. (##9) e Nascimento, (2018)Nascimento, Maria Beatriz. (2018). Quilombola e intelectual. Possibilidades nos dias de destruição. Org. e ed. União dos Coletivos Pan Africanistas, Diáspora Africana. Rio de Janeiro: Editora Filhos da África. (##9).

Note-se que um dos autores pioneiros do pensamento decolonial foi o sociólogo Aníbal Quijano em finais dos anos 90 (ver sobre a trajetória inicial de tal pensamento em Ballestrin, 2013Ballestrin, Luciana. (2013). América Latina e o giro decolonial. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbcpol/n11/04.pdf Acesso em 20 maio 2019. (##2)
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). De Quijano o conceito de “colonialidade do poder”, enfatizando raça como construto da modernidade, em que relações assimétricas entre colonizadores e colonizados seriam justificadas em nome da não humanidade dos colonizados, os de pele escura, e teriam colaborado para a acumulação de riquezas e avanços, até no plano do conhecimento em centros da ‘intrusão colonial, e a reprodução desse processo. Ballestrin (2013)Ballestrin, Luciana. (2013). América Latina e o giro decolonial. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbcpol/n11/04.pdf Acesso em 20 maio 2019. (##2)
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indica que o conceito de colonialidade do poder foi ampliado por Mignolo em 2010, a partir da elaboração original de Quijano em 1992, “considerando distintos controles da natureza e dos recursos naturais”. Assim ter-se-ia:

  • — controle da economia;

  • — controle da autoridade;

  • — controle do poder - controle da natureza e dos recursos naturais;

  • — controle do gênero e da sexualidade; e

  • — controle da subjetividade e do conhecimento.

É no plano da lida com o controle da subjetividade e do conhecimento que as resistências ou decolonialidades mais viriam entusiasmando acadêmicos e ativistas ou conseguindo mais realizar alguma virada epistemológica.

A denúncia da dependência cognitiva a eurocentrismos enriquece os debates sobre colonização apresentados por autores da decolonialidade, ainda que haja mais do que discutir o que seria eurocêntrico e o que teria o aval de acervo civilizatório positivo, assim como a importância de redes de conhecimento, em especial para o feminismo, o que pede mais traduções ou adaptações críticas do que censuras. Ora, segundo autoras da perspectiva decolonial, como Oyèwùmí (2005), Lugones (2008)Lugones, María. (2008). Colonialidad y género. Tabula Rasa, 9, p. 73-101. e Segato (2010)Segato, Rita Laura. (2010). Género y colonialidad: en busca de claves de lectura y de un vocabulario estratégico descolonial. In: Quijano, Aníbal & Navarrete, Julio Mejía (eds.). La cuestión descolonial. Lima: Universidad Ricardo Palma. (##2), também o conceito de gênero traria marcas eurocêntricas, como o apelo à universalidade, ocultar diversidades impostas por intersecções de raça e classe e não considerar como a colonização implicou racializações e desumanizações do/a outro/a, afetando padrões de sexualidade e realizações do patriarcado, e impondo agendas. Tais temas têm nos romances selecionados para o Curso ricas referências que bem ilustram histórias que subvertem aquelas marcas, até apelando para doxas em que o racional e o mágico se combinam, indicando que poderes no feminino implicariam resistências além do factual. É quando a mãe, em Emecheta (2017)Emecheta, Buchi. (2017). As alegrias da maternidade. Porto Alegre: Dublinense. (##7 Nigéria - etnia igbo), ao passar para o plano de ancestral, uma encantada, impõe singular forma de vingança, não atendendo aos pedidos de fertilidade que lhe são feitos. É quando O alegre canto da perdiz, de Chiziane (2018)Chiziane, Paulina. (2018). O alegre canto da perdiz. Porto Alegre: Dublinense. (##7 Moçambique - etnia tzonga) apresenta pontos de vista de mulheres negras, em período de dominação portuguesa em Moçambique, e seus enfrentamentos ao “invasor” - a Igreja, o soldado e o capital -, por estratégias e feitiços que fogem do “politicamente correto’” no ideário ocidental sobre gênero. Nesse romance, por exemplo, os personagens “Delfina e João dos Montes se casam para matar a paixão” (Chiziane, 2018Chiziane, Paulina. (2018). O alegre canto da perdiz. Porto Alegre: Dublinense. (##7 Moçambique - etnia tzonga): contracapa).

Em Quijano (2000)Quijano, Aníbal. (2000). Colonialidad del poder, eurocentrismo y América Latina. In: Lander, Edgardo. La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales. Perspectivas latinoamericanas. 9 ed. Caracas: Clacso, p. 201-245. (##2) a ênfase na diferença de sentidos da modernidade para a Europa e as regiões colonizadas se associaria às relações de dependência e de exploração das colônias. Destacamos desse autor o acento na relação entre a vida material, as relações intersubjetivas e sua representação subjetiva, legitimada por saberes:

Com a América inicia-se, assim, todo um universo de novas relações materiais e intersubjetivas. É pertinente, por tudo isso, admitir que o conceito de modernidade não se refere somente ao que ocorre com a subjetividade, não obstante toda a tremenda importância desse processo, seja pela emergência do ego individual, ou de um novo universo de relações intersubjetivas entre os indivíduos e entre os povos integrados ou que se integram no novo sistema-mundo e seu específico padrão de poder mundial. O conceito de modernidade dá conta, do mesmo modo, das alterações na dimensão material das relações sociais. Quer dizer, as mudanças ocorrem em todos os âmbitos da existência social dos povos, e, portanto, de seus membros individuais, tanto na dimensão material como na dimensão subjetiva dessas relações. E como se trata de processos que se iniciam com a constituição da América, de um novo padrão de poder mundial e da integração dos povos de todo o mundo nesse processo, de todo um complexo sistema- mundo, é também imprescindível admitir que se trata de um período histórico inteiro (Quijano, 2000Quijano, Aníbal. (2000). Colonialidad del poder, eurocentrismo y América Latina. In: Lander, Edgardo. La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales. Perspectivas latinoamericanas. 9 ed. Caracas: Clacso, p. 201-245. (##2): 125).

Outros autores relacionados ao movimento decolonial - como os do denominado movimento Modernidade/Colonialidade (ver Ballestrin, 2013Ballestrin, Luciana. (2013). América Latina e o giro decolonial. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbcpol/n11/04.pdf Acesso em 20 maio 2019. (##2)
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) - mais elaboraram o conceito de “colonialidade do saber”, considerando que a colonialidade do poder teria como um pilar a ideia de uma Europa superior - o ocidentalismo. Assim, para Lander (2005Lander, Edgardo. (2005). Ciências sociais: saberes coloniais e eurocêntricos. Buenos Aires: Clacso Livros, p. 21-53.: 8-9), as próprias ciências sociais seriam coadjuvantes da colonialidade do saber/poder: “Nesse processo de construção da imagem da sociedade liberal como sinônimo de avanço e progresso, as ciências sociais operaram, a partir de seus pretensos métodos de objetividade e neutralidade, como fundamentais instrumentos de naturalização e legitimação dessa ordem social”. A decolonialidade do saber pede um deslocamento do olhar, considerando sentidos étnico-culturais, o que bem se encontra em romances como os de Emecheta (2017)Emecheta, Buchi. (2017). As alegrias da maternidade. Porto Alegre: Dublinense. (##7 Nigéria - etnia igbo), Mukazonga (2016Mukazonga, Scholastique. (2016). Coeur tambour. Paris: Folio/Gallimard. (##7 Ruanda - etnia tutsi) e 2006), Tavares (2011)Tavares, Paula. (2011). Amargos como os frutos. Poesia reunida. Rio de Janeiro: Pallas. (##7 Angola) e Chiziane (2018Chiziane, Paulina. (2018). O alegre canto da perdiz. Porto Alegre: Dublinense. (##7 Moçambique - etnia tzonga) e 2013Chiziane, Paulina. (2013). Eu, mulher. Por uma nova visão de mundo. Revista do Núcleo de Estudos de Literatura Portuguesa e Africana da UFF, 5/10. (##7 Moçambique - etnia tzonga)), entre outros do Curso.

