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NÃO FOSSE ISSO E ERA MENOS / NÃO FOSSE TANTO E ERA QUASE: PAULO LEMINSKI, O POETA DE CURITIBA* * Gostaria de agradecer às leituras dos pareceristas anônimos e de Jéssica da Silva Höring, Luiz Carlos Jackson, Fernando Antonio Pinheiro Filho, Dimitri Pinheiro da Silva e Núcleo de Sociologia da Cultura da USP. Este artigo se ancorou na pesquisa de mestrado em sociologia KAMIQUASE: a trajetória intelectual de Paulo Leminski e o campo literário brasileiro (1944-1975), defendida em 2016, e financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

NÃO FOSSE ISSO E ERA MENOS / NÃO FOSSE TANTO E ERA QUASE: PAULO LEMINSKI, THE POET OF CURITIBA

Resumo

Este artigo tem como objeto a trajetória artística do poeta Paulo Leminski. Partindo de uma abordagem amparada na ideia de campo - enquanto espaço hierarquizado e relacional de concorrência específica -, tomo a obra e suas condições de possibilidade para demonstrar como as relações entre centro e periferia no interior do campo literário brasileiro tiveram impacto na trajetória artística do escritor paranaense. Assim, analiso o período de produção da obra Catatau, publicada em 1975, e a recepção imediata do livro para elucidar as relações entre Leminski e os grupos paulista e mineiro. Desse modo, demonstro como o Catatau foi um ponto de viragem na trajetória do escritor e como, por estar enredado nas constrições específicas de disputas e concorrência do período, as soluções estéticas adotadas posteriormente em sua poesia têm relação direta com o destino do livro.

Palavras-chave:
Sociologia; literatura; Paulo Leminski; Poesia Concreta; poesia

Abstract

This article has as its object the artistic trajectory of Paulo Leminski. From an approach based in the field theory - as hierarchized and relational space of specific concurrence -, I take his work and his conditions of possibility to show how the relations between center and peripheries in the Brazilian literary field had a great impact in the artistic trajectory of the writer from the state of Paraná. Thus, I focus on the writing period of the book Catatau, published in 1975, and at its immediate reception to clarify the relations between Paulo Leminski and the groups of São Paulo and Belo Horizonte. Then, I proceed to reveal how the publishing of Catatau was a turning point in the writer’s trajectory and how, by being bound to the specific constrains of the time, the aesthetics solutions applied in his later works are directly related to the destiny of this book.

Keywords:
Sociology; literature; Paulo Leminski; Concrete Poetry; poetry

INTRODUÇÃO

Interpretada em geral a partir da articulação entre elementos da cultura pop e da cultura erudita, a obra de Paulo Leminski tem na crítica literária duas perspectivas de análise principais. De um lado, para críticos como Manoel Ricardo de Lima (2002Lima, Manoel Ricardo. (2002). Entre percurso e vanguarda: alguma poesia de P. Leminski. São Paulo: Annablume; Fortaleza: Secult.) e Fabrício Marques (2001Marques, Fabrício (2001). Aço em Flor: a poesia de Paulo Leminski. Belo Horizonte: Autêntica.), a preocupação com esses dois registros se reflete na forma característica como o poeta articula os problemas poéticos de sua época. No ambiente em que imperava o rigor formal, inseria o desbunde, enquanto no ambiente de desbunde, inseria o rigor formal. Por outro lado, segundo Vinícius Dantas (1986Dantas, Vinícius. (1986). A nova poesia brasileira & a poesia. Novos Estudos Cebrap , 16, p. 40-53.) e Flora Sussekind (2004Süssekind, Flora. (2004). Literatura e vida literária: polêmica, diários & retratos. Belo Horizonte: Editora da Universidade Federal de Minas Gerais.; 2008Süssekind, Flora. (2008). Hagiografias. In: Inimigo Rumor 20 - Revista de Poesia. São Paulo: Cosac-Naify, p. 29-65.), haveria uma dualidade na própria cronologia de sua obra que, embora tenha elementos em que conjugue ambos os repertórios, apresenta uma clara ruptura de direções: o contraste entre o erudito e vanguardista Catatau (Leminski, 2010Leminski, Paulo . (2010). Catatau. São Paulo: Iluminuras. E-book.), livro em prosa experimental escrito em 1975, e o livro pop, Caprichos & Relaxos, publicado em 1983. Em diálogo com tais intérpretes e por meio da reconstrução da trajetória do poeta e das condições de produção literária do período, entendo essa articulação entre os repertórios pop e eruditos como emergente de um percurso social.

Partindo de uma abordagem cujo foco é a relação entre centro e periferia na produção intelectual brasileira, o objetivo deste artigo é demonstrar como o livro Catatau de Paulo Leminski, publicado em 1975, pode ser considerado um ponto de viragem na trajetória do autor por duas razões. Primeiro porque, embora tenha sido nutrido na inserção precoce do curitibano em um grupo de poetas postulantes a uma posição dominante no centro da produção poética brasileira - inserção que impingiu a Leminski o estatuto de promessa -, Catatau resultou em um projeto fracassado, se contrastarmos o que o escritor almejava com o livro e a crítica imediata que dele recebeu. Segundo porque os termos pelos quais o fracasso foi percebido por Leminski foram fundamentais para parte importante de sua poesia posterior a Catatau. Desse modo, minha intenção é apresentar uma abordagem sociológica que leve em consideração, por meio da análise de trajetória e de uma interpretação, amparada na noção de campo - enquanto espaço hierarquizado e relacional de concorrência específica -, das condições de possibilidade que informam um “projeto criador”1 1 Para a compreensão da trajetória de Leminski, a análise vale-se da abordagem realizada por Norbert Elias (1995), em Mozart: a sociologia de um gênio, e por Pierre Bourdieu (1996), sobretudo em As Regras da Arte. Parte-se da ancoragem de que o significado da experiência social e o impacto no desenvolvimento pessoal do agente estudado só podem ser compreendidos quando se contrasta o destino social da pessoa individual com as estruturas sociais com as quais ela se relaciona (Elias, 1995, p. 19). Leva-se em consideração, todavia, a particularidade das estruturas de produções simbólicas, que têm relativa autonomia das demais esferas do mundo social, autonomia que importa para a compreensão do que está em jogo nas relações de produção e concorrência entre os agentes, pois impõe sentidos específicos que revestem de significados particulares escolhas e atuações. Desse modo, adequam-se as relações de interdependência entre os agentes à particularidade de uma estrutura social que tem regras e história próprias, impondo aos agentes, por isso, condições específicas de atuação - isto é, um espaço de escolhas possíveis - que se relacionam com sua experiência social. .

I SEMANA DE POESIA DE VANGUARDA E O JOVEM RIMBAUD CURITIBANO

No final do mês de agosto de 1963, realizou-se a I Semana Nacional de Poesia de Vanguarda na antiga Universidade de Minas Gerais, em Belo Horizonte, com a presença dos escritores do grupo concretista de São Paulo, de escritores mineiros envolvidos na revista Tendência, além de acadêmicos de outros estados como Luiz Costa Lima, José Lino Grünewald do Rio de Janeiro e o jovem Paulo Leminski (Poesia…, 1963aLeminski, Paulo . (1963a). Poema. Correio do Paraná, Curitiba, 8 dez.).

Ocorrida cinco anos após a ruptura formal entre o grupo paulista “concreto” e o carioca “neoconcreto”, a I Semana de Poesia de Vanguarda sugeria a intenção do grupo paulista de manter a posição que alcançara entre seus pares. Centrado nos poetas Augusto de Campos, Décio Pignatari e Haroldo de Campos, o grupo, nesse momento, ancorava-se em uma postura expansionista2 2 Segundo Aguilar (2005: 367), na “[…] Semana Nacional de Poesia de Vanguarda […] se somam à poesia concreta os poetas Affonso Ávila e Laís Correa de Araújo e os ensaístas Luiz Costa Lima e Benedito Nunes (o grupo Actitud, de Buenos Aires, também estabelece contatos com o grupo a partir desse evento)”. a fim de estabelecer sua dianteira na chamada “poesia de vanguarda”, já que as rusgas “neoconcreta” e “praxista”, além da competição com os poetas engajados na revista Violão na Rua, haviam encetado a disputa por quem teria o “melhor” discurso vanguardista - revelando a validação desse tipo de discurso (Simon, 1990Simon, Iumna. (1990). Esteticismo e participação: as vanguardas poéticas em contexto brasileiro (1954-1969). Novos Estudos Cebrap , 26, p. 120-140.) como meio de inserção no debate poético do período, abrindo, por outro lado, espaço para cizânias acerca de sua liderança (Moura, 2011Moura, Flávio Rosa. (2011). Obra em construção: a recepção do neoconcretismo e a invenção da arte contemporânea no Brasil. Tese de Doutorado. PPGS/Universidade de São Paulo.). Depois de ser divulgado nos maiores suplementos literários do Brasil - a saber, os suplementos literários do Jornal do Brasil e de O Estado de S. Paulo - o grupo passava por um momento de reconfiguração de espaços para divulgação. Sobretudo porque, depois da fisga neoconcreta, em 1958, o grupo paulista perdera acesso ao Jornal do Brasil3 3 Importante frisar que, dos 28 textos publicados no livro Teoria da poesia concreta - compilação de textos e manifestos do grupo no período de “vigência” do movimento concretista, que abarca textos de 1950 a 1965 -, nove foram publicados no Jornal do Brasil, cinco na revista ad - arquitetura e decoração, quatro no Correio Paulistano e os demais em revistas e jornais diversos. .

