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SOCIOLOGIA DO CATOLICISMO FRANCÊS: NOTAS SOBRE OS CATÓLICOS DE ESQUERDA

THE SOCIOLOGY OF CATHOLICISM IN FRANCE: NOTES ON “LEFT-WING CATHOLICS”

Resumo

O artigo apresenta uma análise do catolicismo na França e, em particular, da situação atual do catolicismo de esquerda. Apresenta-se a configuração geral do catolicismo francês, as características principais dos católicos de esquerda e as configurações elementares de três experiências contemporâneas da esquerda católica francesa. Há três questões que norteiam o texto: Quem são os católicos de esquerda? Onde eles estão organizados hoje? Há uma transmissão para as novas gerações? Compreende-se que os católicos de esquerda são pequenos grupos presentes em toda a França, representados por instituições localizadas especialmente em Paris; são muito fragmentados, uma verdadeira nebulosa; são compostos principalmente por leigos com idade entre sessenta e setenta anos que estão em conflito interno e contra a Igreja institucional.

Palavras-chave:
Sociologia; Religião; Catolicismo; Esquerda; França

Abstract

This research aims to understand Catholicism in France, especially the current situation of left-wing Catholicism. We propose to describe the general configuration of French Catholicism, map the main Catholic groups on the left, and analyze the role of the three contemporary experiences of the French Catholic left. This research aims to answer three questions: Who are the left-wing Catholics? Where are they today? Do we find a transmission to new generations? We understand that these small, fragmented groups (a veritable nebula) are all over France, are represented by institutions located especially in Paris; and are composed of secular individuals in their sixties who face internal conflict and oppose the institutional Church.

Keywords:
Sociology; Religion; Catholicism; Left wing; France

O presente artigo1 1 O artigo apresenta parte dos resultados de pesquisa de pós-doutorado realizado na França, em 2018/2019, na École des Hautes Études en Sciences Sociales, Centre d’Études en Sciences Sociales du Religieux, sob a direção de Michael Löwy. Agradeço a Philippe Degrave, Marcelo Camurça, Mathieu Gervais, Allan Coelho, Didier Vanhoutte e Maria Carolina Giliolli Goos pelos comentários e correções. trata da realidade social do catolicismo na França e, fundamentalmente, apresenta uma análise da situação contemporânea do catolicismo de esquerda. Para o estudo do tema, considera-se em primeiro lugar as críticas formuladas pela literatura especializada acerca do fenômeno religioso. Assim, busca-se o diálogo com as ciências sociais francesas, especialmente a sociologia da religião, e com aqueles que estudam o catolicismo na França.

Dessa forma, os pontos de partida para este estudo são: a noção de exculturação proposta por Danièle Hervieu-Léger (2003Hervieu-Léger, Danièle. (2003). Catholicisme, la fin d’un monde. Paris: Bayard.: 54)2 2 Todas as citações diretas contidas no texto foram traduzidas do francês pelo próprio autor. , que analisa o processo de “desintegração da base cultural e simbólica da institucionalidade católica na França”; a categoria “catolicismo de abertura”, sistematizada por Philippe Portier (2012Portier, Philippe. (2012). Pluralité et unité dans le catholicisme français. In: Béraud, Céline; Gugelot, Frédéric & Saint-Martin, Isabelle (eds.). Catholicisme en tensions. Paris: Éditions EHESS , p. 19-36.) para designar o polo católico mais adaptado à modernidade; e a perspectiva de Denis Pelletier (2012Pelletier, Denis. Récit. Une gauche sans domicile fixe. In: Pelletier, Denis & Schlegel, Jean-Louis (eds.). À la gauche du Christ: les chrétiens de gauche en France de 1945 à nos jours. Paris, Éditions du Seuil , 2012.) com seus estudos relativos aos “cristãos de esquerda” na França.

Propõe-se compreender a realidade atual dos católicos de esquerda apresentando a configuração geral do catolicismo francês com base na literatura especializada, o mapeamento dos principais grupos católicos de esquerda na França e a análise do papel de três experiências de esquerda no contexto atual da Igreja católica na França - entre elas a da Federação Réseaux du Parvis, uma articulação dos grupos dispersos da esquerda cristã francesa (Gouguenheim et al., 2015Gouguenheim, Lucienne et al. (eds.). (2015). L’Évangile sur les parvis. Paris: Temps Présent.).

Com a perspectiva de colaborar com as respostas para três questões - quem são os católicos de esquerda?; onde eles estão organizados hoje?; e há uma transmissão para as novas gerações? -, este texto está organizado da seguinte forma: introduz-se, a princípio, uma análise crítica da tipologia do catolicismo na França com uma breve apresentação da realidade contemporânea do catolicismo francês por meio da sistematização da bibliografia especializada; em seguida, faz-se uma análise da esquerda católica na França; e finalmente há uma sistematização de três experiências contemporâneas da esquerda católica naquele país. Enfim, objetiva-se com esta avaliação colaborar com a compreensão de quem são os católicos de esquerda atualmente na França.

O CATOLICISMO CONTEMPORÂNEO NA FRANÇA

Números

Os cristãos, nas suas diferentes orientações, constituem o maior bloco religioso do mundo, representando 31% da população mundial em 2015, ou seja, cerca de 2,2 bilhões de fiéis (Pew Research Center, 2017Pew Research Center. (2017). The Changing Global Religious Landscape. Disponível em: <Disponível em: http://www.pewforum.org/2017/04/05/the-changing-global-religious-landscape/ >. Acesso em 14 jul. 2023.
http://www.pewforum.org/2017/04/05/the-c...
). A Igreja católica responde por 50% deste número, cerca de 1,1 bilhão de seguidores, o que a coloca, em termos absolutos, como a instituição religiosa mais importante da humanidade.

No entanto, o Velho Continente, berço do catolicismo, não é mais a região em que predomina a fé católica, já que quase 75% dos cristãos vivem fora da Europa. E apesar da hegemonia cristã no mundo, especialmente no Ocidente, com maior concentração nas Américas e na África subsaariana, ao analisar os dados específicos do catolicismo, é evidente que sua matriz romana está em estado de desgaste diante da pluralidade de ofertas de bens de salvação no campo religioso mundial (Sofiati & Moreira, 2018Sofiati, Flávio Munhoz & Moreira, Alberto. (2018). Catolicismo brasileiro: um painel da literatura contemporânea. Religião & Sociedade, XXXVIII/2, p. 277-301.).

É preciso entender que, nas sociedades contemporâneas, as filiações tradicionais estão sendo corroídas e o desprendimento dos indivíduos de seus laços anteriores ocorre de forma cada vez mais acelerada, em um processo de “desencaixe”, conforme Giddens (1991Giddens, Anthony. (1991). As consequências da modernidade. São Paulo: Editora Unesp.), ou de desfiliação institucional, levando o indivíduo a dar prioridade quase que exclusiva às vinculações experimentais. Nessa realidade, o número de católicos na França diminuiu nas últimas décadas e os católicos “declarados” tornaram-se hoje uma comunidade minoritária. De acordo com o grupo Ifop (conhecido historicamente como o instituto Francês de Opinião Pública)3 3 Disponível em: https://www.ifop.com/publication/catholicisme-en-france-en-2010. Acesso em 15 jul. 2023. , os católicos representavam 87% da população francesa em 1972; caíram para 75%, em 1987; e em 2010 somente 64% dos franceses se declaravam católicos. Estudos contemporâneos apontam que esta diminuição persiste, inclusive há análises recentes que tratam da mutação da sociabilidade católica para uma lógica de vida comunitária a partir de pequenos grupos, de acordo com Hervieu-Léger (2019Hervieu-Leger, Danièle. (2019). Mutations de la sociabilité catholique en France. Études, p. 67-78.: 70). A autora aponta que esses grupos, composto pelos leigos mais fervorosos, emergem como “[...] uma forma de vida comunitária religiosa regida pelas interações entre indivíduos que se escolhem entre si, tal como escolhem os vários caminhos da sua adesão e filiação religiosa ao catolicismo” (Hervieu-Léger, 2019Hervieu-Leger, Danièle. (2019). Mutations de la sociabilité catholique en France. Études, p. 67-78.: 71). Portanto, conforme Hervieu-Léger, a própria adesão dos católicos institucionalizados tem sido cada vez mais negociada com a Igreja, tornando o vínculo cada vez mais fragilizado.

Catolicismos

Segundo Céline Béraud e Bruno Dumons (2017Béraud, Céline & Dumons, Bruno. (2017). Introduction. In: Dumons, Bruno & Gugelot, Frédéric (eds.). Catholicisme et identité. Regards croisés sur le catholicisme français contemporain (1980-2017). Paris: Karthala , p. 5-8.), o catolicismo francês é um mundo plural, uma nebulosa com muitas facetas. Na análise da literatura das ciências sociais sobre o catolicismo contemporâneo, pode-se encontrar diferentes formas de compreender a sua pluralidade. Há diferentes tipologias na literatura que caracterizam esse pluralismo interno dos católicos.

Também é possível destacar os diferentes níveis de participação dos leigos no catolicismo contemporâneo, por exemplo, leigos ligados às paróquias; leigos participantes de pastorais (migrantes, por exemplo); movimentos eclesiais (como a Comunidade Emmanuel); associações como Église et Liberté; federações como Réseaux du Parvis; organizações católicas (Secours Catholique, CCFD - Terre Solidaire etc.); e leigos não praticantes.