A decolonialidade do saber pede estar atento a vozes, narrativas relatadas a partir de experiências locais e legados de histórias ancestrais. O que colaboraria com resistências, rupturas com projetos globais e ajudaria a transpor o universalismo abstrato da epistemologia moderna. Esse seria o projeto do “giro decolonial”, como cunhado por Maldonato-Torres (Bernardino-Costa; Maldonado-Torres & Grosfoguel, 2018Bernardino-Costa, Joaze; Maldonado-Torres, Nelson & Grosfoguel, Ramón. (2018). Introdução. In: Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico. Belo Horizonte: Autêntica, p. 9-26.), que questiona o que chama de conhecimentos eurocêntricos e linguagens fundadas em um imaginário colonial. Ponto que é desenvolvido nos escritos da feministas com perspectiva decolonial, como María Lugones (2019)Lugones, María. (2019). Rumo a um feminismo decolonial. In: Buarque de Hollanda, Heloisa (org.). Pensamento feminista. Conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, p. 357-378. (##4) e Rita Segato (2010)Segato, Rita Laura. (2010). Género y colonialidad: en busca de claves de lectura y de un vocabulario estratégico descolonial. In: Quijano, Aníbal & Navarrete, Julio Mejía (eds.). La cuestión descolonial. Lima: Universidad Ricardo Palma. (##2), e, já muito antes das formulações enunciadas como decoloniais, por Lélia Gonzalez (2018: 329), que propõe busca por um conhecimento “político-cultural da amefricanidade”: “Para além do seu caráter puramente geográfico, a categoria de amefricanidade incorpora todo um processo histórico de intensa dinâmica cultural (adaptação, resistência, reinterpretação e criação de novas formas) que é afrocentrada”.

Considerando que a dinâmica cultural a que se refere Gonzalez (2019bGonzalez, Lélia. (2019b). Racismo e sexismo na cultura brasileira. In: Buarque de Hollanda, Heloisa Pensamento feminista brasileiro. Formação e contexto. Bazar do Tempo: Rio de Janeiro, p. 237-258. (##9) vai além da adoção de modelos pretéritos, calcados em heranças pré-coloniais ou formas de resistências, mesmo em tempos pós-coloniais, mas que “a criação de novas formas” resgata, adaptando ou negando experiências, modelou-se um Curso, interessado em mais conhecer representações sobre Áfricas, relações sociais várias aí, em especial no campo de gênero e de processos de colonização, considerando alguns grupos étnicos, ou seja, na micro e macropolítica, a partir de sujeitos específicos: mulheres romancistas com dupla inserção cultural. Elas são de países africanos, resgatam tradições étnico-político-culturais diversificadas, em alguns casos combinam biografia com história de formação da nação, destacando colonização e resistências pelas mulheres e são herdeiras da tradição griô. São contadoras de estórias, mas foram educadas em centros universitários de países cêntricos e muitas aí vivem.

Insiste-se, a “decolonialidade do saber” é projeto caro nos debates com perspectiva decolonial, que destacam a importância de espaço para vozes não eurocêntricas nas universidades e entrelace de saberes, como os academicamente legitimados e aqueles que encarnam vivências comunitárias e heranças culturais de povos originais e escravizados. Considerando autoras, em especial feministas, latino-americanas e africanas, sobre pós-colonialismo e decolonialidade, no Curso se analisam romances de autoras africanas e se o desenha como busca por uma experiência crítica à colonialidade do saber. Tal objetivo, porém, não necessariamente foi plenamente realizado no Curso, já que a combinação de textos diversos por distintas linguagens pedia mais tempo que o disponível; por isso insistimos em se tratar de um conhecimento em curso que se desenha combinando saberes alternativos, ou seja, além de textos do campo das ciências sociais, se explora a produção afrodiaspórica de mulheres romancistas para mais conhecer Áfricas e formatações diversificadas sobre gênero, feminismo e sexualidades, por múltiplas vozes; resgatam-se identidades culturais negadas e se estimula pesquisar maternidade além da comum perspectiva sobre o privado, mas como construto de reprodução social. Aposta-se também na potencialidade do entrelace entre ciências sociais e literatura, tema que conta com vasta bibliografia (ver entre outros Bauman & Mazzeo, 2016Bauman, Zygmunt & Mazzeo, Ricardo. (2016). O elogio da literatura. Rio de Janeiro: Zahar. e Eagleton, 2019Eagleton, Terry. (2019). Como ler literatura. Porto Alegre: L&PM.).

É importante ressaltar que a relação entre sociologia e literatura é ela própria controversa. Conforme salientam Botelho e Hoelz (2016)Botelho, André & Hoelz, Maurício. (2016). Sociologia da literatura: do reflexo à reflexividade. Tempo Social, Revista de Sociologia da USP, 28/3, p. 263-287., por vezes, literatura e sociedade são tratadas como instâncias externas uma à outra, desfavorecendo assim uma perspectiva que parta da relação mútua estabelecida entre elas. Considerando que as obras literárias são, ao mesmo tempo, produtos e produtoras dos contextos de que fazem parte, os autores sugerem pensar essa relação menos em termos de reflexo e mais a partir de um “paradigma da reflexividade”, posição essa que

Implica a discussão não somente de novas formas de compreensão sociológica do literário (isto é, do artístico), como vem sendo feito, mas também da própria vida social como compreendendo tanto estruturas e recursos materiais quanto imateriais. E de como estes últimos, em interação contingente com os primeiros, podem ou não influenciar a ordem social da qual fazem parte e também são elementos relevantes para as possibilidades de ação coletiva e mudança social. No centro dessa problemática, coloca-se a necessidade de se completar o movimento analítico característico da sociologia da literatura como devedora das premissas fundamentais da sociologia do conhecimento, segundo as quais a literatura é socialmente construída, para buscar modos consistentes de demonstração de que ela também participa da construção da sociedade. A questão da “reflexividade social” pode ser entendida, nesse sentido, como o reconhecimento de que diferentes formas de conhecimento sobre o social têm consequências práticas para a sociedade ou, ainda, que as práticas sociais são afetadas pelo constante reexame a que são submetidas com base em informações produzidas sobre elas (Botelho & Hoelz, 2016Botelho, André & Hoelz, Maurício. (2016). Sociologia da literatura: do reflexo à reflexividade. Tempo Social, Revista de Sociologia da USP, 28/3, p. 263-287.: 280-281).

Nesse escopo, as obras literárias africanas foram tomadas com base na premissa de que “o papel da literatura na produção da representação cultural não deve ser ignorado” (Spivak, 2002Spivak, Gayatri Chakravorty. (2002). Literatura. Cadernos Pagu, 19, p. 9-53.: 12). Mais do que isso, entretanto, subentende-se que o próprio ato de as apreender como objeto de estudo já é, por isso só, uma forma (pós-colonial/decolonial) de engajamento. No Curso, exploramos intenções, navegando por histórias de cientistas sociais e estórias de contares femininos sobre Áfricas. Interessou-nos pensar não somente a estrutura interna das obras - suas narrativas, tramas, personagens -, como também as relações sociais que as perpassavam, refletindo sobre os impactos dessas análises para a construção de uma perspectiva pós-colonial/decolonial. O que estava em jogo era tanto as representações ali contidas - as estratégias narrativas, seus efeitos e contradições - quanto as possibilidades de se pensar e agir sobre o mundo a partir e por meio daquelas estórias. Como parte constitutiva e constituinte do universo simbólico que forma a sociedade, a literatura foi trabalhada menos do que um ponto de partida (para se pensar a sociedade) ou um ponto de chegada (para aplicação das teorias estudadas ao longo do Curso): era, sobretudo, um espaço de experimentação, de reflexão e de construção do “novo”.

Apresentamos referências do Curso, considerando os seus oito blocos disciplinares e nos dando conta de que o Curso se realizou como um exercício de aprendizagem mútua com a turma. Surpreendeu-nos o modo como os debates teórico-conceituais de cientistas sociais mais se afinavam nas discussões das narrativas literárias, assumidas como o campo empírico, uma vivência próxima, com indagações comuns por enlaces de gênero e raça, por identificação com “saberes localizados”, como Messeder (2016)Messeder, Suely. (2016). A construção do conhecimento científico blasfêmico ou para além disso nos estudos de sexualidades e gênero. In: Irineu, Bruna Andrade (org.). Diversidades e políticas da diferença: intervenções, experiências e aprendizagens em sexualidade, gênero e raça. V. 1. Tocantins: Eduft, p. 6-17. (##8) se refere ao discurso de Mãe Stella de Oxóssi (2013)Mãe Stella de Oxóssi. (2013). Discurso de posse na cadeira n. 33 da Academia de Letras da Bahia. Disponível em: http://www.geledes.org.br/patrimonio-cultural/literario-cientifico/160-literatura/21030discurso-de-posse-de-mae-stella-de-oxossi-na-cadeira-n-33-da-academia-de-letras-da-bahia Acesso em 3 set. 2019. (##8)
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, na ocasião da sua posse na cadeira de número 33 da Academia de Letras da Bahia, ou seja, saberes que remetem a origens silenciadas e falam de “eus” referenciados a legados. Segundo Mãe Stella de Oxóssi (Messeder, 2016Messeder, Suely. (2016). A construção do conhecimento científico blasfêmico ou para além disso nos estudos de sexualidades e gênero. In: Irineu, Bruna Andrade (org.). Diversidades e políticas da diferença: intervenções, experiências e aprendizagens em sexualidade, gênero e raça. V. 1. Tocantins: Eduft, p. 6-17. (##8): 11):

