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Redes de interesses organizados no sistema comissional da Câmara dos Deputados

Networks of organized interests in the committees system of House of Representatives

RESUMEN

Introdução:

No Brasil, as audiências públicas das Comissões Permanentes da Câmara dos Deputados são arenas relevantes para a defesa de demandas de grupos de pressão. Ali ocorrem interações entre um conjunto variado de atores, formando-se uma ampla rede. O artigo identifica os atores que ocuparam posições centrais nas redes de interesses organizados nas Comissões Permanentes nas 53ª e 54ª legislaturas.

Materiais e Métodos:

O estudo inclui 20 das 25 Comissões Permanentes em funcionamento atualmente. Foram utilizados dados de todas as audiências públicas realizadas pelas Comissões Permanentes entre fevereiro de 2007 e janeiro de 2015, com destaque para os nomes dos participantes e das organizações/instituições que eles representavam. Empregou-se análise de redes sociais, mobilizando-se medidas de centralidade dos atores (degree, closeness e betweeness).

Resultados:

Apenas o Ministério Público Federal, o Ministério da Saúde, o Ministério do Trabalho e Emprego e o Ministério da Educação figuraram nas três medidas de centralidade dentre os dez atores mais importantes. Outro achado refere-se à observação de policy networks que se formam em torno de determinadas políticas, objetos da atividade das Comissões Permanentes. A apresentação das organizações e das instituições mais centrais em cada arena do sistema de comissões revela uma convergência muito clara entre os atores e o escopo temático das arenas nas quais atuam preponderantemente.

Discussão:

Esses achados têm impacto nas pesquisas sobre lobbying, uma vez que lançam luz sobre quais grupos atuam e como se dá essa participação nesse tipo de arena decisória.

Palavras-chave
audiências públicas; Comissões Legislativas; Câmara dos Deputados; interesses organizados; redes de políticas

ABSTRACT

Introduction:

In Brazil, the public hearings of the Permanent Commissions of the Chamber of Deputies are relevant arenas to the defense of the demands of pressure groups. There they occur among a varied set of producers, forming a wide network. The article identifies the actors who occupied the centrals in the networks of organized interests Permanent Commissions in the 53rd and 54th legislatures.

Materials and Methods:

The study includes 20 out of 25 Permanent Commissions currently operating. Data from all hearings published by the Permanent Commissions between February 2007 and January 2015 were used, highlighting the names of the participants and the organizations/institutions they represented. Social network analysis was used, with emphasis on actions of centrality of the actors (degree, closeness e betweenness).

Results:

Only the Federal Public Ministry, the Ministry of Health, the Ministry of Labor and Employment and the Ministry of Education were included in the three measures of centrality among the ten most important actors. Another finding refers to the observation of policy networks that are formed around certain policies that are the object of the Permanent Commissions’ activity. The presentation of the most central organizations and institutions in each arena of the commission system reveals a very clear convergence between the actors and the thematic scope of the arenas in which they predominantly operate.

Discussion:

These findings impact research on lobbying, as they shed light on the participating groups and how this participation takes place in this type of decision-making arena.

Keywords
public hearings; Legislative Commissions; Chamber of Deputies; organized interests; policy networks

I. Introducción1 1 Agradeço aos comentários e sugestões dos pareceristas anônimos da Revista de Sociologia e Política. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

