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GILBERTO FREYRE ENTRE O FREVO E O SAMBA NO CARNAVAL DO RECIFE

GILBERTO FREYRE IN BETWEEN FREVO AND SAMBA IN RECIFE'S CARNIVAL

Resumo

O carnaval do Recife esteve entre os interesses de Gilberto Freyre, que, mais especificamente, se preocupava com a influência dos ritmos e práticas carnavalescas do Rio de Janeiro na festa pernambucana. Este artigo busca relacionar as ideias presentes em alguns de seus textos sobre esse tema ao repertório mais amplo de seu pensamento acerca da formação da sociedade brasileira. Balizado pela leitura de obras importantes de Freyre e no diálogo com a crítica sociológica a ele dedicada, o esforço empreendido é o de burilar o jogo comparativo e metonímico que o autor agencia, ao localizar as representações do Recife e do Rio de Janeiro em polos opostos do binômio tradição e modernidade. A relação entre o frevo e o samba fornece novo ângulo para o enfoque dos temas da "adaptação", "influências transregionais" e "equilíbrio dos contrários" que permeiam sua obra.

Palavras-chave
Gilberto Freyre; Carnaval; Tradição; Samba; Frevo

Abstract

Recife's carnival has always been of interest to Gilberto Freyre, who worried particularly about the influence of the rhythm and the practices of Rio de Janeiro's festivity on that of Recife. This article examines this theme by relating it to Freyre's ideas about the formation of Brazilian society. It considers the sociological critique of Freyre's important works in order to analyze how the author locates representations of Recife and Rio de Janeiro in opposite poles of the pair tradition and modernity. The relationship between frevo and samba provides a new perspective to Freyre's recurrent and significant discussions on the themes of 'adaptation', 'transregional influences' and 'balance of opposites'.

Keywords
Gilberto Freyre; Carnival; Tradition; Samba; Frevo

A influência do Rio de Janeiro sobre o carnaval do Recife é tema de debate entre intelectuais pernambucanos desde o final do século XIX (Tinhorão, 1991Tinhorão, José Ramos. (1991). O carnaval no romance pernambucano. In: Maior, Mário Souto & Silva, Leonardo Dantas (orgs.). Antologia do carnaval do Recife. Recife: Massangana. p. 133-171.; Araújo, 1996Araújo, Rita de Cássia B. (1996). Festas: máscaras do tempo. Entrudo, mascarada e frevo no carnaval do Recife. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife.). Gilberto Freyre, por sua vez, demonstra interesse pelo assunto já em 1928, desenvolvendo-o, sobremaneira, nos artigos publicados em jornais de grande circulação no estado (Diário de Pernambuco e Jornal do Commércio) entre os anos de 1958 e 1972. Especificamente nesse período, Freyre participa das discussões sobre a relação entre o frevo e o samba, que tratam as marchinhas, o samba e as escolas de samba como ritmos e práticas subsequentemente associados ao carnaval carioca (Duarte, 1968Duarte, Ruy. (1968). História social do frevo. Rio de Janeiro: Leitura. ; Oliveira, 1971Oliveira, Valdemar de. (1971). Frevo, capoeira e passo. Recife: Cepe.; Melo, 1991Mello, Mário. (1991). Origem e significado do frevo. In: Maior, Mário Souto & Silva, Leonardo Dantas (orgs.). Antologia do carnaval do Recife. Recife: Massangana. p. 255-257.), por conseguinte, considerados alheios ao repertório da cultura pernambucana, tachados de estrangeiros, invasores, caricaturas do modelo original, uma ameaça ao frevo e às tradições carnavalescas tidas como autênticas (Silva, 2011Silva, Augusto Neves da. (2011). Quem gosta de samba, bom pernambucano não é? (1955-1972). Dissertação de Mestrado. PPGH/Universidade Federal de Pernambuco.; Lima, 2012Lima, Ivaldo Marciano de França. (2012). Quem foi que falou em frevo? Em Pernambuco se samba, e muito! Ágora, 16, p. 63-76.; Menezes Neto, 2014Menezes Neto, Hugo. (2014). Tem samba na terra do frevo: as escolas de samba no carnaval do Recife. Tese de doutorado. PPGSA/Universidade Federal do Rio de Janeiro.).

Balizado pela leitura de obras importantes de Freyre e no diálogo com a crítica sociológica a ele dedicada, o esforço aqui empreendido é o de revisitar os textos mais conhecidos nos quais o sociólogo discutiu o carnaval do Recife no intuito de encontrar, para além da defesa dos conteúdos tidos como tradicionais, filiações a seu pensamento mais amplo acerca da formação social brasileira; atento especialmente ao jogo comparativo e metonímico agenciado pelo sociólogo quando localiza as representações das festas carnavalescas do Recife e do Rio de Janeiro em polos opostos do binômio tradição e modernidade. Penso que a interação entre o carnaval das duas cidades revela um novo ângulo para suas discussões em torno das noções que permeiam sua obra como "adaptação", "influências transregionais", "re-europeização" e "equilíbrio dos contrários".

A CARIOQUIZAÇÃO DO CARNAVAL DO RECIFE: O FLUXO CONTRÁRIO DAS INFLUÊNCIAS TRANSREGIONAIS

Gilberto Freyre mostrava-se um entusiasta do carnaval. Assumido frequentador do Clube de Frevo Pás Douradas, deixou registrada, em 1928, seu apreço pelo "carnaval popular" do Recife e, ao mesmo tempo, a preocupação com a influência dos ritmos e práticas carnavalescas do Rio de Janeiro, fenômeno que definiu como carioquização. Aproveita o ensejo e afirma ter defendido a subvenção pública às agremiações carnavalescas tidas como tradicionais e populares - os clubes pedestres - em detrimento dos clubes de alegorias e críticas,1 1 Os clubes pedestres surgem aproximadamente na década de 1880, formados pelas classes populares e trabalhadores de ofícios manuais, geralmente da mesma profissão, que se juntavam para a celebração carnavalesca desfilando em cortejo a pé pelas ruas da cidade do Recife, ao som da marcha-frevo. Atualmente são chamados de Clubes de Frevo. O Clube das Pás Douradas, fundado em 1888 por estivadores e carvoeiros do porto do Recife, é o mais antigo ainda em atividade. Também no final do século XIX compunham o carnaval do Recife os clubes de alegorias e críticas que, por sua vez, eram formados por comerciantes e integrantes da elite recifense. Desfilavam com carros puxados por cavalos, fantasias luxuosas e alegorias com críticas relativas às questões políticas e aos costumes locais. Para aprofundamentos ver especialmente Lélis (2011) e Silva (2000). que entendia como ligados às elites locais e ao carnaval carioca:

Já consegui do Governador [...] que subvencionasse clubes populares de carnaval. Subvenções que não importem em compromissos ou obrigações da parte desses clubes para com o Governo. Compromissos desse caráter poderiam afetá-los nas suas tradições e na sua espontaneidade: aquilo que eles têm de mais valioso. Eles farão o que entenderam das subvenções, contanto que elas sejam empregadas a favor de suas exibições nos dias de carnaval. Creio que com isso Pernambuco faz alguma coisa de importante a favor daquele seu carnaval - o dos clubes populares: o meu predileto dentre eles é o Clube das Pás - que, a meu ver, só se apresenta como uma das expressões não só mais pitorescas como mais cheias de possibilidades artísticas (como arte genuinamente popular) no Recife. O que vinha sendo a regra? A regra vinha sendo o Estado subvencionar os grandes clubes burgueses que se apresentam em seus carros alegóricos de um crescente mau gosto, de uma cada vez maior falta de imaginação. Enquanto aos clubes populares - aos seus estandartes, às suas músicas, às fantasias de Luís XV, da Idade Média, dos Doze da Inglaterra que se exibiam tão à sua maneira, combinando de modo tão inesperado os modelos importados com o físico, o caráter, o gosto dos importadores - não tem faltado espontaneidade. Espontaneidade popular e originalidade brasileira [...] o carnaval embora ameaçado de aburguesar-se e carioquizar-se, está vivo no Recife. Precisamos de avigorá-lo. De defender suas tradições e de assegurar-lhe condições de sobrevivência, a fim de afirmar-se espontâneo, dinâmico, popular, regional e brasileiro (Freyre, 2006bFreyre, Gilberto. (2006b). Tempo mortos e outros tempos - diário de adolescência e primeira mocidade (1915-1930). São Paulo: Global.: 297).