Pela diversidade de sua participação na igreja, os ativistas que estão envolvidos no movimento católico, em toda a gama de organizações sociais, caritativas, humanitárias e apostólicas, estão profundamente divididos. Conforme indicam Béraud et al. (2012Béraud, Céline et al. (2012). Catholicisme en tensions. Paris: Éditions EHESS.: 17): “As tensões que atravessam o catolicismo revelam uma dinâmica contraditória entre unidade e pluralidade, mudança e manutenção da tradição, o que permite distinguir entre ‘católicos de abertura’ e ‘católicos de identidade’”.

Para pensar nesta pluralidade, são importantes os estudos de Portier (2012Portier, Philippe. (2012). Pluralité et unité dans le catholicisme français. In: Béraud, Céline; Gugelot, Frédéric & Saint-Martin, Isabelle (eds.). Catholicisme en tensions. Paris: Éditions EHESS , p. 19-36.), autor da distinção apresentada acima, que divide os católicos em torno de dois polos, duas redes típico-ideais - catolicismo de identidade e catolicismo de abertura - que se organizam com os seus próprios movimentos, teólogos, corpos de reflexão, lugares de encontro e até mesmo paróquias. Cabe considerar a ressalva feita por Guillaume Cuchet (2017aCuchet, Guillaume. (2017a). Identité et ouverture dans le catholicisme français. Études, p. 65-76.), que considera essa tipologia útil, mas ao mesmo tempo problemática, porque na realidade “as coisas são muitas vezes mais complexas e fluidas”. Entende-se que em geral todas as tipologias são problemáticas, no entanto, a apresentada por Portier tende a colaborar com o entendimento do lugar da esquerda católica no interior da instituição.

O catolicismo de identidade tem suas origens na reação ao movimento de Ação Católica, considerado demasiado politizada pelo primeiro tipo (Portier, 2012Portier, Philippe. (2012). Pluralité et unité dans le catholicisme français. In: Béraud, Céline; Gugelot, Frédéric & Saint-Martin, Isabelle (eds.). Catholicisme en tensions. Paris: Éditions EHESS , p. 19-36.). Ela se tornou dominante desde os anos 1980 e hoje tem o apoio da hierarquia católica na França. É possível dividir os catholiques d’identité em dois subgrupos: os carismáticos (participantes das novas comunidades como Emmanuel, Chemin neuf e Béatitudes), e os restitucionistas (ativistas do Opus Dei, Communauté Saint-Martin, Légionnaires du Christ e Foyers de charité). A revista mais conhecida é a Famille chrétienne, e seus principais teólogos são Urs Von Balthazar, Marie-Dominique Philippe e Joseph Ratzinger. Entre os católicos de identidade há partidários da teologia lefebrista, nostálgicos dos tempos pré-democráticos e que tomam posição contra a autonomia (relativa, segundo Weber, 2002Weber, Max. (2002). Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro: LTC, 2002.) das esferas sociais presente nos tempos modernos. É uma visão da Igreja que ainda se considera o “guia da cidade”, para a qual o mundo está sob a influência da lei divina, da doutrina católica. Na perspectiva de Bruno Dumons (2017Dumons, Bruno. (2017). Le “catholicisme d’identité”, une recharge du catholicisme intransigeant? In: Dumons, Bruno & Gugelot, Frédéric (eds.). Catholicisme et identité. Regards croisés sur le catholicisme français contemporain (1980-2017). Paris: Karthala , p. 11-16.: 11): “Na verdade, o que hoje devemos chamar de ‘catolicismo de identidade’ reaviva o já antigo e recorrente debate sobre a suposta permanência da intransigência no universo católico”. Desta forma, os leigos do catolicismo de identidade participam em movimentos sociais ligados, por exemplo, à Les Républicains (antiga UMP), ao Partido Democrático Cristão, ao Mouvement pour la France e, mais recentemente, ao La Manif pour tous, todos estes partidos e movimentos identificados com a direita francesa. Finalmente, Portier (2002Portier, Philippe. (2002). Le mouvement catholique en France aux XXe siècle retour sur un processus de dérégulation. In: Baudouin, Jean & Portier, Philippe (eds.). Le mouvement catholique français à l’épreuve de la pluralité. Enquête autour d’une militance éclatée. Rennes: Presses Universitaires de Rennes, p. 9-27.) entende que a identidade desses católicos é estruturada pelos princípios da intransigência, da eclesiologia e da visibilidade.

Por sua vez, Pelletier (2017Pelletier, Denis. (2017). Épilogue. L’identité entre sciences sociales et usages politiques. In: Dumons, Bruno & Gugelot, Frédéric (eds.). Catholicisme et identité. Regards croisés sur le catholicisme français contemporain (1980-2017). Paris: Karthala , p. 303-320.: 304) considera que “o catolicismo de identidade parece uma resposta plausível ao problema de o catolicismo francês se tornar uma minoria, sob o efeito da pluralização religiosa, paradoxalmente reforçada pela secularização”. O autor compreende os católicos de identidade como um retorno à direita das forças vivas do catolicismo francês.

Os católicos de abertura são considerados como os outsiders da comunidade de fé. Os católicos de esquerda fazem parte dessa rede e, segundo publicou um jovem católico de direita na internet, dever-se-ia “eutanasiar os católicos de esquerda!” (Schlegel, 2012Schlegel, Jean-Louis. (2012). Vers la fin d’un parenthèse? In: Pelletier, Denis & Schlegel, Jean-Louis (eds.). À la gauche du Christ: les chrétiens de gauche en France de 1945 à nos jours. Paris: Éditions du Seuil , p. 541-576.: 585). Esses grupo inclui ativistas da Ação Católica, que organiza as Semanas Sociais, por exemplo. As principais revistas são Économie et humanisme, Lumière et vie, Études, Témoignage Chrétien, Golias e Les Réseaux des Parvis. Os principais teólogos são Paul Valadier, Maurice Belley, Joseph Moingt e o bispo Mons. Rouet. São católicos, inspirados por Emmanuel Mounier, que assumem posições na sociedade civil a favor do debate sobre o divórcio, contracepção e aborto. Em outras palavras, eles são a favor da expansão da liberdade humana, do pensamento autônomo e da lógica da solidariedade. Como explica René Valette, professor emérito da Universidade Católica de Lyon e ex-presidente do CCFD - Terre Solidaire, “Para nós cristãos, a fonte é naturalmente a Bíblia, o Antigo e o Novo Testamento, mas também os estudiosos, pensadores, homens e mulheres de ação, militantes, que viveram e que guiam as nossas vidas hoje” (Valette, 2015Valette, René. (2015). Préface. In: Gouguenheim, Lucienne; Jolly, Jean-Bernand & Vanhoutte, Didier (eds.). L’Évangile sur les parvis. Paris: Temps Présent , p. 7-11.: 8). Suas posições dentro da Igreja católica são críticas à hierarquia, contrárias ao funcionamento da instituição considerada saturada de tridentismo. Os partidos e movimentos sociais mais seguidos são o Parti Socialiste (PS), o Confédération Française Démocratique du Travail (CFTD) e, em particular, os movimentos a favor dos “sem” (sem terra, sem domicílio fixo), ou seja, partidos e movimentos de esquerda (Portier, 2012Portier, Philippe. (2012). Pluralité et unité dans le catholicisme français. In: Béraud, Céline; Gugelot, Frédéric & Saint-Martin, Isabelle (eds.). Catholicisme en tensions. Paris: Éditions EHESS , p. 19-36.).

No sentido de facilitar a identificação, pode-se dizer que os católicos da esquerda estão no polo da abertura e os carismáticos no polo da identidade. Dessa forma, é possível considerar que os católicos de identidade são geralmente opostos ao mundo secularizado, enquanto os católicos de abertura são mais favoráveis ao diálogo com a modernidade. Mas também podemos encontrar entre os católicos carismáticos, por exemplo, adeptos da abertura à modernidade, assim como há em grupos da esquerda católica elementos de identidade cristã.

Conforme Béraud e Dumons (2017Béraud, Céline & Dumons, Bruno. (2017). Introduction. In: Dumons, Bruno & Gugelot, Frédéric (eds.). Catholicisme et identité. Regards croisés sur le catholicisme français contemporain (1980-2017). Paris: Karthala , p. 5-8.), as gerações mais jovens estão principalmente no polo de identidade, que é mais atraente para a juventude católica do que o polo de esquerda. Segundo os autores, os anos 1980 foram marcados por um esgotamento e envelhecimento dos católicos de abertura. Por outro lado, as chamadas “novas” comunidades do movimento carismático, como Emmanuel e Chemin Neuf, encontraram condições históricas favoráveis ao surgimento dessa forma de catolicismo.

Hervieu-Léger também destaca o problema da renovação geracional e o envelhecimento do catolicismo de abertura e, consequentemente, do próprio catolicismo de esquerda na França. De acordo com a autora, essa corrente católica “[...] formou um bom número de líderes, hoje mais preocupados em fazer as pessoas esquecerem seu ‘passado católico’ do que em trabalhar pela mudança na instituição” (Hervieu-Léger, 2003Hervieu-Léger, Danièle. (2003). Catholicisme, la fin d’un monde. Paris: Bayard.: 27). Deve-se considerar que o catolicismo de abertura desenvolveu relações ecumênicas e inter-religiosas com disposição ao diálogo com a modernidade. No entanto, Peter Berger (2017Berger, Peter L. (2017). Os múltiplos altares da modernidade: rumo a um paradigma da religião numa época pluralista. Petrópolis: Vozes.) evidencia que as religiões que tentam se adaptar à modernidade geralmente falham. Por outro lado, grupos religiosos que rejeitam o mundo moderno têm conseguido sobreviver e até florescer com o crescimento de instituições religiosas conservadoras, ortodoxas ou tradicionalistas.

