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POR UMA REVOLUÇÃO CONSERVADORA: O CENTRO ACADÊMICO DE ESTUDOS JURÍDICOS E O FASCISMO NO CONTEXTO DA REVOLUÇÃO DE 19301 1 Agradeço a Vera Alves Cepêda, Jorge Chaloub, Paulo Cassimiro, Lidiane Soares Rodrigues, José Henrique Artigas, Alan Caldas, José Augusto de Souza e aos professores que me receberam na Universidade de Bolonha, Matteo Pasetti e Alessio Gagliardi, pelas reflexões ao longo da pesquisa para este artigo. Meus agradecimentos também aos revisores anônimos e à equipe editorial de Sociologia & Antropologia, cujas sugestões e correções foram essenciais para a forma final deste texto. Agradeço, por fim, ao auxílio concedido pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), processo nº 2018/10885-3.

FOR A CONSERVATIVE REVOLUTION: THE CENTRO ACADÊMICO DE ESTUDOS JURÍDICOS AND FASCISM DURING THE REVOLUTION OF 1930

Resumo

O Centro Acadêmico de Estudos Jurídicos (Caju), formado por estudantes da Faculdade Nacional de Direito, foi um dos principais grupos de orientação católica e fascista que surgiu e atuou no Rio de Janeiro no contexto da Revolução de 1930, antes da organização da Ação Integralista Brasileira. Entre seus membros, estão importantes políticos e intelectuais do século XX, como Octávio de Faria, San Tiago Dantas, Hélio Vianna, Américo Jacobina Lacombe, Almir de Andrade e Vinícius de Moraes. Com o objetivo de entender o processo de diferenciação ideológica entre os diversos intelectuais e atores autoritários e, em especial, o papel que o ideário fascista desempenhou na luta política do período, neste artigo, reconstrói-se a trajetória do Caju e de seus membros, buscando caracterizar seu pensamento político e sua atuação no contexto de derrocada da ordem oligárquica da Primeira República.

Palavras-chave:
Revolução de 1930; Legiões Revolucionárias; Catolicismo; Fascismo; Integralismo

Abstract

The Academic Center for Law Studies (Centro Acadêmico de Estudos Jurídicos - CAJU), formed by students from the National Faculty of Law (Rio de Janeiro, Brazil), was a major Catholic and fascist-oriented group that emerged and operated in Rio de Janeiro during the Revolution of 1930, before the creation of the Brazilian Integralist Action. Among its members are important intellectuals and politicians of the 20th century, such as Octávio de Faria, San Tiago Dantas, Hélio Vianna, Américo Jacobina Lacombe, Almir de Andrade, and Vinícius de Moraes. To understand the process of ideological differentiation between authoritarian intellectuals and actors and, especially, the role that fascist ideology played in the political struggle of the period, this article reconstructs the trajectory of CAJU and its members, characterizing their political thought and action amidst the collapse of the First Republic’s oligarchic order.

Keywords:
Revolution of 1930; Legiões Revolucionárias; Catholicism; Fascism; Integralism

INTRODUÇÃO

Embora a Revolução de 1930 tenha sido uma revolução de elites, a sua conflagração deve ser entendida no contexto de derrocada do sistema de dominação oligárquica da Primeira República acelerada pela sua incapacidade em responder às demandas da diferenciação social crescente no país (Camargo, 1983Camargo, Aspásia (1983). A revolução das elites: conflitos regionais e centralização política. In: A Revolução de 30: seminário internacional. Brasília: Editora UnB.; Viscardi, 2001Viscardi, Cláudia. (2001). O teatro das oligarquias: uma revisão da “política do café com leite”. Belo Horizonte: Editora C/Arte.). A associação entre segmentos dissidentes das oligarquias nos estados do Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraíba (a Aliança Liberal) contra o candidato paulista, Júlio Prestes, à Presidência nas eleições de 1930 abriu espaço para a participação e a inclusão de demandas de novos atores sociais, sobretudo quando os tenentes se juntaram à coalizão para derrubar o governo de Washington Luís e instaurar em novembro de 1930 o Governo Provisório, comandado por Getúlio Vargas.

Desde muito cedo após a tomada do poder, iniciaram-se embates entre as forças que formavam a heterogênea coalizão revolucionária para definir os rumos do novo governo, de forma que os primeiros anos após a revolução foram marcados por grande incerteza e indefinição (Pandolfi, 2017Pandolfi, Dulce. (2017). Os anos 1930: As incertezas do regime. In: Ferreira, Jorge & Delgado, Lucília (orgs.). O tempo do nacional-estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. 8º ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.; Skidmore, 1992Skidmore, Thomas. (1992). Brasil: de Getúlio a Castelo. 10. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra.). Neste contexto de luta política, “mesmo sem ter constituído um marco na história das idéias, [a Revolução de 1930] foi um evento que abriu espaço para o debate de projetos políticos, permitindo que pensadores pudessem apresentar propostas capazes de se traduzirem em ação governamental” (Oliveira, 1982aOliveira, Lúcia Lippi. (1982a). Introdução. In: Oliveira, Lúcia Lippi et al. (orgs.). Estado novo: ideologia e poder. Rio de Janeiro: Zahar.: 15). A maioria dos intelectuais do período inclinou-se para o nacionalismo e o antiliberalismo característicos do período do entreguerras, sendo influenciados pelas diversas propostas de reorganização estatal e societal de matriz católica, fascista e parafascista (Bohoslavsky et al., 2019Bohoslavsky, Ernesto et al. (orgs.). (2019). Las derechas iberoamericanas: Desde el final de la Primera Guerra hasta la Gran Depresión. Ciudade de México: El Colegio de México.; Pinto, 2019Pinto, Antonio Costa. (2019). Latin American dictatorships in the era of fascism: the corporatist wave. London: Routledge., 2021Pinto, Antonio Costa. (2021). An authoritarian third way in the era of fascism: diffusion, models and interactions in Europe and Latin America. Cham: Palgrave Macmillan.; Pinto & Martinho, 2016Pinto, Antonio Costa & Martinho, Francisco (orgs.). (2016). A vaga corporativa: corporativismo e ditaduras na Europa e na América Latina. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais.).

Autores como Oliveira Vianna, Azevedo Amaral e Almir de Andrade propuseram um modelo autoritário burocrático desmobilizante, característico dos regimes parafascistas da Europa, que serviu de base para a construção do Estado Novo, entre 1937 e 1945 (Pinto, 2020Pinto, Antonio Costa. (2020). Brazil in the era of fascism: the “New State” of Getúlio Vargas. In: Iordachi, Constantin & Kallis, Aristotle (orgs.). Beyond the fascist century: essays in honour of Roger Griffin. New York: Springer International Publishing.). Ao mesmo tempo, intelectuais como Plínio Salgado, Miguel Reale, Octávio de Faria e San Tiago Dantas defenderam a adoção de modelos de organização estatal e societário fortemente influenciados pelo fascismo, nos moldes de uma Revolução Conservadora, oferecendo uma via alternativa radical de conservação da ordem, encarnada pela Ação Integralista Brasileira (AIB), concorrente ao liberalismo oligárquico e ao modelo autoritário vitorioso2 2 De acordo com Cassimiro (2018), o conceito de Revolução Conservadora baseia-se em “uma certa concepção permanente e ilimitada da participação que caracterizariam a teoria e a prática do totalitarismo” e sintetizaria o pensamento autoritário de tipo fascista no Brasil, em contraste com o autoritarismo burocrático desmobilizante e o conservadorismo tradicionalista (à la Jackson de Figueiredo). Sobre o pensamento autoritário do período no Brasil, conferir Santos (1978), Lamounier (1983), Fausto (2001), Jasmim (2007), Cassimiro (2018). Sobre a AIB e as recepções do fascismo no Brasil, conferir Trindade (1979, 2016), Araújo (1987), Bertonha (2020), Gonçalves & Caldeira Neto (2022). .

Com o objetivo de entender o processo de diferenciação ideológica entre os diversos intelectuais e atores autoritários e, em especial, o papel que o ideário fascista desempenhou na luta política da virada da década de 1920, neste artigo, reconstrói-se a trajetória do Centro Acadêmico de Estudos Jurídicos (Caju), um dos principais grupos de orientação católica e fascista que surgiram e atuaram naquele período na capital federal. Através da análise de revistas, jornais, memórias, documentos pessoais, correspondências, textos e discursos dos membros do grupo, busca-se caracterizar seu pensamento político e sua atuação no contexto de derrocada da ordem oligárquica da Primeira República.

Veremos que os membros do centro estabeleceram redes de relações com os intelectuais católicos e autoritários do Rio de Janeiro e de São Paulo e lançaram uma das publicações de direita mais importantes do período, a Revista de Estudos Jurídicos. Influenciados fortemente pelo pensamento católico e pelo nacionalismo antiliberal, passaram a assumir posições explicitamente identificadas com o modelo fascista italiano, a partir de 1931. Observou-se também que o Caju atuou juntamente à ala tenentista da coalizão revolucionária para tentar implementar seu programa de inspiração fascista, bem como estabeleceu laços com outros intelectuais que favoreceram sua adesão à AIB, em 1933, e os habilitaram a participar de importantes espaços do Estado Novo, entre 1938 e 1945.

DA UNIVERSIDADE AO CÍRCULO CATÓLICO E AUTORITÁRIO DO RIO DE JANEIRO

A Faculdade Nacional de Direito, fundada no Rio de Janeiro em 1920 a partir da fusão de Faculdade Livre de Sciencias Juridicas e Sociaes e da Faculdade Livre de Direito, constituiu-se nas décadas de 1920 e 1930 como uma das instâncias principais de recrutamento e formação dos quadros políticos e intelectuais da classe dirigente no país, sendo, portanto, um espaço privilegiado do debate e disputa das ideias políticas que aconteciam no país naquele período (Venâncio Filho, 2011Venâncio Filho, Alberto. (2011). Das arcadas ao bacharelismo: 150 anos de ensino jurídico no Brasil. 2. ed. São Paulo: Perspectiva.: 309).

No final dos anos 1920, estabeleceram-se importantes divisões entre os docentes e estudantes da faculdade, as quais refletiam o desmantelamento do sistema de dominação oligárquica e as mudanças no regime de triagem e recrutamento dos bacharéis, incentivando a diferenciação ideológica entre eles por meio da importação de sistemas de pensamento, tais como as doutrinas de Le Play, Pareto, Durkheim e Marx. Na Faculdade Nacional de Direito, essas disputas se deslocavam “do terreno estritamente jurídico para a esfera das teorias políticas e sociais acerca do papel do Estado” (Miceli, 2001Miceli, Sérgio. (2001). Intelectuais à brasileira. São Paulo: Companhia das Letras.: 124) e se dividiram em dois polos principais: aqueles que defendiam posições espiritualistas (inspiradas pela sociologia católica, pelo pensamento contrarrevolucionário francês e pela nova direita europeia) e os defensores dos princípios materialistas, que se aproximavam do campo comunista.

Entre as associações estudantis mais importantes surgidas na Faculdade Nacional de Direito estava o Centro Acadêmico Jurídico Utilitário, fundado em 1º de setembro de 1927 por cinco primeiranistas: Aroldo de Azevedo, Sílvio Lacerda de Abreu, Auricélio de Oliveira Penteado, Flávio Caldeira Brant e Vicente Constantino Chermont de Miranda. Apelidado de Caju e presidido por Chermont de Miranda, o centro tinha como objetivos “estimular entre seus afiliados o estudo das matérias do curso e influir politicamente no meio universitário e na vida nacional” (Dutra, 2014Dutra, Pedro. (2014). San Tiago Dantas: a razão vencida. São Paulo: Singular.: 99).