Não sou uma literata ‘de cathedra’, não conheço com profundidade as nuanças da língua portuguesa. O que conheço da nobre língua vem dos estudos escolares e do hábito prazeroso de ler. Sou uma literata por necessidade. Tenho uma mente formada pela língua portuguesa e pela língua yorubá. Sou bisneta do povo lusitano e do povo africano. Não sou branca, não sou negra. Sou marrom. Carrego em mim todas as cores. Sou brasileira. Sou baiana. A sabedoria ancestral do povo africano, que a mim foi transmitida pelos ‘meus mais velhos’ de maneira oral, não pode ser perdida, precisa ser registrada. Não me canso de repetir: o que não se registra o tempo leva. É por isso e para isso que escrevo. Compromisso continua sendo a palavra de ordem. Ela foi sentenciada por Mãe Aninha e eu a acato com devoção. Em um dos artigos que escrevi, eu digo: Comprometer-se é obrigar-se a cumprir um pacto feito, tenha sido ele escrito ou não. O verbo obrigar, que tem origem no latim obligare, significa unir.

A INTENÇÃO - ANUNCIANDO O CURSO

A intenção do Curso foi acessar debates críticos sobre a modernidade, saindo de paradigma desenvolvimentista e eurocêntrico, com ênfase no que se vem destacando como saberes pós e decoloniais. Considerando corpos de conhecimento sobre o outro pelo outro, ou melhor a outra, combinaram-se saberes, em especial de autores, autoras africanas, que investem em outra doxa, como em romances, o que extravasa a razão fatual, legitimando o imaginário; o que destaca o complexo etnicidade e raça no processo de se fazer nação e que, no caso de África, adverte que há que ir mais além do mapeado na literatura ocidental, por exemplo, como família, continente ou país. Ilustra tal chamada a crítica de Oyèronké (2005)Oyèronké, Oyèwùmí. (2005). Visualizing the body: western theories and African subjects. In: Oyèronké, Oyèwùmí (ed). African gender studies, a reader. New York: Palgrave McMillan, p. 3-22. ao feminismo ocidental, que segundo essa autora decolaria da família nuclear, enquanto em etnias como a igbo e a yoruba o conceito de família seria flexível, a depender dos vínculos etários e conjugações de autoridade e ancestralidade, o que, em muitos casos, desafiaria a centralidade de conceito caro ao feminismo ocidental, o de patriarcado. Alguns romances como os de Chimamanda Ngozi Adichie e Scholastique Mukasonga, tendo como cenário a primeira a formação e queda de Biafra e sua resistência, incluída a simbólica, sendo referência para muitos nigerianos mesmo depois que aquele projeto de país foi dizimado, e a segunda o modo como os conflitos entre as etnias tutsi e interesses de potências como a França, resultando no massacre de Ruanda, colocam em xeque a ideia da África como um continente uno e Ruanda como um país delimitado por fronteiras instituídas pelos colonizadores. Essas são ilustrações de conhecimento que busca o diverso e modelado pelos vencidos, ou seja, desmitificador da colonialidade do saber.

A ancestralidade, os vínculos parentais e o grupo étnico impõem normas de relações sociais, incluindo as de gênero, fronteiras culturais sinalizadoras de narrativas que não necessariamente autorizam representações sobre o pré- colonial, o colonial e o pós-colonial, por trajetórias que enfatizam uma África quer exótica ou selvagem, quer idílica. Uma doxa que adverte não serem sexualidade, gênero e religião necessariamente assuntos de micropolítica, mas, como bem reflete Mbembe (2001Mbembe, Achille. (2001). On the post colony. Berkeley: University of California Press. (##3), 2018Mbembe, Achille. (2018). Necropolitica. Biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte. São Paulo: N-1. (##3)), por exemplo, que podem colaborar com violências de Estado, em “necropolíticas”, assim como a reprodução do cotidiano potencializa moto de sustentação de sistemas opressivos, em especial para as mulheres, em nome do amor, do costume e da tradição, como sugere Federici (2017)Federici, Silvia. (2017). Colonização e cristianização. Calibã e as bruxas no Novo Mundo. In: Calibã e a bruxa. Mulheres, corpo e acumulação primitiva. São Paulo: Elefante, p. 378-418. (##4). Nessa linha, foram endereçados no Curso romances que destacam a obrigatoriedade de a mulher ser mãe para se realizar socialmente, cumprir costumes e sua subversão de sentidos, por mulheres, instituindo formações matriarcais territorializadas, na casa e na comunidade, e apelando para o poder do saber mágico (por exemplo, Yaa Gyasi, 2016Gyasi, Yaa. (2016). O caminho de casa. Rio de Janeiro: Rocco. (##7 Gana); Ayòbami Adébayo, 2018; Buchi Emecheta, 2017Emecheta, Buchi. (2017). As alegrias da maternidade. Porto Alegre: Dublinense. (##7 Nigéria - etnia igbo)).

As resistências, porém, estão em contares que rompem fronteiras disciplinares, quando as estórias de escritoras da África diaspórica, ao tempo que são narrativas biográficas ou de personagens imaginados, alimentados na herança de griôs, em rodas de fogueira dos ancestrais, são histórias de afetos e de violências, muitas que, se não se originaram com a colonização, em muito se acentuaram quando balas e bíblias se aliaram em biopolítica de terra/corpos arrasados e que, em período pós-colonial, se reproduzem por delegação aos “negros no poder”(ver Mbembe, 2001Mbembe, Achille. (2001). On the post colony. Berkeley: University of California Press. (##3)).

No Curso acessaram-se vozes da África, as polêmicas com feminismos tidos como eurocentrados (ver Oyèwùmí, 2008); investiu-se em conhecer como movimentos queer na África desestabilizam a ideia de uma África homogeneamente homofóbica e passiva (Rea, Paradis & Amâncio, 2018Rea, Caterina; Paradis, Clarisse Goulart & Amancio, Izzie Madalena Santos (orgs.). (2018). Traduzindo a África Queer. Salvador: Devires. (##6)). Refletiu-se com autores do campo de estudos pós e decoloniais e se estudou o modo como pioneiras do feminismo interseccional no Brasil, como Lélia Gonzales e Beatriz Nascimento, investiram em uma “Amefricanidade” (conceito desenvolvido por Lélia Gonzales) e no resgate do “saber de luta quilombola” (expressão de Beatriz Nascimento), o que significa ir além de afinidades idealizadas ou ancoradas na melanina. A ideia foi aprender que lugar de fala pede lugar de escuta, da nossa herança maior, para saberes decoloniais Sul-Sul.

A bibliografia do Curso, destacada aqui nas Referências, foi farta, mas não exaustiva e selecionada por afinidades; pedia, portanto, questionamentos e não leitura acrítica. Orientamo-nos pela intenção de incentivar que se fosse além do Curso, o que de fato se conseguiu, considerando que, nos trabalhos finais, não se limitaram as alunas à bibliografia discutida. Reconhece-se, contudo, que o tempo de curso (um semestre) foi pouco para o aprofundamento na literatura sugerida. O Curso foi construído combinando aulas que mais focalizaram um ou dois textos e seminários e trabalhos participativos que recorressem especialmente a romances e fizessem a ponte entre eles e os debates oriundos das ciências sociais. Assim exploraram-se os seguintes eixos temáticos:

  1. Etnicidade

  2. O “giro decolonial”, lugar da raça

  3. Pós-colonialismo - economia política, lugar do gênero, da sexualidade e do biopoder - violências

  4. Contribuições feministas ao debate sobre decolonialidade - vozes nas Américas

  5. A reprodução da vida - conceito com potencialidades para construção de um pensamento crítico feminista decolonial

  6. Exorcizando eurocentrismos em gênero - Críticas de pensadoras/es de países africanos

  7. Vozes da África no feminino. Romances da diáspora (seminários por alunas participantes)

  8. Saber desde a sexualidade e do sagrado, Brasil

  9. Pensamento afrodiaspórico no feminino - pioneiras, Brasil: Lélia Gonzalez e Beatriz Nascimento

O CURSO DO CURSO, ENTRELACES CONCEITUAIS

A seguir serão abordadas referências a alguns conceitos centrais do Curso, como etnicidade, raça e decolonialidade em perspectiva feminista, considerando entrelaces e autores discutidos.