Mesmo que a tipologia de Portier seja útil para pensar o catolicismo na França, fundamentalmente sua vertente à esquerda, é necessário considerar suas limitações, pois essas categorias de identidade e de abertura são importantes para entender, conforme Cuchet (2017aCuchet, Guillaume. (2017a). Identité et ouverture dans le catholicisme français. Études, p. 65-76.: 67), que ,”[...] por um lado, trata-se de autodefinição; por outro, trata-se da atitude em relação ao mundo moderno”. Pelletier (2017Pelletier, Denis. (2017). Épilogue. L’identité entre sciences sociales et usages politiques. In: Dumons, Bruno & Gugelot, Frédéric (eds.). Catholicisme et identité. Regards croisés sur le catholicisme français contemporain (1980-2017). Paris: Karthala , p. 303-320.) confirma essa limitação por entender que “identidade” e “abertura” não pertencem ao mesmo registro de significado: a primeira se refere antes a um modo de ser, enquanto a segunda a um modo de fazer. Em outras palavras, essa distinção não trata da mesma perspectiva: em um caso é uma questão de identidade, no outro de atitude para com o mundo secular. Ainda de acordo com Cuchet (2017bCuchet, Guillaume. (2017b). Quelques hypothèses sur l’étrange “déclin du catholicisme d’ouverture”. In: Dumons, Bruno & Gugelot, Frédéric (eds.). Catholicisme et identité. Regards croisés sur le catholicisme français contemporain (1980-2017). Paris: Karthala , p. 45-60.), trata-se de uma classificação que caracteriza principalmente círculos militantes e a “cúpula” da instituição, além de intelectuais, jornalistas e grupos eclesiásticos. Para o autor, um bom número de católicos comuns escapa a esse tipo de classificação. Assim, deve-se considerar todos os católicos de forma dinâmica e relacional, de acordo com a perspectiva de Valérie Aubourg (2017Aubourg, Valérie. (2017). Entre influence évangélique et affirmation catholique: Genèse et développement du groupe Glorious. In: Dumons, Bruno & Gugelot, Frédéric (eds.). Catholicisme et identité. Regards croisés sur le catholicisme français contemporain (1980-2017). Paris: Karthala, p. 211-224.), porque é necessário sublinhar que há uma “porosidade” entre o catolicismo de abertura e o catolicismo de identidade. Portanto, apesar de existir dois polos, é fundamental compreender que as fronteiras entre eles são fluídas.

Ao considerar os católicos de esquerda como parte dos católicos do polo de abertura- da mesma forma que os carismáticos fazem parte do polo de católicos de identidade -, não é possível esquecer os elementos de identidade presentes também no catolicismo de esquerda. Em geral, os católicos de abertura se reconhecem nesta categoria - ao contrário dos católicos de identidade, que não se reconhecem como tal, ou seja, não aceitam este rótulo -, mas também têm uma identidade, visto que toda uma geração sexagenária se identifica no polo do catolicismo de esquerda, por exemplo.

Enfim, o que é entendido como catolicismo de esquerda nesta análise diz respeito, portanto, ao grupo vinculado ao polo de abertura da Igreja católica e com posicionamentos críticos tanto ao sistema eclesiástico quanto à estrutura societária predominante. Assim, antes de continuar na discussão acerca dos católicos de esquerda, é necessário dialogar com a literatura especializada para compreender melhor o catolicismo francês no mundo contemporâneo.

Configuração

É necessário considerar que a Igreja católica tem sofrido as consequências das mudanças contemporâneas nas formas de religiosidade. Assiste-se ao processo de individualização da sociedade francesa, no qual os cidadãos dão prioridade à busca pessoal da felicidade, conforme indica Hervieu-Léger (2003Hervieu-Léger, Danièle. (2003). Catholicisme, la fin d’un monde. Paris: Bayard.). Essa é uma tendência dominante do presente, uma cultura contemporânea de autorrealização. Uma realidade que também atrai o terreno espiritual e religioso. Hervieu-Léger (1999Hervieu-Léger, Danièle. (1999). Le pèlerin et le converti, la religion en mouvement. Paris: Flammarion.) fala de um “modelo peregrino” de religiosidade contemporânea: uma religiosidade plástica, que ultrapassa as fronteiras confessionais; com mobilidade e associação temporária; uma religiosidade fluida dos conteúdos de crença que elabora; uma fluidez individualizada das crenças, cada uma das quais produz os significados da sua própria existência por meio da diversidade de situações que se vive. A autora observa o desenvolvimento dessa religiosidade peregrina no próprio coração do catolicismo.

Hervieu-Léger (2003Hervieu-Léger, Danièle. (2003). Catholicisme, la fin d’un monde. Paris: Bayard.) defende a tese de que se vive a saída cultural das sociedades modernas da religião com uma pluralização do mercado de bens de salvação. Neste cenário, a Igreja católica procura reestabelecer a plausibilidade da mensagem cristã em um mundo que emergiu da religião e passa a experimentar uma pluralização das mais diversas ofertas espirituais, consentindo com a sua própria condição de minoria. Ela vê a instituição como uma estrutura que carrega o peso de um poder passado cuja memória coletiva é preservada.

O declínio constante da prática católica é visível há mais de meio século. Ao analisar o caso francês, Hervieu-Léger (2003Hervieu-Léger, Danièle. (2003). Catholicisme, la fin d’un monde. Paris: Bayard.: 18) constata que “Esta sociedade deixou de ser uma sociedade massivamente católica. Não é sequer certo que ainda seja uma sociedade impregnada de cultura cristã”. Dessa forma, entende-se que a maioria da Igreja católica na França aceitou o secularismo e está tentando intervir em uma sociedade que deixou de se referir a ela.

Assim, tendo como referência os estudos de Hervieu-Léger (2012Hervieu-Léger, Danièle. (2012). Préface. In: Béraud, Céline; Gugelot, Frédéric & Saint-Martin, Isabelle (eds.). Catholicisme en tensions. Paris: Éditions EHESS , p. 7-10.), propõe-se uma sociologia das expressões católicas em uma sociedade que saiu do catolicismo - este mundo que saiu definitivamente da religião -, analisando a evolução contemporânea da constelação católica, fundamentalmente seu polo de abertura à esquerda.

Em primeiro lugar, é preciso entender que o catolicismo está hoje em processo de extinção do seu projeto mais importante, o da “utopia paroquial”, como concebe Hervieu-Léger (2019Hervieu-Leger, Danièle. (2019). Mutations de la sociabilité catholique en France. Études, p. 67-78.), ou da “civilização paroquial”, como se referem Béraud et al. (2012Béraud, Céline et al. (2012). Catholicisme en tensions. Paris: Éditions EHESS.: 12). A paróquia é concebida como uma comunidade estável, organicamente estruturada e estritamente hierárquica. Isso não significa que ela tenha desaparecido, mas uma parte significativa dos católicos está na “diáspora”. Parte do catolicismo francês está organizado em diferentes estruturas comunitárias, por exemplo, entre os católicos da abertura, uma referência é a Federação Réseaux du Parvis, composta por cerca de quarenta associações, com número de participantes variando entre elas e cuja maioria se articula à margem ou fora das dioceses.

No entanto, segundo Béraud e Dumons (2017Béraud, Céline & Dumons, Bruno. (2017). Introduction. In: Dumons, Bruno & Gugelot, Frédéric (eds.). Catholicisme et identité. Regards croisés sur le catholicisme français contemporain (1980-2017). Paris: Karthala , p. 5-8.), é antes um catolicismo de virtuosos com perfeccionismo moral e formas tridentinas de piedade que se mobilizam novamente, com práticas de procissões, adoração e caminhos da cruz no espaço urbano. Os católicos de hoje se veem como uma minoria e cultivam voluntariamente sua visibilidade com grandes encontros, como o Dia Mundial da Juventude. Eles denunciam uma sociedade secularizada, seus ativistas estão envolvidos na arena pública e tomam medidas políticas, seguindo o exemplo do movimento católico La Manif pour tous, uma expressão do relativo sucesso do catolicismo de identidade (Dumons, 2017Dumons, Bruno. (2017). Le “catholicisme d’identité”, une recharge du catholicisme intransigeant? In: Dumons, Bruno & Gugelot, Frédéric (eds.). Catholicisme et identité. Regards croisés sur le catholicisme français contemporain (1980-2017). Paris: Karthala , p. 11-16.), concebido como um movimento católico que se mobiliza politicamente contra os “estudos de gênero” e a lei que aprovou o casamento homossexual na França em 2013. Cuchet (2017aCuchet, Guillaume. (2017a). Identité et ouverture dans le catholicisme français. Études, p. 65-76.) inclusive observa que o catolicismo francês não tem sido capaz de se tornar uma minoria sem voltar aos seus velhos demônios reacionários e regressivos.