Em 1928, passou a chamar-se Centro Acadêmico de Estudos Jurídicos, mantendo o apelido Caju3 3 Os membros do grupo também utilizavam a sigla Caej. Na literatura sobre a época, as poucas menções ao centro utilizam a nomenclatura Caju. , e a admitir novos membros. Naquele ano ingressaram no centro os estudantes Américo Jacobina Lacombe (1909-1993), Plínio Doyle da Silva (1906-2000), Antonio Gallotti (1908-1986) e Gilson Amado (1908-1979). Em 1929, entraram Hélio Vianna (1908-1972) e Francisco Clementino de San Tiago Dantas (1911-1964). Octávio de Faria (1908-1980), Thiers Martins Moreira (1904-1970) e Almir Bonfim de Andrade (1911-1991) foram admitidos em 1930. Juntamente com o presidente Chermont de Miranda (1909-2000), estes estudantes constituíram o grupo mais ativo e proeminente do Caju no contexto da Revolução de 1930 e nas décadas seguintes4 4 Além desses membros que formaram um grupo mais assíduo e militante, também integraram o Caju, segundo os registros da Revista de Estudos Jurídicos: Henrique La Roque Almeida, Ubyrajara Guimarães, Clovis P. da Rocha, Deocleciano Martins, Elmano Cruz, Milton Haddad, Rosa e Silva Netto, Monjardim Filho, Darcy Roquette Vaz, João Correa da Costa, Oswaldo Fonseca, Telio Barreto, David Penna Aarão Reis, Antonio Balbino, Luiz Andrade, Rodrigues de Freitas, Victor Sant’Anna, J. A. Frota Moreira, Moacyr de Olliveira, Vinicius de Moraes, Agnaldo Amado, Alvaro Penafiel, Antonio Horacio A. Caldeira, Augusto Rocha, Ruy Bernardes, Carlos Dagoberto A. Lima, Carlos de Moraes Pereira, Raul Sant’Anna, Waldock Sampaio, E. C. Reis Martins, Petrarcha C. M. Maranhão. Houve também a candidatura de Maria Luiza Doria de Bittencourt, com a tese Extradição no direito brasileiro, que teria sido recusada, segundo depoimento de Chermont de Miranda, por ela ser uma mulher. A revista registra esse episódio da seguinte maneira: “Debatido o assunto acesamente pelo Departamento, em várias sessões, revelou a autora cultura jurídica e agilidade na argumentação. Não foi votada, entretanto, a requerimento da candidata, a sua inclusão no quadro social do Departamento” (Revista de Estudos Jurídicos, vol. 1, n. 2, ago 1930: 149). .

Os membros do Caju eram provenientes em sua maior parte de famílias que, apesar de não ocuparem posições centrais dentre as classes dirigentes da Primeira República, estavam ligadas ao trabalho de dominação, exercendo funções intelectuais (Octávio de Faria, Plínio Doyle, Américo Lacombe), militares (San Tiago Dantas, Almir de Andrade) e políticas (Gilson Amado); ou pertenciam a famílias importantes de lugares distantes dos centros de poder (Chermont de Miranda). Outros pertenciam a famílias de empresários e imigrantes (Antonio Gallotti, Thiers Moreira). Em todos os casos, os investimentos escolares e culturais e a militância político-partidária seriam indispensáveis para a sua reprodução na nova ordem que se implantaria no país a partir da Revolução de 1930.

Em sua maioria ligados às elites dominantes da Primeira República, os cajuanos fizeram parte de uma geração que cresceu e se formou sob forte impacto das contestações políticas, sociais e estéticas à ordem implantada em 1891: as revoltas tenentistas, o movimento modernista, as agitações operárias, as campanhas civilistas, as críticas de intelectuais ao descompasso entre o Brasil real e o Brasil legal. Nesse contexto, a figura do bacharel e a prática do bacharelismo foram largamente identificadas com os males da Primeira República e com o distanciamento entre as instituições e o meio social brasileiro5 5 Sobre a crise do bacharelismo, conferir Adorno (1988), Venâncio Filho (2011) e Sontag (2008). . Ao mesmo tempo, novos tipos de profissionais (médicos, engenheiros, economistas) e um novo tipo de intelectual voltado para o diagnóstico da realidade e para a ação prática (a construção da nação) passaram a ganhar espaço no cenário público6 6 Sobre a ascensão de novas profissões e tipos de intelectuais na primeira metade do século XX no Brasil, conferir Gomes et al. (1994) e Cepêda & Deffacci (2008). . O nacionalismo e o antiliberalismo consolidaram-se como paradigmas dominantes em grande parte da intelectualidade do período, como se atesta pela posição central alcançada pela obra de Oliveira Vianna na cultura nacional até pelo menos a segunda metade dos anos 1930 (Carvalho, 1991Carvalho, José Murilo. (1991). A utopia de Oliveira Vianna. Estudos Históricos, IV/7, p. 82-99.).

Viveram também em um ambiente em que, sobretudo na capital federal, o catolicismo avançava com seu bem-sucedido projeto de recristianização da sociedade brasileira, apostando prioritariamente na conversão das elites intelectuais (Beozzo, 1986Beozzo, José Oscar. (1986). A Igreja entre a Revolução de 1930, o Estado Novo e a Redemocratização. In: Fausto, Boris (org.). O Brasil Republicano. São Paulo: Difel. v. 4. (História Geral da Civilização Brasileira, t. 3).; Mainwaring, 1989Mainwaring, Scott. (1989). A Igreja Católica e a política no Brasil, 1916-1985. São Paulo: Brasiliense.). No Rio de Janeiro, sob a direção de Jackson de Figueiredo e o apoio do então arcebispo dom Sebastião Leme, a revista A Ordem e o Centro Dom Vital, fundados em 1921 e 1922, respectivamente, conseguiram reunir em torno de si um importante grupo de militantes católicos leigos dispostos a expandir o programa político da Igreja ao longo das décadas de 1920 e 1930 (Arduini, 2014Arduini, Guilherme. (2014). Os soldados de Roma contra Moscou: A atuação do Centro Dom Vital no cenário político e cultural brasileiro (Rio de Janeiro, 1922-1948). Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo.; Rodrigues & Paula, 2012Rodrigues, Cândido & Paula, Christiane Jales de. (2012). Intelectuais e militância católica no Brasil. Cuiabá: EdUFMT.). No momento em que o Caju se formava, o Centro Dom Vital, liderado desde 1928 pelo crítico literário recém-convertido Alceu Amoroso Lima, e a Livraria Católica, dirigida pelo poeta Augusto Frederico Schmidt, eram frequentados por grande parte da intelectualidade do período. As rodas de conversas aconteciam diariamente na livraria, reunindo personalidades de diversos matizes ideológicos como Manoel Bandeira, Afonso Arinos de Melo Franco, Hamilton Nogueira, Sobral Pinto, Perilo Gomes, Nelson Romero, Amaro Simoni, Agripino Grieco, Lourival Fontes, Álvaro Moreyra, Marques Rebelo e Jayme Ovalle. O círculo católico constituiu-se no principal centro irradiador do pensamento de direita na capital federal às vésperas e nos anos iniciais da Revolução de 1930, colocando à disposição do público a literatura nacionalista e corporativista em moda na Europa e passando a publicar autores nacionais do campo autoritário (Dutra, 2014Dutra, Pedro. (2014). San Tiago Dantas: a razão vencida. São Paulo: Singular.; Oliveira, 1982bOliveira, Lúcia Lippi. (1982b). O romance e o pensamento político nos anos 30. Revista de Ciências Sociais (UFC), XIII/1-2, p. 147-63.).

Dentro da faculdade, o Caju procurou se distinguir como um grupo de alunos notáveis. Para ingressarem no centro, os postulantes deveriam apresentar uma tese de direito, sociologia ou história, que deveria ser aprovada com unanimidade pelo grupo. A severidade na admissão garantiria “a perfeita unidade do Centro para um ambiente em que os seus membros podem trabalhar, sem empecilhos de desigualdades e desconfianças” (Amado, 1930Amado, Gilson. (1930). Discurso pronunciado na sessão solemne de anniversario do C.A.E.J., a 1º de outubro de 1929. Revista de Estudos Jurídicos, I/1, p. 40-45.: 41). Com o objetivo de alcançar a excelência no estudo do direito em um ambiente onde, julgavam, “o bacharelismo e o academicismo detestável leva ao endeusamento dos logares communs” (Amado, 1930Amado, Gilson. (1930). Discurso pronunciado na sessão solemne de anniversario do C.A.E.J., a 1º de outubro de 1929. Revista de Estudos Jurídicos, I/1, p. 40-45.: 44), os cajuanos tinham como uma de suas principais atividades a participação em comissões técnicas onde debatiam e preparavam materiais para o estudo das disciplinas do curso. Também promoviam periodicamente ciclos de comunicações em que os membros e personalidades convidadas - tais como Amoroso Lima, Conde Affonso Celso, Haroldo Valladão, Castro Rebello - abordavam assuntos de cultura geral, filosóficos e políticos, com especial atenção à sociologia católica, aos problemas da formação nacional e ao experimento fascista italiano.

Entre 1927 e 1929, os cajuanos alcançaram grande notoriedade acadêmica, participando ativamente nas disputas que se acirravam dentro da faculdade, envolvendo tanto docentes quanto agremiações estudantis. Posicionaram-se firmemente dentre os defensores do espiritualismo, combatendo os grupos estudantis da esquerda, como a Liga dos Estudantes Vermelhos. Alguns deles também foram importantes membros da Ação Universitária Católica (AUC)7 7 A AUC foi fundada em 1929, no Rio de Janeiro, como parte das instituições da reação católica, e englobada em 1935 pela Ação Católica. Os estatutos da AUC, aprovados em 1930 pelo cardeal dom Sebastião Leme, encontram-se em A Ordem (n. 7, jun. 1930). A partir desse número, a revista passou a publicar uma seção dedicada ao movimento católico nas universidades (Seção Universitária). , como Antonio Gallotti e Américo Jacobina Lacombe. Sobre o ambiente intelectual vivido naquele momento na Faculdade Nacional de Direito, Lacombe diz:

Nós tínhamos fama de fascistas. Havia também o grupo comunista que era muito sério e do qual fazia parte o Letelba Rodrigues de Brito, um dos maiores comunistas da turma, e o Chico Mangabeira, antigo católico piedoso que tinha se transformado em comunista [...]. Algumas vezes a coisa chegava às vias de fato. O Letelba teve uma briga firme com o Chermont. Estapearam-se. O Castro Rebelo, que era de esquerda, implicava muito comigo. Ele desconfiava de mim e me chamava de fascista [...]. Ele foi paraninfo e eu me recusei a ser paraninfado por ele. Doze alunos da minha turma formaram na secretaria, para não ter Castro Rebelo como paraninfo. O Castro ficou com uma raiva danada. E, na nossa missa, quem falou foi o padre Leonel Franca, que era o maior padre da época, um grande orador (Lustosa, 1996Lustosa, Isabel. (1996). Lacombe, narrador. Rio de Janeiro: Fund. Casa de Rui Barbosa.: 25).

Para além da universidade, os cajuanos se inseriram no debate que tomava conta da capital federal na década de 1920. Aproveitando-se da rede de relações familiares de alguns membros do grupo8 8 Alguns dos membros do Caju vinham de família com grande influência na política, na educação e nos círculos católicos. Octávio de Faria era cunhado de Alceu Amoroso Lima e de Afrânio Peixoto. Gilson Amado era irmão do senador Gilberto Amado e primo de Jorge Amado (que teve seu primeiro romance, O país do carnaval, publicado em 1931 pela Editora Schmidt). A mãe de Américo Lacombe, Isabel Jacobina Lacombe, dirigia o prestigioso Colégio Jacobina de ensino privado para as moças da elite da capital; Isabel, Américo e sua irmã, Laura Jacobina Lacombe, exerceram importante militância católica no movimento pedagógico brasileiro. , os integrantes do Caju se ligaram ao círculo católico e autoritário do Rio de Janeiro. Assistiam às palestras e aos cursos ministrados por Alceu Amoroso Lima e pelo padre França no Colégio Santo Inácio, visitavam autores importantes, como Oliveira Vianna e Pontes de Miranda, e sentavam-se à roda da Livraria Católica.