A despeito de algumas aparições no Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo em 1958 e 1959, é a partir de 1961 que se intensifica a participação dos três poetas no periódico - sobretudo Haroldo e Augusto de Campos. Além disso, promove-se certa aproximação com os integrantes de programas de pós-graduação e de professores universitários4 4 Um relato de como o grupo Noigandres estava próximo da vida universitária pode ser lido em depoimento de Bento Prado Júnior (1992). , o que, aliás, possibilita o trânsito entre críticos e congressos acadêmicos, onde, por exemplo, o concretismo seria apresentado com maior destaque, ocupando espaço nos debates universitários do período5 5 “Houve um toque interessante: creio que, pela primeira vez, os poetas concretos foram postos em destaque. A novidade naquele tempo era a poesia concreta, e nós demos aos jovens poetas concretos a oportunidade de aparecerem em um evento importante e darem a sua mensagem” (Candido, 2014: 215). . No centro do rescaldo entre sociologia e crítica literária (Blanco & Jackson, 2014Blanco, Alejandro & Jackson, Luiz Carlos. (2014). Sociologia no espelho: ensaístas, cientistas sociais e críticos literários no Brasil e na Argentina (1930-1970). São Paulo: Editora 34.), os congressos sobre literatura saíam das hostes de clubes literários e agremiações políticas (Camilo, 2013Camilo, Vagner. (2013). O poeta e a cena literária: figurações sincrônicas e anacrônicas. Tese de Livre Docência. FFLCH/Universidade de São Paulo.) para entrar na universidade, prenunciando já o papel que a instituição assumiria na vida literária brasileira e, particularmente, possibilitando a renovação da crítica a partir de padrões de cientificidade.

Para o grupo concreto, embora a aproximação com a universidade representasse aprofundamento da guinada em direção à especialização da linguagem (Arruda, 2001Arruda, Maria Arminda do Nascimento. (2001). Metrópole e cultura: São Paulo no meio século XX. Bauru: Edusc.), a posição em que se encontrava era um tanto problemática, já que advogados de certa linhagem de cientificidade mais próximas do new criticism, do formalismo russo e do estruturalismo, apareciam como outsiders do grupo que se consolidaria na Cadeira de Teoria Literária e Literatura comparada da USP, sob a liderança de Antonio Candido. Além disso, como expõe a fala de Décio Pignatari no II Congresso Brasileiro de Crítica e História Literária, a preocupação acerca da politização do ambiente literário impunha outra dificuldade ao grupo (Pignatari, 2004Pignatari, Décio. (2004). A situação atual da poesia no Brasil. In: Contracomunicação. São Paulo: Ateliê, p. 99-121.). Postulantes a uma posição ambígua sobre a literatura - misto de esteticismo e vanguardismo antiliterário, temperado com citações acadêmicas e escrita experimental/de manifesto -, o grupo se via sob fortes acusações de “alienação” da “ala” politizada da poesia, agrupada sob as asas do Centro Popular de Cultura (CPC) do Rio de Janeiro, liderada pelo inconfidente Ferreira Gullar e que tinha como canal de divulgação as revistas Violão de Rua6 6 A título de expressão da disputa, em depoimento a Marcelo Ridente, Ferreira Gullar afirma ter recebido várias submissões de poemas dos poetas concretos para as revistas Violão de Rua, que foram prontamente negadas (Ridenti, 2014). .

Em 1963, ano da I Semana Nacional de Poesia de Vanguarda, os concretistas encontravam-se, então, próximos da universidade por meio de organizações de coleções - tais como as realizadas com as obras de Sousândrade e Oswald de Andrade, esta última a convite de Antonio Candido -, do Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, do grupo Música Nova de vanguarda e em disputa literária com os manifestos do CPC carioca. A organização de um congresso acadêmico juntamente com os escritores de Minas Gerais da revista Tendências, os quais todos professores universitários e cuja poesia vacilava entre alguma preocupação formal e certa participação política, expressa a aproximação do grupo aos debates universitários do período. É nesse sentido que se pode encarar o teor do encontro, sobretudo ao se considerar o “comunicado de conclusões” da Semana publicado tanto no suplemento literário do Jornal do Brasil como no de O Estado de S. Paulo (Poesia…, 1963aPoesia de vanguarda. (1963a). Correio da Manhã , Rio de Janeiro, p. 2, 12 set. 1963. Disponível em <Disponível em http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=089842_07&PagFis=43686&Pesq=%22poesia%20de%20vanguarda%22 >. Acesso em 13 jul. 2022.
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). O comunicado reafirma a todo momento a necessidade da preocupação com a forma para o desenvolvimento da poesia brasileira, ou seja, a necessidade de ser uma vanguarda cujo engajamento é com o fazer poético. E, embora com uma retórica diferente, é bastante próximo das formulações realizadas no chamado “salto-participante” do grupo de poesia concreta: “não há arte revolucionária sem forma revolucionária”7 7 Post-scriptum adicionado em 1961 ao “Plano-piloto para poesia concreta”, publicado em 1958. A frase é de Maiakovski. .

Data da participação de Leminski na Semana o começo de suas aparições na imprensa paranaense, que o turifica como representante do estado do Paraná no encontro (Poesia…, 1963bPoesia de vanguarda: Paraná comparece a debate em Minas. (1963b). Última Hora, Rio de Janeiro, p. 3, 12 ago. 1963.). Logo em seguida, passou a publicar textos críticos e poemas em pelo menos dois jornais, Correio do Paraná e o Diário da Tarde. Em um de seus primeiros textos, Um poeta mineiro, publicado em 13 outubro de 1963, Leminski (1963b)Leminski, Paulo . (1963b). Um poeta mineiro. Correio do Paraná , Curitiba, p. 4, 13 out., com então 19 anos, fazia a lição de casa da Semana ao apontar como virtude do poeta Affonso Romano Sant’anna a síntese entre uma preocupação formal e o conteúdo engajado e, por isso, elencando-o como sucessor de Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto. O texto marcado por laivos de juventude foi publicado na página Letras, Ciências e Artes do Correio do Paraná, acompanhado por diversos poemas de escritores paranaenses e um de Drummond.

Os anos de 1963 e 1964 são, portanto, cruciais para Leminski não só pelo contato realizado e mantido com os poetas mineiros e paulistas, mas pelo caminho pelo qual enveredou o jovem escritor, se tomarmos a pequena produção poética publicada nesse espaço de tempo. Os primeiros poemas, publicados após a participação na Semana, oscilam entre uma temática quase simbolista e outra quase engajada:

enquanto é apenas criança um direito te resta - o de ser não estando último que ninguém te tira. numa noite de tormenta alguém virá montado no relâmpago condarte para ver - a gestação das águas - a luta das nuvens - o voo dos raios que borrão de azul teu rosto, flor de espanto - enquanto teu pai que se acredita sábio luta na cama para ter um sonho (Leminski, 1964Leminski, Paulo . (1964). Poemas. Invenção, 3/4, dez., p. 101-155.: 8). a mãe levou o dia alimentando os canários, outras aves as galinhas, o cachorrinho e o gato, o papagaio, o jaboti, os coelhos e os leitões, quando voltou pra casa sobre os pratos vazios encontrou os quatro filhos os quatro mortos de fome (Leminski, 1963aLeminski, Paulo . (1963a). Poema. Correio do Paraná, Curitiba, 8 dez.: 8).

Poemas em nada parecidos com os poemas publicados em dezembro de 1964 na revista Invenção do grupo concretista:

líng- uá Kuá- zê Shin- ê- zá/ essa Líng(uá) Ming- uá- da/ Xing a/ são/ Sinc- lô- Ni-Ká: Tanq- Uê/ Kal- Ang- Uê-jyô/ Blanc- ô chio Shu- Va// Séu/ Mang- Uê (Leminski, 1964Leminski, Paulo . (1964). Poemas. Invenção, 3/4, dez., p. 101-155.: 101) PARKER TEXACO ESSO FORD ADAMS FABER MELHORAL SONRISAL RINSO LEVER GESSY RCE GE MOBILOIL KOLYNOS ELECTRIC COLGATE MOTORS GENERAL casas pernambucanas (Leminski, 1964Leminski, Paulo . (1964). Poemas. Invenção, 3/4, dez., p. 101-155.: 155)

Grande mudança também se nota se tomamos dois textos significativos. O já citado Um poeta mineiro e outro publicado em 1965, Antiprojeto à poesia no Brasil, publicado na revista Convivivm - periódico vinculado à Sociedade Brasileira de Cultura, que aglutinava certa inteligência conservadora e católica, com sedes em Curitiba e São Paulo. Diferentemente da mudança ocorrida na poesia, nestes dois textos, o que se testemunha é certa continuidade em relação aos temas e uma maturação sobre qual caminho poético seguir. Embora apresente críticas à poesia concreta, mantém-se de modo muito próximo a seu rosário, sobretudo pós-salto participante. Coloca-se como objetivo a “síntese” entre a preocupação formal e o engajamento político, como a apontada em Affonso Romano Sant’Anna - síntese que seria alcançada a partir da especialização do próprio poeta:

O que lhe ministra alta dose de participação social, para começar, é o fato de o poeta realizar-se na e pela linguagem, condição mesma de tudo que é social. Donde, de novo, há que pedir especialização (= conhecimento + empenho) ao signor (neologismo prestável para designar o ‘poeta’ hoje; equivaleria a senhor dos signos, etc.) (Leminski, 1965Leminski, Paulo . (1965). Antiprojeto à poesia no Brasil. Convivivm, 5-6/7, p. 104-112.: 112).