As decisões políticas em regimes democráticos resultam de complexos processos nos quais muitos atores interagem. Entre esses atores, os grupos que representam interesses organizados (sejam ou não econômicos) não devem ser desconsiderados, dada sua capacidade de influência no processo decisório (Santos, 2014Santos, M. (2014) Representação de interesses na arena legislativa: os grupos de pressão na Câmara dos Deputados (1983-2012). Texto para Discussão n. 1975. [online] Brasília: Ipea. Disponível em: <http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/3140/1/TD_1975.pdf>. Acesso em: 02 de mai. 2022.
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). Todavia, tanto do ponto de vista teórico quanto empírico, houve uma desatenção no que concerne à influência dos grupos de interesse na construção de políticas públicas (Baird, 2016Baird, M. (2016) O lobby na regulação da publicidade de alimentos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Revista de Sociologia e Política, 24(57), pp. 67-91. doi
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), uma vez que, no caso brasileiro, o debate sobre este assunto pode ser caracterizado como incipiente, apesar de ter apresentado um desenvolvimento nos últimos anos. O enfoque do presente trabalho recai sobre o estudo do acesso de representantes de interesses organizados na Câmara dos Deputados, mais especificamente sobre seu acesso e participação em audiências públicas do sistema de comissões permanentes. Segundo a literatura brasileira mais recente (Mancuso, 2007Mancuso, W. (2007) O lobby da indústria no Congresso Nacional: empresariado e política no Brasil contemporâneo. São Paulo: Humanitas.; Santos, 2011Santos, M. (2011) O parlamento sob influência: o lobby da indústria na Câmara dos Deputados. Tese de Doutorado. Recife: Universidade Federal de Pernambuco.; Cesário, 2016Cesário, P. (2016) Redes de influência no Congresso Nacional: como se articulam os principais grupos de interesse. Revista de Sociologia e Política, 24(59), pp. 109-127. doi
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), os eventos do sistema de comissões são importantes espaços para as atividades de pressão.

Na Câmara dos Deputados, especialmente nas audiências públicas realizadas pelas comissões permanentes, há um conjunto de atores presentes e atuantes que estabelecem interações entre si. Dessa forma, “como parte do mesmo ambiente político, grupos de interesse possuem relações de cooperação ou competição” (Cesário, 2016Cesário, P. (2016) Redes de influência no Congresso Nacional: como se articulam os principais grupos de interesse. Revista de Sociologia e Política, 24(59), pp. 109-127. doi
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, p. 109), formando uma grande rede que envolve o sistema comissional como um todo. Há também um conjunto de redes de interesses organizados que podem ser tomadas a partir de políticas públicas ou de arenas específicas, como as comissões. Neste artigo, a atenção se dirige tanto para a estrutura relacional mais ampla quanto para as policy networks constituídas em cada jurisdição comissional.

Assume-se que o acesso a essas redes está associado a oportunidades de participação no processo decisório e que a informação é um dos principais elementos relacionais dessas estruturas, uma vez que é, na perspectiva aqui desenvolvida, o insumo utilizado pelos grupos em sua busca por influenciar o processo decisório. Nesse sentido, as audiências públicas promovidas pelas comissões constituem-se em um instrumento capaz de levar aos agentes políticos novas informações, o que pode, por conseguinte, alterar o curso de decisões. Dada a possibilidade de presença e atuação nessas arenas, a expectativa é que atores mais inseridos nas redes de interesses organizados tenham maiores oportunidades de contar com recursos e informações, diferentemente daqueles atores que possuem restrições de acesso.

Assim, a indagação que permeia o presente estudo é: quais atores ocuparam posições centrais nas redes de interesses organizados das comissões permanentes da Câmara dos Deputados nas 53ª e 54ª legislaturas? As legislaturas selecionadas correspondem ao período de fevereiro de 2007 a janeiro de 2015 e estão incluídas na análise 20 das 25 comissões permanentes que existem atualmente. Os dados mobilizados foram recebidos da Câmara dos Deputados por meio de um pedido realizado via Lei de Acesso à Informação. Ao corpo técnico da Casa foi solicitado o envio de informações de todas as audiências públicas realizadas no escopo das comissões permanentes, com destaque para os nomes dos participantes e das organizações/instituições que eles representavam. Também foram utilizados os relatórios anuais de atividades das comissões permanentes, os quais são publicados ao fim de cada sessão legislativa.

A estratégia metodológica consiste no emprego de análise de rede, com destaque para medidas de centralidade dos atores. Essa abordagem tem sido mobilizada em outros trabalhos que se debruçam sobre o lobbying, partindo do pressuposto de que “a abordagem de redes facilita a compreensão do fenômeno complexo de participação de interesses organizados nas instituições democráticas que se convencionou denominar ‘lobby’” (Vieira, 2008Vieira, R. (2008) O estudo do lobby no Legislativo pela abordagem de redes. Monografia de Especialização. Brasília: Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento da Câmara dos Deputados., p. 14).