Apesar de sua intenção de influir na realidade, os membros do Caju não apoiaram a Aliança Liberal durante a campanha para as eleições presidenciais. Naquele momento, a coligação dissidente agitava de forma inédita as camadas médias e populares no Brasil9 9 No Rio de Janeiro, a campanha levou 100 mil pessoas ao comício de Getúlio Vargas na Esplanada do Castelo em janeiro de 1930 (Camargo, 1996: 69). , acabando por extravasar os limites do acordo entre elites que a caracterizava inicialmente e canalizando o descontentamento oposicionista generalizado na sociedade (Camargo, 1983Camargo, Aspásia (1983). A revolução das elites: conflitos regionais e centralização política. In: A Revolução de 30: seminário internacional. Brasília: Editora UnB.). No entanto, para Gilson Amado, orador do Caju, “apesar do espalhafato, não creio na tal Aliança Liberal [...], não me atrai [...] esse liberalismo” (Dutra, 2014Dutra, Pedro. (2014). San Tiago Dantas: a razão vencida. São Paulo: Singular.: 198). Em outro de seus discursos, ao mesmo tempo que afirmava a disposição do grupo para a renovação da política e da sociedade, procurava distanciá-lo do que considerava a “gritaria inconsciente contra o estado de coisas do Brasil” (Amado, 1930Amado, Gilson. (1930). Discurso pronunciado na sessão solemne de anniversario do C.A.E.J., a 1º de outubro de 1929. Revista de Estudos Jurídicos, I/1, p. 40-45.: 43). Amado diferenciava o Caju daqueles que tentavam subverter a ordem: “nós, com serenidade, doutrinariamente, procuramos conhecer os grandes complexos nacionais, buscar as causas do problema antes de criticá-lo ou considerá-lo invencível” (Amado, 1930Amado, Gilson. (1930). Discurso pronunciado na sessão solemne de anniversario do C.A.E.J., a 1º de outubro de 1929. Revista de Estudos Jurídicos, I/1, p. 40-45.: 43).

NACIONALISMO, CATOLICISMO, FASCISMO

Entre 1929 e 1930, os cajuanos passaram a publicar artigos em importantes jornais e revistas da capital10 10 San Tiago Dantas estreou em O Jornal, em 1929, com o artigo “O grande livro de Tristão de Athayde”. Na revista católica A Ordem, sob a direção de Alceu Amoroso Lima e Perillo Gomes, Octávio de Faria foi responsável pela seção “Crônica de Arte”, em 1929, e pela “Crônica Literária”, em 1930; San Tiago publicou os artigos “Conceito de sociologia”, em junho de 1930, e “Catolicismo e fascismo”, em janeiro de 1931. Octávio e San Tiago também participaram, em 1930, da publicação Novidades Literárias, organizada por Augusto Frederico Schmidt, responsáveis respectivamente pelas seções “Crítica Literária” e “Crônica Universitária”. e organizaram uma das mais importantes publicações carioca de direita, a Revista de Estudos Jurídicos11 11 No total, quatro números da revista seriam lançados nos anos de 1930 (números 1 e 2) e 1931 (números 3 e 4). . Dois meses após a derrota da Aliança Liberal nas eleições presidenciais, em maio de 1930, o centro lançou o primeiro número da sua revista. Encarada como um desdobramento do seu programa e uma tentativa de alargar seu campo de lutas para além da faculdade, a revista contava com a colaboração de professores de direito e importantes intelectuais autoritários e católicos, tais como Oliveira Vianna e Alceu Amoroso Lima, além de veicular artigos escritos pelos cajuanos.

Desde o primeiro número, a revista alcançou o sucesso esperado, obtendo avaliações elogiosas nos principais órgãos da imprensa carioca12 12 Segundo excertos de jornais veiculados no segundo número da Revista de Estudos Jurídicos (p. 185-186): “uma lacuna sensível que vem de ser preenchida” (A Noticia, 9 jun. 1930); “mais uma iniciativa de grande relevo à série brilhante de trabalhos que constitue o seu programma” (Gazeta de Notícias, [s.d.]); “se destina a collaborar seriamente no futuro do Brasil” (Correio da Manhã, [s.d.]). e reconhecimento entre a intelectualidade. Oliveira Vianna, por exemplo, escreveu a Chermont de Miranda, em 2 de julho de 1930: “Li-o interessadíssimo. [...] Sinto que a mocidade acadêmica está começando a sair da apatia, [...] agita-se, toma directrizes, inicia a marcha no sentido das grandes ideias [...]. Podem contar com toda a minha simpatia” (Vianna, O., 1930Vianna, Oliveira. (1930). Carta a Chermont de Miranda. Revista de Estudos Jurídicos, I/2, p. 186-187.: 186).

As teses de candidatura ao centro e os artigos publicados na Revista de Estudos Jurídicos e outros periódicos revelam a inclinação ideológica dos membros. Criticavam o sistema de governo e as instituições adotadas desde a Constituição de 1891, as quais teriam sido fruto da mimetização do liberalismo europeu pelas elites políticas e intelectuais desatentas às peculiaridades da formação nacional e da psicologia política da população. Para San Tiago Dantas, desde os fins do Império, vinha se fortalecendo entre as elites uma tendência cultural inspirada em fórmulas filosóficas e políticas estrangeiras que se distanciava cada vez mais da realidade nacional:

Foi-se demarcando assim no plano moral, no plano político e no plano econômico, uma dupla natureza do povo brasileiro. Duas correntes, já disse há tempos Plínio Salgado, uma que vai do país para a cultura, outra que vem da cultura para o país. Uma extrínseca, que deu forma aos nossos institutos políticos, e que vai atacando e destruindo a outra intrínseca, criadora das resistências espirituais da raça (Dantas, 2016Dantas, San Tiago. (2016). Escritos políticos (1929-1945). Organização de Pedro Dutra. São Paulo: Singular.: 77-78).

Apoiando-se na obra de Alberto Torres e Oliveira Vianna, o grupo considerava que as propostas de organização do sistema político e da sociedade deveriam derivar de um diagnóstico bem feito do “meio” brasileiro, de forma que:

A tarefa máxima da atual geração brasileira é a de preparar-se para essa luta decisiva de adaptação ao meio, de abrasileiração, de compreensão e realização das finalidades nacionais, a que nos iam levando a Colônia e o Império, e de que fomos afastados pelos mitos democráticos importados pelos frutos esterilizantes do individualismo de Rousseau. Só o reatamento do Brasil às suas tradições políticas e sociais pode levá-lo à atinção de seus objetivos, não se coadunando tais tradições com o regime atual, falho em todas as suas experiências de quarenta anos, baseado como é, em saradíssimas suposições (Vianna, H., 1930Vianna, Hélio. (1930). A organisação do trabalho no interior brasileiro: aspectos sociaes. Revista de Estudos Jurídicos, I/1: 33-39.: 39).

Imbuído da missão de colaborar para o conhecimento do Brasil e para a construção de novas instituições, o Caju também preparava desde antes do primeiro número da revista um amplo estudo sobre a “formação nacional”. O Inquérito de Sociologia Brasileira, como foi chamado, foi elaborado por Américo Lacombe, San Tiago Dantas, Octavio de Faria e Hélio Vianna (que formavam a Comissão de Sociologia do Caju) e seria divulgado no terceiro número da revista.

Os cajuanos se inclinaram fortemente para o pensamento católico do período, sendo influenciados pela corrente tradicionalista e contrarrevolucionária (De Maistre, Le Play, Jackson de Figueiredo), mas, principalmente, por uma vertente católica mais aberta que aceitava as configurações da sociedade moderna e propunha o corporativismo enquanto forma de organização social e política moderna (proveniente da encíclica Rerum novarum e do personalismo neotomista de Jacques Maritain)13 13 Sobre o pensamento católico no Brasil, conferir Villaça (1975), Manoel (2004), Souza (2021) e Abreu & Costaguta (2021). Sobre o pensamento católico de San Tiago Dantas, conferir Caldas & Ribeiro (2022) e Ribeiro (no prelo). .

Nesse sentido, os cajuanos consideravam que o mundo moderno passava por um período de grave crise e desorientação gerado pelos valores vitoriosos da Reforma Protestante e da Revolução Francesa, como defende Octávio de Faria, em sua tese de candidatura ao Caju, intitulada A desordem no mundo moderno:

quiz o XVIII século lançar no mundo essa semente de insubordinação, de desordem, de liberdade a todo custo, que me parece ser a causa profunda desse desastre que é o mundo moderno. Evidentemente antes da Revolução Francesa e de todas as “revoluções” existe a Reforma e existe o Renascimento. É de fato nesses acontecimentos que caracterizam o início da idade moderna que a maioria dos pensadores católicos (v. Maritain, v. Massis, v. Claudel, v. entre nós Leonel Franca, Tristão de Athayde, etc.) vêem a origem de toda a desordem de hoje. A constatação me parece perfeitamente exacta (Faria, 1930Faria, Octávio de. (1930). Desordem no mundo moderno. Revista de Estudos Jurídicos, I/2, p. 124-134.: 128).

Para Faria, o principal problema da filosofia iluminista e dos teóricos da Revolução Francesa estaria na falsa ideia de que todos os homens seriam iguais e capazes de participar das coisas públicas - “mania moderna de que todo o mundo sendo igual deve saber de tudo” (Faria, 1930Faria, Octávio de. (1930). Desordem no mundo moderno. Revista de Estudos Jurídicos, I/2, p. 124-134.: 132) - e, portanto, na destruição da ideia de que a condução da política estaria reservada apenas a uma elite de homens excepcionais - “fúria contra o homem-exceção” (Faria, 1930Faria, Octávio de. (1930). Desordem no mundo moderno. Revista de Estudos Jurídicos, I/2, p. 124-134.: 131).

Ao disseminar esses ideais no mundo, a Revolução Francesa havia sido responsável por ensinar grupos a rebelar-se contra a ordem natural das coisas. E da mesma forma como a burguesia havia se rebelado contra a aristocracia, o proletariado se via no mesmo direito de fazê-lo, como se havia verificado na Revolução Russa de 1917:

O mundo aprendeu com a Revolução Francesa os meios eficazes para destruir a ordem estabelecida. Como se sapava o edifício e depois como se destruía. Hoje, na pessoa da sua classe menos bem servida: o proletariado, aplica aos beneficiados da Revolução Francesa [a burguesia] os mesmos meios. [...] Se estar em posição inferior, se sofrer é argumento suficiente para a revolta - essa “revolta de escravos” de que o gênio de Nietzsche tão bem soube escarnecer - e se por outro lado a “força” é aceita como argumento - tudo será possível no futuro, como já o é em parte no presente (Faria, 1930Faria, Octávio de. (1930). Desordem no mundo moderno. Revista de Estudos Jurídicos, I/2, p. 124-134.: 130-131).

San Tiago Dantas adotava um raciocínio semelhante sobre os efeitos nocivos da Revolução Francesa no mundo. Para ele, as sociedades ocidentais modernas, europeias e americanas, passavam por uma grave crise gerada pela ascensão dos valores individualistas e materialistas a partir da Reforma Protestante e da Revolução Francesa, que afirmavam o primado dos fatores econômicos sobre os demais aspectos da vida. Assim, “o erro histórico cujas consequências nós sofremos foi justamente cindir a ordem econômica dos demais aspectos sociais, e, pela eliminação crescente de toda a sobrenaturalidade que impregnava a civilização medieval, vir chegar a isolá-la como única realidade” (Dantas, 2016Dantas, San Tiago. (2016). Escritos políticos (1929-1945). Organização de Pedro Dutra. São Paulo: Singular.: 26).

Diante das questões postas pelo capitalismo industrial e pela ascensão das massas à política no século XX, o liberalismo e o Estado liberal haviam fracassado. Caminhar para o comunismo, pensava San Tiago, seria a consequência inevitável das sociedades modernas que haviam rompido com as suas fontes espirituais e afirmado o materialismo. San Tiago pensava que as premissas da Revolução Francesa e do liberalismo, “desenvolvidas nas suas conclusões extremas, levam primeiro ao capitalismo e depois ao socialismo” (Dantas, 2016Dantas, San Tiago. (2016). Escritos políticos (1929-1945). Organização de Pedro Dutra. São Paulo: Singular.: 31). Assim, para ele, “só a reconstituição do todo orgânico, social, em que economismo e espiritualidade se harmonizavam pode verdadeiramente solucionar o problema, que dentro do economismo encontra apenas soluções parciais” (Dantas, 2016Dantas, San Tiago. (2016). Escritos políticos (1929-1945). Organização de Pedro Dutra. São Paulo: Singular.: 26). San Tiago se declarava adepto de um novo humanismo católico, como propunha Jacques Maritain: “nós afirmamos, contra o materialismo histórico dos nossos tempos, que os fenômenos econômicos são simples epifenômenos dos fenômenos espirituais” (Dantas, 2016Dantas, San Tiago. (2016). Escritos políticos (1929-1945). Organização de Pedro Dutra. São Paulo: Singular.: 56).