Leminski, com esse texto, procurava realizar aquilo que havia apontado de maneira rudimentar em seu texto sobre Affonso Romano Sant’Anna, a síntese entre os dois polos daquele contexto com uma diferença: ao substituir o prefixo “ante-” por “anti-”, o poeta curitibano põe suas manguinhas de fora e explicitamente marca sua posição em relação ao “Plano-piloto para poesia concreta” e ao “Anteprojeto do manifesto do Centro Popular de Cultura” - ainda que a crítica à poesia concreta apareça de modo mais velado. A contrapelo, no entanto, expõe também uma relação de parcial subalternidade ao frisar a dificuldade que a distância em relação ao grupo paulista - ou seja, em relação a São Paulo - impôs para se livrar da Curitiba “simbolista e paranasiana” - “o que veio a exigir de mim um heroísmo constante para não deixar a tensão da poesia que faço decair de nível nem de intransigência” (Leminski, 1965Leminski, Paulo . (1965). Antiprojeto à poesia no Brasil. Convivivm, 5-6/7, p. 104-112.: 112).

Essa produção com rompantes proféticos de superação de impasses estéticos, embora possa ser signo de juventude, explicita também sua expectativa em relação à própria produção poética que em muito se relaciona com o modo como Leminski foi recebido e percebido pelo grupo paulista e mineiro. Segundo seu biógrafo, Leminski teria virado uma espécie de mascote do grupo, em virtude de sua juventude e de seu “potencial”. Embora incensada, essa afirmação não parece implausível se tomamos alguns depoimentos dos participantes da Semana. Em texto de 2014, rememorando a I Semana Nacional de Poesia de Vanguarda na Folha de S.Paulo, Luiz Costa Lima (2014Lima, Luiz Costa. (2014). Respostas de Luiz Costa Lima. Folha de S.Paulo, Ilustríssima, p. 4, 23 fev.: 4) comenta: “Conheci pessoalmente Leminski e reconhecia a promessa que era”. Em 1967, o mesmo Luiz Costa Lima, em texto no Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, coloca Leminski, Sebastião Uchoa Leite e Ivan Junqueira como os mais novos nomes da Poesia Brasileira (Lima, 1967Lima, Luiz Costa. (1967). Quarto inquérito sobre a poesia brasileira. O Estado de S. Paulo, São Paulo, Suplemento Literário, p. 4, 6 maio.). Haroldo de Campos escreve, em introdução à Caprichos & relaxos: “Foi em 1963, na Semana Nacional de Poesia de Vanguarda, em Belo Horizonte, que o Paulo Leminski nos apareceu, dezoito ou dezenove anos, Rimbaud curitibano com físico de judoca” (Campos, H., 2013Campos, Haroldo. (2013). Paulo Leminski. In: Leminski, Paulo. Toda poesia. São Paulo: Companhia das Letras , p. 394-395.: 394). Affonso Ávila também comenta sobre a semana: “aquele Rimbaud paranaense que, na ânsia dos seus 17 ou 18 anos, surpreendeu a Semana de 63 como uma estrela cadente, com seu fulgor instantâneo e comunicante de seu talento em explosão” (Ávila, 1993Ávila, Affonso. (1993). Trinta anos depois: um depoimento muito pessoal. In: Santa Rosa, Eleonora (org.). 30 anos. Semana Nacional de Poesia de Vanguarda: 1963-93. Belo Horizonte: Secretaria Municipal de Cultura, p. 10-21.: 21). Promessa ratificada por Augusto de Campos em entrevista concedida a José Louzeiro:

Chamo atenção para o jovem poeta paranaense. Paulo Deminski [sic] - extraordinário talento criativo, servido por um conhecimento de idiomas verdadeiramente surpreendente para um poeta de 20 anos. Seus poemas língua quase chinesa (que cria um pseudochinês com o nosso idioma) e casa pernambucanas (concreto-participante, com siglas de firmas) são já plenas realizações, bastante pessoais (Campos, A., 1965Campos, Augusto. (1965). Poetas de vanguarda tomam posição. Entrevistadores: José Louzeiro. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 64/22.066, p. 1, 13 mar. 1965.: 1, grifo do autor).

Penso que a partir dessa relação estabelecida com o grupo paulista e mineiro e de sua recepção, cria-se sobre Leminski uma expectativa enquanto promessa e prodígio, muito provavelmente absorvida pelo próprio curitibano e que em muito explica as pretensões gigantescas com as quais o Catatau - que começa a escrever em 1968 - foi gestado.

O “PORRE VERBAL” DO CATATAU E O EXÍLIO CURITIBANO

Analisar em termos do sentimento de promessa e prodígio seria o que possibilitaria explicar dois acontecimentos importantes na trajetória de Leminski. Em primeiro lugar, o tom da primeira crítica realizada sobre o Catatau, em 1976, feita por ninguém menos que Affonso Romano Sant’Anna. Em segundo lugar, o sentimento de frustração possível de enxergar nas cartas de Leminski a Régis Bonvicino.

Depois de quase uma década de dedicação ao livro - por entre os desbundes cariocas, viagens à Bahia, redações publicitárias curitibanas, aulas de cursinho, a morte de um filho, uma separação -, o projeto resultou em 203 páginas de um único parágrafo em que se acompanha, quase sinestesicamente, a estadia de Renatus Cartesius, forma latinizada do nome de René Descartes (também trocadilho para “Descartes Renascido”), no Recife holandês. Descreve-se o perder-se de Cartesius no palácio de Vrijburg, sua visita ao parque e ao jardim, enquanto carrega um cachimbo de maconha numa mão e na outra, uma luneta. Percorrem-se páginas de travosa glosa experimentalista, em que se misturam referências à culinária paranaense, à sociabilidade dos botecos, à incapacidade de Descartes em entender o mundo que o circunda, à emergência de um monstro “semiológico” a trocar, inverter ou tornar ilegíveis as palavras - batizado com certa graça irônica de Occam -, a indagações sexuais e até a um bilhete deixado à Alice Ruiz incluído na narrativa do texto. Tudo isso para encerrar o enredo da espera de Renatus Cartesius pelo oficial do exército da Companhia das Índias Ocidentais, o polonês Krzysztof Arciszewski, quem, na expectativa de Cartesius, poderia explicar o Brasil para o filósofo francês. O polonês chega, nas últimas linhas do livro, bêbado - “Bêbado como polaco que é”. Embaçando a autoria da narração e da pergunta, o livro termina com a questão: “Bêbado, quem me compreenderá?” (Leminski, 2010Leminski, Paulo . (2010). Catatau. São Paulo: Iluminuras. E-book.: 203).

Nas poucas entrevistas concedidas durante a escrita do livro, é possível apreender a amplitude almejada por Leminski com o projeto. Em pequena nota publicada em um jornal paranaense, o escritor afirma que o Catatau “representa o rompimento total com os enquadramentos prosa ou poesia”, pois seria “a utilização de todos os recursos da linguagem” (Em poucas…, 1969Em poucas linhas: Leminski critica Rosa e anuncia seu “Catatau”. (1969). Diário do Paraná, Curitiba, 21 dez. 1969.: 1). O livro seria, portanto, “o acontecimento” depois de Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa, do conto, também de Rosa, Meu Tio Iauaretê, e de Galáxias de Haroldo de Campos. Por fim, afirma que não cairia no mesmo erro do escritor de Tutameia, já que “Guimarães Rosa foi traído pelo regionalismo. Ele estava para dar o grande lance da linguagem e acabou escrevendo caipira, sobre paisagens. Acabou no descritivo. Guimarães, no fundo, é José de Alencar”. Na mesma edição do jornal, na seção Vernissage, assinada por Aroldo Murá (1969Murá, Aroldo. (1969). Vernissage. Diário do Paraná, Terceiro Caderno, p. 6, 21 dez.: 6), Leminski complementa que o livro seria o “exemplo mais perfeito, o protótipo, no Brasil, de texto, isto é, rompimento total com os enquadramentos prosa ou poesia”. Referindo-se a Leminski como “polêmico”, a matéria continua citando-o:

A literatura brasileira é atualmente a pior do mundo. Estamos sem poesia, sem prosa, sem nada. Os jovens não têm preparo, nem inspiração, nem inteligência para o verdadeiramente novo. Essa geração é, na literatura, a vergonha da literatura brasileira. Os experimentadores não têm rigor, nem o mais difícil: a riqueza no rigor (Murá, 1969Murá, Aroldo. (1969). Vernissage. Diário do Paraná, Terceiro Caderno, p. 6, 21 dez.: 6).