Nesse texto ele projeta duas imagens-conceito no carnaval da capital pernambucana. Uma "genuinamente recifense", representada pelos clubes pedestres, do carnaval "espontâneo, dinâmico, popular, regional e brasileiro". E a outra é o oposto: burgês, "sem imaginação" e com "carros alegóricos de mau gosto", representada pelos clubes de alegorias e críticas associados ao Rio de Janeiro. A segunda é uma ameaça, de tal modo que o poder público e a sociedade devem proteger o carnaval do Recife do perigo de a festa "aburguezar-se" e "carioquizar-se".

Em 1939, Freyre escreve o texto "O narcisismo gaúcho" (publicado em Região e tradição, de 1941), no qual analisa a "geografia moral" das regiões brasileiras. De acordo com sua teoria, as "danças de carnaval" demarcam e refletem fronteiras regionais e culturais, como também diferenças históricas e distintas experiências sociais (Freyre, 1941Freyre, Gilberto. (1941). Região e tradição. Rio de Janeiro: José Olympio.: 253). O "carnaval do Norte" (de Pernambuco, Bahia e Maceió) aparece como a "intensificação, talvez mesmo a antecipação da quase perfeita democracia social que será um dia o Brasil" (Freyre, 1941Freyre, Gilberto. (1941). Região e tradição. Rio de Janeiro: José Olympio.: 252); e o do Rio de Janeiro, como exemplo emblemático da modernidade, da festa voltada para o turismo. Em seus termos, a então capital do país mobilizava um projeto deliberado de exportação de suas práticas e manifestações carnavalescas com vistas aos apagamentos regionais e, consequentemente, à uniformização do carnaval brasileiro, em especial por meio do advento do rádio: "E, entretanto, há carnavais regionais genuínos por todo este vasto Brasil, com diferenças regionais de dança popular que resistem bravamente às ofensivas do Rio no sentido de sua uniformização. Ofensiva através do inimigo terrível da arte do povo, do folclore e da espontaneidade regional que é o rádio" (Freyre, 1941Freyre, Gilberto. (1941). Região e tradição. Rio de Janeiro: José Olympio.: 255).

Esse fluxo de influências carnavalescas, que Freyre chama de "ofensivas do Rio de Janeiro", foi evidenciado, e localizado historicamente, no trabalho de Maria Isaura Pereira de Queiroz (1999: 25)Queiroz, Maria Isaura Pereira. (1999). Carnaval brasileiro - o vivido e o mito. São Paulo: Brasiliense. que denomina o Rio de Janeiro a "capital do carnaval" desde o século XIX, atuando como núcleo disseminador de "práticas e novidades carnavalescas" para o resto do país. Queiroz, contudo, não atenta para as tensões e resistências locais à difusão impetrada. Freyre, em oposição, as ilumina e considera o movimento de carioquização do carnaval pernambucano fluxo contrário das "influências transregionais" majoritárias inscritas na história da formação social brasileira.

No livro Nordeste, Freyre (1967)Freyre, Gilberto. (1967). Nordeste. Rio de Janeiro: José Olympio. afirma que a região Nordeste é historicamente o centro de irradiação de influências culturais para o resto do país e não o contrário, fenômeno que ele denomina "nordestinização". Em sua compreensão, a "civilização baseada na cana de açúcar" promoveu e difundiu elementos históricos definidores da sociedade, da economia e da cultura nacional como a monocultura, a escravidão, o latifúndio e a miscigenação compulsória (Freyre, 1967Freyre, Gilberto. (1967). Nordeste. Rio de Janeiro: José Olympio.: XXVIII). Assim, defendia a nordestinização brasileira de precedentes coloniais, invisibilizada pela história oficial do ponto de vista do Sul do país:

De extensão a outras áreas brasileiras e até estrangeiras, não só de métodos e de condições de economia, de cultura e de vida, como de métodos e formas de criação de arte, de ciência e de estudo, por algum tempo peculiares ao Nordeste ou originários do Nordeste brasileiro. Tanto do agrário como do pastoril. Tanto do úmido como do seco. Essa nordestinização foi, aliás, precedida por outra que, ainda na época colonial, fez do Nordeste uma influência transregional na vida brasileira: a que se refere a expansão do complexo casa-grande & senzala (Freyre, 1967Freyre, Gilberto. (1967). Nordeste. Rio de Janeiro: José Olympio.: XIX) [...]

A verdade é que foi no extremo Nordeste [...] que primeiro se fixaram tomaram fisionomia brasileira, os traços, os valores, as tradições portuguesas, que junto com as africanas e as indígenas constituíram aquele Brasil profundo, que hoje se sente ser o mais brasileiro (Freyre, 1967Freyre, Gilberto. (1967). Nordeste. Rio de Janeiro: José Olympio.: 10).

Nessa obra, se o Nordeste forneceu as constituintes identitárias autênticas, Pernambuco foi "seu foco, seu centro, seu ponto de maior intensidade", e o pernambucano "a especialização mais intensa das qualidades e dos defeitos dessa organização - monocultural, monossexual, e principalmente aristocrática e escravocrática" (Freyre, 1967Freyre, Gilberto. (1967). Nordeste. Rio de Janeiro: José Olympio.: 176). Também no Manifesto regionalista (Freyre, 1976Freyre, Gilberto. (1976). Manifesto regionalista. Recife: Massangana.) a nordestinização opera na formação da sociedade brasileira, e o passado nordestino-pernambucano aparece no documento como portador das características mais profundas da nação (Dos Santos, 2011Dos Santos, Robson. (2011). Cultura e tradição em Gilberto Freyre: esboço de interpretação do Manifesto Regionalista. Revista Soc. e cult., 14/2, p. 399-408. : 402). Em grande medida, as suas principais obras - Casa-grande & senzala e Sobrados e mucambos - expressam o seu impulso de alçar a experiência particular das elites nordestinas (pernambucanas) a exemplo emblemático da formação da nação e dos sentidos de brasilidade (Schwarcz, 2010Schwarcz, Lilia Moritz. (2010). Gilberto Freyre: adaptação, mestiçagem, trópicos e privacidade em Novo mundo nos trópicos. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/difusaocultural/adminmalestar/documentos/arquivo/Schwarcz%20%20adaptacao%20mesticagem%20tropicos.pdf>. Acesso em 30 nov. 2016.
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).