Iniciou-se o Curso com panorâmica sobre o debate do conceito de etnicidade em distintos autores (ver Castro, 2018Castro, Mary Garcia. (2018). Gênero e etnicidade, conhecimentos de urgência em tempos de barbárie. Odeere, Revista do Programa de Pós-graduação em Relações Étnicas e Contemporaneidade, 3/6, p. 80-101. (##1)), privilegiando a formatação teórico-política, sugerida por Carneiro da Cunha (2017Carneiro da Cunha, Manuela. (2017). Cultura com aspas e outros ensaios. São Paulo: Ubu Editora.: 249), como segue:

Recapitularei um pouco - não será inútil, o que andei dizendo. Tentei mostrar que a etnicidade pode ser mais bem entendida se vista em situação, como uma forma de organização política; essa perspectiva tem sido muito fecunda e tem levado a considerar cultura como algo constantemente reelaborado, despojando-se, portanto, esse conceito do peso constituinte de que já fora revestido [...] etnicidade não seria uma cultura analítica, mas uma cultura ‘nativa’.

Se afirmou a propriedade de debates sobre etnicidade e grupos étnicos para a intenção de desmitificar homogeneidades e totalizações quando discutindo nações, em especial na África. De fato, os romances focalizados no Curso bem indicam diversidade de cosmovisões, práticas, sistemas de parentesco, conjugalidade, e o lugar da mulher em etnias como a dos tutsi em Ruanda (Mukazonga, 2017aMukazonga, Scholastique. (2017a). A mulher de pés descalços. São Paulo: Nós. (##7 Ruanda - etnia tutsi), 2017bMukazonga, Scholastique. (2017b). Nossa Senhora do Nilo. São Paulo: Nós. (##7 Ruanda - etnia tutsi), 2016Mukazonga, Scholastique. (2016). Coeur tambour. Paris: Folio/Gallimard. (##7 Ruanda - etnia tutsi) e 2006); dos igbo (Emecheta, 2017Emecheta, Buchi. (2017). As alegrias da maternidade. Porto Alegre: Dublinense. (##7 Nigéria - etnia igbo), 2018Emecheta, Buchi. (2018). Cidadã de segunda classe. Porto Alegre: Dublinense. (##7 Nigéria - etnia igbo), 2019Emecheta, Buchi. (2019). No fundo do poço. Porto Alegre: Dublinense. (##7 Nigéria - etnia igbo); Ngozi Adichie, 2008Ngozi Adichie, Chimamanda. (2008). Meio sol amarelo. São Paulo: Companhia das Letras. (##7 Nigéria - etnia igbo), 2009aNgozi Adichie, Chimamanda. (2009a). No seu pescoço. São Paulo: Companhia das Letras. (##7 Nigéria - etnia igbo), 2009bNgozi Adichie, Chimamanda. (2009b). Ibisco roxo. São Paulo: Companhia das Letras. (##7 Nigéria - etnia igbo) ); e dos yoruba (Adébáyo, 2018Adébáyo, Ayòbámi. (2018). Fique comigo. Rio de Janeiro: Haper Collins. (##7 Nigéria - etnia yoruba)) na Nigéria; e a etnia tzonga, em Moçambique (Chiziane, 2018Chiziane, Paulina. (2018). O alegre canto da perdiz. Porto Alegre: Dublinense. (##7 Moçambique - etnia tzonga) e 2013Chiziane, Paulina. (2013). Eu, mulher. Por uma nova visão de mundo. Revista do Núcleo de Estudos de Literatura Portuguesa e Africana da UFF, 5/10. (##7 Moçambique - etnia tzonga)). Identidade, tradição e fronteiras étnicas constituem conceito acionado na crítica a eurocentrismos quando a referência é gênero, como o faz Oyèronké (2000Oyèronké, Oyèwùmí. (2000). Family bonds/conceptual binds: African notes on feminist epistemologies. Signs, 25/4 (Feminisms at a millennium), p. 1093-1098., 2005Oyèronké, Oyèwùmí. (2005). Visualizing the body: western theories and African subjects. In: Oyèronké, Oyèwùmí (ed). African gender studies, a reader. New York: Palgrave McMillan, p. 3-22., 2018Oyèronké, Oyèwùmí. (2018). Conceitualizando gênero: a fundação eurocêntrica de conceitos feministas e o desafio das epistemologias africanas. In: Bernardino-Costa, Joaze; Maldonado-Torres, Nelson & Grosfoguel, Ramón (orgs.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico. Belo Horizonte: Autêntica, p. 171-182. (##6)), ao indicar, entre outros argumentos, que ancestralidade e sistemas de parentesco não restritos à família nuclear teriam mais força identitária também nas relações sociais entre sexos para a maioria dos grupos étnicos em países africanos.

O conceito de etnicidade se revela básico igualmente para o debate sobre colonialismo, pós-colonialismo e decolonialidade. Noções de tribo e etnia foram usadas pelos colonizadores para desumanizar os africanos, tidos como selvagens que se matariam uns aos outros por defesas de identidades étnicas, marginalizando o estatuto conceitual de etnia como “categoria histórica” relacionada a formas de pertença e, portanto, dinâmica. Segundo Amselle e M’Bokolo (2017Amselle, Jean-Loup & M’Bokolo, Elikia (orgs.). (2017). No centro da etnia. Etnias, tribalismo e Estado na África. Petrópolis: Vozes. 11), no prefácio do livro No centro da etnia. Etnias, tribalismos e Estado na África,

Alguns de nós estávamos cansados, no início dos anos de 1980, da vulgata jornalística que consistia e ainda consiste em explicar um acontecimento qualquer ocorrido no continente africano como ‘conflito tribal’ ou ‘luta étnica’ remetendo a uma espécie de selvageria essencial que apenas teria sido interrompida por um breve período, o da colonização europeia.

Chrétien (2017Chrétien, Jean-Pierre. (2017). Hutus e Tutsis no Ruanda e no Burundi. In: Amselle, Jean-Loup & M’Bokolo, Elikia (orgs.). No centro da etnia. Etnias, tribalismo e Estado na África. Petrópolis: Vozes, p. 169-212.: 179) demonstra que os hutu e os tutsi em Ruanda não se distinguiriam “nem pela língua, nem pela cultura, nem pela história, nem pelo espaço geográfico ocupado”; clivagens entre essas etnias, contudo, foram se aprofundando, até estimuladas pelo imperialismo colonial e o cristianismo, que representavam os tutsi, mais ‘claros’, como descendentes das figuras bíblicas Cam e Sem. Em literatura europeia do período 1930-1960, os tutsi eram representados como relacionados aos egípcios e culturas pastoris, e como superiores aos hutu, agricultores, os “negros”. Segundo o padre François Ménard em 1917 (Chrétien, 2017Chrétien, Jean-Pierre. (2017). Hutus e Tutsis no Ruanda e no Burundi. In: Amselle, Jean-Loup & M’Bokolo, Elikia (orgs.). No centro da etnia. Etnias, tribalismo e Estado na África. Petrópolis: Vozes, p. 169-212.: 179), “o tutsi é um europeu sob uma pele negra”.

Já em tempos pós-coloniais, ou seja, pós-independência de Ruanda e Burundi, a depender de seus interesses, belgas, franceses e alemães apoiavam politicamente, incluindo armamentos, ora os tutsi, ora os hutu. Os belgas, aliás, com a participação da Ação Católica colaboraram ativamente a partir da década de 1950 para o empoderamento dos hutu, considerando a preocupação europeia em “frear a ascensão dos nacionalismos, que atingia o Ruanda e o Burundi [em que os tutsi eram protagonistas] e de barrar o caminho ao comunismo” (Chrétien 2017Chrétien, Jean-Pierre. (2017). Hutus e Tutsis no Ruanda e no Burundi. In: Amselle, Jean-Loup & M’Bokolo, Elikia (orgs.). No centro da etnia. Etnias, tribalismo e Estado na África. Petrópolis: Vozes, p. 169-212.: 200), o que, para a Igreja, era associado a manifestações anticolonialistas.

No genocídio dos tutsi pelos hutu em 1994, registra-se a participação dos colonizadores, com silenciamento criminoso incluído:

Alguém tentou pará-los [os hutus]? ONU e Bélgica tinham forças de segurança em Ruanda, mas não foi dado à missão da ONU um mandato para parar a matança. Um ano depois que soldados norte-americanos foram mortos na Somália, os Estados Unidos estavam determinados a não se envolver em outro conflito africano. Os belgas e a maioria da força de paz da ONU se retiraram depois que 10 soldados belgas foram mortos. Os franceses, que eram aliados do governo hutu, enviaram militares para criar uma zona supostamente segura, mas foram acusados de não fazer o suficiente para parar a chacina nessa área. O atual governo de Ruanda acusa a França de ligações diretas com o massacre - uma acusação negada por Paris (BBC, 2014BBC. (2014). Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/04/140407_ruanda_genocidio_ms - 7.4.2014. Acesso em 20 mar. 2018.
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).