Em carta a Augusto de Campos, em dezembro de 1970, o curitibano afirma estar se preparando em trabalho de “formiga das letras para o grande salto: cataqual?”. A aposta em Catatau era tanta que em entrevista, em 1971, a Toninho Vaz (Leminski & Martins Vaz, 1971Leminski, Paulo & Martins Vaz, Antônio Carlos. (1971). Paulo Leminski dá alteração. Diário do Paraná, Caderno 3, p. 6, 23 maio.: 6) - amigo e futuro biógrafo -, Leminski afirma não estar interessado em “ser escritor de dez, vinte obras; a mim interessa ser escritor de uma obra só” e continua, quando perguntado se pensava em escrever outras obras, “em termos de perspectiva de trabalho, da minha parte, é a única [obra]. Esta edição primeira servirá de base. Posteriormente irei lançando o Catatau II, Catatau III, que eu espero num futuro, menos ou mais distante, possa sair numa só edição: o Catatau Total”. E completa afirmando: “Catatau sou eu. Sou eu porque transformei toda minha experiência vital em texto. Essa experiência me fascinou exatamente pela sua singularidade. Eu não estou interessado em ser escritor de dez, vinte obras. A mim interessa ser escritor de uma obra só” (Leminski & Martins Vaz, 1971Leminski, Paulo & Martins Vaz, Antônio Carlos. (1971). Paulo Leminski dá alteração. Diário do Paraná, Caderno 3, p. 6, 23 maio.: 6).

Penso que a acolhida pelo grupo, a natureza de sua interação com os poetas tanto paulistas como mineiros, o impacto no contexto curitibano, em cuja imprensa passou a escrever, pelo fato de ser um “poeta concretista”, e o oferecimento de cursos na biblioteca pública foram determinantes para a amplitude do projeto almejado com o livro Catatau.

Por isso penso ter sido forte o impacto da crítica de Affonso Romano Sant’anna ao livro. Além da relação já estabelecida com o grupo mineiro, da qual o texto de Leminski “Um poeta mineiro” dá depoimento, o escritor é um ator do centro de onde partem os ditames da consagração, sendo professor da PUC-RJ e resenhista de livros na revista Veja. Um mês após o lançamento do livro, em janeiro de 1976, o poeta mineiro escreve uma resenha para a Veja, “Porre verbal”, onde se lê:

Onde estão as virtudes deste livro estão também os seus pecados: a marca não apenas Joyceana, mas a sua diluição, feita por Haroldo de Campos em suas “Constelações” (1963). Se surgisse há quinze anos, “Catatau” estaria num contexto vanguardista propício. Hoje seria um texto envelhecido precocemente ou algo para ser retomado daqui a alguns anos, quando ocorrer um retorno das vanguardas formalistas. […] há um erro de balística no lance de dados (para usar uma linguagem mallarmaica) ou um erro de chute estético (para manter o tom esportivo): o jogador foi muito bem treinado, driblou direito, mas atirou tão violentamente que a bola passou altíssima, desorientando a plateia. Neste sentido, Leminski é um dos maiores talentos passíveis de recuperação na literatura brasileira (Sant’anna, 1976Sant’anna, Affonso Romano (1976). Porre Verbal. Revista Veja, São Paulo, 28 jan., 386, p. 94.: 94).

Além qualificar o livro como um anacronismo despropositado, isto é, uma tentativa vã de recuperar um debate já resolvido há quinze anos, existe ainda uma condescendência estranha em dizer que “Leminski é um dos maiores talentos passíveis de recuperação na literatura brasileira”. Embora algo da relação próxima e tensa entre o grupo mineiro e o grupo paulista possa explicar parte da crítica, bem como o afastamento de Leminski do grupo mineiro e maior aproximação do grupo paulista, creio que a compreensão do tom a um só tempo condescendente e crítico do poeta mineiro ganha sentido a partir da trajetória do poeta curitibano e da posição em que estão ambos situados no espaço literário. Porque, de um lado, expõe uma relação de centro inovador e atraso periférico (Ginzburg, 1989Ginzburg, Carlo. (1989) História da arte italiana. In: Ginzburg, Carlo. A micro-história e outros ensaios. Lisboa: Difel; Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, p. 5-119.), revelando a hierarquia entre os centros de produção brasileiros, já que outros autores vão ler diferentemente o Catatau; por outro lado, a relação de proximidade de Leminski com o grupo explicaria, a nosso ver, a estranha formulação: “um dos maiores talentos passíveis de recuperação”.

Além dessa crítica imediata e direta, outro elemento que fez “chover no piquenique” de Leminski foi o silêncio dos poetas paulistas acerca do Catatau. Em carta de 1976 a Régis Bonvicino, Leminski escreve, corroborando a tensão hierárquica desenvolvida entre Leminski e o grupo paulista e explicitando também a distância entre Curitiba e São Paulo:

mostrei meus poemas discursivos/verbais a ele

e décio

com certeiro dedo

apontou o provincianismo em que eu estava caindo

aproveitei a oportunidade para ter uma crise

bebi horrores

entrei em pânico

mandei gente à merda em público

dei vexame na conferência de décio

mas corrigi a trajetória

[…]

que responde também aos que me perguntam

e (depois do catatau)?

não quero mais escrever LIVROS

não quero fazer carreira literária

[…]

criativamente

só posso me sentir muito só

há anos

levo uma luta sem tréguas

livre atirador sem companheiros

nesta curitiba de contistas

sei que estou sujeito a todos os riscos

o provincianismo

a loucura inconsequente

a queda do rigor

o eruditismo livresco

talvez o catatau seja um tanto isso aí (Bonvicino & Leminski, 1999Bonvicino, Régis & Leminski, Paulo. (1999). Envie meu dicionário: cartas e alguma crítica. São Paulo: Editora 34 .: 33, grifo nosso).

Em outra carta, de 1977, expõe sua angústia em relação aos paulistas e o silêncio acerca do Catatau:

passei muitos anos de olhos voltados para S. Paulo

para o grupo Noigandres

para Augusto, principalmente

escrevendo para eles preocupado em saber O QUE ELES IAM ACHAR

nessa época eu era “concretista”

mas eu era uma porção de outras coisas também

e quando eu deixei que elas agissem mais forte

fiz o catatau

a reação dos patriarcas em relação ao Catatau

foi curiosa

estranha isomórfica ao livro

não sei dizer bem se eles gostaram ou não

enfim, o que é gostar?

tenho certeza q para o paladar weberniano-joãogibertesco

de Augusto

o Catatau deve ter parecido bagunçado demais

irregular demais

entrópico demais

Augusto nunca foi muito claro comigo acerca do q ele achou do

Catatau produto final

o saque cartésio x tropico a anedota eu sei q ele adora

décio se refere ao Catatau falando em ‘monolito’, ‘é uma boa’,

coisas assim

haroldo, de haroldo nunca ouvi nenhuma palavra

mas eu sei tenho certeza que era O MEU MELHOR

o mais fundo mais rápido mais forte q eu podia fazer

não creio que o Catatau possa ser entendido ou explicado

à luz do plano-piloto

somos os últimos concretistas e os primeiros não sei o que lá (Bonvicino & Leminski, 1999Bonvicino, Régis & Leminski, Paulo. (1999). Envie meu dicionário: cartas e alguma crítica. São Paulo: Editora 34 .: 44).

Significativa, portanto, a entrevista de 1978, depois destas cartas e da crítica de Affonso Romano Sant’anna, em que Leminski caracteriza o seu livro como uma “estória de uma frustração”:

A estrutura dele é absolutamente perfeita. […] É uma tocaia. Essa tocaia é feita por René Descartes, oficial de Maurício de Nassau, teria vindo para o Brasil na época das invasões holandesas. Eu faço que ele esteja efetivamente no Brasil e ele é essa consciência. Ele está no parque, no horto botânico, no zoológico construído por Nassau no Recife, no Brasil do Século XVII. Ele está tentando pensar aquela natureza tropical, aquele mundo novo nas categorias antigas dele. Claro que ele vai fracassar. Ele espera durante o texto inteiro a chegada de um personagem que só chega na última linha. Esse personagem não vem como ele está esperando. O texto é a estória de uma frustração (Leminski, 1988Leminski, Paulo . (1988). Diálogo. Entrevistador: Almir Feijó. In: Paulo Leminski. Curitiba: Scientia et Labor, p. 20-21. (Série Paranaenses, vol. 2).: 21, grifo nosso).