A carioquização do carnaval pernambucano parece ser versão local de uma questão nacional que Gilberto Freyre, em Sobrados e mocambos (1951), chamou de reeuropeização: o acolhimento acrítico das influências europeias não portuguesas, descaracterizando a feição urbana e a dinâmica social. A reeuropeização aparece nessa obra como crítica a aspectos das mudanças comportamentais e da estética dos brasileiros devido às influências europeizantes (Souza, 2000Souza, Jessé. (2000). Gilberto Freyre e a singularidade cultural brasileira. Tempo Social, 12/1, p. 69-100.). Ao pensar a reeuropeização, Freyre destacou o imperialismo do difusor (França e Inglaterra, por exemplo) e a passividade do receptor, os brasileiros, principalmente do Sudeste do país. O mesmo desenho analítico foi empregado na ideia de carioquização do carnaval pernambucano, quando igualmente tece críticas ao Rio de Janeiro em seu movimento de difusão de elementos com vistas à uniformização do carnaval brasileiro, e ao Recife, que recebe a influência carioca e deve impor resistências.

Com efeito, a carioquização reflete as imagens construídas por Gilberto Freyre sobre o Recife, como a "base da resistência tradicionalista" (Arrais, 2006Arrais, Raimundo. (2006). A capital da saudade. Destruição e reconstrução do Recife em Freyre, Bandeira, Cardozo e Austragésilo. Recife: Bagaço.: 146), e o Rio de Janeiro, o exemplo paradigmático da absorção desmedida do novo, do moderno, do estrangeiro. Tais construções ficam mais evidentes quando se trata das mudanças urbanas do século XX, que aparecem em sua obra como expressão dos modos de adesão aos conteúdos modernos. Os casos do Recife e do Rio de Janeiro são do seu interesse, tomados como motivo de preocupação, já em suas primeiras colaborações enviadas ao Diário de Pernambuco, a partir de 1918 (Peixoto, 2005Peixoto. Fernanda. (2005). A cidade e seus duplos: os guias de Gilberto Freyre. Tempo Social, 17/1, p. 159-173.). Em 1926, dois anos antes do texto supracitado sobre o carnaval do Recife, ele viaja para a então capital do país e elabora críticas contundentes às mudanças urbanas, especificamente na arquitetura, tratando-as como descaracterização da paisagem, comportamentos e valores; bem como critica, salvo algumas exceções, os modernistas cariocas. O autor expõe a decepção com a cidade, em especial com a nova arquitetura. Em suas palavras, as mudanças são de "mau gosto", "horrível", "ridícula", uma "caricatura ruim" da Europa - qualificativos anos depois atribuídos às escolas de samba no Recife. Desapontado com o que vê, afirma: "são uns cretinos esses modernistas":

Chego à 'capital federal' que venho a conhecer depois de ter estado em vários países e em várias cidades dos Estados Unidos e da Europa. Desapontado com a arquitetura nova do Rio: tanto a pública como a doméstica. É horrível. A nova Câmara dos deputados chega a ser ridícula. Aquele Deodoro à romana é de fazer rir um frade de pedra. Quanta caricatura ruim [...] Na arquitetura doméstica domina também um subrococó dos diabos. A variedade de subestilos é assombrosa, e só uma unidade os irmana: o mau gosto. Faz pena ver o Rio - cidade de situação ideal - sob essa invasão triunfante do mau gosto que vem conseguindo corromper as próprias vantagens naturais da capital brasileira: saliências de morros cobertos por vegetação tropical. Em vez de se conservar a velha confraternidade da mata com a civilização, raspa-se agora o verde para só destacar-se o horror de novos e incaracterísticos arquitetônicos [...] Entretanto o velho Rio que vem sendo assim descaracterizado era uma cidade a que não faltava encanto próprio, único, inconfundível. Arquitetura sólida. Muita cor - como em Lisboa. E uma confraternização única com a mata, com a água e com a natureza. É o que concluo através desse Rio bom e autêntico. É bom o que ainda se vê em suas velhas casas [...]. No Cosme Velho inteiro. Em Santa Tereza inteira. Ilhas e ilhotas que vêm resistindo à inundação do mau gosto, de arrivismo, de rastaquerismo. E certos modernistas' a acharem isso 'bonito', 'progressista', 'moderno' e a se regojizarem com a destruição das 'velharias'. São uns cretinos, esses 'modernistas' (Freyre, 2006bFreyre, Gilberto. (2006b). Tempo mortos e outros tempos - diário de adolescência e primeira mocidade (1915-1930). São Paulo: Global.: 257).

As experiências urbanas do Rio de Janeiro e do Recife são apreendidas pelo grau e modo de adesão ao "modelo estrangeiro", europeu não lusitano de vida social e de estética. Potencializa, portanto, representações sobre o Rio de Janeiro como lugar da modernidade desmedida e acrítica, da "estrangeirice", da desnacionalização e reeuropeização. Logo, Recife deveria alinhar-se à tradição, à valorização dos elementos locais e ao nacionalismo, procurando formas mais criteriosas de acolher as modernidades e o modernismo.

Freyre, embora saliente "profundas afinidades" com alguns modernistas que conhecera nessa primeira visita ao Rio de Janeiro e a São Paulo (Freyre, 2006bFreyre, Gilberto. (2006b). Tempo mortos e outros tempos - diário de adolescência e primeira mocidade (1915-1930). São Paulo: Global.), defende uma adesão mais seletiva à modernidade (Oliveira, 2011Oliveira, Lucia Lippi. (2011). Gilberto Freyre e a valorização da província. Sociedade e Estado, 26/1. p. 117-149.: 121); sua relação com o modernismo baseia-se em "afinidades eletivas entre suas propostas de interpretação da cultura brasileira e algumas proposições fundantes do modernismo" (Veloso, 2000Veloso, Mariza. (2000). Gilberto Freyre e o horizonte do modernismo. Sociologia e Estado, 15/2. p. 361-386.: 362).2 2 Também Antônio Paulo Rezende (1995: 13-14) aponta certa antipatia de Freyre para com os 'excessos modernistas', relembrando a força significativa e imprescindível das tradições. "Freyre não se mostra muito simpático com as invenções modernas ou os possíveis exageros da modernização, a rapidez acentuada das mudanças, o materialismo excessivo que atravessa os projetos dos homens encantados com o reino das mercadorias. Suas simpatias estão mais marcadas por outros tempos menos velozes, menos deslumbrados com a correria dos impulsos da mecanização". Para Ricardo Benzaquen de Araújo (1994: 21), Gilberto Freyre "transmite a sensação de ter-se aproximado da literatura de vanguarda da sua época de forma bastante peculiar, idiossincrática, mesmo, sem nada dever diretamente à agitação cultural que animava o sul do País". Aqui coaduno-me com Araújo quando afirma que Freyre não ocupa o lugar de oposição ao modernismo, ao contrário, lança mão de um "outro modernismo, eventualmente distinto daquela postura a um só tempo nacionalista e modernizadora". Em Região e tradição, esclarece a tensão que estabelece com o movimento modernista "tal como surgiu no Rio e em São Paulo e nos estados menores: radicalmente contra a rotina [...] inimigo de toda a espécie de tradicionalismo de toda a forma de regionalismo" (Freyre, 1941Freyre, Gilberto. (1941). Região e tradição. Rio de Janeiro: José Olympio.: 24).