Note-se que Scholastique Mukasonga (2017a) no romance A mulher de pés descalços ilustra como práticas de mulheres tutsi, confinadas em uma área de refugiados, onde a população estava predestinada, como o foi, a ser exterminada pelos hutu, e, assim, colabora para a sobrevivência, pelo culto a tradições materiais e psicológicas da comunidade. A tese defendida por Federici (2019aFederici, Silvia. (2019a). O feminismo e a política dos comuns. In: Buarque de Hollanda, Heloisa. Pensamento feminista. Conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, p. 379-396. (##5), 2019bFederici, Silvia. (2019b). O ponto zero da revolução. Trabalho doméstico, reprodução e luta feminista. São Paulo: Elefante. (##5)), via debate teórico e pesquisas histórico-sociológicas, de que as mulheres foram e são elemento básico para a reprodução não somente de suas famílias e comunidades, mas do sistema macrorreferido, tem ilustrações existenciais nos romances explorados no Curso (ver destaques nas Referências).

O embaralhamento entre memórias, vidas vividas e estado de nações é característica da produção de autoras afrodiaspóricas, em romances que testemunham a reprodução da vida, bem como são constantes a ênfase na maternidade e o enfrentamento à reprodução de violências de várias ordens. Em Leal e Castro (2018Leal, Fernanda & Castro, Mary Garcia. (2018). A importância de outro lugar de escuta: autoras brasileiras e africanas sobre maternidade e feminismo. In: Esteves de Calazans, Marcia; Castro, Mary Garcia & Piñeiro, Emilia (orgs.). América Latina, corpos, trânsitos e resistências. V. 1. Porto Alegre: fi, p. 363-394.: 379), referências ao romance A mulher de pés descalços realçam tais dimensões:

Vozes femininas da África trazem outras ilustrações do matriarcado em nações dominadas pelo patriarcado e o colonialismo.

O relato de Scholastique Mukasonga (2017) sobre maternidade e o feminino destaca como sua mãe modelou proteção, esconderijos territoriais e anímicos, por trabalho de sobrevivência e afetos para seus filhos, sua família e contribuiu para a vida em comunidade de refugiados da etnia ruandense, tutsis, sob a constante ameaça e violências dos soldados da etnia inimiga hutus, antes do genocídio que contou com o apoio e o beneplácito das forças coloniais e as nações soberanas no cenário internacional de 1994.

Narrativa emblemática do ápice do “necropoder”, [segundo Mbembe] ‘um poder que embaralha as fronteiras entre resistência e suicídio, sacrifício e redenção, mártir e liberdade’ [Ver sobre necropoder, Mbembe, 2018Mbembe, Achille. (2018). Necropolitica. Biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte. São Paulo: N-1. (##3): 71].

Scholastique Mukazonga (2017aMukazonga, Scholastique. (2017a). A mulher de pés descalços. São Paulo: Nós. (##7 Ruanda - etnia tutsi): 153-154), assim termina o romance sobre sua mãe, que vivenciou o exílio no território de desterro e que com cerca de outros 30 membros da família foi exterminada quando do genocídio de 1994:

Em 1994, o estupro foi uma das armas usada pelo genocídio. Quase todos os estupradores eram portadores do vírus HIV. Nem toda a água de Rwakibirizi e de todas as nascentes de Ruanda teriam bastado para ‘lavar’ as vítimas da vergonha pela perversidade que sofreram. Nem toda a água seria suficiente para limpar os rumores que corriam dizendo que essas mulheres eram portadoras da morte, e fazendo com que todos as rejeitassem. Contudo, foi nelas próprias e nos filhos nascidos do estupro que essas mulheres encontraram uma fonte viva de coragem e a força para sobreviver e desafiar o projeto de seus assassinos. A Ruanda de hoje é o país das mães-coragem.

Autoras romancistas africanas, como Scholastique Mukazonga (2006Mukazonga, Scholastique. (2006). Inyenzi ou les cafards. Paris: Folio/Gallimard. (##7 Ruanda - etnia tutsi), 2017aMukazonga, Scholastique. (2017a). A mulher de pés descalços. São Paulo: Nós. (##7 Ruanda - etnia tutsi) e b), que mais se refere ao genocídio de Ruanda, e Chimamanda Ngozi Adichie (2008)Ngozi Adichie, Chimamanda. (2008). Meio sol amarelo. São Paulo: Companhia das Letras. (##7 Nigéria - etnia igbo), que aborda a Nigéria pós-colonial e o massacre de Biafra, ilustram também o ativo papel da Igreja, a católica e a protestante, na colonialidade do poder e do saber, conceitos esses que foram acessados por autores como Quijano (2000)Quijano, Aníbal. (2000). Colonialidad del poder, eurocentrismo y América Latina. In: Lander, Edgardo. La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales. Perspectivas latinoamericanas. 9 ed. Caracas: Clacso, p. 201-245. (##2), Lugones (2019)Lugones, María. (2019). Rumo a um feminismo decolonial. In: Buarque de Hollanda, Heloisa (org.). Pensamento feminista. Conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, p. 357-378. (##4) e Segato (2010)Segato, Rita Laura. (2010). Género y colonialidad: en busca de claves de lectura y de un vocabulario estratégico descolonial. In: Quijano, Aníbal & Navarrete, Julio Mejía (eds.). La cuestión descolonial. Lima: Universidad Ricardo Palma. (##2), entre outros.

Resgataram-se também no Curso tal tema, a colonização de mentes e o lugar da manipulação do sagrado, com os debates sobre a contemporaneidade, focalizando-se Brasil, quando, com Santana (2017aSantana, Marise de. (2017a). Formação étnica cristianizada de docentes. In: Rios, Jane Adriana Vasconcelos Pacheco (org.). Diferenças e desigualdades no cotidiano da educação básica. São Paulo: Mercado de Letras, p. 108-126. (##8): 108), se estudou o que essa autora discute como “formação étnica cristianizada de docentes”.

O tema etnicidade também colabora para o estudo de resistências em perspectiva decolonial e nele também se destacam raça e gênero, eixos que perpassaram vários blocos temáticos do Curso, presentes, aliás, nos romances.

De fato, no feminismo decolonial enfatiza-se decolar formas de resistência de distintas mulheres, conjugando raça e gênero, como aquelas de grupos não tidos como sujeitos na/da história em leituras mais convencionais, como os povos originais, os/as escravizados/as e os/as associados/as a “formas não capitalistas de exploração - quero dizer: formas de exploração não constitutivas do modo de produção capitalista - e ainda indispensáveis à dominação capitalista” (Cahen, 2018Cahen, Michel. (2018). O que pode ser e o que não pode ser colonialidade: para uma aproximação ‘pós-pós-colonial’ da subalternidade (Introdução). In: Cahen, Michel & Braga, Ruy. Para além do pós(-)colonial. São Paulo: Alameda, p 31-74.: 49).

Ballestrin (2013)Ballestrin, Luciana. (2013). América Latina e o giro decolonial. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbcpol/n11/04.pdf Acesso em 20 maio 2019. (##2)
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, em uma panorâmica da perspectiva decolonial, considera, entre outros, trabalho pioneiro de Quijano (2000)Quijano, Aníbal. (2000). Colonialidad del poder, eurocentrismo y América Latina. In: Lander, Edgardo. La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales. Perspectivas latinoamericanas. 9 ed. Caracas: Clacso, p. 201-245. (##2) e sua ênfase em raça como categoria estruturante da modernidade, inaugurada segundo ele com o ‘descobrimento’ da América, a colonização e a desumanização e a exploração do indígena e do negro.

De fato, uma das primeiras questões que sugere a perspectiva decolonial é a desumanização do colonizado, por meio dos sistemas de raça e gênero (Lugones, 2019Lugones, María. (2019). Rumo a um feminismo decolonial. In: Buarque de Hollanda, Heloisa (org.). Pensamento feminista. Conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, p. 357-378. (##4)).

No feminismo decolonial, parte-se da crítica a conceitos de desenvolvimento ancorados em produtividade, extrativismo, competição, propriedade privada, divisões sócio-sexuais do trabalho e marginalização da natureza; enfatiza-se a diversidade de sujeitos para outras histórias que não aquelas encaixadas em um neocolonialismo/imperialismo/capitalismo e, em especial, recorre-se à noção de interseccionalidade entre raça, gênero e classe, focalizando resistências comunitárias, considerando sobretudo práticas de povos andinos (Ver entre outros, sobre crítica aos conceitos de desenvolvimento baseados em produtividade e extrativismo, em Barragan et al., 2016Barragán, Margarita Aguinaga et al. (2016). Pensar a partir do feminismo. In: Dilger, Gerhard; Lang, Miriam & Pereira Filho, Jorgel. Descolonizar o imaginário. Debates sobre pós-extrativismo e alternativas ao desenvolvimento. São Paulo: Fundação Rosa Luxemburgo (Grupo Permanente de Trabalhos sobre Alternativas ao Desenvolvimento), p. 88-121. (##4)).