O sentido final do livro seria o de uma frustração. É significativo o termo utilizado pelo poeta com o cotejamento de sua trajetória, desde o ponto de vista de seus próprios sentimentos (Elias, 1995Elias, Norbert (1995). Mozart: a sociologia de um gênio. Rio de Janeiro: Zahar.). Ainda mais se tomamos em conta o “projeto de livro” publicado na edição crítica de Catatau (Leminski, 2004Leminski, Paulo . (2004). Catatau, um Romance-ideia - Texto/Edição Crítica e Anotada. Curitiba: Travessa dos Editores.), em que a palavra frustração não aparece nenhuma vez. A definição é diferente também da dada por Leminski em janeiro de 1976, em entrevista à revista GAM, para Régis Bonvicino, ou seja, no mesmo mês em que foi publicada a crítica de Affonso Romano Sant’anna, provavelmente realizada antes do conhecimento dela:

O enredo de Catatau se resume a uma espera. Alguém espera alguém. Uma presença e uma ausência, mondrianescamente. A presença: Cartésio, que resulta ser o filósofo René Descartes. A ausência: Artyczwsky, o coronel polonês, cabo de guerra de Nassau. O Catatau tem ainda uma situação, um lugar. Tudo (ou nada) se passa no parque (zoo e horto botânico) que Nassau construiu em Vrijburg (Recife batava) (Bonvicino & Leminski, 1999Bonvicino, Régis & Leminski, Paulo. (1999). Envie meu dicionário: cartas e alguma crítica. São Paulo: Editora 34 .: 205).

Em 1976, espera; 1978, frustração. Somam-se a isso inúmeros depoimentos de uma relação retalhada entre a publicidade e a poesia, em que um movimento de distanciamento dos “preceitos” concretistas ganha corpo com a carta de 1979 com o veio mais crítico em relação ao projeto do grupo paulista. Carta, aliás, um ano antes da publicação dos dois livros Polonaises e Não fosse isso e era menos / Não fosse tanto e era quase:

quero fazer uma poesia que as pessoas entendam

q não precisa dar de brinde um tratado sobre Gestalt ou uma tese de

jakobson sobre as estruturas subliminares dos anagramas paronomásticos…

[…]

Afinal, os concretos queriam uma coisa que não tem nada a fazer com o que eu quero…

[…]

décio disse: ferreira gullar está certo. mas pelo avesso errado.

a gente só via o “avesso errado”. q tal ver o que ‘está certo’?

[…]

o q quero dizer é a coisa CPC, q como GESTO é genial, é certa, é correta…

os concretos noigandres não fizeram nem um milésimo no plano pragmático, de comunicação efetiva… (Bonvicino & Leminski, 1999Bonvicino, Régis & Leminski, Paulo. (1999). Envie meu dicionário: cartas e alguma crítica. São Paulo: Editora 34 .: 111-112)

O CENTRO E A PERIFERIA - AS VARIAÇÕES DO PROVINCIANISMO

Em 1980, em produção independente, Leminski lança o livro Polonaises. Curioso lembrar que o livro Catatau tem dedicatória à sua ascendência polonesa e o seu enredo coloca num personagem polonês - chamado, na última frase, de polaco, isto é, forma completamente brasileira de referência aos poloneses e índice importante dos jogos raciais no interior de Curitiba8 8 Segundo Otavio Ianni (1972), o grupo de poloneses em Curitiba está submetido ao estereótipo do polaco no jogo social, ou seja, de um grupo social inserido na sociedade e nela desajustado, sendo tão marginalizado e estigmatizado quanto os negros na hierarquização social da cidade. - a capacidade de explicar o Brasil para Renatus Cartésios, ou, ao menos, é o personagem cuja promessa era essa; mas frustrada, já que o polaco chega bêbado e incapaz também de ser compreendido. A partir da adoção da via poética que o consagrou, a temática acerca de si ganha vazão em diversos poemas de Leminski. Embora tenha sido uma voga contemporânea, a partir de sua trajetória é possível afinar não necessariamente um tom autobiográfico a inúmeros poemas, mas a reflexão do próprio poeta acerca de sua trajetória no interior das disputas literárias. A começar, por exemplo, com a epígrafe de Polonaises, uma tradução de parte de um poema do polonês Adam Mickiewicz:

Choveram-me lágrimas limpas, ininterruptas, Na minha infância campestre, celeste, Na minha mocidade de alturas e loucuras, Na minha idade adulta, idade de desdita; Choveram-me lágrimas limpas, ininterruptas… (Mickiewicz apud Leminski, 2013Leminski, Paulo . (2013). Toda poesia . São Paulo: Companhia das Letras . E-book.: 542-545)

Além da epígrafe, outros poemas marcam certo tom melancólico, como:

tenho andado fraco levanto a mão é uma mão de macaco tenho andado só lembrando que sou pó tenho andado tanto diabo querendo ser santo tenho andado cheio o copo pelo meio tenho andado sem pai yo no creo en caminos pero que los hay hay (Leminski, 2013Leminski, Paulo . (2013). Toda poesia . São Paulo: Companhia das Letras . E-book.: 579-585)

Ou

dois loucos no bairro um passa os dias chutando postes para ver se acendem o outro as noites apagando as palavras contra um papel branco todo bairro tem um louco que o bairro trata bem só falta mais um pouco para eu ser tratado também (Leminski, 2013Leminski, Paulo . (2013). Toda poesia . São Paulo: Companhia das Letras . E-book.: 612-616)

Ou ainda:

nada foi feito sonhado mas foi bem-vindo feito tudo fosse lindo (Leminski, 2013Leminski, Paulo . (2013). Toda poesia . São Paulo: Companhia das Letras . E-book.: 620-621) ver é dor ouvir é dor ter é dor só doer não é dor delícia de experimentador (Leminski, 2013Leminski, Paulo . (2013). Toda poesia . São Paulo: Companhia das Letras . E-book.: 663-667) como um coto caro ao roto incrédulo tiago toco as chagas que me chegam do passado mutilado toco o nada aquele nada que não para aquele agora nada que tinha a minha cara nada não que nada nenhum declara tamanha danação (Leminski, 2013Leminski, Paulo . (2013). Toda poesia . São Paulo: Companhia das Letras . E-book.: 673-679)

Além desses cinco poemas, outros dois dialogam de maneira direta com a trajetória do autor. Ante o primeiro deles é impossível não pensar no Catatau:

sim eu quis a prosa essa deusa só diz besteiras fala das coisas como se novas não que a prosa apenas ideia uma ideia de prosa em esperma de trova um gozo uma gosma uma poesia porosa (Leminski, 2013Leminski, Paulo . (2013). Toda poesia . São Paulo: Companhia das Letras . E-book.: 683-688)

O segundo poema será abordado adiante. Ou seja, dos 28 poemas publicados no livro, identificamos pelo menos sete com um teor que dialoga diretamente com sua própria trajetória, em tom melancólico. Isso apenas em Polonaises. É importante lembrar que, ao final da década de 1970, seu filho Miguel falece aos 8 anos de câncer, grande tragédia familiar; no entanto, o tom melancólico dos poemas não sobrevoa apenas assuntos referidos à perda, ao luto ou à morte. A aproximação com o relato de vida era temática corrente da chamada “poesia marginal” - grupo contra o qual, diga-se de passagem, Leminski desfere várias críticas -, todavia o tom melancólico desses poemas pode ser imputado também à reconfiguração de expectativas gestadas pelo insucesso do Catatau em termos de aceitação pelos pares.

Tomar a crítica de Sant’anna e o silêncio dos concretistas como ponto de viragem, para além dos méritos ou deméritos estéticos do livro, coloca luz sobre outros aspectos da trajetória do grupo concretista e de Leminski que ajudam a entender as transformações no campo literário pós-1964. A frase já citada de Luiz Costa Lima (2014Lima, Luiz Costa. (2014). Respostas de Luiz Costa Lima. Folha de S.Paulo, Ilustríssima, p. 4, 23 fev.), na Folha de S.Paulo, tem uma outra parte, judicativa, que é reveladora de uma tensão: “Conheci pessoalmente Leminski e reconhecia a promessa que era. A vida pela qual optou impediu sua plena realização”. Vinda de uma figura que se ancorou, no decorrer da década de 1970, no interior da universidade, essa afirmação ajuda a compreender o que estava em jogo e o que havia mudado no mercado de bens simbólicos desse período. Por isso, além do fato de ser um esteta afirmando a ligação inexorável entre vida e obra, vemos relevância sociológica nessa opinião.

Não é possível entender as mudanças que ocorrem nesse período sem acompanhar o processo de renovação e estabelecimento de cientificidade da crítica literária proporcionado pela institucionalização universitária. Encabeçado, sobretudo, por duas forças principais - de um lado, a escola sociológica de Antonio Candido e, de outro, a escola estética de Afrânio Coutinho -, esse processo irá culminar na imposição da crítica literária enquanto instância reconhecida de arbitragem da produção cultural e literária (Blanco & Jackson, 2014Blanco, Alejandro & Jackson, Luiz Carlos. (2014). Sociologia no espelho: ensaístas, cientistas sociais e críticos literários no Brasil e na Argentina (1930-1970). São Paulo: Editora 34.). Desde a morte de Mário de Andrade, é possível dizer que a vida intelectual brasileira foi passando por um processo de diferenciação progressiva, alterando aos poucos as relações entre os escritores e os críticos literários. Processo que explica, a nosso ver, a posição ambígua do grupo concretista em São Paulo, definida por Antonio Candido como grupo de poetas mais interessantes pela exposição crítica e polêmica de suas ideias do que propriamente por sua produção poética (Candido, 1981Candido, Antonio. (1981). A literatura brasileira em 1972. Arte em revista, 1/1, p. 20-26.).