O artigo está dividido em cinco seções, além desta Introdução. Nas seções II e III, apresenta-se, respectivamente, o quadro teórico da discussão proposta e a metodologia empregada. Na seção IV, a análise se dirige à rede de interesses organizados que inclui todas as participações ocorridas em audiências públicas das comissões permanentes da Câmara dos Deputados, nas 53ª e 54ª legislaturas. A discussão empreendida aponta a necessidade de se ater mais detidamente às policy networks constituídas em cada uma das comissões permanentes, o que é feito, na seção V, a partir da apresentação dessas estruturas e de seus atores centrais. Por fim, na seção VI, sumariza-se os resultados encontrados, conectando-os a partir do problema em torno do qual se desenvolveu a presente pesquisa.

II. Comissões, informação e redes de interesses organizados

Santos & Canello (2016)Santos, F. & Canello, J. (2016) Comissões permanentes, estrutura de assessoramento e o problema informacional na Câmara dos Deputados do Brasil. Dados, 59(4), pp. 1127-1168. doi
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apontam que o diferencial da abordagem informacional aplicada ao Legislativo é a possibilidade desse Poder adquirir informação e reduzir a incerteza, valendo-se, para tal, da consulta a atores dotados de elementos concernentes aos efeitos de determinada política. Segundo os autores, dois são os atores fundamentais: o Executivo e o sistema de comissões técnicas do próprio Legislativo. O foco de Santos & Canello (2016)Santos, F. & Canello, J. (2016) Comissões permanentes, estrutura de assessoramento e o problema informacional na Câmara dos Deputados do Brasil. Dados, 59(4), pp. 1127-1168. doi
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é o ferramental que têm as comissões para coletar informação relevante, atendo-se à estrutura de assessoria da Câmara dos Deputados. Outra forma, não abordada pelos autores, por meio da qual as comissões podem adquirir informação refere-se aos grupos de interesse, que possuem expertise em suas áreas de atuação.

Por sua centralidade no processo decisório, as comissões são arenas de atuação altamente relevantes para atores que procuram exercer influência. As percepções de grupos de interesse corroboram a importância do sistema comissional (Santos et al., 2017Santos, M., Mancuso, W., Baird, M. & Resende, C. (2017) Lobbying no Brasil: profissionalização, estratégias e influência. Texto para Discussão n. 2334. [online] Brasília: Ipea. Disponível em: <https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=31110>. Acesso em: 2 de mai. 2022.
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), sinalizando que, no Legislativo, as comissões são uma importante porta de entrada para os interesses. A atuação de grupos de pressão é, entretanto, uma variável ausente ou pouco enfatizada em muitos modelos teóricos que abordam os committes. Epstein & O’Halloran (1997)Epstein, D. & O’Halloran, S. (1997) Delegating powers: a transaction-cost approach to policymaking under separate powers. Cambridge: Cambridge University Press., por exemplo, tomando como problema o desenho da delegação, afirmam que as comissões, dadas sua aversão ao risco e seus objetivos informacionais, podem emitir sinais fracos acerca do conhecimento relativo ao processo em tela e, por conseguinte, incentivar o plenário a delegar autoridade para uma agência externa ou a dotá-la de mais discricionariedade do que ele aprovaria caso estivesse bem-informado. No entanto, nesses jogos de sinalização e na definição da policy position das agências, os autores não focam no papel desempenhado por grupos de interesse.

A abordagem analítica aqui proposta traz esses atores para o centro do debate e assume que a atuação de representantes de interesses organizados se dá por meio de jogos de sinalização desenvolvidos, em grande monta, no âmbito das comissões legislativas. A informação é um importante mecanismo utilizado pelos grupos em sua busca por influenciar o processo decisório2 2 É preciso reconhecer a existência de conexões entre influência política e práticas ilícitas. Há na literatura argumentos que advogam que o poder econômico captura as instituições de Estado e domina a política, entretanto, a relação entre público e privado, em sua faceta legal, oferece espaço para a investigação acadêmica, o qual é ainda pouco explorado (Mancuso, 2007). . Dessa forma, em uma linha próxima à teoria informacional do funcionamento das comissões (Groseclose & King, 2001Groseclose, T. & King, D. (2001) Committee theories reconsidered. In: L. Dodd & B. Oppeinheimer (eds) Congress reconsidered. Washington DC: CQ Press, pp. 191-216.), entende-se que informação é relevante e que a atuação estratégica de grupos de pressão se direciona, em grande parte, às comissões. Nessas arenas, a defesa de interesses se dá em eventos, como audiências públicas e reuniões de trabalho, quando representantes de grupos de pressão ficam face a face com os tomadores de decisão e manifestam suas demandas (Mancuso, 2007Mancuso, W. (2007) O lobby da indústria no Congresso Nacional: empresariado e política no Brasil contemporâneo. São Paulo: Humanitas.).