A situação evidencia que a Igreja católica perdeu sua capacidade de submeter os seus leigos a uma regra unificadora, e essa realidade produziu uma dispersão entre os católicos com um processo de autonomização da religião. Para Hervieu-Léger (2003Hervieu-Léger, Danièle. (2003). Catholicisme, la fin d’un monde. Paris: Bayard.: 267), a Igreja “[...] perdeu a sua capacidade de inscrever indivíduos numa cultura específica, organizada pela referência comum de uma lei divina”. Um exemplo é René Valette (2015Valette, René. (2015). Préface. In: Gouguenheim, Lucienne; Jolly, Jean-Bernand & Vanhoutte, Didier (eds.). L’Évangile sur les parvis. Paris: Temps Présent , p. 7-11.: 7), que defende a sua posição na Igreja da seguinte maneira: “[...] livre, mas fiel ou ainda fiel, mas livre”. Esse princípio está muito presente entre os federados de Réseaux du Parvis.

Portier (2012Portier, Philippe. (2012). Pluralité et unité dans le catholicisme français. In: Béraud, Céline; Gugelot, Frédéric & Saint-Martin, Isabelle (eds.). Catholicisme en tensions. Paris: Éditions EHESS , p. 19-36.) aborda esse processo a partir da ideia do advento de um novo modelo de religiosidade em que os dispositivos de fé são ativados a partir da consciência decisiva do indivíduo. A explicação se baseia em dois fenômenos complementares: a desinstitucionalização e a individualização da crença.

Desinstitucionalização da crença é a distância que os fiéis tomam da normatividade hierárquica sem necessariamente romper com a filiação. Sendo assim, os fiéis mantêm uma presença distante da instituição eclesial. Conforme Portier (2012Portier, Philippe. (2012). Pluralité et unité dans le catholicisme français. In: Béraud, Céline; Gugelot, Frédéric & Saint-Martin, Isabelle (eds.). Catholicisme en tensions. Paris: Éditions EHESS , p. 19-36.: 23): “A Igreja é para eles apenas a produtora de uma opinião, tão questionável como qualquer outra. Ela certamente às vezes faz sugestões úteis; em si mesma, porém, ela não tem o privilégio da veracidade”.

A individualização da crença significa que os fiéis estão menos apegados à palavra da hierarquia e mais vinculados ao processo de subjetividade da fé. “Eles agora criam os seus próprios sistemas de crenças conforme sua conveniência” (Portier, 2012Portier, Philippe. (2012). Pluralité et unité dans le catholicisme français. In: Béraud, Céline; Gugelot, Frédéric & Saint-Martin, Isabelle (eds.). Catholicisme en tensions. Paris: Éditions EHESS , p. 19-36.: 24). No entanto, os praticantes regulares são mais fortemente integrados à instituição do que os praticantes irregulares ou não praticantes.

Há uma pluralidade interna do campo católico explicada pela tipologia de Portier (2012Portier, Philippe. (2012). Pluralité et unité dans le catholicisme français. In: Béraud, Céline; Gugelot, Frédéric & Saint-Martin, Isabelle (eds.). Catholicisme en tensions. Paris: Éditions EHESS , p. 19-36.), mas que também pode ser encontrada nos debates internos da Igreja, que se dividem em duas atitudes em relação à modernidade: a primeira mostra e reforça a intransigência e a segunda está empenhada em articular os ensinamentos católicos com a cultura moderna. De acordo com Béraud et al. (2012Béraud, Céline et al. (2012). Catholicisme en tensions. Paris: Éditions EHESS.: 11):

O catolicismo inscreve-se assim numa tensão entre o que é do “mundo” e o que é de Deus [...] Oscila-se entre uma primeira corrente que se define contra a modernidade pela afirmação resoluta de uma identidade católica e uma segunda que aposta em sua inserção nas realidades sociais e culturais do seu tempo a fim de irrigá-las [...].

Paul Blanquart (1981Blanquart, Paul. (1981). En bâtardise: Itinéraires d’un chrétien marxiste, 1967-1980. Paris: Karthala . Collection Chrétiens en liberté.), um importante militante que se diz cristão e marxista, identifica essa diferença entre os católicos na França desde a Revolução Francesa. Em entrevista concedida a este pesquisador, Blanquart4 4 Entrevista com Paul Blanquart, Paris, 2 maio 2019. considera o primeiro grupo, católicos de identidade, como pertencente ao conjunto que chama de “católicos não cristãos”. Em contrapartida, ele destaca a “forte inscrição cristã entre os católicos de esquerda” (Gugelot, 2017Gugelot, Frédéric. (2017). Conclusion. Catholicisme, une identité? In: Dumons, Bruno & Gugelot, Frédéric (eds.). Catholicisme et identité. Regards croisés sur le catholicisme français contemporain (1980-2017). Paris: Karthala , p. 321-325.: 324). Por outro lado, os intransigentes não consideram os católicos como Blanquart como parte da Igreja católica. Por exemplo, no evento de comemoração dos 90 anos da JEC na França, realizado em 2019, em Paris, um antigo ativista da JEC5 5 Entrevista com Jean Philippe Cassar, Paris, 13 abr. 2019. relatou que a Federação Réseaux du Parvis, pertencente aos católicos de esquerda, não era realmente considerada parte da Igreja pelos católicos paroquiais em geral.

Feita a apresentação da situação atual do catolicismo na França, baseada principalmente na literatura especializada, aborda-se agora o catolicismo de abertura, visando fundamentalmente os católicos que se posicionam “à esquerda de Cristo”.

CATOLICISMO DE ESQUERDA NA FRANÇA

Características

Os católicos de esquerda são considerados neste artigo como parte dos católicos de abertura, a parcela que se posiciona criticamente à hierarquia da Igreja católica, internamente, e à estrutura societária capitalista, externamente. É um estilo católico inspirado na teologia de P. Teilhard de Chardin (1881-1955), na filosofia de Emmanuel Mounier (1905-1950) e em diálogo com a teoria marxista, mais presente nos anos 1960 do que hoje. Essa formação religiosa tem como referência fundamental as resoluções do Concílio Vaticano II (1962-1965), que “[...] foi a ocasião de uma extraordinária libertação da palavra, vivida pelos progressistas como uma licença para inovar” (Horn & Tranvouez, 2016Horn, Gerd-Rainer & Tranvouez, Yvon. (2016). L’esprit de Vatican II: catholiques de gauche en Europe occidentale dans les années 68. Introduction. Histoire@Politique, XXX, p. 1-6.: 2), e atualmente a Encíclica Laudato Si (2015) do Papa Francisco, mais precisamente, sua proposta de repensar a economia global a partir dos ensinamentos de São Francisco de Assis (Sofiati & Souza, 2021Sofiati, Flávio Munhoz & Souza, André Ricardo de. (2021). O franciscanismo econômico: considerações sociológicas sobre a economia de Francisco e Clara. Ciências Sociais e Religião, XXIII, p. 1-25.).

Os católicos de esquerda são em geral leigos com uma dupla militância: interna, de contestação política das instituições religiosas; e externa, de contestação religiosa da ordem política. Articulam-se à militância política e à pertença religiosa com um compromisso de esquerda e vontade de reformar a Igreja. A esquerda católica está interessada nesses dois aspectos, mas evidencia-se que a militância eclesial é o aspecto mais presente hoje, mesmo que esses militantes ainda estejam procurando uma coerência teórica entre sua fé e seu compromisso social. A literatura especializada francesa usa os termos “católicos esquerdistas” (Soulage, 2012Soulage, Vincent. (2012). L’engagement politique des chrétiens de gauche, entre Parti socialiste, deuxième gauche et gauchisme. In: Pelletier, Denis & Schlegel, Jean-Louis (eds.). À la gauche du Christ: les chrétiens de gauche en France de 1945 à nos jours. Paris: Éditions du Seuil , p. 425-455.; Tranvouez, 2012bTranvouez, Yvon. (2012b). Les idées du ciel ne tombent pas juste. La division théologique des chrétiens de gauche. In: Pelletier, Denis & Schlegel, Jean-Louis (eds.). À la gauche du Christ: les chrétiens de gauche en France de 1945 à nos jours. Paris: Éditions du Seuil , p. 513-537.) como terminologia de referência para estudar esse segmento católico, visto que o campo religioso se tornou lugar de compromisso político, de luta contra a instituição e contra a ideologia religiosa predominante entre o clero, portanto, de uma contestação militante da instituição.

A militância interna e externa deixa os católicos de esquerda em uma situação de dupla dificuldade: eles são vistos com desconfiança entre os socialistas por conta da ligação com a Igreja católica e são considerados como oposição por Roma em vista do compromisso com a esquerda na sociedade, o que tem começado a mudar recentemente com o papado de Francisco, conforme Souza e Batista (2020Souza, André Ricardo de & Batista, Breno Minelli. (2020). Os efeitos políticos no Brasil dos sete anos iniciais do papa Francisco. Revista Brasileira De História Das Religiões, XIII/39, p. 189-206.). Acerca disso, Pelletier (2012Pelletier, Denis. Récit. Une gauche sans domicile fixe. In: Pelletier, Denis & Schlegel, Jean-Louis (eds.). À la gauche du Christ: les chrétiens de gauche en France de 1945 à nos jours. Paris, Éditions du Seuil , 2012.: 18) escreve:

Entre 1944 e 1962, o movimento cristão de esquerda, especialmente do seu lado católico, passou por várias crises, ligadas primeiramente à sua associação com o Partido Comunista Francês (PCF), à desconfiança suscitada em Roma pela militância nas fábricas de uma centena de seus padres, e à profunda perturbação causada pelos métodos utilizados para reprimir a revolta argelina.