É expressiva dessa condição a estratégia de afastamento do grupo concretista daquilo que eles chamavam de “geração de 1945”. Haroldo de Campos e Décio Pignatari tiveram suas estreias em instituições e espaços pertencentes a essa geração: Clube de Poesia, Revista Brasileira de Poesia e periódicos como o Diário de São Paulo e o Jornal de São Paulo. O distanciamento dos dois foi acompanhado por uma elaboração teórica que vai culminar na “teoria da poesia concreta” (Campos, A., 2006Campos, Augusto et al. (2006). Teoria da poesia concreta: textos críticos e manifestos 1950-1960. Cotia: Ateliê.). Paralelamente à “consolidação” teórica do grupo, acompanha-se o acomodamento institucional em outras esferas, como a criação da revista Noigandres, sua aproximação ao grupo Ruptura de Arte Concreta, a participação de exposição com esse grupo nos novos museus de arte moderna, a aproximação aos artistas cariocas e o começo da participação no periódico ad - arquitetura & decoração e nos suplementos literários do Jornal do Brasil e de O Estado de S. Paulo.

Esse afastamento “institucional” da geração de 1945 é acompanhado por uma disputa em que o grupo se vale de uma glosa teórico-poética, possibilitando, desse modo, a clarificação desses textos teóricos do grupo - especialmente os de meados da década de 1950 - a partir da posição ocupada e postulante pelo grupo. Essa disputa exigiu imenso grau de investimento no que Gonzalo Aguilar (2005Aguilar, Gonzalo. (2005). Poesia concreta brasileira: as vanguardas na encruzilhada modernista. São Paulo: Edusp.) chama de “técnica”, ou seja, um aprofundamento na discussão sobre a poesia em termos especializados e puramente técnicos no que diz respeito à literatura. É importante frisar que as obras “sem verso”, por assim dizer, surgem posteriormente ao “acomodamento institucional”, sobretudo as obras de Décio Pignatari e Haroldo de Campos - em Noigandres 3 (publicada em 1956) e O Â mago do Ô mega (publicadas em 1955 e 1956), respectivamente -, que eram mais ligados ao grupo da geração de 1945. Em Augusto de Campos, o poema “Poetamenos”, que segundo o autor é datado de 1953, só foi publicado em 1955, em Noigandres 2. Expondo, assim, uma prudência institucional cuja “ruptura estética” é realizada em ambiente seguro.

É curioso pensar que esse aprofundamento técnico não é necessariamente acompanhado pela profissionalização acadêmica, num primeiro momento. Tomando como parâmetro de comparação o Grupo Clima (Pontes, 1998Pontes, Heloísa. (1998). Destinos mistos: os críticos do grupo Clima em São Paulo (1940-1968). São Paulo: Companhia das Letras .), o padrão de profissionalização iniciado pela vida universitária, o das revistas universitárias, é contrastante com as atuações panfletárias e mais jornalísticas dos primeiros textos do grupo concretista. Misto de manifesto com texto artístico, repletos de referências acadêmicas, estes primeiros textos tinham como primeiro fantasma a geração de 1945 pelo que ela tinha de artesanal. Para a construção dessa ideia de “artesanal”, o grupo lançou mão de toda uma glosa de autores para justificar, como que teoricamente, a suposta “velhice” da geração, o seu caráter de ultrapassado. Ou seja, os manifestos/textos críticos servem como artilharia para o campo de produção poética. Vale ressaltar, todavia, que a profissionalização universitária teve as ciências como modelo e que, por isso, como que se centralizou na hierarquia simbólica das disciplinas. No caso, na renovação da crítica literária paulista, teve grande importância a sociologia, pela trajetória de Antonio Candido. Curioso caso de cruzamento entre “poetas estetas do Largo São Francisco”9 9 Augusto de Campos, Décio Pignatari e Haroldo de Campos fizeram todos Direito no Largo São Francisco. Inclusive foram membros da Academia de Letras do Largo São Francisco. e “críticos universitários puros”, em que os últimos carregam a nódoa sociológica - acusada pelos poetas - enquanto os primeiros professam o purismo da linguagem como defesa - acusada pelos críticos.

A poesia entre o final da década de 1950 e meados da década de 1960 expressou uma “estrutura de sentimento” da época (Ridenti, 2010Ridenti, Marcelo. (2010). Brasilidade revolucionária: um século de cultura e política. São Paulo: Editora Unesp .), a saber, uma espécie de “desenvolvimentismo” (Hollanda, 2004Hollanda, Heloisa Buarque. (2004). Impressões de viagem: CPC, vanguarda e desbunde: (1960/70). Rio de Janeiro: Aeroplano.) em que a cisão entre poesia engajada (representada pelos poetas vinculados aos CPCs) e engajamento poético (as vanguardas poéticas como a poesia concreta, poesia práxis, poema-processo) ocupa o centro do debate de poesia. Do lado da poesia engajada, configura-se uma poesia voltada a sua massificação, no sentido de conferir engajamento político e penetração ao conteúdo poético engajado, abdicando da autonomia estética deliberadamente com o intuito de imersão da poesia no cotidiano de um grupo social excluído. A organização incluía modos de profissionalização a partir das organizações políticas e universitárias sobretudo. Do lado do engajamento poético, configura-se uma discussão sobre a realidade brasileira através e por meio da poesia. Nesse sentido, a autonomia do objeto poético é posta como o modo pelo qual ela mesma pode se superar e, portanto, “modernizar” a sociedade brasileira, valendo-se das novas instâncias de consagração e de profissionalização, tais como o surgimento dos museus de arte moderna e espaços propriamente voltados à cultura em grandes periódicos brasileiros. Essa polaridade será como que o esteio de Paulo Leminski, uma vez que todos os seus textos levam em conta essa tensão entre poesia engajada e poesia de vanguarda.

Há, todavia, uma inflexão a partir do Golpe de 1964 que altera a polarização entre poesia de vanguarda e poesia engajada com a politização irrestrita do campo artístico em virtude do golpe militar (Napolitano, 2014Napolitano, Marcos. (2014). 1964: História do regime militar brasileiro. São Paulo: Contexto.; Schwarz, 1992). Além disso, a universidade passa gradativamente a ganhar centralidade no mundo cultural, não só pela participação no debate público como também por apresentar uma alternativa profissional viável. Por outro lado, com a consolidação da indústria cultural (Ortiz, 2001Ortiz, Renato. (2001). A moderna tradição brasileira: cultura brasileira e indústria cultural. São Paulo: Brasiliense.), os móveis no interior do mercado de bens simbólicos se embaralham, expondo uma configuração em que universidade e indústria cultural passam a ditar a bolsa de valores da consagração.

Leminski, quando aparece aos 19 anos na I Semana de Arte de Vanguarda, em 1963, era um jovem promissor, advindo de uma família dos estratos médios da sociedade curitibana com um viés de marginalização: sua mãe era negra e seu pai descendente de polonês. Em Curitiba, as figuras do negro e do polonês assumem socialmente uma posição similar, “tão identificados que, para muitos, fora do próprio grupo, o negro somente encontra cônjuge no polonês ou descendentes” (Ianni, 1972Ianni, Octavio. (1972). Raças e classes sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.: 189). Há uma estratificação racial em Curitiba que se sobrepõe aos grupos sociais de diferentes etnias, revelando uma hierarquia implícita que teve impacto no âmbito da produção cultural (Romanovski, 2014Romanovski, Natália. (2014). Um grupo abstrato: cultura, geração e ambições modernas na revista Joaquim. Dissertação de Mestrado. PPGS/Universidade de São Paulo.). É possível supor que, ainda que tivesse uma vida relativamente estável em virtude da carreira militar do pai, haveria um aspecto de marginalização pela ascendência, por parte do pai, eslava, amplamente identificada com a pobreza e com desprestígio social na cidade, assim como a negra por parte de sua mãe, que comungaria do mesmo aspecto negativo por parte dos demais grupos sociais. A curta passagem pelo mosteiro de São Bento, do período de 1958 a 1959, quando então tinha 14 anos, foi determinante para o acúmulo de conhecimento de uma tradição erudita, como o aprendizado de línguas estrangeiras: o francês, latim e o grego - elemento que impressionou o grupo concreto10 10 Augusto de Campos (1965: 1) aponta: “servido por um conhecimento de idiomas verdadeiramente surpreendente para um poeta de 20 anos”. Também a pequena biografia que o apresenta em Invenção 4 e 5 ressalta o seu conhecimento de línguas. . Tão importante quanto isso é a saída do São Bento, o que explicaria o teor autodidata que assume em toda sua trajetória, seja em relação ao modo de tratamento dos textos, seja em relação ao feitio de suas produções. Rastilho suficiente para a concreção de uma imagem dilacerada entre erudição autodidata e malandragem pop - ambas alimentadas pelo próprio poeta.