A perspectiva decolonial, como formulada por Quijano (2000)Quijano, Aníbal. (2000). Colonialidad del poder, eurocentrismo y América Latina. In: Lander, Edgardo. La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales. Perspectivas latinoamericanas. 9 ed. Caracas: Clacso, p. 201-245. (##2), é ampliada por Lugones (2008Lugones, María. (2008). Colonialidad y género. Tabula Rasa, 9, p. 73-101., 2010Lugones, María. (2010). Toward a decolonial feminism. Hypatia, 25/4, p. 742-759., 2014Lugones, María. (2014). Radical multiculturalisms and women of color feminisms. Journal for Cultural and Religious Theory, 13/1, p. 68-80.) que, além de raça, enfatiza a íntima relação entre sistema colonial de raça e de gênero. Lugones (2008)Lugones, María. (2008). Colonialidad y género. Tabula Rasa, 9, p. 73-101. cunha o conceito de “sistema colonial/moderno de gênero” no debate sobre a colonialidade do poder.

Raça, segundo Quijano (2000)Quijano, Aníbal. (2000). Colonialidad del poder, eurocentrismo y América Latina. In: Lander, Edgardo. La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales. Perspectivas latinoamericanas. 9 ed. Caracas: Clacso, p. 201-245. (##2) seria uma categoria inventada para legitimar a exploração colonial, inaugurando a modernidade, afirmando a superioridade do poder, do saber e do ser (formas de vida) eurocêntricos. Lugones (2008)Lugones, María. (2008). Colonialidad y género. Tabula Rasa, 9, p. 73-101. aceita tal formulação, mas critica o modo como Quijano concebe gênero, não criticando o viés heteronormativo e biológico, nem singularizando na colonização e hoje as mulheres negras e indígenas, ou seja, as não brancas.

Yuderkys Espinosa Miñoso (2016)Miñoso, Yuderkys Espinosa. (2016). De por qué es necesario un feminismo decolonial: diferenciación, dominación co-constitutiva de la modernidad occidental y el fin de la política de identidad. Glefas Solar, 12/1, p. 141-171. DOI. 10.20939/solar.2016.12.0109.
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, em 2008 estudante de filosofia orientanda de María Lugones e coorganizadora de uma das mais importantes publicações no campo de estudos feministas decoloniais - Tejiendo de “otro modo”: feminismo, epistemología y apuestas descoloniales en Abya Yala (Miñoso, Muñoz & Correal, 2014Miñoso, Yuderkys Espinosa; Muñoz, Karina Ochoa & Correal, Diana Marcela Gómez. (2014). Tejiendo de “otro modo”: feminismo, epistemología y apuestas descoloniales en Abya Yala. Popayán: Editorial Universidad del Cauca.) -, assim se refere a María Lugones:

Para Lugones (2008)Lugones, María. (2008). Colonialidad y género. Tabula Rasa, 9, p. 73-101., a divisão hierárquica e dicotômica entre humanos e não humanos é a marca central da colonialidade ocidental. Desse modo, o conceito de humanidade refere-se, de fato, a um tipo de humano - o homem branco europeu. A autora argumenta que a missão civilizatória ocidental cristã se concentrou na transformação do não humano colonizado em homem e mulher, por meio dos códigos de gênero e raça ocidentais (Costa, 2014). A partir dessas análises, Lugones evidencia a impossibilidade de pensar uma crítica feminista que não leve em consideração os mecanismos de dominação colonial racista (Miñoso, 2016Miñoso, Yuderkys Espinosa. (2016). De por qué es necesario un feminismo decolonial: diferenciación, dominación co-constitutiva de la modernidad occidental y el fin de la política de identidad. Glefas Solar, 12/1, p. 141-171. DOI. 10.20939/solar.2016.12.0109.
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: 12).

Yuderkys Espinosa Miñoso (2016)Miñoso, Yuderkys Espinosa. (2016). De por qué es necesario un feminismo decolonial: diferenciación, dominación co-constitutiva de la modernidad occidental y el fin de la política de identidad. Glefas Solar, 12/1, p. 141-171. DOI. 10.20939/solar.2016.12.0109.
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lembra que, além do feminismo negro, como delineado por autoras norte-americanas, indígenas, e do feminismo comunitário relacionado a movimentos nas regiões andinas da América Latina, a proposta de Lugones se orienta por aportes de Quijano, aceitando a crítica à modernidade, em sua versão eurocêntrica, e sua defesa como produto da conquista e colonização, bem como sua ênfase na raça como estruturante de processos sócio-econômico-político-culturais na América Latina. Argumenta que a proposta do feminismo decolonial combinaria elaborações sobre classe com a “crítica ao feminismo pós-estruturalista, ao essencialismo da categoria mulher e à política de identidade”2 2 Criticas del feminismo posestructuralista, al esencialismo de la categoría mujer y la política de identidad. e como a colonização na América Latina, calcada no princípio de diferenças, legitimou violências e naturalizou um “sistema capitalista, heteropatriarcalista y racista que erige a Europa como centro de la civilización”.

Lugones (2019)Lugones, María. (2019). Rumo a um feminismo decolonial. In: Buarque de Hollanda, Heloisa (org.). Pensamento feminista. Conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, p. 357-378. (##4) reflete sobre sentidos de termos aymaras que, traduzidos, não expressariam o conteúdo de resistências situadas. Haveria, portanto, a necessidade de cuidar do que chama de colonialidade da língua, já que “colonialidade de gênero é vivida linguisticamente na tensão de feridas coloniais” (Lugones, 2019Lugones, María. (2019). Rumo a um feminismo decolonial. In: Buarque de Hollanda, Heloisa (org.). Pensamento feminista. Conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, p. 357-378. (##4): 360).

Também é em escritos de feministas decoloniais que se tem elaborações de como a organização patriarcal, via a heterossexualidade compulsória, colaboraria com a colonialidade do poder por forças coloniais como a Igreja e o Estado imperial, e como tais forças continuariam a colonizar corpos e mentes hoje, reproduzindo via fundamentalismos e familismos, violências simbólicas e outras contra mulheres e tidos como povos LGBTQ+.

Lugones (2019)Lugones, María. (2019). Rumo a um feminismo decolonial. In: Buarque de Hollanda, Heloisa (org.). Pensamento feminista. Conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, p. 357-378. (##4) defende a impossibilidade de pensar uma crítica feminista que não leve em consideração os mecanismos de dominação colonial racista. E enfatiza pesquisas considerando a relação raça e etnicidade, bem como a importância de compreender cosmovisões nativas desde a lógica nativa, abandonando a ideia de uma mulher universal e buscando “aprender sobre outros e outras que também resistem à diferença colonial”, já que a prática decolonial pede busca de comunalidades de resistências.

Sobre perspectiva feminista decolonial, no Curso também se discutiu texto de Rita Segato (2010)Segato, Rita Laura. (2010). Género y colonialidad: en busca de claves de lectura y de un vocabulario estratégico descolonial. In: Quijano, Aníbal & Navarrete, Julio Mejía (eds.). La cuestión descolonial. Lima: Universidad Ricardo Palma. (##2). Essa antropóloga conta com reconhecido acervo de pesquisas em diversas partes da América Latina no campo de estudos de gênero, direitos humanos e políticas, como aquele sobre feminicídios em Ciudad Juarez, no México, outro sobre a cultura yoruba e gênero, no Brasil e na África, e mais recentemente com mulheres em territórios indígenas, no Brasil. Segato (2010)Segato, Rita Laura. (2010). Género y colonialidad: en busca de claves de lectura y de un vocabulario estratégico descolonial. In: Quijano, Aníbal & Navarrete, Julio Mejía (eds.). La cuestión descolonial. Lima: Universidad Ricardo Palma. (##2) discute vínculos entre patriarcado, violências que vitimizam mulheres, racismo e colonização, ontem e hoje - colonialidades -, e o lugar do Estado em tais processos. Discute ainda a complexa relação entre o que chama de mundo da aldeia e o mundo do Estado.