Pelletier fala de uma “esquerda sem domicílio fixo”, que procura ressignificar a sua história à distância dos modelos fixos existentes, a fim de inventar também um novo modelo de sociedade. É importante compreender isso porque os católicos de esquerda na França não se identificam com o socialismo da mesma forma que a esquerda tradicional. Eles construíram uma nova articulação entre política, teologia e concepção de igreja pautado, notadamente, pela Doutrina Social da Igreja.

Ainda, Pelletier considera que, entre 1949 e 1954, os cristãos progressistas buscaram uma aliança privilegiada com o Partido Comunista Francês, mas entre 1954 e 1962 tentaram construir uma esquerda à distância do comunismo. Bruno Duriez (2012Duriez, Bruno. (2012). Faire une autre gauche: des catholiques en politique. In: Pelletier, Denis & Schlegel, Jean-Louis (eds.). À la gauche du Christ: les chrétiens de gauche en France de 1945 à nos jours. Paris: Éditions du Seuil.) concorda com esta análise e considera que havia duas gerações de católicos de esquerda naquela época: a primeira ligada à Resistência e à luta pela libertação do país, com a presença de militantes da Ação Católica, como a Jeunesse Ouvrière Chrétienne (JOC), a Association Catholique de la Jeunesse Française (ACJF), a Confédération Française des Travailleurs Chrétiens (CFTC) e o Mouvement Populaire des Familles (MPF); a segunda ligada à luta pela descolonização, em particular a libertação da Argélia, com a ação do Escotismo (federação que articula várias organizações, entre elas algumas católicas) e da Union nationale des étudiants de France (UNEF), por exemplo, mas na qual os católicos de esquerda estão divididos entre várias pequenas organizações.

Pelletier mostra que os cristãos de esquerda fazem a ligação entre o político e o religioso e são defensores da laicidade do Estado. Na França, os católicos obtiveram a legitimidade do compromisso de esquerda em nome da sua fé entre 1944 e 1980, período em que a militância orgânica foi mais forte. O autor entende que a presença desse movimento católico “[...] tornou-se muito mais discreta desde meados dos anos 80” (Pelletier, 2012Pelletier, Denis. (2012). Introduction: les ‘chrétiens de l’autre bord’. In: Pelletier, Denis & Schlegel, Jean-Louis (eds.). À la gauche du Christ: les chrétiens de gauche en France de 1945 à nos jours, Paris, Éditions du Seuil.: 11) e tem sido “[...] quase invisível nas últimas décadas” (Pelletier, 2012Pelletier, Denis. (2012). Introduction: les ‘chrétiens de l’autre bord’. In: Pelletier, Denis & Schlegel, Jean-Louis (eds.). À la gauche du Christ: les chrétiens de gauche en France de 1945 à nos jours, Paris, Éditions du Seuil.: 14). Trata-se, segundo Jean-Louis Schlegel (2012Schlegel, Jean-Louis. (2012). Vers la fin d’un parenthèse? In: Pelletier, Denis & Schlegel, Jean-Louis (eds.). À la gauche du Christ: les chrétiens de gauche en France de 1945 à nos jours. Paris: Éditions du Seuil , p. 541-576.: 543), de “[...] uma aventura que ainda não acabou, mas que está inquestionavelmente no fim da sua viagem”.

Entrada na política

O ano de 1944 é considerado o momento da reintegração dos católicos na política francesa, da qual tinham sido excluídos desde a Revolução de 1789, uma revolução definida como anticristã e, principalmente, como anticatólica. É o momento de entrada na vida pública da República e da abertura à esquerda na sociedade em convergência com a luta na Igreja. Os católicos de esquerda esboçaram uma teologia inspirada em Emmanuel Mounier, que afirmou que o capitalismo se opõe à libertação do homem, o que requer, portanto, um engajamento crítico no mundo e a transformação da instituição.

Era o momento do processo de libertação da França da ocupação alemã na Segunda Guerra Mundial, e os católicos de esquerda eram a novidade da luta para a libertação. “Em 1944, a ideia católica de pobre juntou-se à do operário e, para muitos ativistas cristãos, Cristo assumiu as características do proletário” (Pelletier, 2012Pelletier, Denis. Récit. Une gauche sans domicile fixe. In: Pelletier, Denis & Schlegel, Jean-Louis (eds.). À la gauche du Christ: les chrétiens de gauche en France de 1945 à nos jours. Paris, Éditions du Seuil , 2012.: 21). E continua:

Entre os progressistas cristãos, os intelectuais leitores de Marx e o mundo da missão, as ligações eram estreitas, mesmo que as lacunas permanecessem. Assim estava se formando um verdadeiro movimento de esquerda cristã que articulava militância de base, compromisso político e trabalho intelectual (Pelletier, 2012Pelletier, Denis. Récit. Une gauche sans domicile fixe. In: Pelletier, Denis & Schlegel, Jean-Louis (eds.). À la gauche du Christ: les chrétiens de gauche en France de 1945 à nos jours. Paris, Éditions du Seuil , 2012.: 35).

Trata-se de católicos que procuram conciliar sua fé com uma concepção transformadora de sociedade. Eles aspiram à liberdade de exercer sua responsabilidade como cidadãos cristãos no mundo. De acordo com Frédéric Gugelot (2012Gugelot, Frédéric. (2012). Intellectuels chrétiens entre marxisme et Évangile. In: Pelletier, Denis & Schlegel, Jean-Louis (eds.). À la gauche du Christ: les chrétiens de gauche en France de 1945 à nos jours. Paris: Éditions du Seuil .: 204), foi na década de 1950 que houve a descoberta da análise econômica marxista e a exigência de um retorno ao Evangelho.

Nesse ponto, a militância católica faz sua opção de classe em defesa dos pobres, não mais para a conversão ao cristianismo, mas para a reinvenção da Igreja católica diante da condição operária. com uma perspectiva teológica de presença no mundo, nasce uma “esquerda eclesial”, visando a subversão da tradição da Igreja.

Esta convergência, no campo da aproximação com a classe operária e suas estruturas políticas, entre a inovação pastoral que os bispos apoiaram e a resistência cristã contra a qual lutaram, foi para desempenhar um papel fundamental na história dos cristãos de esquerda durante quase vinte anos (Pelletier, 2012Pelletier, Denis. Récit. Une gauche sans domicile fixe. In: Pelletier, Denis & Schlegel, Jean-Louis (eds.). À la gauche du Christ: les chrétiens de gauche en France de 1945 à nos jours. Paris, Éditions du Seuil , 2012.: 69).

O marxismo é reconhecido como uma teoria e prática que dá sentido e critérios de ação, pois é relevante para a crítica do capitalismo em convergência com a afinidade negativa do catolicismo com este sistema social (Löwy, 2019Löwy, Michael. (2019). La lutta des dieux. Christianisme de la libération et politique en Amérique latine. Paris: Van Dieren Éditeur.). Gugelot (2012Gugelot, Frédéric. (2012). Intellectuels chrétiens entre marxisme et Évangile. In: Pelletier, Denis & Schlegel, Jean-Louis (eds.). À la gauche du Christ: les chrétiens de gauche en France de 1945 à nos jours. Paris: Éditions du Seuil .: 206) fala do nascimento de uma verdadeira teologia da revolução: “Só tal compromisso é considerado em conformidade com a verdade evangélica, baseada na emancipação dos oprimidos”.

A esquerda cristã, composta principalmente por intelectuais católicos e ativistas leigos do movimento operário, entende Marx como um pensador capaz de fornecer ferramentas para a análise crítica da sociedade. No entanto, não partilham a perspectiva ateia do marxismo, mesmo que considerem compatíveis o materialismo dialético e a filosofia de São Tomás de Aquino.

Essa perspectiva torna possível a separação dos católicos com os “compromissos burgueses” da instituição católica, sendo esta última acusada de colaborar com a ordem estabelecida. “Quando o intelectual leigo desafia sua Igreja sobre a relação com o contemporâneo e exige uma mudança no funcionamento das estruturas religiosas [...], a instituição católica é acusada de colaborar com a ordem estabelecida” (Gugelot, 2012Gugelot, Frédéric. (2012). Intellectuels chrétiens entre marxisme et Évangile. In: Pelletier, Denis & Schlegel, Jean-Louis (eds.). À la gauche du Christ: les chrétiens de gauche en France de 1945 à nos jours. Paris: Éditions du Seuil .: 212).

Assim, a partir de 1944, o mundo político se abriu aos católicos, especialmente aos da esquerda.

Desde a Libertação até meados dos anos 50, o diálogo filosófico com o marxismo, o companheirismo com os militantes comunistas e o compromisso com a missão operária foram os diferentes componentes do que tem sido chamado, às vezes de forma abusiva, de “progressismo cristão” (Pelletier, 2012Pelletier, Denis. Récit. Une gauche sans domicile fixe. In: Pelletier, Denis & Schlegel, Jean-Louis (eds.). À la gauche du Christ: les chrétiens de gauche en France de 1945 à nos jours. Paris, Éditions du Seuil , 2012.: 32).