No Manifesto regionalista (Freyre, 1976Freyre, Gilberto. (1976). Manifesto regionalista. Recife: Massangana.: 15) ele evidencia seu entendimento acerca das diferenças (ou oposições) entre as plataformas de ideias "progressistas" do "modernismo Rio-São Paulo" e as do seu "regionalismo tradicionalista ao seu modo modernista". O documento registra que o Movimento Regionalista do Recife rompe com as convenções e com a "passiva subordinação absoluta a modelos estrangeiros" e se mobiliza em defesa de "valores e tradições do Nordeste", ameaçados pela imitação da novidade estrangeira e que o Rio de Janeiro ou São Paulo consagram como elegantes e modernos:

Procurando reabilitar valores e tradições do Nordeste repito não julgamos estas terras [...]. Procuramos defender esses valores e essas tradições, isto sim, do perigo de serem de todo abandonadas, tal o furor neófilo de dirigentes que, entre nós, passam por adiantados e 'progressistas' pelo fato de imitarem cega e desbragadamente a novidade estrangeira. A novidade estrangeira de modo geral. De modo particular, nos Estados ou nas Províncias, o que o Rio ou São Paulo consagram como 'elegante' e como 'moderno' (Freyre, 1976Freyre, Gilberto. (1976). Manifesto regionalista. Recife: Massangana.: 56-57).

O lugar ou, melhor, a experiência de lugar, para Freyre, diz muito sobre a sociedade, e os costumes tradicionais, por sua vez, expressam e operam a coesão dessa sociedade (Bastos, 2012Bastos, Elide Rugai. (2012). Gilberto Freyre: a cidade como personagem. Sociologia & Antropologia, 2/3, p. 135-159. ). Seu regionalismo/modernismo estava preocupado em preservar as tradições brasileiras contra a onda de "mau cosmopolitismo" e do "falso modernismo" (Freyre, 1976Freyre, Gilberto. (1976). Manifesto regionalista. Recife: Massangana.) com vistas à manutenção da coesão social. Mostrava-se atento ao que considerava uma imitação "cega", no Nordeste, da novidade estrangeira validada pelo Rio de Janeiro e por São Paulo, e ao perigo de as tradições serem "de todo abandonadas".

O que está em pauta no seu texto sobre o carnaval do Recife em 1928, portanto, além de uma defesa da tradição carnavalesca pernambucana, é compatibilizar "modernização com preservação", "abrigar o novo sem descartar a tradição", qualidade destacada por Freyre nos clubes pedestres, que tomam para si elementos externos, como os estandartes da Idade Média e as fantasias de Luís XV, para exibir a sua maneira, "combinando de modo tão inesperado os modelos importados com o físico, o caráter, o gosto dos importadores".

O FREVO EM FACE DO SAMBA: O EQUILÍBRIO DOS CONTRÁRIOS NO CARNAVAL DA DÉCADA DE 1950

Depois de destacar estes dois contrários, o carnaval do Recife e o do Rio de Janeiro, em 19 de fevereiro de 1956, Freyre publica no Jornal do Commércio o texto "O frevo em face do samba". Trata diretamente do samba no carnaval recifense alinhando o tema a uma questão fundamental do seu pensamento: o equilíbrio dos contrários (Araújo, 1994Araújo, Ricardo Benzaquen. (1994). Guerra e paz: Casa-grande & Senzala e a obra de Gilberto Freyre nos anos 30. Rio de Janeiro: Ed 34.).

O artigo é uma resposta aos debates da época: "Deve-se expulsar o 'samba' do carnaval do Recife para que reinem sozinhos, absolutos e puros, em Pernambuco o 'frevo' e o 'maracatu'?". Ele responde que não.

O frevo em face do samba

Deve-se expulsar o 'samba' do carnaval do Recife para que reinem sozinhos, absolutos e puros, em Pernambuco o 'frevo' e o 'maracatu'? Sou dos que pensam que não: que se deve admitir o 'samba' no carnaval do Recife. Dar-lhes o direito de ver competir com as danças e as músicas da terra. Não, é claro, protegendo-o contra valores nativos. Mas, permitindo-lhes trazer a estes valores, temperos que talvez lhes estejam faltando. Não devemos descrer da vitalidade do frevo recifense: é uma vitalidade em expansão. Pode até vir a absorver o samba. Por que então expulsar-se daqui o samba? Ou proibir-se que ele procure tornar-se cidadão do Recife? Este exclusivismo é que repugna ao espírito tolerante de um recifense verdadeiramente recifense. Não devemos querer para o carnaval recifense uma estabilidade de carnaval etnográfico. Seria fazermos de um carnaval que se distingue pela vibração, pela espontaneidade, pela inquietação, um correto carnaval de museu: sempre o mesmo. O interessante para quem considera num carnaval o que nele é vida, expansão de vida, e não apenas cristalização folclórica, é observar suas alterações, suas variações, suas combinações. Talvez o encontro, não fortuito, mas profundo do samba carioca com o frevo recifense resulte numa inesperada combinação nova, deliciosamente brasileira de dança e de música. Deixemos que se verifique esse encontro. Que se processe essa combinação. O purismo exagerado com relação a um carnaval como o do Recife, como um purismo excessivo com relação a uma língua como a portuguesa, pode resultar em arcaísmos lamentáveis. [...] Dê-se assim liberdade ao samba de trazer ao carnaval do Recife o perigo de sua presença intrusa e perturbadora. É vencendo perigosamente que os valores, as artes, os estudos nacionais melhor se afirmam. E não sendo excessivamente resguardadas por lei e por outras providências oficiais ou oficiosas.

Naquele momento, condena o purismo excessivo dos debates da época, defendendo a ideia de que o frevo e o samba precisavam conviver e se misturar, pois ainda assim o frevo continuaria vivo. Entendia que o frevo mostrava uma "vitalidade em expansão" e, numa espécie de competição simbólica, não perderia para a presença "intrusa e perturbadora" do samba. Fica evidente o valor positivo dado ao encontro e à elaboração de uma 'combinação nova' e autenticamente brasileira, valorizando a mudança como parte da dinâmica do carnaval e importante para evitar "arcaísmos lamentáveis".

Na apreensão freyriana sobre a formação da sociedade brasileira, a mistura é uma forma particular de lidar com as diferenças - abocanhando-as e transformando-se (Scharwcz, 2010Schwarcz, Lilia Moritz. (2010). Gilberto Freyre: adaptação, mestiçagem, trópicos e privacidade em Novo mundo nos trópicos. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/difusaocultural/adminmalestar/documentos/arquivo/Schwarcz%20%20adaptacao%20mesticagem%20tropicos.pdf>. Acesso em 30 nov. 2016.
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: 15). Para o autor, as diferentes matrizes culturais brasileiras foram continuamente submetidas a um processo de equilíbrio e aproximação (Veloso, 2000Veloso, Mariza. (2000). Gilberto Freyre e o horizonte do modernismo. Sociologia e Estado, 15/2. p. 361-386.). Seu exercício analítico era, em grande medida, perceber "formas de integração harmônica de contrários, interdependência e comunicação recíproca entre diferentes, sejam essas diferenças entre culturas, grupos, gêneros ou classes" (Souza, 2000Souza, Jessé. (2000). Gilberto Freyre e a singularidade cultural brasileira. Tempo Social, 12/1, p. 69-100.: 71). Uma de suas contribuições ao pensamento social passa pelas ideias de hibridismo e plasticidade que, para ele, nos foram peculiares, ou seja, o movimento de combinar as mais diferentes tradições sem pretender fundi-las em uma síntese completa e definitiva, portanto, equilibrando os contrários (Araújo, 1994Araújo, Ricardo Benzaquen. (1994). Guerra e paz: Casa-grande & Senzala e a obra de Gilberto Freyre nos anos 30. Rio de Janeiro: Ed 34.: 137). As propriedades singulares das culturas ibéricas, africanas e indígenas não se dissolveriam completamente para dar lugar a uma nova figura, mas a um mestiço que guarda "lembranças de sua gestação" (Araújo 1994Araújo, Ricardo Benzaquen. (1994). Guerra e paz: Casa-grande & Senzala e a obra de Gilberto Freyre nos anos 30. Rio de Janeiro: Ed 34.: 44).