Segato (2010)Segato, Rita Laura. (2010). Género y colonialidad: en busca de claves de lectura y de un vocabulario estratégico descolonial. In: Quijano, Aníbal & Navarrete, Julio Mejía (eds.). La cuestión descolonial. Lima: Universidad Ricardo Palma. (##2) discorda de Lugones (2008)Lugones, María. (2008). Colonialidad y género. Tabula Rasa, 9, p. 73-101. e de Oyèronké Oyèwùmí (2005) que defendem a ideia de que o patriarcado e o sistema de gênero teriam chegado na América Latina e na África com a conquista e a colonização, e que não fariam parte do período pré-colonial. Para ela “há uma grande acumulação de evidências históricas e relatos etnográficos que mostram de forma incontestável a existência de nomenclaturas de gênero nas sociedades pré-intrusão”3 3 hay una gran acumulación de evidencias históricas y relatos etnográficos que muestran de forma incontestable la existencia de nomenclaturas de género en las sociedades pre-intrusión. (Segato, 2010Segato, Rita Laura. (2010). Género y colonialidad: en busca de claves de lectura y de un vocabulario estratégico descolonial. In: Quijano, Aníbal & Navarrete, Julio Mejía (eds.). La cuestión descolonial. Lima: Universidad Ricardo Palma. (##2): 77).

Segato (2010)Segato, Rita Laura. (2010). Género y colonialidad: en busca de claves de lectura y de un vocabulario estratégico descolonial. In: Quijano, Aníbal & Navarrete, Julio Mejía (eds.). La cuestión descolonial. Lima: Universidad Ricardo Palma. (##2) desenvolve a tese de que o mundo Estado e o mundo aldeia têm singularidades e que se entrelaçam, caracterizando o mundo aldeia como palco de um “patriarcalismo de baixa intensidade”. Com a colonização, pelo mundo Estado, instala-se no mundo aldeia um “patriarcalismo de alta intensidade”, marcado por violências várias, como as de gênero. A autora, porém, questiona a possibilidade do isolamento do mundo aldeia, e trabalha, junto com mulheres indígenas, para garantia de sua autonomia e de sua inscrição em políticas sociais do mundo Estado:

A pergunta que surge é: Desde o longo processo de colonização europeia, o estabelecimento do padrão de colonialidade, e o aprofundamento posterior da ordem moderna em mãos das Repúblicas, muitas delas tanto ou mais crueis que o próprio colonizador de ultramar, poderia agora, subitamente, o Estado se retirar? Apesar de que a colonialidade é uma matriz que ordena hierarquicamente o mundo de forma estável, esta matriz tem uma história interna: há, por exemplo, não só uma história que instala a episteme da colonialidade do poder e da raça como classificador, senão também uma história da raça dentro dessa episteme, e também uma história das relações de gênero dentro mesmo do cristal do patriarcado. Ambas respondem à expansão dos tentáculos do Estado modernizador no interior das nações, entrando com suas instituições com uma mão e com o mercado com a outra, desarticulando, rasgando o tecido comunitário, levando ao caos e introduzindo uma desordem profunda em todas as estruturas que aqui existiam e no próprio Cosmo (Segato, 2010Segato, Rita Laura. (2010). Género y colonialidad: en busca de claves de lectura y de un vocabulario estratégico descolonial. In: Quijano, Aníbal & Navarrete, Julio Mejía (eds.). La cuestión descolonial. Lima: Universidad Ricardo Palma. (##2): 150).4 4 La pregunta que surge es ¿Después del largo proceso de la colonización europea, el establecimiento del patrón de la colonialidad, y la profundización posterior del orden moderno a manos de las Repúblicas, muchas de ellas tanto o más crueles que el propio colonizador de ultramar, podría ahora, súbitamente, el estado retirarse? A pesar de que la colonialidad es una matriz que ordena jerárquicamente el mundo de forma estable, esta matriz tiene una historia interna: hay, por ejemplo, no solo una historia que instala la episteme de la colonialidad del poder y la raza como clasificador, sino también una historia de la raza dentro de esa episteme, y hay también una historia de las relaciones de género dentro mismo del cristal del patriarcado. Ambas responden a la expansión de los tentáculos del Estado modernizador en el interior de las naciones, entrando con sus instituciones en una mano y con el mercado en la otra, desarticulando, rasgando el tejido comunitario, llevando el caos e introduciendo un desorden profundo en todas las estructuras que aquí existían y en el propio cosmos (Segato 2010: 15).

AS ALUNAS, DEBATES E INTERESSES

O Curso teve dez alunas. A maioria chegou como ouvinte de outras unidades de ensino e de áreas diversas como direito, letras, sociologia, psicologia social, política e antropologia, e com um comum interesse: acercamento a estudos sobre gênero-raça e classe e certo mal-estar com caixas disciplinares, bem como busca por conhecimentos indisciplinados, como leituras feministas decoloniais.

À pergunta feita na primeira aula, “Por que do interesse no curso?”, algumas respostas das pós-graduandas bem sugerem tais inquietações epistemológicas e existenciais:

  • - Tenho interesse sobre gênero e nos debates sobre decolonialidade, considerando o Brasil. Quero estudar branquitude.

  • - Mais conhecer sobre a intersecção gênero, classe e raça. Curso ciências políticas, e não vemos muito sobre esse tema, e em especial quero ler sobre etnicidade. É tema que só interessa a estudos sobre África e povos tradicionais? Por que é importante hoje?

  • - Primeira vez que vejo um programa de curso na área de ciências sociais apelar para romances e de escritoras feministas negras. Venho de direito, lá nem pensar.

  • - É tanto tipo de feminismo, e agora mais esse “feminismo decolonial”, quero conhecer a proposta.

  • - Fala-se muito em intersecção entre classe, raça e gênero, mas a ementa do curso atrai porque parece que focaliza processos históricos, e que pensa sair do lugar-comum.

  • - Parece que África está de moda, mas o foco do curso em etnicidade atrai para mais conhecer diversidades culturais e olhares feministas, como das escritoras afrodiaspóricas sobre uma África que nos chega, como diz a ementa do curso, de forma idealizada por uns e tão negativa por tantos.

  • - Sei não, mas o curso me estimula indagar sobre minha ancestralidade; conhecendo mais sobre o outro creio que mais nos conhecemos; nosso passado colonial e colonialidades ou heranças coloniais.

A avaliação do Curso constava de fichamentos semanais das leituras, apresentação em seminário do romance lido e apresentação de textos sobre temas do curso, ao final.

Era comum em especial nos seminários e no trabalho final o recurso a pesquisas próprias sobre dimensões dos romances, como a etnia de referência e sua história, pré, durante e pós-períodos colonial, bem como comparações com os debates sobre raça no Brasil. Outro tema comum foi como o feminismo negro apresenta questões de gênero, maternidade e família, e em que medida os romances focalizados colaborariam com tais debates, como, por exemplo, a combinação patriarcado e matriarcado, este último exercido principalmente no cuidado dos filhos e, muitas vezes, pela equação de provedora e cuidadora comum às mulheres negras pobres no Brasil e personagens de romances como os de Chiziane (2018)Chiziane, Paulina. (2018). O alegre canto da perdiz. Porto Alegre: Dublinense. (##7 Moçambique - etnia tzonga) e de Emecheta (2017Emecheta, Buchi. (2017). As alegrias da maternidade. Porto Alegre: Dublinense. (##7 Nigéria - etnia igbo), 2018Emecheta, Buchi. (2018). Cidadã de segunda classe. Porto Alegre: Dublinense. (##7 Nigéria - etnia igbo) e 2019). Foram ricas as reflexões no coletivo aula sobre legados africanos, aproveitando a riqueza dos detalhes sobre costumes étnicos e mudanças com o processo colonizador, em especial pela repressão e imposição de parâmetros cristãos pela Igreja quando do período colonial. Tal tema, assim como dispositivos de perspectiva feminista decolonial sobre mudanças em padrões de masculinidade com a colonização e por aí imposição da heteronormatividade (ver Lugones, 2008Lugones, María. (2008). Colonialidad y género. Tabula Rasa, 9, p. 73-101. e Segato, 2010Segato, Rita Laura. (2010). Género y colonialidad: en busca de claves de lectura y de un vocabulario estratégico descolonial. In: Quijano, Aníbal & Navarrete, Julio Mejía (eds.). La cuestión descolonial. Lima: Universidad Ricardo Palma. (##2)), além de ter amplas ilustrações em romances estudados (exempli gratia Emecheta, 2017Emecheta, Buchi. (2017). As alegrias da maternidade. Porto Alegre: Dublinense. (##7 Nigéria - etnia igbo)) foi no coletivo aula referido a casos contemporâneos no Brasil, pesquisas em desenvolvimento pelas alunas.