A laicidade republicana na França, que manteve os católicos à margem da sociedade e fechou a esfera política aos seus ativistas, foi contornada pelo catolicismo social. Gugelot (2012Gugelot, Frédéric. (2012). Intellectuels chrétiens entre marxisme et Évangile. In: Pelletier, Denis & Schlegel, Jean-Louis (eds.). À la gauche du Christ: les chrétiens de gauche en France de 1945 à nos jours. Paris: Éditions du Seuil .: 215) mostra que “[...] os intelectuais cristãos entendem que as instituições religiosas já não controlam mais todo o universo simbólico”, portanto, podem participar da vida ativa da República e da política.

O catolicismo social tem sido marcado pela história do laicismo na França. Assim, os católicos de esquerda partilham uma ética de liberdade. Os leigos da federação Réseaux du Parvis, por exemplo, chamam a si mesmos de “cristãos em liberdade”. Há inclusive uma associação entre essa federação, intitulada Chrétiens pour une Église dégagée de l’école confessionnelle6 6 Entrevista com Didier Vanhoutte, Paris, 16 maio 2019. , que defende que a Igreja católica não deve intervir na educação. Trata-se de um grupo católico contra a instituição de colégios confessionais.

Segundo Schlegel (2012Schlegel, Jean-Louis. (2012). Vers la fin d’un parenthèse? In: Pelletier, Denis & Schlegel, Jean-Louis (eds.). À la gauche du Christ: les chrétiens de gauche en France de 1945 à nos jours. Paris: Éditions du Seuil , p. 541-576.: 573), “Liberdade e igualdade na Igreja: isto é o que eles exigem!”. Uma liberdade de pensamento que viabilizou o diálogo com os marxistas, especialmente nos anos 1960, e possibilitou a perspectiva ecumênica e o diálogo, compatíveis com os elementos da modernidade. Para a ação católica, trata-se de desenvolver novas relações entre o ideal evangélico e a exigência de justiça social.

A década de 1960 foi marcada pelo enraizamento do marxismo como método científico de compreensão da realidade entre os católicos de esquerda. Antes disso, em 1954, Roma decidiu interromper a experiência dos padres ouvriers devido a três problemas: (i) o compromisso majoritário com a Confederação Geral do Trabalho (CGT), ligada ao Partido Comunista Francês (PCF); (ii) o modo de vida (trabalho assalariado e de tempo integral nas fábricas); (iii) a autonomia em relação aos bispos das dioceses (Duriez, 2012Duriez, Bruno. (2012). Faire une autre gauche: des catholiques en politique. In: Pelletier, Denis & Schlegel, Jean-Louis (eds.). À la gauche du Christ: les chrétiens de gauche en France de 1945 à nos jours. Paris: Éditions du Seuil.: 38). Mas em 1960 houve a fundação do Parti Socialiste Unifié (PSU), por meio do qual os católicos passam a se comprometer com a esquerda de forma muito ativa e influente. O PSU consistiu, como era uma de suas missões, no encontro entre católicos e a esquerda socialista, segundo Tranvouez (2012aTranvouez, Yvon. (2012a). Géographie de la gauche catholique. In: Pelletier, Denis & Schlegel, Jean-Louis (eds.). À la gauche du Christ: les chrétiens de gauche en France de 1945 à nos jours. Paris: Éditions du Seuil , p. 483-512.: 428). Naquela época, os cristãos também estavam envolvidos na Confédération Française des Travailleurs Chrétiens (CFTC) com uma perspectiva socialista e de autogestão radical.

Naquele momento houve um retorno à separação dos campos de compromisso eclesial e social e, para alguns, o compromisso político substituiu o compromisso religioso, que hoje se tornou uma prioridade entre os militantes do catolicismo de esquerda na França. Segundo Vincent Soulage (2012Soulage, Vincent. (2012). L’engagement politique des chrétiens de gauche, entre Parti socialiste, deuxième gauche et gauchisme. In: Pelletier, Denis & Schlegel, Jean-Louis (eds.). À la gauche du Christ: les chrétiens de gauche en France de 1945 à nos jours. Paris: Éditions du Seuil , p. 425-455.: 445), “[...] embora sejam menos ativos, os grupos cristãos permanecem, como o fizeram ao longo da década, presentes nas lutas sociais [...] Mas a relação com as organizações estritamente políticas é muito mais tímida”. Os católicos de esquerda ainda são uma minoria na Igreja católica e na sociedade, configurando uma nebulosa cristã diversificada e plural que se encontra em crise de compromisso desde os anos 1980.

Novo engajamento

Um fato importante para compreender a configuração dos católicos de esquerda hoje é entender que, a partir dos anos 1980, a militância começou a priorizar o engajamento no ativismo, na urgência concreta, na justiça social feita sem esperar que o sistema mudasse. Esse catolicismo social, altamente profissionalizado, tem como referência instituições como a Secours catholique7 7 Entrevista com Fernando Urrego, Paris, 15 fev. 2019. (a Caritas da França) e o CCFD - Terre Solidaire8 8 Entrevista com Walter Prysthon, Paris, 28 mar. 2019. . É uma nova era cuja ação é vivida por profissionais humanitários que extraem suas referências da Teologia da Libertação.

A começar pelos profissionais humanitários, há o processo de internacionalização da prática católica. Segundo Sabine Rousseau (2012Rousseau, Sabine. (2012). Un tiers-mondisme chrétien. In: Pelletier, Denis & Schlegel, Jean-Louis (eds.). À la gauche du Christ: les chrétiens de gauche en France de 1945 à nos jours. Paris: Éditions du Seuil , p. 457-482.: 458), “[...] a maioria dos movimentos da Ação Católica tem um ramo internacional que multiplica os contatos com países estrangeiros”. É nesse momento que o meio católico começa a denunciar o subdesenvolvimento e tem como alvo de suas atividades militantes o chamado “terceiro mundo”.

De acordo com Yvon Tranvouez (2012aTranvouez, Yvon. (2012a). Géographie de la gauche catholique. In: Pelletier, Denis & Schlegel, Jean-Louis (eds.). À la gauche du Christ: les chrétiens de gauche en France de 1945 à nos jours. Paris: Éditions du Seuil , p. 483-512.: 507-508), havia um mapa mental dos católicos de esquerda que incluía o Terceiro Mundo, África e a luta pela descolonização. Um mapa mental do mundo do qual a América latina é vivida como o horizonte privilegiado, um laboratório de ideias para o futuro.

Uma tradição eclesial e caritativa surge nesse momento construindo certa autonomia em relação à Roma, com uma mudança de compromisso correspondente ao período anterior e ênfase na lógica de solidariedade. Rousseau (2012Rousseau, Sabine. (2012). Un tiers-mondisme chrétien. In: Pelletier, Denis & Schlegel, Jean-Louis (eds.). À la gauche du Christ: les chrétiens de gauche en France de 1945 à nos jours. Paris: Éditions du Seuil , p. 457-482.: 469) fala sobre uma “[...] vontade fraterna dos militantes franceses de participar da elaboração de uma ordem mundial mais justa”. Assim, “O discurso global e político com conotações anti-imperialistas que caracterizou o ‘catolicismo esquerdista’ foi substituído por uma prática técnica e profissionalizada de ajuda ao Terceiro Mundo” (Rousseau, 2012Rousseau, Sabine. (2012). Un tiers-mondisme chrétien. In: Pelletier, Denis & Schlegel, Jean-Louis (eds.). À la gauche du Christ: les chrétiens de gauche en France de 1945 à nos jours. Paris: Éditions du Seuil , p. 457-482.: 473).

Schlegel (2012Schlegel, Jean-Louis. (2012). Vers la fin d’un parenthèse? In: Pelletier, Denis & Schlegel, Jean-Louis (eds.). À la gauche du Christ: les chrétiens de gauche en France de 1945 à nos jours. Paris: Éditions du Seuil , p. 541-576.) fala de uma mudança dos campos de luta com o exercício afetivo da generosidade: a luta pela justiça, a defesa dos excluídos, o acolhimento dos imigrantes, a presença junto aos pobres, o compromisso ecológico, a não-violência etc. O autor compreende que esses católicos passam a dizer “[...] pouco sobre decisões políticas justas e reformas estruturais eficazes (Schlegel, 2012Schlegel, Jean-Louis. (2012). Vers la fin d’un parenthèse? In: Pelletier, Denis & Schlegel, Jean-Louis (eds.). À la gauche du Christ: les chrétiens de gauche en France de 1945 à nos jours. Paris: Éditions du Seuil , p. 541-576.: 543).

Diante do exposto, o exercício é entender um estilo católico de esquerda de engajamento político e a relação entre fé e política, cujas opções não são nada uniformes nesse meio. Hoje, os católicos de esquerda se articulam em estruturas partidárias, associativas e são um conjunto de pequenos grupos e organizações que não formam um todo homogêneo, portanto, são de difícil identificação quantitativa devido à sua dispersão. Deve-se notar inclusive que o termo “católico de esquerda” não é usado hoje em dia pela militância católica na França. Os ativistas das instituições de caridade e dos grupos atuais estudados preferem “cristãos em liberdade”, “cristãos em busca”, “cristãos críticos” ou mesmo “católicos progressistas”9 9 Entrevista com Georges Heichelbech, Paris, 13 abr. 2019. . Mais recentemente, em vistas da influência do Papa Francisco, tem-se rogado o termo “Igreja em saída”.