Tomando essas referências, o texto de 1956 se inscreve na apreensão sobre as misturas e no equilíbrio, na relação estabelecida entre o novo e a tradição. Trata-se de um intelectual assumidamente crítico à modernidade, mas não em todas as suas dimensões. Como afirma o historiador Antônio Paulo Rezende (1997: 18)Rezende, Antônio Paulo. (1997). (Des)encantos modernos: histórias da cidade do Recife na década de vinte. Recife: Fundarpe., ele simpatiza com as renovações na produção cultural; a questão, entretanto, é saber como absorver essas renovações "sem afetar a originalidade da cultura brasileira na sua mistura, que ele tanto diz admirar". Assim pontua igualmente o também historiador Durval Muniz de Albuquerque Junior (2009:117)Albuquerque Júnior, Durval Muniz de. (2009). A invenção do Nordeste e outras artes. São Paulo: Cortez.: "Sua utopia é o surgimento de uma sociedade na qual a técnica não seja inimiga da tradição, em que a técnica e a arte se alinhem, e tradição e modernidade andem juntas, sempre sob o controle da primeira".

Em Região e tradição, Freyre (1941: 23)Freyre, Gilberto. (1941). Região e tradição. Rio de Janeiro: José Olympio. se define como atraído pela "aventura intelectual, para a experimentação artística, para a inovação literária e, ao mesmo tempo, para os encantos da rotina, da tradição e da continuação - nos limites do possível - das coisas familiares, quotidianas e de província". Nessa mesma obra, o regionalismo do Rio Grande do Sul é tratado como exemplo paradigmático da conciliação entre as "vantagens do progresso" e a "personalidade regional": "No Rio Grande do Sul é o que acabo de surpreender com maior alegria: o gosto de sua gente em adaptar vantagens do progresso mecânico conservando, entretanto, o máximo de sua personalidade regional. O narcisismo gaúcho é no que mais se delicia: na contemplação de um progresso que não destruiu sua personalidade regional" (Freyre, 1941Freyre, Gilberto. (1941). Região e tradição. Rio de Janeiro: José Olympio.: 248).

A carioquização e seu perigo não são as questões centrais em o "Frevo em face do samba". Tampouco a preocupação recai nos fluxos contrários de influências transregionais ou na proteção das expressões carnavalescas pernambucanas, os "valores nativos", do encontro com manifestações culturais cariocas. O texto burilava a ideia de mistura equilibrada, uma vez que o repertório local e tradicional teria forças suficientes para impetrar disputas contra a sobreposição das influências "estrangeiras". Em sua hipótese, o frevo iria absorver o samba, tomar-lhe de empréstimo elementos que não possuía, "outro temperos", produzindo variações novas sem perder as "lembranças de sua gestação" (Araújo, 1994Araújo, Ricardo Benzaquen. (1994). Guerra e paz: Casa-grande & Senzala e a obra de Gilberto Freyre nos anos 30. Rio de Janeiro: Ed 34.). O exclusivismo, para ele, não faria parte do "espírito tolerante de um recifense verdadeiramente recifense", que, como uma qualidade, sempre conviveu com o novo, como já dissera em 1928, combinando-o com o seu "caráter".

O DESEQUILÍBRIO DOS CONTRÁRIOS A PARTIR DOS ANOS 1960

As escolas de samba espalharam-se pelo Brasil com grande velocidade e força a partir de meados do século XX (Cavalcanti, 1999Cavalcanti, Maria Laura Viveiros de Castro. (1999). O rito e o tempo: ensaios sobre o carnaval. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.). Em Pernambuco foram impulsionadas pela transmissão televisiva dos desfiles cariocas a partir de 1961 (Teles, 2008Teles, José. (2008). O frevo rumo à modernidade. Recife: Fundação da Cidade do Recife.), década marcada pelo aumento expressivo da quantidade de agremiações do gênero e ampliação do seu potencial de mobilização dos foliões (Silva, 2011Silva, Augusto Neves da. (2011). Quem gosta de samba, bom pernambucano não é? (1955-1972). Dissertação de Mestrado. PPGH/Universidade Federal de Pernambuco.; Lima, 2012Lima, Ivaldo Marciano de França. (2012). Quem foi que falou em frevo? Em Pernambuco se samba, e muito! Ágora, 16, p. 63-76.). A expansão intensificou os debates sobre a presença dessas que são as representantes do modelo carnavalesco do Rio de Janeiro.

A antropóloga Katarina Real (1990)Real, Katarina. (1990). O folclore no carnaval do Recife. Recife: Fundação Joaquim Nabuco/Massangana., em 1967, nomeou tais debates "batalha frevo-samba", observando que "O assunto das escolas de samba é um dos mais explosivos de todo o carnaval do Recife. Os jornais se deliciam com as fofocas que os prós e os contras na batalha 'frevo-samba' provocam. Qualquer opinião a respeito da crise entre o frevo e o samba pode provocar manchete" (Real, 1990Real, Katarina. (1990). O folclore no carnaval do Recife. Recife: Fundação Joaquim Nabuco/Massangana.: 52). Ao identificar a "crise entre o frevo e o samba", Real inadvertidamente nomeou um campo de representações e embates simbólicos que incidiu diretamente na experiência de fazer samba no carnaval do Recife (Menezes Neto, 2014Menezes Neto, Hugo. (2014). Tem samba na terra do frevo: as escolas de samba no carnaval do Recife. Tese de doutorado. PPGSA/Universidade Federal do Rio de Janeiro.).

Tendo em vista esse contexto de expansão das escolas de samba, em 27 de fevereiro de 1966, Freyre publica, no Diário de Pernambuco, o polêmico artigo "Recifense, sim, subcarioca não!", em que desarticula a ideia de acolhimento do samba pelo carnaval do Recife, bem como a possibilidade de lhe conceder o título de "cidadão recifense", que havia exposto no texto de 1956. Não há mais a perspectiva da "combinação nova" entre o samba e o frevo, nem a da liberdade para o samba exercer o "perigo de sua presença". Retoma o argumento preservacionista e intervencionista de 1928, quando se mostrava temeroso pela "carioquização" do carnaval. Para Freyre, com as escolas de samba o Recife produzira o carnaval subcarioca.

Recifense, sim, subcarioca não!

O carnaval do Recife de 1966 decorreu sob este signo terrível: perigo de morte! É que o assinalou uma descaracterização maciça, através da invasão organizada, dirigida e o que me parece até oficializada dos seus melhores redutos de pernambucanidade: a invasão das escolas de samba. [...] No Recife, matar-se o frevo, o passo, o maracatu, o clube popular, o bloco, a espontaneidade, para quase oficializar-se o samba, o arremedo ou a caricatura do carnaval carioca, chega a ser um crime de traição ao Recife. [...] A traição ostensiva às tradições mais características de Pernambuco no que se refere a expressões carnavalescas. Um carnaval do Recife em que comecem a predominar escolas de samba ou qualquer outro exotismo dirigido já não é um carnaval recifense ou pernambucano: é um inexpressível, postiço e até caricaturesco carnaval subcarioca ou subisso ou subaquilo. De modo que a inesperada predominância, no carnaval deste ano, do samba subcarioca, deve alarmar, inquietar e despertar o brio de todo bom pernambucano: é preciso que a invasão seja detida; e que o carnaval de 67 volte a ser espontaneamente recifense e caracteristicamente pernambucano. Se há algum calabarismo a trair o carnaval do Recife, a favor de um carnaval estranho, que seja o quanto antes dominado este calabarismo. Afinal, como se explica a repentina organização de não sei quantas escolas de samba subcarioca na Cidade do Recife? A que plano obedece tal organização? Com que objetivo ela está se perpetuando? Eleitoralismo disfarçado? Estará havendo politiquice de qualquer espécie através do carnaval? Inocentes úteis estarão em jogo? Ou colapso da tradição carnavalesca no Recife por simples e passivo furor de imitação do exótico furor tão contrário ao brio recifense (apud Real, 1990Real, Katarina. (1990). O folclore no carnaval do Recife. Recife: Fundação Joaquim Nabuco/Massangana.: 47).