De fato, muitas fizeram pontes entre questões de gênero focalizadas nos romances e situações vividas ou conhecidas, por lógica comparativa. Os títulos de trabalhos finais ilustram combinações feitas pelas alunas entre ciências sociais, literatura e corpos locais (histórico/geográficos e em gênero): “Criminalização por tráfico de droga. Necropolítica e herança colonial”; “O massacre de Ruanda, colonização e resistências no feminino”; “Colonialidade, tecnologia e computação. Iniciativas no movimento dos trabalhadores rurais sem terra - legados africanos”; “Vozes da África. Debates de gênero, raça, etnia e classe: a pluralidade de vozes em Meio sol amarelo”; A articulação do pensamento feminista negro para uma resistência/agência à colonização de gênero/raça/classe”; “Menos que humano, apenas uma mulher: Nossa Senhora do Nilo e o processo de desumanização da Outra no conflito ruandês”, e “Feminismo negro no Brasil, em que medida as romancistas africanas colaboram para essa perspectiva”

NOTAS QUASE FINAIS

A relação entre intenção e gesto do “Curso Pós-colonialismo e Decolonialidades: etnicidade, reprodução, gênero e sexualidade - Vozes da África” é alinhavada neste texto/notas, relacionando sua organização à proposta de feministas decoloniais, como as citadas, com ênfase no entrelace histórico, entre gênero e raça, para um saber sobre uma outra história sobre modernidade e situações em países do Sul, como em África e América Latina; no resgate de vozes subalternizadas, suas estórias, contadas por autoras, no caso, afrodiaspóricas; no cuidar dos limites de saberes disciplinares, demarcados por uma razão hegemônica, a da razão objetiva, que marginaliza o idealizado, o sacralizado, o ‘fantasiado’ e por um corpo único, como o eurorreferenciado; no exercício da interdisciplinaridade, no caso entre ciências sociais e literatura

Os seminários pelas alunas a partir dos romances de autoras afrodiaspóricas e seus trabalhos finais primaram pela combinação de suas análises e das formulações mais teóricas, de caráter sociológico ou de outras áreas das ciências sociais sobre colonialismo, pós-colonialismo e perspectiva decolonial discutidas no Curso e em alguns casos pesquisas em outros textos, como sobre o massacre de Ruanda, e comparações com casos no Brasil quanto a vivências e representações sobre sexualidade e gênero.

Consideramos que foi positiva a metodologia pedagógica de combinar saberes, debates informados pela história, antropologia, sociologia e filosofia com peças de uma literatura singular, como a que transita por literalidade e oralidade, estórias e histórias, o existencial, vivido e referenciado a tradições, relações próprias de períodos pré-coloniais, coloniais e pós-coloniais em territórios africanos, frisando resistências no feminino. Ficaram, entretanto, alguns senões a mais considerar em outros cursos, como os riscos de simplificar temas complexos que pedem, cada, uma disciplina em si, como o da pós-colonialidade, da modernidade/colonialidade e das diversas perspectivas feministas sobre decolonialidade. A sensação é de que mais que apresentar tais temas em profundidade se despertou o interesse das alunas por perseguir leituras e outros cursos sobre tais temas.

A crítica literária apresentada nos seminários pode se configurar como heresia para os treinados em letras e literatura, pelo fato de ser informada principalmente pelos debates de autores das ciências sociais, e por se orientar, sem nenhuma instrução didática, pelo princípio feminista de que “o pessoal é político”, já que as expositoras recorriam a paralelos entre os dramas dos personagens e casos vividos ou conhecidos.

De fato fica da experiência do Curso a ideia de que há que mais discutir sobre linguagens próprias de cada disciplina, comum preocupação de debates sobre interdisciplinaridade (Vasconcelos, 2002Vasconcelos, Eduardo Mourão. (2002). A complexidade e pesquisa interdisciplinar. Epistemologia e metodologia operativa. Petrópolis: Vozes.) e ser mais seletivo quanto a temas e referências.

Entretanto se considera que a ambígua mistura propiciada pelos romances, sobre o eu, questões como mulheres em diversas relações, em especial de gênero, se movem, e por debates contextualizados, sobre outros, outras, tão idealizados e desqualificados como os conhecimentos relacionados a uma África imaginada, colaborou para questionar colonialidades do saber, chamar a atenção para limites da dita superioridade da razão ocidentalizada, o lugar até do pensamento mágico, do sagrado e de outras lógicas culturais, como de algumas etnias africanas referidas nos romances, e por incentivar buscas por mais conhecer propostas de resistências étnicas em práticas diversas e assim desestabilizar hegemonias em várias dimensões do ser, do poder e do saber, postura tão necessária em tempos de ódios fundamentalistas e racializados.

NOTAS

  • 1
    A referência é o “Curso sobre pós-colonialismo e decolonialidades - etnicidade, reprodução, gênero e sexualidades” ministrado por Mary Garcia Castro - com a colaboração de Thays Monticelli, PhD em sociologia, pós-doutoranda - no âmbito do Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia/IFCS/UFRJ, durante o segundo semestre de 2019. Agradeço a Thays Monticelli e às alunas que dele participaram a colaboração por ricos debates em sala. Também agradeço a Thays Monticelli e Amanda Volotão - doutoranda em sociologia, com formação em letras e também aluna no Curso -, bem como a pareceristas da revista Sociologia & Antropologia. Essas pessoas em muito contribuíram com seus comentários para a revisão do artigo
  • 2
    Criticas del feminismo posestructuralista, al esencialismo de la categoría mujer y la política de identidad.
  • 3
    hay una gran acumulación de evidencias históricas y relatos etnográficos que muestran de forma incontestable la existencia de nomenclaturas de género en las sociedades pre-intrusión.
  • 4
    La pregunta que surge es ¿Después del largo proceso de la colonización europea, el establecimiento del patrón de la colonialidad, y la profundización posterior del orden moderno a manos de las Repúblicas, muchas de ellas tanto o más crueles que el propio colonizador de ultramar, podría ahora, súbitamente, el estado retirarse? A pesar de que la colonialidad es una matriz que ordena jerárquicamente el mundo de forma estable, esta matriz tiene una historia interna: hay, por ejemplo, no solo una historia que instala la episteme de la colonialidad del poder y la raza como clasificador, sino también una historia de la raza dentro de esa episteme, y hay también una historia de las relaciones de género dentro mismo del cristal del patriarcado. Ambas responden a la expansión de los tentáculos del Estado modernizador en el interior de las naciones, entrando con sus instituciones en una mano y con el mercado en la otra, desarticulando, rasgando el tejido comunitario, llevando el caos e introduciendo un desorden profundo en todas las estructuras que aquí existían y en el propio cosmos (Segato 2010Segato, Rita Laura. (2010). Género y colonialidad: en busca de claves de lectura y de un vocabulario estratégico descolonial. In: Quijano, Aníbal & Navarrete, Julio Mejía (eds.). La cuestión descolonial. Lima: Universidad Ricardo Palma. (##2): 15).
  • 5
    As referências no final assinaladas com ## integraram o programa do Curso, e a numeração que se segue a esses símbolos corresponde aos blocos em que ele se dividiu, a saber: 1. Etnicidade; 2. O “giro decolonial”. Lugar da raça; 3. Pós-colonialismo - economia política, lugar do gênero, da sexualidade e do biopoder - violências; 4. Contribuições feministas ao debate sobre decolonialidade - Vozes nas Américas; 5. A reprodução da vida - conceito com potencialidades para construção de um pensamento crítico feminista decolonial; 6. Exorcizando eurocentrismos em gênero - pensadoras/es feministas e relacionados/as à militância e ao debate queer em países da África; 7. Vozes da África no feminino. Romances da diáspora (seminários por alunas participantes) segundo grupo étnico e país referenciados; 8. O saber desde a sexualidade e o sagrado, Brasil; 9. Pensamento afrodiaspórico no feminino - pioneiras, Brasil: Lélia Gonzalez e Beatriz Nascimento.

REFERÊNCIAS5 5 As referências no final assinaladas com ## integraram o programa do Curso, e a numeração que se segue a esses símbolos corresponde aos blocos em que ele se dividiu, a saber: 1. Etnicidade; 2. O “giro decolonial”. Lugar da raça; 3. Pós-colonialismo - economia política, lugar do gênero, da sexualidade e do biopoder - violências; 4. Contribuições feministas ao debate sobre decolonialidade - Vozes nas Américas; 5. A reprodução da vida - conceito com potencialidades para construção de um pensamento crítico feminista decolonial; 6. Exorcizando eurocentrismos em gênero - pensadoras/es feministas e relacionados/as à militância e ao debate queer em países da África; 7. Vozes da África no feminino. Romances da diáspora (seminários por alunas participantes) segundo grupo étnico e país referenciados; 8. O saber desde a sexualidade e o sagrado, Brasil; 9. Pensamento afrodiaspórico no feminino - pioneiras, Brasil: Lélia Gonzalez e Beatriz Nascimento.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    13 Fev 2020
  • Revisado
    02 Mar 2021
  • Aceito
    11 Mar 2021
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