A ida de Leminski à Semana de Arte de Vanguarda, em Minas Gerais, só foi possível em virtude do Centro Acadêmico da Universidade do Paraná. Mesmo tendo ido à Semana por meio da universidade, Leminski abandonaria progressivamente os dois cursos - Letras e Direito -, bastando-se financeiramente com aulas em cursinhos, palestras e participação em jornais. O período significativo de distanciamento do universo da universidade - embora já tivesse abandonado seus cursos - são os anos de 1968 a 1970, em que Leminski decide ir ao Rio de Janeiro tentar “fazer a vida” em redações jornalísticas. Em meio a uma vida conturbada entre os desbundes no Solar da Fossa, no Rio de Janeiro, as redações de jornais e a volta para Curitiba, Leminski ainda se dedicava à escrita do Catatau. Data do início da década de 1970 seu primeiro emprego como redator publicitário, em que a “formação como poeta concreto” será fundamental, embora fonte de diversas angústias, conforme confissões em cartas a Régis Bonvicino (1999Bonvicino, Régis & Leminski, Paulo. (1999). Envie meu dicionário: cartas e alguma crítica. São Paulo: Editora 34 .).

Paralelamente, os concretos mantinham a artilharia pesada na empreitada acadêmica com as defesas de doutorado em 1970, com publicações de livros de crítica musical e literária, com o processo de revisão de poetas como Kilkerry e de tradução de autores como Ezra Pound e Mallarmé. O grupo de poesia concreta encontrava-se em processo de aproximação do ambiente da universidade, o que se aprofundaria durante a década de 1970, com membros do grupo virando mesmo professores universitários, enquanto Leminski tomaria o caminho oposto, a indústria cultural, oscilando entre a aulas de cursinho, o jornalismo e a publicidade. Todas essas distâncias, a nosso ver, compõem o desencontro entre Leminski e o Catatau ou, em outros termos, entre a promessa e a consagração entre pares. Ganha sentido, portanto, a acusação da chegada atrasada a um debate que teria sido resolvido há quinze anos - conforme a crítica de Affonso Romano Sant’Anna - se tomarmos a feitura do livro como tributária dos impasses de Leminski acerca dos próprios rumos, clivado, de um lado, pela iniciação precoce a um grupo que vai progressivamente se cravar no interior dos debates mais “puros” acerca da literatura e, de outro, pela sua vida condicionada pela publicidade, a contracultura e a distância dos centros de produção que vão o afastar das condições de possibilidade da realização de uma obra escrita “para eles / preocupado em saber O QUE ELES IAM ACHAR”, isto é, sob a égide dos debates formalistas gestados no interior da universidade.

A tensão condensada no termo “provincianismo” organiza e expõe essa hierarquia temática que aparece entre Leminski, os concretistas e Afonso Romano Sant’anna. A acusação de Sant’anna acerca do “atraso” de quinze anos do debate de Leminski, o silêncio estridente dos irmãos Campos, o “certeiro dedo” de Décio Pignatari acusando o provincianismo e o aceitamento do próprio poeta de que “talvez o catatau seja um pouco isso aí […]” mas “tenho certeza que era O MEU MELHOR” revelam o jogo velado das dinâmicas de dominação simbólica. A solução de Leminski, ou seja, aquilo que o posicionaria como “uma das vozes mais influentes na poesia brasileira” (Dantas, 1986Dantas, Vinícius. (1986). A nova poesia brasileira & a poesia. Novos Estudos Cebrap , 16, p. 40-53.: 51), quase dez anos após o lançamento do Catatau, é tributária dessa equação. O “provincianismo”, que aparece a todo momento em entrevistas e cartas do poeta, surge também como resultado da escolha de Leminski em continuar em Curitiba, praticamente único poeta das antologias poéticas de 1970 que não mudou definitivamente para o Rio de Janeiro ou São Paulo11 11 Dos 25 poetas coligidos pela pesquisa, apenas quatro não tiveram morada definitiva no Rio de Janeiro ou em São Paulo. , e, especialmente, na temática de sua poesia que vai tomar essa relação tensa como fulcro para sua produção.

Basta ver, portanto, que a crítica acadêmica da época (Dantas, 1986Dantas, Vinícius. (1986). A nova poesia brasileira & a poesia. Novos Estudos Cebrap , 16, p. 40-53.; Dantas & Simon, 1985Dantas, Vinicius & Simon, Iumna Maria. (1985). Poesia ruim, sociedade pior. Novos Estudos Cebrap, 12, p. 48-61.) o aproxima da poesia marginal e o considera um feitor do “fácil” e do “doce”, em uma poesia infantilizada. A parte que essa crítica salva é aquela em que um tom melancólico aparece. Vinícius Dantas escreve na revista Novos Estudos Cebrap uma resenha sobre o livro Caprichos & relaxos e cita como algumas das poucas virtudes do livro o poema:

eu queria tanto ser um poeta maldito a massa sofrendo enquanto eu profundo medito eu queria tanto ser um poeta social rosto queimado pelo hálito das multidões em vez olha eu aqui pondo sal nesta sopa rala que mal vai dar para dois (Leminski, 2013Leminski, Paulo . (2013). Toda poesia . São Paulo: Companhia das Letras . E-book.: 750-758)

Porque seria “uma autocrítica nada mistificadora e nada mistificada pela ilusão e magia fáceis de seu verbo”, magias e mistificações essas que a obra inteira de Leminski recalcaria por não assumir “a perda de sentido da condição moderna da poesia e sua desimportância social”. Prestando atenção não só ao que existe de específico na forma artística, mas também na especificidade dos debates artísticos da época e, sobretudo, nos jogos de disputa e concorrência com suas singularidades específicas em termos de dominação e móveis de jogo - ou seja, na cadeia de mediações específicas que envolvem obra e autor -, esse poema é revelador das constrições próprias do campo literário do período. Tanto o poema citado por Dantas como este próximo falam da própria trajetória de Leminski:

um dia a gente ia ser homero a obra nada menos que uma ilíada depois a barra pesando dava para ser aí um rimbaud um ungaretti um fernando pessoa qualquer um lorca um éluard um ginsberg por fim acabamos o pequeno poeta de província que sempre fomos por trás de tantas máscaras que o tempo tratou como a flores (Leminski, 2013Leminski, Paulo . (2013). Toda poesia . São Paulo: Companhia das Letras . E-book.: 586-592)

Ao descrever uma cronologia exata entre Homero e Ginsberg, apresentando uma plêiade da literatura ocidental, disposta em ordem cronológica, Leminski também demonstra uma hierarquia encarnada na própria forma do poema: começa por Homero, na cabeça do poema, com sua Ilíada, obra tomada como o ponto de partida da literatura ocidental; passa depois para nomes canônicos do modernismo mais recente como Rimbaud, Ungaretti, Fernando Pessoa, Lorca e Éluard, para terminar com o nome de Allen Ginsberg, famoso poeta da geração beat - a ordem das citações respeita quase que criteriosamente as datas de nascimento de cada poeta, à exceção de Lorca e Éluard.

Há nessa cronologia algo além, um leve deslocamento geográfico do centro da cultura europeia ao nome de Ginsberg, único poeta fora do continente europeu a ser citado antes da conclusão em “poeta de província”, na qual os aspectos “geográficos” e cronológicos se resolvem na própria figura do autor, espécie de síntese da ideia geral que o poema desenvolve, compondo o que há de belo no poema.

É impossível não reconhecer nos versos o processo vivido por Leminski de adequação de expectativas e temas. O início de promessa, em que o Catatau pretendia ser o maior acontecimento depois de Grande sertão: veredas, contrasta com o “por fim / acabamos o poeta de província que sempre fomos / por trás de tantas máscaras / que o tempo tratou como a flores”. Os já citados desabafos por carta sobre o silêncio dos poetas concretos sobre o Catatau, o dedo de Décio Pignatari apontando “o provincianismo em que [Leminski] estava caindo” e a estranha condescendência de Affonso Romano Sant’Anna são as expressões de suas constrições. Tais o afetavam de tal forma que é significativa a confissão de que, após a censura de Décio, o poeta paranaense teria “aproveitado” a oportunidade para ter uma crise - “bebi horrores / entrei em pânico / mandei gente à merda em público / dei vexame na conferência” - e teria afirmado que não queria mais uma carreira literária, não queria mais escrever livros.

O poema expõe o trajeto agonístico que o distanciou da literatura pura, encastelada na universidade, em direção a suas margens das grandes tiragens de escritor pop. Sua trajetória foi o único fulcro possível para lidar com “o código de escravidões” que compõe a autonomia da forma (Leminski, 1987Leminski, Paulo . (1987). Poesia: a paixão da linguagem. In: Novaes, Adauto. (org.). Os sentidos da paixão. São Paulo: Companhia das Letras , p. 283-291.). Procedimento comum na obra de Leminski, na qual elementos de sua trajetória e de suas constrições serão motivos de poemas, que se pode encontrar também neste poema de seu último livro, Distraídos venceremos, publicado em 1987:

Vim pelo caminho difícil, a linha que nunca termina, a linha bate na pedra, a palavra quebra uma esquina, mínima linha vazia, a linha, uma vida inteira, palavra, palavra minha (Leminski, 2013Leminski, Paulo . (2013). Toda poesia . São Paulo: Companhia das Letras . E-book.: 1223-1226).

