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RESUMO

Neide Lopes Patarra

BATISTA FILHO, O. ; MOURÃO, F. A. A. & ROSCO, S. H. – «Atitudes masculinas em relação à fecundidade e tamanho da família». São Paulo, Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo / The Population Council de Nova York, 1967. 93 p.

A presente pesquisa tem o mérito de tentar enfrentar o problema tão discutido atualmente, qual seja, o da fertilidade e tamanho da família, de maneira objetiva, fugindo das polêmicas acirradas e das opiniões apaixonadas que diàriamente são apresentadas na imprensa falada e escrita e em outros órgãos de divulgação. Acreditamos que sòmente através de estudos acêrca das expectativas e aspirações da população, bem como dos elementos formadores dessas perspectivas, de um lado, e do estudo do meio ambiente, economia, fatôres sociais, culturais e demográficos de outro, poderemos, num futuro mais ou menos remoto, traçarmos as linhas mestras de uma política populacional adequada à nossa sociedade no atual estágio de desenvolvimento econômico e social.

Por outro lado, se as pesquisas sociológicas em geral apresentam sérias dificuldades de execução, particularmente quando vamos estudar áreas de conduta humana consideradas íntimas e portadoras de alto grau de valoração, além de se encontrarem em fase de transição acentuada, como sabemos que está ocorrendo, as dificuldades aumentam e várias devem ser as precauções e os cuidados que se tem de tomar, principalmente na formulação de perguntas e análise dos dados com elas obtidos.

Nesse sentido, visando contribuir para que êsse tipo de pesquisa possa ter uma validade mais ampla, sem que nisso interfiram as situações de momento ou os interêsses de grupos políticos ou religiosos, é que procuraremos ressaltar alguns aspectos da pesquisa que, na nossa opinião não satisfazem as exigências de uma pesquisa científica.

Depois da apresentação, o trabalho inicia-se com um capítulo dedicado aos aspectos de análise, amostragem e hipóteses. Segue-se um capítulo sôbre conhecimentos e uso de anticoncepcionais, opiniões sôbre limitação de filhos e virgindade, procedência dos investigados, idade das mulheres quando da união conjugal, dimensão da família, desejo de ter filhos, número de filhos já havidos. O capítulo III é dedicado à situação sócio-econômica dos entrevistados e o capítulo IV investiga o conhecimento dos mesmos a respeito da população de São Paulo e do Brasil.

O trabalho seria mais uma pesquisa de opiniões do que de atitude, visto que estêve ligada sòmente à forma verbalizada de manifestação, por parte dos entrevistados. Por outro lado, o título genérico da pesquisa sugere uma análise completa do assunto, independentemente de restrições geográficas, etárias ou profissionais. Todavia na fôlha de rosto encontramos uma explicação de que se trata de uma pesquisa realizada entre operários semiqualificados e empregados de escritório de estabelecimentos industriais e comerciais da área metropolitana de São Paulo. Posteriormente vemos que dêsse universo são apanhados sòmente indivíduos de 20 a 29 anos e 35 a 44 anos.

Por operários semi-qualificados foram entendidos os "operários, principalmente os afetos às linhas de montagem, não importando o tipo de trabalho e levando obrigatòriamente em conta que todos aquêles que desempenhassem funções, as quais tornassem necessárias uma certa iniciativa, estariam automàticamente excluídos de nossa amostra" (pág. 4). Segundo os autôres, êsse tipo de operários se encontraria predominantemente nas indústrias que mantém linha de montagem; assim foram escolhidas indústrias de automóveis, eletrodomésticos, móveis de aço e vidro plano. Ora, segundo a definição dada não é sòmente nessas indústrias que se encontra êsse tipo de operário (FRIEDMAN & NAVILLE 1 (1963). Assim, estamos diante de uma amostra que não satisfaz os rigores estatísticos, uma vez que não foi tomada a partir do universo total definido; por outro lado, também não se poderia pensar que os autôres tivessem optado por um estudo decaso, focalizando em profundidade um setor apenas do parque industrial, com características próprias, uma vez que vários tipos de indústria foram englobados.