Apresenta-se a seguir, de forma breve, três experiências recentes dessa constelação de católicos de esquerda na França.

TRÊS EXPERIÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS

Apesar do visível recuo dos católicos críticos, discorda-se dos discursos, incluindo algumas posições acadêmicas (Schlegel, 2012Schlegel, Jean-Louis. (2012). Vers la fin d’un parenthèse? In: Pelletier, Denis & Schlegel, Jean-Louis (eds.). À la gauche du Christ: les chrétiens de gauche en France de 1945 à nos jours. Paris: Éditions du Seuil , p. 541-576.), que anunciam o fim da esquerda católica na França. Pode-se encontrar na realidade francesa a presença, mesmo diluída e em pequena escala, de novas experiências da esquerda católica. Considera-se, por exemplo, a Federação Réseaux du Parvis como um grupo estratégico para compreender a realidade contemporânea da experiência católica que se coloca como diria Pelletier “à esquerda de Cristo”. E nota-se que existem outras experiências importantes. Pode-se considerar, por exemplo, a história das revistas católicas Témoignage Chrétien e Golias, de instituições como Secours Catholique e CCFD - Terre Solidaire (Mabille, 1999Mabille, François. (1999). Émergence et histoire du CCFD. Paris: CCDF., 2012Mabille, François. (2012). Dans le souffle de Vatican II, une ONG catholique s’affirme. CCFD, les années 70. Paris: CCDF .), ou de pastorais sociais, como a Pastorale des Migrants. No entanto, o artigo enfatiza a apresentação dos principais elementos de três experiências que ilustram a diversidade dos católicos de esquerda ainda hoje na França: a proposta política dos Poissons roses, as atividades em torno da publicação e repercussão do livro Plaidoyer pour un nouvel engagement chrétien e, por fim, as características elementares da Federação Réseaux du Parvis.

Poissons roses: cristãos em partido de esquerda

Os Poissons roses (Peixes cor-de-rosa) são compostos por católicos em sua maioria militantes do PS. No entanto, seus militantes entendem que a esquerda institucional está esgotada e buscam uma renovação do próprio PS francês. Essa iniciativa, que começou em 2010, lançou em 2016 um programa político com linhas éticas, econômicas, ecológicas e humanas para participar em 2017 das primárias do partido, chamadas primárias cidadãs.

Segundo Patrice Obert e Philippe de Roux (2016Obert, Patrice & Roux, Philippe de (eds.). (2016). Les poissons roses. À contre-courant. Pour guérir la gauche et relancer la France. Paris: CERF.: 9), eles estão em busca de um novo humanismo contra a primazia do indivíduo sobre a pessoa social e humana, cujo compromisso encontra seu fundamento na referência teológica da “revolução personalista de Emmanuel Mounier”. Os Poissons roses se consideram “socialistas”, mas no sentido de Charles Péguy, que defende que o socialismo deve ser atacado a fim de defendê-lo.

Uma plataforma política foi criada para dar “[...] um sentido do nosso compromisso político e para poder vislumbrar o futuro” (Obert & Roux, 2016Obert, Patrice & Roux, Philippe de (eds.). (2016). Les poissons roses. À contre-courant. Pour guérir la gauche et relancer la France. Paris: CERF.: 19) e convida os ativistas a responderem a cinco perguntas: como ganhar a vida?; como é que eu vivo?; como é que eu educo os meus filhos?; como posso viver com os outros?; e em que é que eu acredito? Na plataforma são escolhidos quatro campos de intervenção: territórios, negócios, Estado e ecologia. Como alternativa para a sociedade, existem sete propostas, também consideradas como fases: (i) obter renda de atividades não mercadológicas para ter tempo para a militância; (ii) articular uma família sustentável estabelecida como lugar de emancipação e compromisso; (iii) militar pela revitalização da democracia, que deve ser defendida pelos representantes eleitos e cidadãos; (iv) consolidar uma comunidade federal europeia, que deve manter interesses comuns e preservar as identidades nacionais; (v) pensar mecanismos de recuperação do gosto pelo bem comum e pelo serviço comunitário; (vi) difundir a perspectiva de escolas inovadoras para formar cidadãos esclarecidos; e (vii) defesa de uma sociedade verde e próspera em busca da transição ecológica.

Essa pesquisa mostra que ainda há católicos de esquerda ativos nos partidos políticos na França e que procuram uma renovação da política. Eles são poucos em número, mas ainda existem. No entanto, essa experiência não é consensual entre os católicos de esquerda em França, porque há ativistas que consideram que os Poissons Roses não respeitam a perspectiva da secularização da sociedade e laicidade do Estado. Por exemplo, há vários membros da Federação Réseaux du Parvis que são absolutamente contra essa experiência, visto que não concordam com o engajamento de cristãos na política a partir de convicções religiosas. Trata-se também de um exemplo das disputas que há entre os diferentes grupos de católicos de esquerda na França.

Plaidoyer pour un nouvel engagement chrétien: jovens, católicos e de esquerda

A segunda experiência contemporânea da esquerda católica é constituída em torno do livro escrito por três jovens intelectuais católicos formados pelo mundo acadêmico francês. O livro de Pierre-Louis Choquet10 10 Entrevista com Pierre-Louis Choquet, Paris, 17 abr. 2019. , Jean-Victor Elie e Anne Guillard foi publicado em 2017Choquet, Pierre-Louis et al. (2017). Plaidoyer pour un nouvel engagement Chrétien. Ivry-sur-Seine: Les Éditions de l’Atelier/Éditions Ouvrières. pela editora Atelier, vinculada à JOC. A publicação foi bem recebida entre os vários grupos católicos de esquerda na França, conforme observado em trabalho de campo na cidade de Paris em 2019.

O livro foi escrito para propor outras formas de ação política na sociedade, em oposição ao La Manif pour tous - movimento organizado por católicos de direita, principalmente carismáticos, contra o projeto Mariage pour tous do governo francês, que legalizou o casamento homoafetivo em 2013.

Nós, jovens cristãos, recusamo-nos a embarcar numa tal cruzada moral [...] Recusamo-nos a fazer da religião cristã uma posição de identidade, que ignora o dinamismo e a instabilidade próprios da palavra religiosa [...] Pelo contrário, testemunhamos um cristianismo que dá razão à preocupação evangélica de compreender o mundo, e que escuta o clamor dos mais pobres e dos aflitos da terra (Choquet et al., 2017Choquet, Pierre-Louis et al. (2017). Plaidoyer pour un nouvel engagement Chrétien. Ivry-sur-Seine: Les Éditions de l’Atelier/Éditions Ouvrières.: 11).

Os três ativistas católicos são defensores de uma fé cristã que ressoa os desafios do mundo contemporâneo. Eles compreendem que é necessária uma nova hierarquia de prioridades, com uma abertura a todos aqueles que procuram um mundo que se desenvolva livremente numa Terra habitável por todos. Eles argumentam que “[...] a compreensão de Deus deve passar de uma compreensão substancial e estática de Deus para uma compreensão relacional e dinâmica”, sendo que seus objetivos é “revelar a identidade de um Deus relacional, que se comunica por meio de uma história de salvação” (Choquet et al., 2017Choquet, Pierre-Louis et al. (2017). Plaidoyer pour un nouvel engagement Chrétien. Ivry-sur-Seine: Les Éditions de l’Atelier/Éditions Ouvrières.: 72).

A proposta é passar da lógica do “Deus-objeto” e distante para o “Deus-sujeito” e mais próximo, um Deus capaz de assumir a condição de fiel, de compartilhar seu medo, seu sofrimento e sua esperança. “Os pensadores da modernidade obrigaram-nos a reinventar a forma de engajar a nossa inteligência no ato de fé, levando a sério as dúvidas que ela pode suscitar” (Choquet et al., 2017Choquet, Pierre-Louis et al. (2017). Plaidoyer pour un nouvel engagement Chrétien. Ivry-sur-Seine: Les Éditions de l’Atelier/Éditions Ouvrières.: 76).

Os autores procuram disseminar três convicções: (i) agir coletivamente, redefinindo em conjunto, por meio da ação coletiva, as regras do jogo e utilizando os métodos da desobediência civil; (ii) articular o social e o ecológico, combatendo o mercado e a globalização da mercantilização da terra, do trabalho e da informação; e (iii) devolver o sentido de hospitalidade, experimentando, face à crise migratória, a capacidade de partilhar a condição terrena.

Esses jovens cristãos estão chamando os católicos para construir uma nova Terra. Essa iniciativa muito recente e muito pequena está na contramão da situação dos católicos de esquerda, visto que desde os anos 1980 “as gerações mais jovens tendem a afastar-se simultaneamente da fé e do compromisso político” (Soulage, 2012Soulage, Vincent. (2012). L’engagement politique des chrétiens de gauche, entre Parti socialiste, deuxième gauche et gauchisme. In: Pelletier, Denis & Schlegel, Jean-Louis (eds.). À la gauche du Christ: les chrétiens de gauche en France de 1945 à nos jours. Paris: Éditions du Seuil , p. 425-455.: 446).