Ao juntar, em aposto, o verso “vim pelo caminho difícil” com o verso seguinte “a linha que nunca termina”, o poema une uma confissão a uma reflexão sobre o sentido da escrita. A palavra “linha” organiza toda a prosódia do poema, pois sustenta e inicia o encadeamento de assonâncias em “i” e “a” (“linha”, “termina”, “esquina”, “mínima”, “vazia”, “vida”, “minha”), efeito que determina o ritmo e denota a centralidade da palavra no poema - técnica muito utilizada por Leminski. Do mesmo modo, as sobreposições de aposto e orações apositivas “vim pelo caminho difícil,/ a linha que nunca termina”, “a palavra quebra uma esquina, / mínima linha vazia, /a linha, uma vida inteira,/ palavra, palavra minha”, contribuem para a sobreposição de sentidos que vinculam semanticamente “caminho”, “linha”, “vida” e “palavra”, o que é ainda intensificado pela flutuação flexiva dos verbos da primeira pessoa para a terceira, ancorada em sua resolução no possessivo “minha”.

Pela indefinição do que explica, “o caminho difícil” pode ser “a linha que nunca termina”, “a esquina”, a “mínima linha vazia”, “a linha”, “a vida inteira”, a “palavra”, a “palavra minha”. Operando assim, a forma do poema trabalha e imiscui, a um só tempo, dois registros. De um lado, a possível interpretação de uma discussão metalinguística, já que a linha e a palavra se fazem na própria página, durante e por meio do poema - assim, o que veríamos seria, em verdade, o desdobramento próprio do poema que, ao se inserir dentro da tradição da literatura brasileira (“a linha que nunca termina”) e num período específico, se desenvolveria até sua completude em “palavra minha”, transformando o pertencimento à tradição em completude do poema ou o poema em completude da tradição brasileira. Por outro lado, a própria trajetória do poeta aparece como fundamento do poema (“vim pelo caminho difícil”, “a linha bate na pedra”, “a linha, uma vida inteira” e “palavra, palavra minha”). Nesse sentido, o deslizamento promovido pelo poema entre a primeira e a terceira pessoa ganha mais sentido, já que, além de ser o artifício que embaça os limites entre a metalinguagem e a narrativa lírica, fundamenta a passagem do eu-lírico que inicia o poema em tom de confissão à impessoalidade da “linha” que, em pequenos movimentos narrativos e em sua “educação pela pedra”, resulta na “palavra minha”. O poema, desse modo, condensa em sua articulação literatura e vida, como se, ao final de tudo, o trajeto do caminho difícil do poema e da vida - ou melhor, do poema que é também vida - sustentasse sua obra. Com esse artifício, Leminski expõe a alquimia social que vincula intimamente a literatura e a vida, essa força que o levou a transformar sua vida em poesia, vida esta que impediu que sua escrita fosse além de sua poesia - kamiquase.

Essas poesias de Leminski, carregadas da imagem de “pequeno poeta de província” que veio “pelo caminho difícil”, condensam a trajetória do poeta no interior do campo literário brasileiro. O vínculo aos poetas de vanguarda, quando tinha apenas 19 anos, explica a transformação de suas primeiras poesias. A aceitação pelos vanguardistas impulsionou a audácia com a qual foi gestado o livro Catatau. A altitude da ambição advém da juventude e do desejo de reconhecimento como igual por esses poetas, que cada vez mais assumiam lugares centrais na poesia brasileira. A resposta negativa e a falta de validação do Catatau por aqueles de quem recebeu o estatuto de “promessa” representam um ponto de viragem (“a linha bate na pedra, / a palavra quebra uma esquina”). A frustração nutrida nas acusações de “provincianismo” e “atraso” é expressão das dinâmicas do campo, fazendo coincidir para Leminski a distância simbólica e geográfica entre ele e seus pares. A consagração posterior tem como esteio uma poesia em que explora esse trajeto no interior do campo literário, cujos efeitos o forçaram a descobrir na geografia e na própria vida os limites e a força de seu projeto criador.

REFERÊNCIAS

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NOTAS

  • 1
    Para a compreensão da trajetória de Leminski, a análise vale-se da abordagem realizada por Norbert Elias (1995)Elias, Norbert (1995). Mozart: a sociologia de um gênio. Rio de Janeiro: Zahar., em Mozart: a sociologia de um gênio, e por Pierre Bourdieu (1996)Bourdieu, Pierre (1996). As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário. São Paulo: Companhia das Letras., sobretudo em As Regras da Arte. Parte-se da ancoragem de que o significado da experiência social e o impacto no desenvolvimento pessoal do agente estudado só podem ser compreendidos quando se contrasta o destino social da pessoa individual com as estruturas sociais com as quais ela se relaciona (Elias, 1995Elias, Norbert (1995). Mozart: a sociologia de um gênio. Rio de Janeiro: Zahar., p. 19). Leva-se em consideração, todavia, a particularidade das estruturas de produções simbólicas, que têm relativa autonomia das demais esferas do mundo social, autonomia que importa para a compreensão do que está em jogo nas relações de produção e concorrência entre os agentes, pois impõe sentidos específicos que revestem de significados particulares escolhas e atuações. Desse modo, adequam-se as relações de interdependência entre os agentes à particularidade de uma estrutura social que tem regras e história próprias, impondo aos agentes, por isso, condições específicas de atuação - isto é, um espaço de escolhas possíveis - que se relacionam com sua experiência social.
  • 2
    Segundo Aguilar (2005Aguilar, Gonzalo. (2005). Poesia concreta brasileira: as vanguardas na encruzilhada modernista. São Paulo: Edusp.: 367), na “[…] Semana Nacional de Poesia de Vanguarda […] se somam à poesia concreta os poetas Affonso Ávila e Laís Correa de Araújo e os ensaístas Luiz Costa Lima e Benedito Nunes (o grupo Actitud, de Buenos Aires, também estabelece contatos com o grupo a partir desse evento)”.
  • 3
    Importante frisar que, dos 28 textos publicados no livro Teoria da poesia concreta - compilação de textos e manifestos do grupo no período de “vigência” do movimento concretista, que abarca textos de 1950 a 1965 -, nove foram publicados no Jornal do Brasil, cinco na revista ad - arquitetura e decoração, quatro no Correio Paulistano e os demais em revistas e jornais diversos.
  • 4
    Um relato de como o grupo Noigandres estava próximo da vida universitária pode ser lido em depoimento de Bento Prado Júnior (1992)Prado Júnior, Bento. (1992). A biblioteca e os bares na década de 50. Revista da Biblioteca Mário de Andrade, 50, p. 17..
  • 5
    “Houve um toque interessante: creio que, pela primeira vez, os poetas concretos foram postos em destaque. A novidade naquele tempo era a poesia concreta, e nós demos aos jovens poetas concretos a oportunidade de aparecerem em um evento importante e darem a sua mensagem” (Candido, 2014Candido, Antonio. (2014). A organização do 2º congresso. In: Antunes, Benedito & Ferreira, Sandra (orgs.). 50 anos depois: estudos literários no Brasil contemporâneo. São Paulo: Editora Unesp, p. 215-219.: 215).
  • 6
    A título de expressão da disputa, em depoimento a Marcelo Ridente, Ferreira Gullar afirma ter recebido várias submissões de poemas dos poetas concretos para as revistas Violão de Rua, que foram prontamente negadas (Ridenti, 2014Ridenti, Marcelo. (2014). Em busca do povo brasileiro: artistas da revolução, do CPC à era da TV. São Paulo: Editora Unesp .).
  • 7
    Post-scriptum adicionado em 1961 ao “Plano-piloto para poesia concreta”, publicado em 1958. A frase é de Maiakovski.
  • 8
    Segundo Otavio Ianni (1972)Ianni, Octavio. (1972). Raças e classes sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira., o grupo de poloneses em Curitiba está submetido ao estereótipo do polaco no jogo social, ou seja, de um grupo social inserido na sociedade e nela desajustado, sendo tão marginalizado e estigmatizado quanto os negros na hierarquização social da cidade.
  • 9
    Augusto de Campos, Décio Pignatari e Haroldo de Campos fizeram todos Direito no Largo São Francisco. Inclusive foram membros da Academia de Letras do Largo São Francisco.
  • 10
    Augusto de Campos (1965Campos, Augusto. (1965). Poetas de vanguarda tomam posição. Entrevistadores: José Louzeiro. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 64/22.066, p. 1, 13 mar. 1965.: 1) aponta: “servido por um conhecimento de idiomas verdadeiramente surpreendente para um poeta de 20 anos”. Também a pequena biografia que o apresenta em Invenção 4 e 5 ressalta o seu conhecimento de línguas.
  • 11
    Dos 25 poetas coligidos pela pesquisa, apenas quatro não tiveram morada definitiva no Rio de Janeiro ou em São Paulo.
  • *
    Gostaria de agradecer às leituras dos pareceristas anônimos e de Jéssica da Silva Höring, Luiz Carlos Jackson, Fernando Antonio Pinheiro Filho, Dimitri Pinheiro da Silva e Núcleo de Sociologia da Cultura da USP. Este artigo se ancorou na pesquisa de mestrado em sociologia KAMIQUASE: a trajetória intelectual de Paulo Leminski e o campo literário brasileiro (1944-1975), defendida em 2016, e financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Set 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    20 Dez 2019
  • Revisado
    04 Jan 2021
  • Aceito
    18 Jan 2022
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