Para os cajuanos, as sociedades ocidentais encontravam-se naqueles anos em momentos decisivos em que teriam de escolher entre aprofundar as consequências do modelo materialista, através do comunismo (uma vez que o liberalismo estava morto), e a refundação social, a partir da retomada da visão católica do homem. Essas eram as duas opções às quais o mundo se encaminhava necessariamente, no início da década de 1930. No entanto, os autores entendiam que não era possível apostar apenas em uma revolução espiritual pautada na transformação interior e, dessa forma, era preciso investigar qual seria a forma política disponível mais adequada à realização da obra católica no mundo moderno.

Ao longo de 1931, o fascismo italiano, que até então permanecia como objeto de curiosidade e interesse14 14 San Tiago, por exemplo, apresentou a seus colegas uma palestra sobre o Estado fascista em 1929 (Dutra, 2014: 126 e 160) e, em carta a Chermont de Miranda, revelava os planos de fazer “um longo ensaio, cem ou cento e poucas páginas, sobre o corporativismo fascista e cristão. Ensaio que publicarei na ‘Ordem’, em três ou quatro números” (Dutra, 2014: 176). , passaria a fornecer para o grupo um modelo de organização estatal e societário capaz de solucionar os males do mundo moderno e de ser aplicado mesmo para o Brasil, guardadas as especificidades nacionais15 15 Como ressalta Cassimiro (2018: 150), “a linguagem política do fascismo ofereceria a uma parte importante dos nacionalistas autoritários no Brasil aquilo que seu diagnóstico sobre a crise espiritual e política do mundo moderno demandava como forma de mobilização política”. . Em seus artigos escritos naquele ano, San Tiago Dantas argumentou que o fascismo seria “o mais cristão dos sistemas políticos modernos” (Dantas, 2016Dantas, San Tiago. (2016). Escritos políticos (1929-1945). Organização de Pedro Dutra. São Paulo: Singular.: 61) e “o único grande dique contra o comunismo” (Dantas, 2016Dantas, San Tiago. (2016). Escritos políticos (1929-1945). Organização de Pedro Dutra. São Paulo: Singular.: 91). Em seu livro Machiavel e o Brasil, que obteve grande repercussão na época, Octávio de Faria reconheceu em Mussolini o “homem-exceção” maquiaveliano e viu no fascismo italiano a linguagem política mais adequada ao mundo moderno16 16 Sobre o pensamento político de Faria e sua repercussão no debate público, ver Sadek (1978). .

Os cajuanos se declararam contrários à quebra da ordem constitucional até a eclosão da Revolução de 1930. Em 1º de outubro de 1930, dois dias antes de se iniciar o movimento armado que deporia o governo de Washington Luís, o Caju realizou uma sessão solene em comemoração ao seu terceiro aniversário na qual foram apresentados os primeiros resultados do seu Inquérito de Sociologia Brasileira. Na ocasião, os membros reafirmaram o seu compromisso com as mudanças no país, mas distanciando-se das forças revolucionárias que estavam prestes a pôr fim à Primeira República. Os cajuanos consideravam-se “a mocidade do cedro de cem anos”, um grupo que encarnava as melhores tradições das elites brasileiras e que, por isso, deveriam assumir posições centrais no processo político, como demonstra o discurso de seu presidente, Chermont de Miranda:

Estamos na história do Centro, em um momento grave, em que regredir é morrer, em que estacionar é capitular. [...] avançar na confusão, sem com ela confundir-se. A sua ideologia já se não pode cingir aos estreitos limites universitários; nem a sua história poderá ser somente a história de uma florescente sociedade acadêmica. [...] no grande movimento de renovação que se inicia, o Centro ocupará, sem dúvida, vanguarda (Miranda, 1931Miranda, Chermont de. (1931). Relatorio geral. Revista de Estudos Juridicos e Sociaes, II/3, p. 59-60.: 59).

POR UMA REVOLUÇÃO CONSERVADORA

Em 3 de novembro de 1930, Vargas assumiu a chefia do Governo Provisório, fechando os legislativos nacional, estaduais e municipais, depondo os governadores dos estados e revogando a Constituição de 1891. Desde muito cedo iniciaram-se os embates entre os dois grupos que formavam a Aliança Liberal (oligarcas dissidentes e ala tenentista) pela definição dos rumos do novo governo. Enquanto as oligarquias dissidentes se coadunaram na defesa da constitucionalização do novo regime, a ala mais radical da coalizão que havia garantido a revolução - formada pelos chamados tenentes-civis (jovens aliancistas como Oswaldo Aranha, João Neves da Fontoura, Francisco Campos e Virgílio de Melo Franco), pelos tenentes (como João Alberto, Miguel Costa e Juarez Távora) e por setores militares legalistas (liderados por Góes Monteiro) - pressionava pela continuidade da ditadura e pela adoção de uma agenda de caráter mais reformista e antioligárquico (Pandolfi, 2017Pandolfi, Dulce. (2017). Os anos 1930: As incertezas do regime. In: Ferreira, Jorge & Delgado, Lucília (orgs.). O tempo do nacional-estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. 8º ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.). Mais organizada no início, a ala tenentista conseguiu exercer considerável influência sobre o governo nos dois primeiros anos, o qual tomou medidas de caráter intervencionista e centralizador e nomeou tenentes como interventores para substituírem os governadores em muitos dos estados.

Para reforçar sua posição, a ala tenentista tentou organizar movimentos de base nacional que assegurassem a realização do “espírito revolucionário”, procurando mobilizar também as classes populares contra o domínio oligárquico. Em 15 de novembro, após reunirem-se Góes Monteiro, Miguel Costa e João Alberto com Oswaldo Aranha em sua casa no Rio, foi lançado o Manifesto da Legião de Outubro, convocando aqueles “de alma genuinamente revolucionária”, “filhos do espírito transformador que rege o século” a unirem-se, “como legionários, de ânimo sereno”, para continuar “a mesma obra que denodadamente encetastes na guerra: a renovação do Brasil” (“Manifesto da Legião de Outubro”, 1982Manifesto da Legião de Outubro. (1982). In: A Revolução de 30: textos e documentos. Brasília: Ed. UnB.: 120). Buscando o apoio na mobilização das massas, as Legiões Revolucionárias (ou Legiões de Outubro) deveriam ser organizadas em cada estado como organizações políticas e paramilitares com o objetivo de dar conteúdo, organização e unidade aos princípios da Revolução de Outubro. Além das Legiões, a ala tenentista fundou, em fevereiro de 1931, o Clube 3 de Outubro, que serviria como um núcleo de pressão junto ao Governo Provisório, tendo existido até 1935 (Pandolfi, 2017Pandolfi, Dulce. (2017). Os anos 1930: As incertezas do regime. In: Ferreira, Jorge & Delgado, Lucília (orgs.). O tempo do nacional-estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. 8º ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.).

A fissura aberta no domínio oligárquico promovida pela Revolução de 1930 também estimulou a multiplicação de grupos e projetos de inspiração nitidamente fascista em todo país (Bertonha, 2019Bertonha, João Fábio. (2019). La derecha radical brasileña entre el tradicionalismo, las ligas nacionalistas e la seducción del fascismo (1917-1932). In: Bohoslavsky, Ernesto et al. (orgs.). Las derechas iberoamericanas: Desde el final de la Primera Guerra hasta la Gran Depresión. Ciudad de México: El Colegio de México.; Deutsch, 1999Deutsch, Sandra McGee. (1999). Las derechas: the extreme right in Argentina, Brazil, and Chile, 1890-1939. Stanford: Stanford University Press.). Em novembro de 1930, surgiu o Partido Fascista Brasileiro, cujo manifesto chamava os brasileiros a se unirem “como fascistas do Brasil, unicamente do Brasil e para o Brasil”, contra os comunistas (Carone, 1974Carone, Edgard. (1974). A República Nova (1930-1937). São Paulo: Difel.: 196). Em dezembro, Olbiano de Melo publicou República sindicalista dos Estados Unidos do Brasil, bases para a organização do estado sindical brasileiro e, em 1931, Comunismo ou fascismo e Levante-te, Brasil, um manifesto onde aparece a proposta da formação de um Partido Sindicalista Brasileiro. No Ceará, em 23 de agosto de 1931, o tenente Severino Sombra fundou a Legião Cearense do Trabalho, reunindo diversas associações de trabalhadores do estado e o apoio da Juventude Operária Católica (liderada pelo padre Hélder Câmara).

Em Minas Gerais, organizada por Francisco Campos (então Ministro da Educação e Saúde Pública), Gustavo Capanema e Amaro Lanari, foi fundada a seção mineira da Legião de Outubro, em 26 de fevereiro de 1931, com clara inspiração fascista e com o objetivo de combater os “reacionários depostos” do Partido Republicano Mineiro. Em São Paulo, nos meses iniciais da Revolução, ocorreu a aproximação entre os legionários paulistas e Plínio Salgado, após seu retorno de uma viagem à Europa durante a qual pôde conhecer os movimentos e regimes europeus de tipo fascista e inclusive entrevistar Mussolini. Entusiasmado com os ideais fascistas, Salgado redigiu o Manifesto da Legião Paulista, lançado em 4 de março de 1931.

O Caju, bem como os meios católicos da capital, não apoiou num primeiro momento o novo governo. Segundo relato de Alceu Amoroso Lima, Schmidt e ele foram contrários à quebra da legalidade, “unidos por algum tempo, no mesmo espírito contrarrevolucionário que Schmidt possivelmente alimentara em seu convívio com Plínio Salgado e eu com o de Jackson no Rio” (Calicchio, 2009Calicchio, Vera. (2009). Augusto Frederico Schmidt. In: Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930. Rio de Janeiro: CPDOC/FGV. Disponível em: Disponível em: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/schmidt-augusto-frederico . Acesso em: 4 set. 2022.
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). Ao romper a revolução, San Tiago Dantas e Américo Lacombe, juntamente com Alceu, “foram ao então chefe de Polícia, Pedro de Oliveira Ribeiro, oferecendo-se para colaborar no combate à revolução” (Silva, 1972Silva, Hélio. (1972). 1931: os tenentes no poder. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.: 75)17 17 Em suas memórias, Hélio Vianna, o único de tendências filomonarquistas do grupo, pontua que: “Se os meus amigos apoiavam o governo legal, por ele não tinha especiais simpatias. Alguns deles [...] eram filhos e irmãos de deputados e senadores. Eu, mineiro, teoricamente estaria de outro lado, embora tivesse me recusado participar de um Comitê Acadêmico da Aliança Liberal. O fato é que a política não modificava nossas relações; tido e havido como antirrepublicano, colocava-me au-dessus de la mêlée, sem ter esperanças de melhoras para o País por via revolucionária, pois, para mim, o mal estava no próprio regime que continuaria” (Dutra, 2014: 577). . Contudo, já em novembro de 1930, nota-se uma rápida mudança de atitude entre os cajuanos, como fica claro neste trecho de carta de Almir de Andrade a San Tiago:

Duvido muito que uma ação violenta e extemporânea [a Revolução de 1930] logre fazer obra duradoura. Entretanto, desejo que os acontecimentos desfaçam a minha dúvida. Se o novo governo usar de bastante energia, é possível que consiga dominar este povo inculto e irresoluto, em benefício do país e do próprio povo. Para isso todos nós devemos concorrer com os nossos esforços e a nossa boa vontade. Tenho certeza de que o “Cajú” também há de prestar o seu concurso, tendo unicamente em vista o engrandecimento do nosso querido Brasil. [...] o inquérito de sociologia do nosso “Cajú” é, sem favor nenhum, o plano mais completo que a esse respeito se tem escrito. Temos o dever e o direito de aproveitá-lo e dar-lhe a expansão e a publicidade que ele merece18 18 Carta de Almir de Andrade para San Tiago Dantas (19 nov. 1930). Localização: Fundo San Tiago Dantas, Arquivo Nacional, caixa 23, pacotilha 1. .