Por empregado de escritório foi compreendido todo empregado, excluídos ". . . apenas todos aquêles que desempenhassem cargos de chefia ou funções paralelas" (pág. 4). Essa categoria nos pareceu ampla demais para constituir um estrato homogêneo a ser comparado com o estrato operário; a tendência à burocratização das emprêsas conduz, como se sabe a uma substituição da chefia exercida por um indivíduo pela distribuição metódica de atividades e regras fixas de funcionamento, diluíndo-se cada vez mais o "mandonismo patriarcal" (WEBER 2, 1964). Ainda que possamos imaginar haver entre nós acentuados requícios do mandonismo tradicional e a grande difusão de "chefes", nada nos pode garantir que não tenha sido incorporado à amostra tanto um contínuo como um secretário, um contador, um tradutor, etc. que não desempenhassem cargos de chefia ou função paralela. A amostra de empregados de escritório abrangeu emprêsas de grande comércio a varejo, repartições públicas, bancos, escritórios de promoções, empresas de economia mista. Não nos ficou claro, contudo, porque 53,3% dessa amostra foi retirada de estabelecimentos industriais onde se processou a amostragem dos operários, a fim de dar, segundo os autôres, maior validade aos resultados.1 1 As empresas estudadas foram: Fiel Móveis de Aço; General Electric; Volkswagen; Sears Roebuck; Cassio Muniz; Vemag; Celusa; Vidrobrás; Prefeitura Municipal; Banco Tozan; Banco do Estado; Banco Novo Mundo; TV Canal 9; Santapaula Melhoramentos; Departamento de Estatística. 2 Essa pergunta, em particular, apresentou um outro problema: não há alternativa Sim e Não; há somente as alternativas: diminui o orçamento familiar, não faz diferença, segurança futura para a família (não sabemos aqui se se trata de afetar a segurança ou garantí-la), não sabe e não responde. Essas alternativas seriam respostas a um porque sim e porque não. 3 A alternativa filhos ou melhoria de vida e confôrto pode não se colocar para o indivíduo, que diante de perguntas assim formuladas, optam por uma ou outra, sem que realmente isso signifique uma conscientização da possibilidade de opção fornecida pela organização social.

Temos assim de um lado uma amostra que não é sorteada do universo proposto para estudo, e de outro, um grupo bastante heterogêneo para ser considerado um estrato.

Outro tanto se pode dizer a respeito dos dois grupos etários; não podemos compreender porque uma diferença de seis anos (29 a 35 anos) seria considerada um intervalo suficiente para caracterizar duas gerações, nem porque a idade limite é de 45 anos.

Os alvos da pesquisa são pouco explicitados; no que se refere à extensão da mesma, passa-se de um título genérico e da afirmação de que ". . .estudos e pesquisas sociais principalmente como estas (que), fornecem a medida da realidade. ." (pág. 12) ao outro extremo ao afirmar que ". . .nem pretendemos generalizar as manifestações dos investigados à comunidade a que pertencem. Vamos, sim informar o que pensam, o que sentem e como se vêm conduzindo" (pág. 13) os 654 investigados.

Em entrevistas dêsse tipo, um dos problemas primordiais é o que se refere à formulação das perguntas. Estas devem ser de molde a colher a informação da pessoa do modo mais espontâneo possível, sem a mínima possibilidade de sugestão por parte do entrevistador (GOOD & HATT13, 1960). Não nos parece que êsse requisito tenha sido satisfatòriamete atendido, com perguntas, por exemplo, como as que se seguem:

– O Sr. acha que ter muitos filhos afeta sua melhoria de vida?2 1 As empresas estudadas foram: Fiel Móveis de Aço; General Electric; Volkswagen; Sears Roebuck; Cassio Muniz; Vemag; Celusa; Vidrobrás; Prefeitura Municipal; Banco Tozan; Banco do Estado; Banco Novo Mundo; TV Canal 9; Santapaula Melhoramentos; Departamento de Estatística. 2 Essa pergunta, em particular, apresentou um outro problema: não há alternativa Sim e Não; há somente as alternativas: diminui o orçamento familiar, não faz diferença, segurança futura para a família (não sabemos aqui se se trata de afetar a segurança ou garantí-la), não sabe e não responde. Essas alternativas seriam respostas a um porque sim e porque não. 3 A alternativa filhos ou melhoria de vida e confôrto pode não se colocar para o indivíduo, que diante de perguntas assim formuladas, optam por uma ou outra, sem que realmente isso signifique uma conscientização da possibilidade de opção fornecida pela organização social.

– O Sr. deixaria de ter um filho para ter mais confôrto em casa?

– Suponha que um médico diga que o contrôle do nascimento é uma coisa boa. Isto o faria pensar diferentemente?3 1 As empresas estudadas foram: Fiel Móveis de Aço; General Electric; Volkswagen; Sears Roebuck; Cassio Muniz; Vemag; Celusa; Vidrobrás; Prefeitura Municipal; Banco Tozan; Banco do Estado; Banco Novo Mundo; TV Canal 9; Santapaula Melhoramentos; Departamento de Estatística. 2 Essa pergunta, em particular, apresentou um outro problema: não há alternativa Sim e Não; há somente as alternativas: diminui o orçamento familiar, não faz diferença, segurança futura para a família (não sabemos aqui se se trata de afetar a segurança ou garantí-la), não sabe e não responde. Essas alternativas seriam respostas a um porque sim e porque não. 3 A alternativa filhos ou melhoria de vida e confôrto pode não se colocar para o indivíduo, que diante de perguntas assim formuladas, optam por uma ou outra, sem que realmente isso signifique uma conscientização da possibilidade de opção fornecida pela organização social.

A pesquisa apresenta duas hipóteses; a primeira, segundo a qual "... o estado conjugal, a idade e a atividade exercida constituem fatôres relevantes que influenciam as atitudes do homem com respeito à concepção". Cumpre ressaltar, contudo, que se trata apenas da comparação entre dois estratos separados em dois grupos etários. A segunda hipótese nos diz que "... a pesquisa visou o conhecimento das atitudes que o homem operário, em fase de semi-qualificação, tem do tema central da concepção e das opiniões sôbre assuntos relacionados" (pág. 11). Como se pode observar, nesta hipótese ignorou-se simplesmente o outro grupo, ou seja, os empregados de escritório.