O artigo-manifesto desenha um "estado de guerra", com direito à "invasão das escolas de samba", tropas inimigas com a missão de 'matar' as tradições carnavalescas "autenticamente pernambucanas", para oficializar a caricatura do carnaval carioca. Aciona o sentimento de "pernambucanidade", do "brio do pernambucano", convoca cidadãos-soldados para a proteção das fronteiras da tradição em perigo devido à predominância inesperada do "samba subcarioca". Assim, "é preciso que a invasão seja detida".

O sociólogo compreende que do encontro de frevo/tradições pernambucanas e escolas de samba/modernidades cariocas não surgiu a esperada combinação nova; ao contrário houve a "predominância" das escolas de samba sobre as "tradições mais características de Pernambuco". Assim, a crítica não é simplesmente ao perfil "estrangeiro" das escolas de samba e de outras "modernidades" importadas do Rio de Janeiro, mas à sobreposição, ao destaque alcançado por essa manifestação carnavalesca frente a um vasto repertório de expressões tidas como "autenticamente pernambucanas". Freyre acredita numa espécie de incapacidade das escolas de samba de conviver harmonicamente com as tradições locais, aterrando os regionalismos e descaracterizando a festa, transformando o que era antes autêntico e espontâneo em algo caricatural, inexpressivo e falso.

O texto reaviva o temor da carioquização do carnaval do Recife, a se tornar real com a invasão e a predominância das escolas de samba em detrimento do frevo ou do maracatu. O samba/invasor perde o caráter positivo por Freyre atribuído ao colonizador português, sua miscibilidade, ou seja, a capacidade de misturar-se imprimindo suas marcas em outras culturas com que manteve contato, tanto quanto delas recebendo influências (Veloso, 2000Veloso, Mariza. (2000). Gilberto Freyre e o horizonte do modernismo. Sociologia e Estado, 15/2. p. 361-386.). Se não há influências recíprocas sobram apenas, de um lado, "o passivo furor de imitação do exótico" e, do outro, uma ação imperialista sem compromisso com a adaptação.

Fica evidente a provocação por uma posição mais proativa dos recifenses diante da demanda suscitada. Os que não aderem ao movimento de negação/expulsão das escolas de samba são traidores, e a expressão "calabarismo" dá o tom do argumento. Os traidores que apoiam as escolas de samba assemelham-se a Domingos Calabar, personagem que, nas narrativas da Restauração Pernambucana de 1654, traiu as tropas locais entregando as estratégias de seus compatriotas para os inimigos holandeses que ocupavam Pernambuco. Historiadores como Evaldo Cabral de Mello (1997)Mello, Evaldo Cabral de. (1997). Rubro veio: o imaginário da restauração pernambucana. Rio de Janeiro: Topbooks. afirmam que a "expulsão dos holandeses" foi transformada por mediadores intelectuais locais do século XIX e começo do XX, especialmente pelos membros do Instituto Arqueológico Histórico Geográfico de Pernambuco (IAHGP) com os quais dialogou Freyre, em expressão de um ethos pernambucano.3 3 Mello (1997: 66) destaca a importância da atuação do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico de Pernambuco (IAHGP), no século XIX e começo do XX, para a produção e preservação da memória da Restauração, e para a reorientação da historiografia brasileira com vistas à valorização da história produzida no estado. A produção intelectual do IAHGP propõe uma interpretação própria da história de Pernambuco - ufanista, celebrativa, épica e fundante - apresentada para intencionalmente acionar e alimentar o orgulho por ser/pertencer a um lugar especial e de peso na trajetória da nação. Nessa produção Pernambuco é representado com características singulares diante do resto do Brasil, ao mesmo tempo como indispensável à história nacional, lugar das revoluções, da subversão, das lutas, e de um povo igualmente lutador, rebelde, cívico. Lilia Schwarcz (2001: 120), por sua vez, detectou que entre os anos 1870 e 1930 51% da produção do IAHGP versa sobre o tema da Restauração, pontuando "de um lado o 'ignominioso jugo estrangeiro' de outro a heróica resposta do povo pernambucano". A autora ilumina os esforços da aristocracia política, econômica e intelectual de Pernambuco em forjar uma "raça pernambucana", cuja "valentia, abnegação e patriotismo passam a constituir adjetivações suficientes para a formação da identidade". Para Mello (1997: 19)Mello, Evaldo Cabral de. (1997). Rubro veio: o imaginário da restauração pernambucana. Rio de Janeiro: Topbooks. o evento sofre deformações de "mistificação histórica à derrapagem de significados" e, com o tempo transforma-se no "mito de origem da Pernambucanidade". Trata-se de um conjunto de narrativas legitimadas pela história oficial a nos contar a vitória dos pernambucanos - corajosos, virtuosos, rebeldes, patrióticos - contra o inimigo da nação, os "invasores" holandeses e traidores, como Domingos Calabar.

A Restauração Pernambucana como mito para a unificação nacional e matriz de sentidos da 'pernambucanidade' é acessada em livros como o Guia prático, histórico e sentimental da Cidade do Recife, no qual Freyre (1961: 32)Freyre, Gilberto. (1961). Guia prático, histórico e sentimental da cidade do Recife. Rio de Janeiro: José Olympio. afirma que "com o sangue aí derramado é que se escreveu o endereço do Brasil: um país só, em vez de dois; uma nacionalidade, não uma colônia; uma terra de brancos confraternizando com negros e índios, e não uma minoria de louros explorando e dominando um proletariado de gente de cor".

Já em NordesteFreyre (1967)Freyre, Gilberto. (1967). Nordeste. Rio de Janeiro: José Olympio. aponta a "luta contra os invasores louros" como parte irreparável da história da região e da nação, e o solo do Nordeste, por conseguinte, como gerador de uma "nacionalidade inteira":

Nessas manchas de solo encarnado ou preto se lançaram os alicerces dos melhores engenhos. Foram elas que mais se avermelharam de sangue nos tempos coloniais. Sobre elas que tanto luso-brasileiros, tanto preto, tanto caboclo, tanto mulato, morreram em luta contra os invasores louros. Esses invasores não desejavam outras terras senão aquelas: as terras de massapê. As terras de barro gordo, boas para cana-de-açúcar. [...] Porque através daqueles dias mais difíceis de fixação da civilização portuguesa nos trópicos, a terra que primeiro prendeu os luso-brasileiros, em luta com outros conquistadores, foi essa de barro avermelhado ou escuro. Foi a base física não simplesmente de uma economia ou de uma civilização regional, mas de uma nacionalidade inteira (Freyre, 1967Freyre, Gilberto. (1967). Nordeste. Rio de Janeiro: José Olympio.: 10).