Schmidt logo se aproximou da nova cúpula dirigente, principalmente de Oswaldo Aranha e de Francisco Campos, o qual passou a frequentar a Livraria Católica (Dutra, 2014Dutra, Pedro. (2014). San Tiago Dantas: a razão vencida. São Paulo: Singular.: 200). Ciente da importância de atrair a Igreja para o novo governo e desejoso de conseguir novos adeptos para o projeto tenentista das Legiões, Aranha promoveu uma reunião em 16 de março de 1931 com Alfredo Egydio de Sousa Aranha (seu primo de São Paulo), Plínio Salgado (representante da Legião Paulista), Augusto Schmidt e alguns dos cajuanos (San Tiago Dantas, Gilson Amado, Chermont de Miranda, Antonio Gallotti, Américo Lacombe e Hélio Vianna).

Aranha os recebeu informalmente e Plínio Salgado lhe foi apresentado por Alfredo Egídio como “...o homem que pode ser o doutrinário da revolução.” Ocupado com a organização da Legião de Outubro do Rio de Janeiro, Aranha tinha abertos sobre sua mesa livros fascistas italianos [...] (Flynn, 1979Flynn, Peter. (1979). A Legião Revolucionária e a Revolução de 30. In: Figueiredo, Eurico (org.). Os militares e a Revolução de 30. Rio de Janeiro: Paz e Terra.: 90).

San Tiago Dantas foi designado por Aranha para escrever o Manifesto da Legião Revolucionária Fluminense juntamente com Lourival Fontes. Ficou combinado que o grupo se encontraria com Francisco Campos (organizador da Legião Mineira e ministro da Educação e Saúde) dias mais tarde e que uma nova reunião seria realizada em breve para a organização da Legião Revolucionária do Distrito Federal. Além disso, Egydio Aranha lançaria em São Paulo o jornal diário A Razão, com o objetivo de defender as demandas tenentistas, devendo a chefia da redação ser assumida por Plínio Salgado e San Tiago.

A reunião seguinte ocorreu alguns dias depois nos escritórios do jornal A Noite, juntando-se àquele grupo o professor Raul Bittencourt (tenente-coronel das tropas revolucionárias de 1930) e Octávio de Faria. Na ocasião, “houve exibição aberta de mais literatura fascista e de retratos de Mussolini” (Flynn, 1979Flynn, Peter. (1979). A Legião Revolucionária e a Revolução de 30. In: Figueiredo, Eurico (org.). Os militares e a Revolução de 30. Rio de Janeiro: Paz e Terra.: 91). Aranha indicou Bittencourt para a secretária-geral da Legião Revolucionária do Distrito Federal e, para a chefia nacional, o capitão Frederico Cristiano Buys, jovem oficial de tendências fascistas que havia participado do Levante do Forte de Copacabana.

Ainda em março, San Tiago e Lourival Fontes se encontraram com Aranha e Francisco Campos para discutirem as ideias para o Manifesto da Legião Fluminense. Lançado em 6 de abril de 1931, o manifesto conclamava todas as classes sociais a defenderem “o espírito revolucionário popular que tornou possível o advento da Segunda República” contra a “encenação democrática” da Velha República que “só podia resultar, como resultou, a formação de uma plutocracia oligárquica, tornando-se o poder um instrumento de exploração das classes trabalhadoras e produtoras” (“Manifesto da Legião de Outubro Fluminense”, 1982Manifesto da Legião de Outubro Fluminense. (1982). In: A Revolução de 30: textos e documentos. Brasília: Ed. UnB.: 128). Entre diversas medidas elencadas, propunham a adoção de um sistema de governo nacionalista em que houvesse

representação real de classes; em vez de um legislativo de políticos palavrosos, um legislativo de técnicos; em vez do empirismo na elaboração das leis, a prévia consulta aos estudiosos e a conselhos especializados, para que a regra jurídica se adapte à realidade, fugindo-se ao absurdo de pretender que a realidade se amolde à regra jurídica (“Manifesto da Legião de Outubro Fluminense”, 1982Manifesto da Legião de Outubro Fluminense. (1982). In: A Revolução de 30: textos e documentos. Brasília: Ed. UnB.: 129).

Em 26 de março, San Tiago publicou o artigo A extinção do legalismo, na revista Mundo Ilustrado, posicionando-se a favor da nova ordem e procurando defender a necessidade de se fortalecer a obra que os tenentes perseguiam: dotar a revolução de um sentido revolucionário. No texto, lamentava que o fascismo continuasse “mascarado, para a opinião brasileira, pela capa que lhe lançaram os seus detratores - de terrorismo e violência individual”, e que era necessária a união da sociedade para defender os ideais espiritualistas e a noção de comunidade nacional contra o materialismo do capitalismo e do comunismo. “No mundo moderno as revoluções mal ganhas são concessões vultosas ao comunismo”, de forma que “os legalistas não podem parar no culto de uma legalidade extinta” (Dantas, 2016Dantas, San Tiago. (2016). Escritos políticos (1929-1945). Organização de Pedro Dutra. São Paulo: Singular.: 29-32).

Em 12 de abril, San Tiago mudou-se para São Paulo para trabalhar em A Razão, que teve seu primeiro número publicado em junho. Dividindo a função de redator do diário com Plínio Salgado, entre junho e outubro de 1931, criticou as pressões pela constitucionalização do regime pelas forças oligárquicas: “Todos esses constitucionalistas o que querem é voltar ao ruim, onde estávamos” (Dantas, 2016Dantas, San Tiago. (2016). Escritos políticos (1929-1945). Organização de Pedro Dutra. São Paulo: Singular.: 258). E, se passou a defender que seria preferível confiar na “força construtiva da revolução” e no “espírito renovador dos costumes”, também criticava a indefinição ideológica do governo, cobrando o estabelecimento dos princípios fundamentais sobre os quais basearia suas políticas:

Toda a obra da Revolução se terá perdido se não surgir uma unidade ideológica. [...] é só pela instauração de um regime fundado nas exigências morais e econômicas do povo brasileiro e orientado por um só sistema de vontades, que a Revolução poderá ter sido uma etapa, e não um acidente da nossa formação política e social (Dantas, 2016Dantas, San Tiago. (2016). Escritos políticos (1929-1945). Organização de Pedro Dutra. São Paulo: Singular.: 86-87).

Para ele, a exemplo do que aconteceu com a revolução fascista italiana, que chegou ao poder possuindo uma base de princípios sólidos a partir dos quais derivaria suas políticas e suas leis, no Brasil, a constituição também deveria ser elaborada à medida que o Governo Provisório avançasse na construção do novo regime, com fórmulas que se provassem adequadas à realidade brasileira. Defendia a necessidade da continuidade da ditadura, uma vez que as medidas a serem implementadas exigiam “o desembaraço de ação que só um governo discricionário pode ter” (Dantas, 2016Dantas, San Tiago. (2016). Escritos políticos (1929-1945). Organização de Pedro Dutra. São Paulo: Singular.: 250). Não era “mais tempo de ouvir partidos” e faccionismos, mas de todas as forças do país se unirem pela grandeza nacional e para afastar as ameaças estrangeiras (em especial, a infiltração do comunismo).

San Tiago propunha um Estado autoritário contra o “Estado liberal absenteísta”, ou seja, um Estado que não se eximisse de dirigir “as forças morais da nação”, como fica claro na sua defesa da adoção do ensino religioso no país:

Nós não admitimos que o Estado se desinteresse da vida moral e religiosa da nacionalidade. No Estado liberal isso era possível, pois o Estado figurava como um simples instrumento jurídico, desinteressado dos aspectos múltiplos da vida social da Nação. Mas no Estado integral que desejamos, aberto a todas as atividades populares, o ensino deve participar da religião nacional [...], constituindo nas nossas escolas a cátedra católica, que corresponde aos imperativos da religião brasileira, da religião que formou os fundamentos da cultura da raça (Dantas, 2016Dantas, San Tiago. (2016). Escritos políticos (1929-1945). Organização de Pedro Dutra. São Paulo: Singular.: 188).

San Tiago condenava o tratamento policial dado até então pelos governantes brasileiros à “questão social”. Ainda que, segundo ele, poucas cidades no país apresentassem a formação de número expressivo de classe proletária característica de centros industriais, era necessário reconhecer os trabalhadores como componentes da nação e estabelecer um regime de justiça social. Além de essencial para afastar as massas do comunismo, o novo governo deveria vê-las como aliadas para implementar e defender o projeto de reforma do Brasil, “colher a energia da sua rebeldia, para derrocar com ela as bases condenadas da nossa velha construção política, e lançar outras subordinadas a novos planos” (Dantas, 2016Dantas, San Tiago. (2016). Escritos políticos (1929-1945). Organização de Pedro Dutra. São Paulo: Singular.: 133).

Mesmo ocupado com A Razão e vivendo fora do Rio, San Tiago continuava em contato com seu grupo, participando ativamente das atividades lá desenvolvidas. Em maio de 1931, o Caju reformou seus estatutos e modificou seu nome e o de sua revista para Centro de Estudos Jurídicos e Sociais e Revista de Estudos Jurídicos e Sociais. De acordo com sugestões feitas por San Tiago, colocaram em prática um plano de expansão nacional de suas atividades19 19 Carta de Chermont de Miranda a San Tiago Dantas (12 maio 1931). Localização: Fundo San Tiago Dantas, Arquivo Nacional, caixa 25, pacotilha 1. . Entrando em contato com estudantes de outros estados, eles procuraram fundar centros na Bahia, em Santa Catarina, no Pará e em São Paulo, tendo já inaugurado em maio o centro no Maranhão20 20 Carta de Chermont de Miranda a San Tiago Dantas (3 maio 1931). Localização: Fundo San Tiago Dantas, Arquivo Nacional, caixa 25, pacotilha 1. .

Apesar de atrasado devido aos acontecimentos decorrentes da Revolução de Outubro, o terceiro número da revista do Caju saiu em maio de 1931 e lançava o Inquérito de sociologia brasileira, no qual os membros do centro apresentaram 184 teses acerca da formação nacional. O Inquérito alcançou grande repercussão na época, recebendo comentários de Azevedo Amaral - “a mocidade ainda na idade de aprender começa a dar lições aos que deveriam ter sido seus mestres” (Academia Brasileira de Letras, 2017Academia Brasileira de Letras. (2017). Biografia de Américo Jacobina Lacombe. Disponível em: Disponível em: http://www.academia.org.br/academicos/americo-jacobina-lacombe/biografia . Acesso em: 4 set. 2022.
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) - e de Oliveira Vianna:

O que me surpreende [...] é que todo ele é obra de moços, alguns dos quais não têm ainda vinte anos. Porque, pela sua amplitude, pela sua complexidade, pela intuição penetrante que revela de nossa realidade e dos nossos problemas, este plano parece ter sido elaborado por espíritos que houvessem atingido a plena maturidade de inteligência e da cultura (Vianna, O. apud Fleiuss, 1931Fleiuss, Max. (1931, julho 30). A Revista de Estudos Jurídicos e Sociaes. Correio da Manhã, p. 2.: 2).

Estabeleceu-se um íntimo contato entre os círculos autoritários de São Paulo e do Rio de Janeiro durante esse período em que San Tiago ficou na capital paulista. As cartas que trocava com outros intelectuais, principalmente com Augusto Schmidt, revelam grande aproximação de projetos políticos dos grupos e sua ação coordenada para divulgarem e fortalecerem suas posições na vida pública nacional, estas cada vez mais próximas das ideias que redundariam na formação da AIB. Nas constantes comunicações, Schmidt fazia recomendações e pedidos a San Tiago:

Peço a Deus que você compreenda a importância da sua missão aí. Aconselhe-se com o Plínio sobre uma organização da editora Schmidt aí. Vou conseguir uma máquina de opinião formidável sendo que estou em início de negócios afim de fazer ressuscitar a Revista do Brasil. Suas informações são preciosas aí e sua atividade ainda mais21 21 Carta de Augusto Frederico Schmidt a San Tiago Dantas (sem data). Localização: Fundo San Tiago Dantas, Arquivo Nacional, caixa 25, pacotilha 2. .