Várias vêzes, no decorrer do trabalho, encontramos a explicação de que se trata da apresentação de dados preliminares que será seguida de outras análises; todavia, é apresentado como uma unidade em si, e como tal foi por nós analisado. Assim sendo, quanto ao conteúdo, muito nos surpreendeu encontrar, ao longo das 93 páginas, quase que pura descrição de tabelas, com reduzidas interpretações, muitas vêzes não ligadas aos próprios dados encontrados. A guisa de exemplo podemos citar a conclusão tirada do fato de que 60% dos investigados informaram considerar aceitável a limitação de filhos. Êsse fato é explicado como decorrência da evolução dos conceitos existentes na nossa sociedade (pág. 24). Ora, não sabemos a que tipo de evolução de conceitos os autôres (pág. 24) estão se referindo. Consultando o questionário não encontramos elementos que permitissem essa conclusão, uma vez que não foi feita uma análise completa da formação axiológica dos indivíduos.

Essas análises precipitadas conduzem às vêzes à afirmações contraditórias, como por exemplo, dizer que a procura de anticoncepcionais é "... um movimento espontâneo" (pág. 12) para depois admitir que o aumento de conhecimento de anticoncepcionais talvez seja conseqüência da publicidade que se tem feito ùltimamente em jornais e revistas (pág. 20).

A pesquisa aparece permeada de um conteúdo valorativo acentuado por parte dos investigadores, que não apresentam o necessário desligamento e isenção com relação a padrões de comportamento. À pág. 31, por exemplo, afirma-se que diante da parcial aceitação de mulheres não virgens para o casamento, abre-se uma grande perspectiva para as mães solteiras, em número elevado nas famílias mais humildes.

No capítulo II – conhecimento de anticoncepcionais – estão misturados dois níveis do problema: o individual e o nacional. Parte-se de uma afirmação de que existe uma procura efetiva de anticoncepcionais, procura essa "espontânea e socialmente inconsciente", para já no parágrafo seguinte pregar-se a necessidade de que os governos verifiquem "onde lhe aperta o sapato" e que atuem no sentido de atender as necessidades da população.

No capítulo III encontramos um bom levantamento de dados sôbre situação sócio-econômica dos investigados, o qual, contudo, não foi analisado em relação à influência na taxa de fertilidade, que, a nosso ver, seria fundamental numa pesquisa dêsse tipo.

Nas conclusões, além de repetições de algumas descrições aparece uma que nos pareceu importante: que a tendência à limitação dos filhos se deve mais a questões econômicas do que à herança cultural (pág. 92). Êste elemento associado ao fato constatado, de que há um desvinculamento entre o conhecimento e a opinião dos entrevistados a respeito da população e crescimento da população em São Paulo e no Brasil, e a atitude individual de expectativa e conduta no sentido de uma limitação do tamanho da família (pág. 90) sugere mesmo que o problema deve ser considerado de maneira distinta no nível individual e no nível nacional.

Finalmente, resta-nos considerar se essas pessoas não estariam sofrendo o impacto de uma cidade superpovoada, onde o próprio tamanho da família tende a se ajustar ao nôvo modus-vivendi, constituíndo um problema típico das grandes metrópoles, independentemente do problema da explosão demográfica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. FRIEDMAN, G. & NAVILLE, P. – Tratado de Sociologia del trabajo. México, Fondo de Cultura Economica, 1963. 2 v.

2. WEBER, M. – Economia y Sociedad. México, Fondo de Cultura, 1964. vol. 2, p. 706, 715.

3. GOODE, W. J. & HATT, P. K. – Métodos em pesquisa social; tradução de Carolina Martuscelli Bori. São Paulo, Ed. Nacional [1960]. 494 p.

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    As empresas estudadas foram: Fiel Móveis de Aço; General Electric; Volkswagen; Sears Roebuck; Cassio Muniz; Vemag; Celusa; Vidrobrás; Prefeitura Municipal; Banco Tozan; Banco do Estado; Banco Novo Mundo; TV Canal 9; Santapaula Melhoramentos; Departamento de Estatística.
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    Essa pergunta, em particular, apresentou um outro problema: não há alternativa
    Sim e
    Não; há somente as alternativas: diminui o orçamento familiar, não faz diferença, segurança futura para a família (não sabemos aqui se se trata de
    afetar a segurança ou
    garantí-la), não sabe e não responde. Essas alternativas seriam respostas a um porque sim e porque não.
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    A alternativa filhos ou melhoria de vida e confôrto pode não se colocar para o indivíduo, que diante de perguntas assim formuladas, optam por uma ou outra, sem que realmente isso signifique uma conscientização da possibilidade de opção fornecida pela organização social.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Set 2006
    • Data do Fascículo
      Jun 1967
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