Nessa obra, Pernambuco desenvolve-se a partir dos conflitos que impeliram os senhores de engenho a se defender dos estrangeiros; nasce sob a égide da guerra e do patriotismo: "E defendendo seus canaviais, seus rios, suas terras de massapê, começaram a perceber que estavam defendendo o Brasil" (Freyre, 1967Freyre, Gilberto. (1967). Nordeste. Rio de Janeiro: José Olympio.: 11). Portanto, se os pernambucanos são heróis porque lutaram bravamente para expulsar o invasor holandês, na "batalha frevo-samba" devem continuar a ocupar esse posto, e as escolas de samba, em contrapartida, o de antagonista holandês a ser expulso.

Desse modo, é um "calabarismo" imitar o "carnaval estranho" do Rio de Janeiro; traição ainda maior, porém, é fugir da batalha contra o "exotismo dirigido" das escolas de samba, pois, o efeito imediato de sua expansão é a derrocada do frevo e das tradições regionais. O frevo, então, emblematiza o carnaval democrático, da tradição e da autenticidade, enquanto para as escolas de samba, em franca ascensão, são transferidos qualificativos opostos - estrangeiras, inautênticas, intrusas, imitações "de mau gosto", caricaturas. Estaria em vias de acontecer o que ele temia desde 1928: a "carioquização" e a vitória do Rio de Janeiro em seu movimento deliberado de uniformização do carnaval brasileiro.

Seis anos depois, em fevereiro de 1972, o sociólogo volta a escrever sobre o samba no carnaval do Recife, para o Diário de Pernambuco:

Estará Certo?

Não é da melhor tradição pernambucana o entreguismo passivo ou inerte. Acolher o exótico, o transoceânico, o entranho, o novo, assimilá-lo, adotá-lo é uma coisa: e isto o pernambucano tem feito desde velhos dias. E feito, por vezes, magnificamente. [...] Tais observações ou assimilações só fazem bem a uma cultura regional ou nacional e só fazem honra aos que sabem adotar o exótico, adaptando-se às suas situações e às suas tradições. Arte que tem alguma coisa de ciência. O entreguismo é diferente. Não assimila: entrega-se. Não absorve: é absorvido pelo invasor ou corruptor. É o que está acontecendo com o carnaval do Recife, célebre pela originalidade dos seus maracatus, dos seus caboclinhos, do seu frevo: está sendo descaracterizado e não só tem a justa resistência da parte dos pernambucanos, como a adesão de alguns dos mais ricos, dos mais influentes, dos mais poderosos, dentre eles, ao samba invasor. Está a despernambucanizar-se. Está a acariocar-se. Grande parte do dinheiro que se destina à promoção do carnaval não está tendo outro fim entre nós senão este: trazer, a altos preços, risonhos cariocas, mestres do samba, ao Recife, para aqui procederem à despernambucanização de um dos carnavais mais originais do Brasil. Estará Certo? Onde está a pernambucanidade desses ricos? Que justiça haverá em dar-se tão bons dinheiros a esses, aliás, ilustres cariocas, desprezando-se os nossíssimos Nelsons Ferreiras e Capibas? Desprezando maracatus e frevos para substituí-los por "escolas de samba", com que turistas contaremos para vir a um Recife assim acariocado no seu carnaval? Não se diga que é o povo - o Povo Pernambucano: Povo com P maiúsculo - que quer se acariocar, entregando-se de corpo e alma ao carioquíssimo samba: música e dança de que ninguém nega as virtudes nacionais sendo, como é, para o Brasil, o que na culinária, é a feijoada. O que vem acontecendo, porém, entre nós, é uma sistemática e um tanto misteriosa obra de glorificação do samba em detrimento do carnaval pernambucano - espécie de pitu do Rio Una. Glorificação em artigos nos jornais, em falas nos rádios, em exibições nas televisões. Impossível que essa glorificação assim constante não consiga alguns dos desejados efeitos: um deles, incluir o frevo e o maracatus, passo a marchas, o carnaval verdadeiramente do Recife, entre quadradices vergonhosas para uma cidade "progressista". Este, um aspecto do fenômeno que não deve ser esquecido. Pode ser expressão nacionalista: mas um nacionalismo a custa de uma variante regional de cultura nacional tão válida quanto a carioca. A discriminação pró-samba dá ao que há, na campanha de antipernambucano, um sentido quase sinistro.

O artigo arremata a relação entre o tema do samba no carnaval do Recife e a dinâmica da formação da sociedade brasileira. O centro da discussão é a diferença entre "assimilação" e "entreguismo", outras categorias para pensar sua proposta de "equilíbrio dos contrários", como também para refletir sobre um "modo de ser" pernambucano no que concerne ao agenciamento das influências culturais. Para ele, a assimilação era feita há muito tempo pelos pernambucanos, adaptando "magnificamente [...] desde os velhos dias" o novo "às suas situações e tradições", com efeitos positivos para a cultura regional. Não seria, então, da "melhor tradição pernambucana o entreguismo passivo ou inerte". O entreguismo não prevê adaptação; é, antes, ser "absorvido pelo invasor ou corruptor", é a aceitação sem resistências do fluxo contrário das influências transregionais, resultando na perda das características originais das tradições. Os pernambucanos, então, estariam agindo como entreguistas, absorvendo o samba sem adaptações. Por sua vez, o Rio de Janeiro, com o samba, era visto como o invasor a "despernambucanizar", descaracterizar, o carnaval que tende a "acariocar-se" ao desprezar maracatus e frevos "para substituí-los por 'escolas de samba' ".

Em defesa dos pernambucanos o sociólogo afirma que o povo "com P maiúsculo" não quer "acariocar-se". Assim como em seu primeiro texto sobre o carnaval, em 1928, foca-se no movimento ordenado dos ricos e poderosos, agora voltados para a "glorificação do samba", que transformaria as tradições locais em "quadradices vergonhosas para uma cidade progressista". Freyre reafirma sua crítica à concepção de progresso e modernidade, aos moldes de como acredita ter ocorrido no Rio de Janeiro, alinhada à destituição das tradições e, sobretudo, dos emblemas identitários locais, de seu lugar legítimo de centralidade simbólica e política. Como já havia feito, provoca a sociedade para reverter o quadro que pintara catastrófico.

O frevo e o maracatu seriam, para ele, uma variante regional da cultura nacional, assim como o samba uma variante carioca igualmente local, porém com contestável status de nacional. Desconstrói a ideia de centro/nacional e periferia/regional para reforçar que a nacionalidade é um conjunto de variantes locais que deveriam ter o mesmo peso simbólico e político. Se para alguns críticos de Gilberto Freyre sua apreensão da singularidade brasileira passa pelo desejo de desafiar a centralidade epistemológica da "modernidade europeia", é possível afirmar, então, que, em se tratando do carnaval, ele também se lança a desestabilizar a posição modelar do Rio de Janeiro e sua influência na experiência regional. O novo alerta sobre o perigo da carioquização do carnaval remete-se a seu desafio maior de "relativizar o protagonismo (epistemológico, normativo e estético-expressivo) exclusivo de sociedades tradicionalmente tidas como modelares da modernidade" (Tavolaro, 2013Tavolaro, Sergio B. F. (2013). Gilberto Freyre e nossa "modernidade tropical": entre a originalidade e o desvio. Sociologias, 15/33, p. 282-317. : 286).