Ao mesmo tempo, San Tiago correspondia-se também com outros representantes do campo autoritário, colaborando em projetos importantes como a revista Hierarchia. Em carta de Lourival Fontes, por exemplo, é possível constatar que grande parte dessa rede de intelectuais se movimentava no sentido de fortalecer cada vez mais suas tendências fascistas, extrapolando o projeto tenentista com o qual naquele momento eles estavam comprometidos:

Não tenho o direito de pedir nada a você e ao Plínio por estar em falta no concurso que prometi para A Razão. Hierarchia ocupa-me todo o tempo. Temos que [ilegível] de ação em toda parte e o nosso esforço tenda a um fim único. [...] Hierarchia não pode ainda ser totalitária. Num próximo número faço questão de sua colaboração e do Plínio. Se puderem, mandem já os títulos dos artigos para anunciar neste número. Conto decididamente com vocês para dar caminho à Hierarchia22 22 Carta de Lourival Fontes a San Tiago Dantas (sem data). Localização: Fundo San Tiago Dantas, Arquivo Nacional, caixa 25, pacotilha 2. .

À medida que o ano de 1931 passava, no entanto, o projeto de organização das Legiões enquanto defensoras da revolução perante os tradicionais partidos e forças oligárquicas foi fracassando. Apesar de o tenentismo ter influenciado diversas medidas de cunho centralizador e modernizante, o movimento foi perdendo espaço no governo conforme os setores oligárquicos e liberais se reagrupavam, pressionando pela constitucionalização do regime. Diante do que consideravam falta de apoio decisivo de Vargas e de Aranha, Schmidt e os cajuanos se convenceram da impossibilidade de vitória do projeto que defendiam para o novo regime, de forma que San Tiago retirou seu apoio no curso de 1931.

Para ele, a Revolução de 1930, sem definir o seu “espírito de reforma” e uma fórmula duradoura de equilíbrio entre os grupos formadores da nação, não tinha “seu direito à autodefesa e à imposição da autoridade”. Caracterizava-se, portanto, simplesmente pela implantação de uma ordem discricionária, “só cabendo aos bons governantes convocar a Constituinte e proceder às eleições” (Dantas, 2016Dantas, San Tiago. (2016). Escritos políticos (1929-1945). Organização de Pedro Dutra. São Paulo: Singular.: 171). Após alguns meses de participação em A Razão, San Tiago retornou ao Rio de Janeiro em outubro de 1931. Aproximando-se de Francisco Campos, que considerava o “Gentile da Revolução brasileira, o orientador das modificações culturais do ambiente” (Dantas, 2016Dantas, San Tiago. (2016). Escritos políticos (1929-1945). Organização de Pedro Dutra. São Paulo: Singular.: 267), foi nomeado seu oficial de gabinete no Ministério da Educação e Saúde em dezembro.

POR UMA REVOLUÇÃO INTEGRALISTA

A intensificação das agitações contra o viés tenentista do governo no primeiro semestre de 1932 pressionaram Vargas a publicar o Código Eleitoral, prevendo a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte que poria fim à ditadura. Mesmo com concessões, São Paulo liderou a revolta contra o governo. Em 23 de maio de 1932, a sede de A Razão foi empastelada por uma multidão revoltada com a repressão ao movimento constitucionalista em São Paulo. De 9 de julho a 2 de outubro, ocorreu a Revolução Constitucionalista de 1932, que, apesar de conseguir a nomeação de um paulista civil (Armando Sales de Oliveira) como interventor no estado, foi vencida.

O tenentismo, nesse momento, deixou de existir como um movimento autônomo e os tenentes dividiram-se em diversas tendências diante das eleições para a Assembleia Nacional Constituinte marcadas para 3 de maio de 1933 (Pandolfi, 2017Pandolfi, Dulce. (2017). Os anos 1930: As incertezas do regime. In: Ferreira, Jorge & Delgado, Lucília (orgs.). O tempo do nacional-estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. 8º ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.; Wirth, 1979Wirth, John. (1979). O tenentismo na Revolução de 30. In: Figueiredo, Eurico (org.). Os militares e a Revolução de 30. Rio de Janeiro: Paz e Terra.). Apesar das tentativas de criar uma agremiação partidária revolucionária unificada nacionalmente, nos meses que antecederam as eleições, surgiram diversos partidos estaduais, muitos deles articulados pelos interventores. O Clube 3 de Outubro tornou-se um dos últimos bastiões dos ideais tenentistas, embora sua estratégia tenha sido abdicar da mobilização das massas e constituir-se como um comitê de pressão sobre o governo23 23 Sobre o projeto tenentista, conferir Viviani (2009). .

Plínio Salgado, que esteve à frente de A Razão até seu fechamento, em maio de 1932, liderava desde fevereiro o grupo de intelectuais de direita na capital paulista reunidos na Sociedade de Estudos Políticos (SEP). Em junho, Salgado já havia redigido o manifesto que, lançado em 7 de outubro de 1932, transformaria a AIB em um movimento político de alcance nacional, atraindo grande parte dos grupos e intelectuais brasileiros identificados com o fascismo. Entre os anos de 1932 e 1937, a AIB constituiu-se como o primeiro partido de massas nacional. Grande parte das lideranças integralistas foi recrutada entre as clientelas destituídas da oligarquia, quadros políticos e intelectuais cujas carreiras haviam sido afetadas pela revolução e seus desdobramentos. Diante das derrotas em 1930 e 1932, esses intelectuais “não hesitaram em trocar de protetor, substituindo seus patrões oligárquicos por líderes ‘radicais’ desejosos de restaurar, por vias autoritárias, as relações de força vigentes antes de 1930” (Miceli, 2001Miceli, Sérgio. (2001). Intelectuais à brasileira. São Paulo: Companhia das Letras.: 133).

A AIB teve uma rápida expansão inicial com a instalação de núcleos integralistas, ainda nos meses finais de 1932, em São Paulo (sede oficial); em Teófilo Otoni, com a adesão do grupo de Olbiano de Melo; em Recife, com o lançamento do Manifesto do Recife por Oto Guerra, Andrade Lima Filho e outros acadêmicos de direito; na Bahia, liderados por João Alves dos Santos; e no Ceará, com a absorção da Legião Cearense do Trabalho, liderada pelo tenente Jeovah Motta, pelo padre Hélder Câmara e por Ubirajara Índio do Brasil.

Em contato com Schmidt e os moços do Caju no Rio de Janeiro desde 1931, Salgado procurou atraí-los para a AIB, promovendo, no início de 1933, uma reunião com os membros do grupo, à qual compareceu também Miguel Reale (Dantas, 2016Dantas, San Tiago. (2016). Escritos políticos (1929-1945). Organização de Pedro Dutra. São Paulo: Singular.: 276). Em abril de 1933, foi fundado o núcleo integralista do Distrito Federal, por membros do Caju (San Tiago Dantas, Thiers Moreira, Antonio Gallotti, Hélio Vianna, Américo Lacombe e Chermont de Miranda) e Belmiro Valverde, Arthur Thompson Filho e José Madeira de Freitas24 24 Para um relato da fundação do núcleo integralista no Rio de Janeiro, ver a entrevista de Gerardo de Mello Mourão, disponível em: https://www2.camara.leg.br/a-camara/documentos-e-pesquisa/arquivo/historia-oral/Memoria%20Politica/Depoimentos/gerardo-mello-mourao/texto. .

San Tiago assumiu o cargo de Secretário Provincial de Doutrina e candidatou-se ao cargo de vereador no Rio de Janeiro em outubro de 1934 pelo partido, enquanto Antonio Gallotti e Thiers Moreira concorreram para deputados estaduais, não sendo nenhum deles eleito. Os cajuanos formaram o Departamento de Estudos Integralistas do Distrito Federal, que tinha como objetivo “não só a função de lecionar, dar cursos, preparar os doutrinadores como também a de precisar, estudar a realidade brasileira, à luz da doutrina integralista, pondo em equação todos os problemas da pátria”, tendo ministrado os seguintes cursos em 1934: Direito Corporativo (San Tiago Dantas); Introdução à Sociologia Geral (Thiers Moreira); História das Doutrinas Econômicas (Antônio Gallotti); História Social e Política do Brasil (Hélio Vianna) (“A preparação das elites integralistas”, 1959A preparação das elites integralistas. (1959). In: Salgado, Plínio. Enciclopédia do Integralismo: vol. 9: o Integralismo e a educação. Rio de Janeiro: Clássica Brasileira.: 149). Em 1936, com a reorganização da estrutura nacional do partido em dez secretarias nacionais, Gallotti ocupou a Secretaria Nacional de Relações Exteriores e San Tiago tornou-se Secretário Nacional de Imprensa e diretor de A Offensiva. Thiers Moreira passou a integrar a “Câmara dos 40”, um dos principais órgãos da cúpula do partido.

Concomitantemente à sua militância no movimento, os cajuanos ocuparam postos públicos e privados no período, valendo-se da rede de relações construídas naqueles anos: San Tiago foi indicado por Francisco Campos à cadeira de Legislação e Economia Política da Escola Nacional de Belas Artes; Thiers foi oficial do Ministério da Educação; Lacombe lecionou História Geral e do Brasil em vários colégios do Rio de Janeiro e foi nomeado Secretário do Conselho Nacional de Educação (1931-1939); Gallotti entrou em 1933 para a Brazilian Traction, Light and Power Company; Vianna publicou seu primeiro livro, Formação brasileira, em 1935, pela coleção Problemas Políticos Contemporâneos, editada pela editora José Olympio.

Entre 1933 e 1937, San Tiago divulgou as ideias e a doutrina do movimento através de artigos em periódicos integralistas e nacionalistas e da realização de conferências em diversos núcleos. Enxergou na AIB o movimento que poderia realizar a frustrada Revolução Brasileira:

O Integralismo atualizou a grande revolução em potência nos povos dispersos da Pátria. O Integralismo compreendeu que as forças espirituais da Nação queriam se dar totalmente à obra da nossa salvação temporal. Há anos que se agitam essas forças. A Aliança Liberal foi uma mistificação dos seus anseios (Dantas, 2016Dantas, San Tiago. (2016). Escritos políticos (1929-1945). Organização de Pedro Dutra. São Paulo: Singular.: 374).

Passou a defender o partido único que se identificava com o Estado (integral) e a necessidade do carisma do líder e da mobilização social como formas de fornecer a “energia psíquica da revolução”. Para San Tiago, a “verdadeira revolução não cessa”, ela necessita sempre de um elemento que a leve para frente. Na era da política de massas, somente o herói (homem-exceção) era capaz de liderar a sociedade na direção da “criação de valores novos para a existência”, do “rejuvenescimento do mundo”. O Estado integral concentraria a autoridade e a exerceria no sentido de promover a construção de uma sociedade orgânica, constituída não por indivíduos-cidadãos, mas por grupos intermediários “necessários à vida humana”: a Família, o Estado, a Igreja, a Corporação, o Sindicato (Dantas, 2016Dantas, San Tiago. (2016). Escritos políticos (1929-1945). Organização de Pedro Dutra. São Paulo: Singular.: 387).

Desde 1935, os cajuanos que se engajaram no Integralismo deixaram de acreditar que o movimento e seu chefe constituíssem a vanguarda capaz de conquistar o poder26 26 Em correspondências trocadas com seus companheiros, San Tiago revelava constante desagrado com os rumos tomados pelo movimento e expressava o desejo de conferir “pureza e finalidade” à AIB e “dirigir sem chefiar” o movimento (Dutra, 2014: 313-314). Desde pelo menos fins de 1935, eles expressavam descontentamento com os rumos do partido. Em carta a Dantas, Chermont de Miranda lamenta “a falta de agitação, esta ausência de agressividade contra toda a ordem diversa da nossa” que parecia tomar conta do movimento (Dutra, 2014: 316). . Apesar disso, o grupo permaneceu fiel a Plínio Salgado e à AIB até o fim. Em 1937, antes do golpe de novembro que instaurou o Estado Novo, San Tiago e Miguel Reale analisaram a constituição redigida por Francisco Campos para o novo regime, a pedido de Salgado (Dutra, 2014Dutra, Pedro. (2014). San Tiago Dantas: a razão vencida. São Paulo: Singular.: 352). San Tiago foi um dos responsáveis pela tentativa de transformar o partido em uma sociedade de caráter cultural, a Associação Brasileira de Cultura (ABC), em dezembro de 193727 27 A Razão (27 dez. 1937: 1). .