Esta experiência, com base no espaço educacional universitário, reflete a proposta do Papa Francisco desenvolvida na encíclica Laudato Si, que serve como principal referência para o livro em questão. É uma nova forma de ação católica dos jovens “à esquerda de Cristo”, contrastando com experiências mais estruturadas e historicamente consolidadas, como se pode encontrar, por exemplo, na JEC. Na Assembleia Geral da JEC, em 2019, um “jecista” disse que os jovens de hoje não têm compromisso. Ele olhou por sobre a mesa e notou que uma parte significativa das pessoas presentes na Assembleia era idosa. Na ocasião, o pesquisador presente no evento observou que dos quase 25 participantes, um terço aparentava ter mais de 50 anos de idade. No mesmo ano, durante a celebração do 90º aniversário da JEC, notou-se o mesmo padrão, ou seja, a maioria dos presentes eram adultos e idosos, mesma constatação de Costa (2021Costa, Joaquim. (2021). Catolicismo social e moralização das relações de classe. In: Andrade, Péricles; Portela, Rodrigo & Zaquieu-Higino, Paulo Victor. Catolicismo, quo vadis? Os rumos da Igreja Católica. Juiz de Fora: Resistência Acadêmica, p. 117-132.) em sua pesquisa sobre o catolicismo social em Portugal ao se deparar com ausência de jovens na JOC e na Liga Operária Católica.

Em suma, se há uma degradação da militância de esquerda entre os jovens católicos, pequenas iniciativas continuam a surgir no mundo contemporâneo. Mostra-se a seguir que Réseaux du Parvis é animada por pessoas idosas com uma pequena presença de jovens, sendo que a JEC é talvez a única associação formal de jovens vinculada à federação. Observa-se, no entanto, que grupos e associações continuam a ser criados, mesmo que sejam administrados pelas gerações mais velhas. Entende-se que as associações vinculadas à Réseaux du Parvis são um exemplo dessa continuidade da esquerda católica no mundo contemporâneo, tema que foi aprofundado em outro artigo (Sofiati, 2022Sofiati, Flávio M. (2022). Catolicismo de esquerda na França: uma análise da Federação Réseaux du Parvis. Religião e Sociedade, XLII/2, p. 201-223.) e cujas principais características são apresentadas a seguir.

Réseaux du Parvis: católicos na diáspora

A Federação Réseaux du Parvis11 11 Entrevista com Annie Barbay, Paris, 13 abr. 2019. é constituída por leigos de postura laica, ou seja, é uma rede de associações que desejam ver uma Igreja católica aberta ao mundo e à modernidade, uma igreja que respeite a secularização da sociedade e a laicidade do Estado. São cristãos, especialmente católicos, que estão à margem da Igreja institucional. As associações federadas, cerca de 40 atualmente, procuram viver a palavra do Evangelho na sociedade porque estão abertas à modernidade e carregam uma crítica de esquerda sobre a hierarquia católica. São cristãos na diáspora, nas acepções de Hervieu-Léger (2019Hervieu-Leger, Danièle. (2019). Mutations de la sociabilité catholique en France. Études, p. 67-78.) e Carlos Rodrigues Brandão (2013Brandão, Carlos Rodrigues. (2013). Catolicismo. Catolicismos? In: Teixeira, Faustino & Menezes, Renata. (orgs.). Religiões em movimento: o CENSO de 2010. Petrópolis: Vozes , p. 89-110.).

A Federação é uma articulação de pequenas associações em que a maioria delas está organizada ao lado ou à margem das paróquias. São grupos diferentes, de vários tamanhos e práticas, que vivem juntos na cultura cristã. A Federação possui esse nome porque “Parvis” é entendido como “lugares públicos onde aqueles que entram na igreja e aqueles que saem dela se misturam com os que estão lá fora”12 12 Disponível em: http://www.reseaux-parvis.fr/notre-histoire/. Acesso em: 15 jul. 2023. . O Parvis, na França, consiste em um espaço propício para o encontro, está situado na entrada da igreja. Para os ativistas da esquerda católica, é o espaço de liberdade, o espaço de novos contatos, de vínculos de amizade, um “lugar de liberdade criativa” (Valette, 2015Valette, René. (2015). Préface. In: Gouguenheim, Lucienne; Jolly, Jean-Bernand & Vanhoutte, Didier (eds.). L’Évangile sur les parvis. Paris: Temps Présent , p. 7-11.: 10). Assim, numa tradução livre, “réseaux du parvis” significa “rede do coreto”, “rede da praça”, “rede do pátio da igreja”, enfim, um espaço situado entre o interior e o exterior da igreja no qual é possível pertencer à instituição em condições de negociar os termos da adesão.

A Federação possui cinco objetivos principais13 13 Disponível em: http://www.reseaux-parvis.fr/wp-content/uploads/bsk-pdf-manager/2018-12-12_221.pdf. Acesso em: 15 jul. 2023. . O primeiro é “promover e dinamizar a rede de associações e grupos cristãos que tentam viver o Evangelho na cultura laica e secularizada contemporânea”. O segundo objetivo é “promover as práticas democráticas nas Igrejas e na sociedade”. O terceiro elemento consiste em “expressar a diversidade dos rostos das Igrejas: pluralismo, corresponsabilidade e paridade de gênero”. O quarto objetivo é “trabalhar a serviço do Evangelho com as riquezas de todas as Igrejas, numa verdadeira partilha ecuménica”. O último elemento especificado pela Federação é “dar maior visibilidade à rede de associações que a compõem e representar esta rede no exterior”.

Mas é um catolicismo de esquerda o que se encontra no Parvis? Em princípio, sim. É certo que, no campo da questão eclesial, os leigos da Federação examinados são de esquerda, e mesmo fora ou à margem da instituição. É necessário, contudo, estudar outros aspectos das associações para se ter a certeza de suas posições de esquerda na sociedade. Há várias posições políticas, diferentes manifestações em relação aos Gilets Jeunes, e até membros do Parvis que votaram em Macron no primeiro turno das eleições presidenciais de 2017. No entanto, é fato que eles estão verdadeiramente abertos à modernidade, que se preocupam com os pobres, com as identidades marginalizadas (mulheres e comunidade LGBTQIA+, por exemplo) e com a situação ecológica da Terra, e que aspiram a outra sociedade, diferente da capitalista.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da bibliografia analisada e das incursões no campo, entende-se que a cultura católica na França está preferencialmente vinculada às forças políticas de direita e que o catolicismo de esquerda sempre foi uma minoria na Igreja católica e na própria sociedade francesa. Considera-se que o agrupamento à esquerda do catolicismo tem perdido força na contemporaneidade, mas está ainda presente na vida eclesiástica e social da França e que, devido à opção pela luta eclesial, está menos presente nos meios de comunicação social.

Em suma, no sentido de colaborar com a resposta às três questões apresentadas na introdução deste artigo, compreende-se que os católicos de abertura que defendem posições de esquerda podem ser caracterizados como pequenos grupos presentes em toda a França, representados por instituições localizadas especialmente em Paris; são muito fragmentados e com baixa articulação entre si. Entretanto, mobilizam-se em pequenos grupos em conflito interno e contra um inimigo comum: a Igreja institucional. Também é possível dizer que, desde os anos 1990, com a crise da esquerda global e a marginalização do pensamento marxista, o capitalismo não é mais designado como inimigo a ser derrotado, embora os ativistas defendam posições contra a economia de mercado. Hoje, esses grupos estão à margem da instituição e se organizam horizontalmente em associações contra a perspectiva católica cultivada pelo clero, por uma Igreja democrática que respeite as mulheres e esteja disposta a dialogar com o mundo contemporâneo em uma perspectiva crítica ao sistema societário global. O tema da transmissão tem se configurado como um problema, visto que são em maioria leigos sexagenários, testemunhas do Concílio Vaticano II, que buscam manter viva a perspectiva de uma Igreja como Povo de Deus que faz a opção preferencial pelos pobres.

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  • 1
    O artigo apresenta parte dos resultados de pesquisa de pós-doutorado realizado na França, em 2018/2019, na École des Hautes Études en Sciences Sociales, Centre d’Études en Sciences Sociales du Religieux, sob a direção de Michael Löwy. Agradeço a Philippe Degrave, Marcelo Camurça, Mathieu Gervais, Allan Coelho, Didier Vanhoutte e Maria Carolina Giliolli Goos pelos comentários e correções.
  • 2
    Todas as citações diretas contidas no texto foram traduzidas do francês pelo próprio autor.
  • 3
  • 4
    Entrevista com Paul Blanquart, Paris, 2 maio 2019.
  • 5
    Entrevista com Jean Philippe Cassar, Paris, 13 abr. 2019.
  • 6
    Entrevista com Didier Vanhoutte, Paris, 16 maio 2019.
  • 7
    Entrevista com Fernando Urrego, Paris, 15 fev. 2019.
  • 8
    Entrevista com Walter Prysthon, Paris, 28 mar. 2019.
  • 9
    Entrevista com Georges Heichelbech, Paris, 13 abr. 2019.
  • 10
    Entrevista com Pierre-Louis Choquet, Paris, 17 abr. 2019.
  • 11
    Entrevista com Annie Barbay, Paris, 13 abr. 2019.
  • 12
    Disponível em: http://www.reseaux-parvis.fr/notre-histoire/. Acesso em: 15 jul. 2023.
  • 13

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    30 Maio 2020
  • Revisado
    11 Abr 2022
  • Aceito
    10 Maio 2022
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