CONSIDERAÇÕES FINAIS: CARNAVAL, COLONIZAÇÃO E RESISTÊNCIA

Hermano Vianna (2004)Vianna, Hermano. (2004). O mistério do samba. Rio de Janeiro: Zahar., ao analisar a ascensão do samba a símbolo da identidade nacional, afirma que partir dos anos 1930 o samba carioca, com a ajuda da rádio e da indústria fonográfica, "colonizou" o carnaval brasileiro. No entanto, essa "colonização" não se deu sem resistências regionais, ao menos por parte de importantes intelectuais. No caso pernambucano, Gilberto Freyre toma para análises as tensões desse processo colonizador, oriundas da relação conflituosa entre as ideias de regionalidade e nacionalidade - que expõem níveis distintos de pertencimento e compartilhamento culturais -, e de tradição e modernidade - que trazem à baila as discussões sobre mudanças e permanências em trocas culturais assimétricas. Fornece, por conseguinte, o ponto de vista daqueles dedicados ao enfrentamento das investidas da metrópole.

Sua oposição à forma como o Rio de Janeiro acolhia propostas artísticas e urbanísticas do modernismo, ou absorvia referências europeias, não ibéricas, de valores e comportamentos, foi transferida, por um complexo processo metonímico, para o modo como o Recife lidava com as influências carnavalescas cariocas. Ao se colocar entre os modelos festivos do Recife e do Rio de Janeiro, entre o frevo e o samba, Freyre articula o tema do carnaval aos conteúdos sociológicos do conjunto de sua obra, entendendo-o como impulso para rediscutir a força e o fluxo das trocas culturais; a simetria dos diálogos inter-regionais; a adaptabilidade e a plasticidade na perspectiva do regionalismo; e as categorias autenticidade, originalidade e mistura frente ao conceito de pernambucanidade, que ele mesmo ajudou a forjar.

Outrossim, desde o primeiro texto sobre o assunto, Freyre elabora um discurso eminentemente engajado. Sua atuação , sobretudo na imprensa, não se resume à exaltação da nostalgia, e tem sentido propositivo (Peixoto, 2005Peixoto. Fernanda. (2005). A cidade e seus duplos: os guias de Gilberto Freyre. Tempo Social, 17/1, p. 159-173.). Suas posições combativas aparecem com maior potência entre os anos 1960 e 1970, contrapondo-se ao que chama de "discriminação pró-samba" e focandose na contenção da expansão das escolas de samba na festa da capital pernambucana. Como efeito, a história das escolas de samba do Recife é marcada por sistemáticas respostas do poder público aos apelos do sociólogo e de outros intelectuais envolvidos nessa missão. Revestidas de políticas públicas para o fomento da "cultura pernambucana", tratou-se, na verdade, de severas retaliações financeiras e campanhas difamatórias que prejudicaram profundamente as escolas de samba, incidindo na experiência social4 4 A noção de experiência é baseada em Hall (2003: 134): "Em última análise, trata-se de onde e como as pessoas experimentam suas condições de vida, como as definem e a elas respondem". dos que fazem samba na capital pernambucana (Menezes Neto, 2014Menezes Neto, Hugo. (2014). Tem samba na terra do frevo: as escolas de samba no carnaval do Recife. Tese de doutorado. PPGSA/Universidade Federal do Rio de Janeiro.). O resultado final foi a gradativa diminuição e o enfraquecimento desses grupos, que perderam vigor e visibilidade a partir dos anos 1980 até não mais se configurar como ameaça às tradições e ao frevo.

NOTAS

  • 1
    Os clubes pedestres surgem aproximadamente na década de 1880, formados pelas classes populares e trabalhadores de ofícios manuais, geralmente da mesma profissão, que se juntavam para a celebração carnavalesca desfilando em cortejo a pé pelas ruas da cidade do Recife, ao som da marcha-frevo. Atualmente são chamados de Clubes de Frevo. O Clube das Pás Douradas, fundado em 1888 por estivadores e carvoeiros do porto do Recife, é o mais antigo ainda em atividade. Também no final do século XIX compunham o carnaval do Recife os clubes de alegorias e críticas que, por sua vez, eram formados por comerciantes e integrantes da elite recifense. Desfilavam com carros puxados por cavalos, fantasias luxuosas e alegorias com críticas relativas às questões políticas e aos costumes locais. Para aprofundamentos ver especialmente Lélis (2011)Lélis, Carmem. (2011). Frevo, patrimônio imaterial do Brasil. Síntese do dossiê de candidatura. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife. e Silva (2000)Silva, Leonardo Dantas. (2000). Carnaval do Recife. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife..
  • 2
    Também Antônio Paulo Rezende (1995: 13-14)Rezende, Antônio Paulo. (1995). Gilberto Freyre: Tempos de aprendiz. Estudos de Sociologia, 1/1, p. 9-21. aponta certa antipatia de Freyre para com os 'excessos modernistas', relembrando a força significativa e imprescindível das tradições. "Freyre não se mostra muito simpático com as invenções modernas ou os possíveis exageros da modernização, a rapidez acentuada das mudanças, o materialismo excessivo que atravessa os projetos dos homens encantados com o reino das mercadorias. Suas simpatias estão mais marcadas por outros tempos menos velozes, menos deslumbrados com a correria dos impulsos da mecanização". Para Ricardo Benzaquen de Araújo (1994: 21)Araújo, Ricardo Benzaquen. (1994). Guerra e paz: Casa-grande & Senzala e a obra de Gilberto Freyre nos anos 30. Rio de Janeiro: Ed 34., Gilberto Freyre "transmite a sensação de ter-se aproximado da literatura de vanguarda da sua época de forma bastante peculiar, idiossincrática, mesmo, sem nada dever diretamente à agitação cultural que animava o sul do País". Aqui coaduno-me com Araújo quando afirma que Freyre não ocupa o lugar de oposição ao modernismo, ao contrário, lança mão de um "outro modernismo, eventualmente distinto daquela postura a um só tempo nacionalista e modernizadora".
  • 3
    Mello (1997: 66)Mello, Evaldo Cabral de. (1997). Rubro veio: o imaginário da restauração pernambucana. Rio de Janeiro: Topbooks. destaca a importância da atuação do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico de Pernambuco (IAHGP), no século XIX e começo do XX, para a produção e preservação da memória da Restauração, e para a reorientação da historiografia brasileira com vistas à valorização da história produzida no estado. A produção intelectual do IAHGP propõe uma interpretação própria da história de Pernambuco - ufanista, celebrativa, épica e fundante - apresentada para intencionalmente acionar e alimentar o orgulho por ser/pertencer a um lugar especial e de peso na trajetória da nação. Nessa produção Pernambuco é representado com características singulares diante do resto do Brasil, ao mesmo tempo como indispensável à história nacional, lugar das revoluções, da subversão, das lutas, e de um povo igualmente lutador, rebelde, cívico. Lilia Schwarcz (2001: 120)Schwarcz, Lilia Moritz. (2001). O espetáculo das raças. São Paulo: Companhia das Letras., por sua vez, detectou que entre os anos 1870 e 1930 51% da produção do IAHGP versa sobre o tema da Restauração, pontuando "de um lado o 'ignominioso jugo estrangeiro' de outro a heróica resposta do povo pernambucano". A autora ilumina os esforços da aristocracia política, econômica e intelectual de Pernambuco em forjar uma "raça pernambucana", cuja "valentia, abnegação e patriotismo passam a constituir adjetivações suficientes para a formação da identidade".
  • 4
    A noção de experiência é baseada em Hall (2003: 134)Hall, Stuart. (2003). Da diáspora: identidade e mediações culturais. Belo Horizonte: Ed. UFMG.: "Em última análise, trata-se de onde e como as pessoas experimentam suas condições de vida, como as definem e a elas respondem".

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    24 Set 2015
  • Aceito
    23 Mar 2016
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