Com a instalação do Estado Novo e a extinção da AIB, a maioria dos cajuanos passou a ocupar cargos no novo regime, sobretudo ligados às instituições de ensino e culturais sob forte influência dos católicos (Salem, 1982Salem, Tânia. (1982). Do Centro D. Vital à Universidade Católica. In: Schwartzman, Simon (org.). Universidades e instituições científicas no Rio de Janeiro. Brasília: CNPq.; Schwartzman, 1985Schwartzman, Simon. (1985). Gustavo Capanema e a educação brasileira: uma interpretação. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, LXVI/153, p. 165-172.). Américo Lacombe tornou-se diretor da Casa de Rui Barbosa, ligada ao Ministério da Educação (1939-1967), e foi eleito para a Academia Brasileira de Letras (1974). Antonio Galotti tornou-se catedrático de Teoria Geral do Direito na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) (1942), mas fez carreira dentro da Light, tornando-se seu presidente em 1955. Thiers Martins Moreira fundou em 1938 a revista Educação e Administração Escolar, que dirigiu até 1941. Ocupou a cátedra de Literatura Portuguesa na Faculdade Nacional de Filosofia (1942), foi diretor do Centro de Pesquisas da Casa de Rui Barbosa e pertenceu à Diretoria do Museu de Arte Moderna. Hélio Vianna tornou-se o primeiro catedrático de História do Brasil da Faculdade Nacional de Filosofia (1939) e assumiu a cátedra de História da América na PUC-Rio (1941), tornando-se um importante historiador brasileiro, de tendência conservadora. Chermont de Miranda foi advogado e procurador-geral do Instituto do Açúcar e do Álcool (1938-1946), chefe do gabinete do Ministro da Justiça (1945) e diretor da Faculdade de Direito da PUC-Rio (1957-1959). San Tiago ocupou as cátedras de Direito Civil e Comercial da Faculdade de Ciências Econômicas (1939) e Direito Civil na Faculdade Nacional de Direito (1940), ambas da Universidade do Brasil, onde também trabalhou como diretor da Faculdade Nacional de Filosofia (1941-1945). Na República de 1946, San Tiago alcançou grande notoriedade enquanto intelectual e político; ligado ao Partido Trabalhista Brasileiro, ocupou os Ministérios das Relações Exteriores e da Fazenda durante o governo de João Goulart28 28 Sobre a trajetória política e intelectual de San Tiago Dantas, conferir Onofre (2012) e Ribeiro (2021). .

Octávio de Faria, Plínio Doyle, Gilson Amado e Almir de Andrade nunca entraram para o Integralismo. Doyle dedicou-se à advocacia a partir de 1931, no escritório de Haroldo Valladão e, a partir de 1951, no escritório de San Tiago Dantas, tendo sido advogado da editora José Olympio, de 1935 a 1960. Em sua residência no Rio de Janeiro ocorreram entre 1964 e 1998 os Sabadoyles, rodas literárias que reuniam grandes escritores e personalidades da cultura brasileira. Gilson Amado passou por diferentes ministérios e pela administração de diversos departamentos públicos, na década de 1950, tornando-se diretor da Rádio Mayrink Veiga (1951) e principal nome da TV Continental, dirigindo até 1970 programas educativos e de entrevistas; em 1967, foi eleito o primeiro presidente da Fundação Centro Brasileiro de TV Educativa. Octávio de Faria publicou os livros O destino do socialismo, em 1933, e Cristo e César, em 1937, encerrando sua obra política e preferindo consagrar-se à literatura. Escreveu a série de romances A tragédia burguesa, em 15 volumes, e foi eleito para a Academia Brasileira de Letras (1972). Almir de Andrade lançou em 1933 seu primeiro livro de psicologia, A verdade contra Freud, e, em 1939, foi indicado para a primeira cadeira de psicologia de nível universitário criada no Brasil, na Faculdade Nacional de Filosofia. Tornou-se um importante ideólogo do Estado Novo, fundando a revista Cultura Política, da qual foi diretor até outubro de 1945, e assumiu, em 1943, o cargo de diretor da Agência Nacional, órgão encarregado da publicidade oficial do Estado Novo29 29 Sobre o pensamento de Almir de Andrade, conferir Oliveira (1982c) e Paiva (2015). .

CONCLUSÃO

Por meio da reconstrução da história do Centro Acadêmico de Estudos Jurídicos (e Sociais), o artigo traz elementos que ajudam a compreender com maiores detalhes como atuaram e se relacionaram os diversos grupos políticos e intelectuais no contexto da Revolução de 1930. Em especial, pôde-se perceber o processo de diferenciação ideológica que ocorreu entre os diversos intelectuais e atores autoritários do período. À medida que o tenentismo é “domesticado” por Getúlio Vargas e que se frustra o projeto de formação de um “partido da Revolução” - alavancado pelos tenentes e engrossado pelos intelectuais empolgados pelo fascismo (como Plínio Salgado, Schmidt e os cajuanos) - nota-se o encaminhamento da maioria dos autoritários fascistas para a AIB, agremiação sob a qual passariam a disputar politicamente os rumos da sociedade e do regime.

Criado por estudantes da Faculdade Nacional de Direito ligados às elites tradicionais e ameaçados de desclassificação social, o Caju tornou-se um dos principais expoentes do pensamento de direita no Rio de Janeiro entre os anos finais da Primeira República e a criação da AIB, em outubro de 1932. Influenciados pelo pensamento social da Igreja, sobretudo pelo corporativismo católico e pelo personalismo de Jacques Maritain, os cajuanos enxergaram a crise da sociedade brasileira como parte da crise do mundo moderno (originada pela afirmação do materialismo e do individualismo a partir da Reforma Protestante e da Revolução Francesa). No entanto, foi o fascismo italiano que forneceu para o grupo, a partir de 1931, o modelo de organização do Estado e da sociedade capaz de resolver a desordem no mundo moderno, por meio do restabelecimento da autoridade e da hierarquia, da mobilização das massas e do corporativismo político e societal.

No contexto de desmantelamento da ordem oligárquica e de rearranjo das forças políticas e sociais na nova coalizão dominante a partir da Revolução de 1930, os membros do Caju, inicialmente contrários à quebra da ordem constitucional, radicalizaram suas posições ideológicas, atrelando-se a movimentos políticos (Legiões Revolucionárias, AIB) que buscaram no modelo fascista as formas de manter sob o controle das classes tradicionais as reformas exigidas pelas novas forças sociais no país. Nesse movimento, os cajuanos separaram-se tanto da perspectiva conservadora tradicionalista proposta por Jackson de Figueiredo quanto do autoritarismo desmobilizante de autores como Oliveira Vianna, reafirmando a necessidade de uma Revolução Conservadora que mobilizasse as forças da nação para a defesa da construção de um Estado autoritário e corporativista, em moldes brasileiros.

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  • Viviani, Fabrícia. (2009). A trajetória política tenentista enquanto processo: do Forte de Copacabana ao Clube 3 de Outubro (1922-1932). Tese de Doutorado. Universidade Federal de São Carlos.
  • Wirth, John. (1979). O tenentismo na Revolução de 30. In: Figueiredo, Eurico (org.). Os militares e a Revolução de 30. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
  • 1
    Agradeço a Vera Alves Cepêda, Jorge Chaloub, Paulo Cassimiro, Lidiane Soares Rodrigues, José Henrique Artigas, Alan Caldas, José Augusto de Souza e aos professores que me receberam na Universidade de Bolonha, Matteo Pasetti e Alessio Gagliardi, pelas reflexões ao longo da pesquisa para este artigo. Meus agradecimentos também aos revisores anônimos e à equipe editorial de Sociologia & Antropologia, cujas sugestões e correções foram essenciais para a forma final deste texto. Agradeço, por fim, ao auxílio concedido pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), processo nº 2018/10885-3.
  • 2
    De acordo com Cassimiro (2018Cassimiro, Paulo Henrique. (2018). A revolução conservadora no Brasil: nacionalismo, autoritarismo e fascismo no pensamento político brasileiro dos anos 30. Revista Política Hoje, 27, p. 138-161.), o conceito de Revolução Conservadora baseia-se em “uma certa concepção permanente e ilimitada da participação que caracterizariam a teoria e a prática do totalitarismo” e sintetizaria o pensamento autoritário de tipo fascista no Brasil, em contraste com o autoritarismo burocrático desmobilizante e o conservadorismo tradicionalista (à la Jackson de Figueiredo). Sobre o pensamento autoritário do período no Brasil, conferir Santos (1978Santos, Wanderley Guilherme dos. (1978). Ordem burguesa e liberalismo político. Rio de Janeiro: Duas Cidades.), Lamounier (1983Lamounier, Bolívar. (1983). Formação de um pensamento autoritário na Primeira República. In: Fausto, Boris (org.). O Brasil Republicano. São Paulo: Difel. v. 2. (História Geral da Civilização Brasileira, t. 3).), Fausto (2001Fausto, Boris. (2001). O pensamento nacionalista autoritário (1920-1940). Rio de Janeiro: Zahar.), Jasmim (2007Jasmim, Marcelo. (2007). Mímesis e recepção: encontros transatlânticos do pensamento autoritário brasileiro da década de 1930. In: Jasmim, Marcelo & Feres, João. História dos conceitos: diálogos transatlânticos. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio; Ed. Loyola.), Cassimiro (2018Cassimiro, Paulo Henrique. (2018). A revolução conservadora no Brasil: nacionalismo, autoritarismo e fascismo no pensamento político brasileiro dos anos 30. Revista Política Hoje, 27, p. 138-161.). Sobre a AIB e as recepções do fascismo no Brasil, conferir Trindade (1979Trindade, Hélgio. (1979). Integralismo: o fascismo brasileiro na década de 30. São Paulo: Difel., 2016Trindade, Hélgio. (2016). A tentação fascista no Brasil: imaginário de dirigentes e militantes integralistas. Porto Alegre: Ed. UFRGS.), Araújo (1987Araújo, Ricardo Benzaquen de. (1987). Totalitarismo e revolução: o Integralismo de Plínio Salgado. Rio de Janeiro: Zahar.), Bertonha (2020Bertonha, João Fábio. (2020). Plínio Salgado (1895-1975): fascismo e autoritarismo no Brasil do século XX. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra.), Gonçalves & Caldeira Neto (2022Gonçalves, Leandro Pereira & Caldeira Neto, Odilon. (2022). Fascism in Brazil: from Integralism to Bolsonarism. London: Routledge.).
  • 3
    Os membros do grupo também utilizavam a sigla Caej. Na literatura sobre a época, as poucas menções ao centro utilizam a nomenclatura Caju.
  • 4
    Além desses membros que formaram um grupo mais assíduo e militante, também integraram o Caju, segundo os registros da Revista de Estudos Jurídicos: Henrique La Roque Almeida, Ubyrajara Guimarães, Clovis P. da Rocha, Deocleciano Martins, Elmano Cruz, Milton Haddad, Rosa e Silva Netto, Monjardim Filho, Darcy Roquette Vaz, João Correa da Costa, Oswaldo Fonseca, Telio Barreto, David Penna Aarão Reis, Antonio Balbino, Luiz Andrade, Rodrigues de Freitas, Victor Sant’Anna, J. A. Frota Moreira, Moacyr de Olliveira, Vinicius de Moraes, Agnaldo Amado, Alvaro Penafiel, Antonio Horacio A. Caldeira, Augusto Rocha, Ruy Bernardes, Carlos Dagoberto A. Lima, Carlos de Moraes Pereira, Raul Sant’Anna, Waldock Sampaio, E. C. Reis Martins, Petrarcha C. M. Maranhão. Houve também a candidatura de Maria Luiza Doria de Bittencourt, com a tese Extradição no direito brasileiro, que teria sido recusada, segundo depoimento de Chermont de Miranda, por ela ser uma mulher. A revista registra esse episódio da seguinte maneira: “Debatido o assunto acesamente pelo Departamento, em várias sessões, revelou a autora cultura jurídica e agilidade na argumentação. Não foi votada, entretanto, a requerimento da candidata, a sua inclusão no quadro social do Departamento” (Revista de Estudos Jurídicos, vol. 1, n. 2, ago 1930: 149).
  • 5
    Sobre a crise do bacharelismo, conferir Adorno (1988Adorno, Sérgio. (1988). Os aprendizes do poder: o bacharelismo liberal na política brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra.), Venâncio Filho (2011Venâncio Filho, Alberto. (2011). Das arcadas ao bacharelismo: 150 anos de ensino jurídico no Brasil. 2. ed. São Paulo: Perspectiva.) e Sontag (2008Sontag, Ricardo. (2008). Triatoma baccalaureatus: Sobre a crise do bacharelismo na Primeira República. Espaço Jurídico Journal of Law, IX/1, p. 67-78.).
  • 6
    Sobre a ascensão de novas profissões e tipos de intelectuais na primeira metade do século XX no Brasil, conferir Gomes et al. (1994Gomes, Ângela de Castro et al. (1994). Engenheiros e economistas: novas elites burocráticas. Rio de Janeiro: FGV Editora.) e Cepêda & Deffacci (2008Cepêda, Vera Alves & Defacci, Fabrício. (2008). Repensando o lugar da intelligentsia: desenvolvimento, democracia e projetos nacionais. Anais do 32º Encontro Anual da ANPOCS.).
  • 7
    A AUC foi fundada em 1929, no Rio de Janeiro, como parte das instituições da reação católica, e englobada em 1935 pela Ação Católica. Os estatutos da AUC, aprovados em 1930 pelo cardeal dom Sebastião Leme, encontram-se em A Ordem (n. 7, jun. 1930). A partir desse número, a revista passou a publicar uma seção dedicada ao movimento católico nas universidades (Seção Universitária).
  • 8
    Alguns dos membros do Caju vinham de família com grande influência na política, na educação e nos círculos católicos. Octávio de Faria era cunhado de Alceu Amoroso Lima e de Afrânio Peixoto. Gilson Amado era irmão do senador Gilberto Amado e primo de Jorge Amado (que teve seu primeiro romance, O país do carnaval, publicado em 1931 pela Editora Schmidt). A mãe de Américo Lacombe, Isabel Jacobina Lacombe, dirigia o prestigioso Colégio Jacobina de ensino privado para as moças da elite da capital; Isabel, Américo e sua irmã, Laura Jacobina Lacombe, exerceram importante militância católica no movimento pedagógico brasileiro.
  • 9
    No Rio de Janeiro, a campanha levou 100 mil pessoas ao comício de Getúlio Vargas na Esplanada do Castelo em janeiro de 1930 (Camargo, 1996Camargo, Aspásia. (1996). Oswaldo Aranha: a estrela da revolução. In: Camargo, Aspásia et al. Oswaldo Aranha: a estrela da revolução. São Paulo: Mandarim.: 69).
  • 10
    San Tiago Dantas estreou em O Jornal, em 1929, com o artigo “O grande livro de Tristão de Athayde”. Na revista católica A Ordem, sob a direção de Alceu Amoroso Lima e Perillo Gomes, Octávio de Faria foi responsável pela seção “Crônica de Arte”, em 1929, e pela “Crônica Literária”, em 1930; San Tiago publicou os artigos “Conceito de sociologia”, em junho de 1930, e “Catolicismo e fascismo”, em janeiro de 1931. Octávio e San Tiago também participaram, em 1930, da publicação Novidades Literárias, organizada por Augusto Frederico Schmidt, responsáveis respectivamente pelas seções “Crítica Literária” e “Crônica Universitária”.
  • 11
    No total, quatro números da revista seriam lançados nos anos de 1930 (números 1 e 2) e 1931 (números 3 e 4).
  • 12
    Segundo excertos de jornais veiculados no segundo número da Revista de Estudos Jurídicos (p. 185-186): “uma lacuna sensível que vem de ser preenchida” (A Noticia, 9 jun. 1930); “mais uma iniciativa de grande relevo à série brilhante de trabalhos que constitue o seu programma” (Gazeta de Notícias, [s.d.]); “se destina a collaborar seriamente no futuro do Brasil” (Correio da Manhã, [s.d.]).
  • 13
    Sobre o pensamento católico no Brasil, conferir Villaça (1975Villaça, Antonio. (1975). O pensamento católico no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar .), Manoel (2004Manoel, Ivan. (2004). O pêndulo da história: tempo e eternidade no pensamento católico, 1800-1960. Maringá: Eduem.), Souza (2021Souza, Rodrigo. (2021). A trajetória das ideias políticas de Alceu Amoroso Lima: da contrarrevolução ao modernismo católico (1928-1938). Cadernos de História da Educação, 20.) e Abreu & Costaguta (2021Abreu, Luciano & Costaguta, Gabriel. (2021). Intellectual debates about Catholic corporatism in 1930s Brazil. In: Pinto, Antonio Costa (org.). An authoritarian third way in the era of fascism: diffusion, models and interactions in Europe and Latin America. London: Routledge.). Sobre o pensamento católico de San Tiago Dantas, conferir Caldas & Ribeiro (2022Caldas, Alan & Ribeiro, Renato Ferreira. (2022). San Tiago Dantas e Guerreiro Ramos: duas recepções do pensamento católico no Brasil na década de 1930. Revista do IHGB, CLXXXIII/490, p. 55-80.) e Ribeiro (no preloRibeiro, Renato Ferreira. (no prelo). “O mais cristão dos sistemas políticos modernos”: fascismo e catolicismo no pensamento político do jovem San Tiago Dantas. Teoria & Pesquisa.).
  • 14
    San Tiago, por exemplo, apresentou a seus colegas uma palestra sobre o Estado fascista em 1929 (Dutra, 2014Dutra, Pedro. (2014). San Tiago Dantas: a razão vencida. São Paulo: Singular.: 126 e 160) e, em carta a Chermont de Miranda, revelava os planos de fazer “um longo ensaio, cem ou cento e poucas páginas, sobre o corporativismo fascista e cristão. Ensaio que publicarei na ‘Ordem’, em três ou quatro números” (Dutra, 2014Dutra, Pedro. (2014). San Tiago Dantas: a razão vencida. São Paulo: Singular.: 176).
  • 15
    Como ressalta Cassimiro (2018Cassimiro, Paulo Henrique. (2018). A revolução conservadora no Brasil: nacionalismo, autoritarismo e fascismo no pensamento político brasileiro dos anos 30. Revista Política Hoje, 27, p. 138-161.: 150), “a linguagem política do fascismo ofereceria a uma parte importante dos nacionalistas autoritários no Brasil aquilo que seu diagnóstico sobre a crise espiritual e política do mundo moderno demandava como forma de mobilização política”.
  • 16
    Sobre o pensamento político de Faria e sua repercussão no debate público, ver Sadek (1978Sadek, Maria Tereza. (1978). Machiavel, Machiavéis: a tragédia octaviana. São Paulo: Símbolo.).
  • 17
    Em suas memórias, Hélio Vianna, o único de tendências filomonarquistas do grupo, pontua que: “Se os meus amigos apoiavam o governo legal, por ele não tinha especiais simpatias. Alguns deles [...] eram filhos e irmãos de deputados e senadores. Eu, mineiro, teoricamente estaria de outro lado, embora tivesse me recusado participar de um Comitê Acadêmico da Aliança Liberal. O fato é que a política não modificava nossas relações; tido e havido como antirrepublicano, colocava-me au-dessus de la mêlée, sem ter esperanças de melhoras para o País por via revolucionária, pois, para mim, o mal estava no próprio regime que continuaria” (Dutra, 2014Dutra, Pedro. (2014). San Tiago Dantas: a razão vencida. São Paulo: Singular.: 577).
  • 18
    Carta de Almir de Andrade para San Tiago Dantas (19 nov. 1930). Localização: Fundo San Tiago Dantas, Arquivo Nacional, caixa 23, pacotilha 1.
  • 19
    Carta de Chermont de Miranda a San Tiago Dantas (12 maio 1931). Localização: Fundo San Tiago Dantas, Arquivo Nacional, caixa 25, pacotilha 1.
  • 20
    Carta de Chermont de Miranda a San Tiago Dantas (3 maio 1931). Localização: Fundo San Tiago Dantas, Arquivo Nacional, caixa 25, pacotilha 1.
  • 21
    Carta de Augusto Frederico Schmidt a San Tiago Dantas (sem data). Localização: Fundo San Tiago Dantas, Arquivo Nacional, caixa 25, pacotilha 2.
  • 22
    Carta de Lourival Fontes a San Tiago Dantas (sem data). Localização: Fundo San Tiago Dantas, Arquivo Nacional, caixa 25, pacotilha 2.
  • 23
    Sobre o projeto tenentista, conferir Viviani (2009Viviani, Fabrícia. (2009). A trajetória política tenentista enquanto processo: do Forte de Copacabana ao Clube 3 de Outubro (1922-1932). Tese de Doutorado. Universidade Federal de São Carlos.).
  • 24
    Para um relato da fundação do núcleo integralista no Rio de Janeiro, ver a entrevista de Gerardo de Mello Mourão, disponível em: https://www2.camara.leg.br/a-camara/documentos-e-pesquisa/arquivo/historia-oral/Memoria%20Politica/Depoimentos/gerardo-mello-mourao/texto.
  • 26
    Em correspondências trocadas com seus companheiros, San Tiago revelava constante desagrado com os rumos tomados pelo movimento e expressava o desejo de conferir “pureza e finalidade” à AIB e “dirigir sem chefiar” o movimento (Dutra, 2014Dutra, Pedro. (2014). San Tiago Dantas: a razão vencida. São Paulo: Singular.: 313-314). Desde pelo menos fins de 1935, eles expressavam descontentamento com os rumos do partido. Em carta a Dantas, Chermont de Miranda lamenta “a falta de agitação, esta ausência de agressividade contra toda a ordem diversa da nossa” que parecia tomar conta do movimento (Dutra, 2014Dutra, Pedro. (2014). San Tiago Dantas: a razão vencida. São Paulo: Singular.: 316).
  • 27
    A Razão (27 dez. 1937: 1).
  • 28
    Sobre a trajetória política e intelectual de San Tiago Dantas, conferir Onofre (2012Onofre, Gabriel. (2012). Em busca da esquerda esquecida: San Tiago Dantas e a Frente Progressista. Dissertação de Mestrado. Fundação Getulio Vargas.) e Ribeiro (2021Ribeiro, Renato Ferreira. (2021). San Tiago Dantas: ideias e rumos para a Revolução Brasileira (1929-1964). Tese de Doutorado. Universidade Federal de São Carlos.).
  • 29
    Sobre o pensamento de Almir de Andrade, conferir Oliveira (1982cOliveira, Lúcia Lippi. (1982c). Tradição e política: o pensamento de Almir de Andrade. In: Oliveira, Lúcia Lippi et al. (orgs.). Estado novo: ideologia e poder. Rio de Janeiro: Zahar.) e Paiva (2015Paiva, Valéria. (2015). Almir de Andrade: intelectual do Estado Novo. História (São Paulo), XXXIV/1, p. 216-240.).
  • 25
    O livro originou-se do curso que o autor ministrou no Departamento de Estudos integralista em 1934. Além do livro de Vianna, a coleção publicou diversos livros de autores integralistas, como Plínio Salgado, Miguel Reale, Gustavo Barroso e Tasso da Silveira, e do campo autoritário, como Azevedo Amaral, Alceu Amoroso Lima, Cândido Motta Filho e Menotti del Picchia.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    24 Jul 2020
  • Revisado
    12 Maio 2022
  • Aceito
    10 Set 2022
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