Deve-se registrar que, considerando o objeto de análise deste trabalho, qual seja, as audiências públicas promovidas pelas comissões permanentes da Câmara dos Deputados, opta-se pelo uso da expressão interesses organizados. Com ela é possível abarcar as participações registradas nos eventos em estudo, adotando-se, assim, uma estratégia semelhante àquela que se encontra em Schlozman & Tierney (1986)Schlozman, K. & Tierney, J. (1986) Organized interests in American democracy. New York: Harper and Row.. Os autores, como afirmam Baumgartner e Leech (1998Baumgartner, F. & Leech, B. (1998) Basic interests: the importance of groups in politics and in political science. New Jersey: Princeton University Press., p. 28), “são cuidadosos em usar o termo ‘interesses organizados’ porque querem incluir organizações como corporações, hospitais e outras que não têm membros, bem como organizações com associados”3 3 Tradução livre de “are careful to use the term ‘organized interests’ because they want to include organizations such as corporations, hospitals, and others that do not have members, as well as membership organizations”. .

Tomando, portanto, a relevância das comissões no processo legislativo e lançando luz sobre seu papel informacional, as audiências públicas promovidas por essas comissões, eventos nos quais ocorre o registro de presença dos participantes e das organizações/instituições por eles representadas, passam a se configurar como um importante objeto para o estudo do lobbying. Essas constituem-se em um instrumento capaz de levar aos agentes políticos novas informações, o que pode alterar o curso de decisões, configurando-se, conforme Silva (2012)Silva, M. (2012) Mecanismos de participação e atuação de grupos de interesse no processo regulatório brasileiro: o caso da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Revista de Administração Pública, 46(4), pp. 969-992. doi
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, em arenas relevantes nas quais interagem e se articulam os mais variados interesses da sociedade e do governo. Deve-se ressaltar que a participação em audiências públicas está condicionada a um convite por parte da comissão, o que a diferencia de outras atividades, as quais dependem da iniciativa dos grupos de interesse.

O debate acerca do acesso de interesses organizados às arenas decisórias perpassa o problema que motiva o presente trabalho. Segundo Przeworski (2011)Przeworski, A. (2011) Money, politics, and democracy. New York: New York University., é da essência da democracia que cidadãos exerçam livremente seu direito de influenciar o governo, entretanto, em qualquer sociedade de mercado, os recursos que os participantes contam para influenciar as políticas são desiguais. Sendo assim, o resultado esperado é que, mesmo em condições mais próximas de ampla liberdade de participação política, a influência de grupos mais fortes, organizados e com mais recursos seja maior. Nessa direção, alguns trabalhos colocam o acesso ao sistema político no centro do debate. Binderkrantz (2008)Binderkrantz, A. (2008) Different groups, different strategies: how interest groups pursue their political ambitions. Scandinavian Political Studies, 31(2), pp. 173-200. doi
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, por exemplo, analisando grupos de interesse na Dinamarca, afirma que grupos mais poderosos possuem maior acesso ao sistema decisório. Chalmers (2011)Chalmers, A. (2011) Informational lobbying strategies and interest group access in the European Union. In: ECPR General Conference. Reykjavik., por sua vez, focalizando o lobbying na União Europeia, afirma que o acesso está fortemente relacionado à capacidade do grupo de atender às necessidades informacionais dos tomadores de decisão.

Ressaltado o debate concernente ao acesso, deve-se chamar atenção que, na Câmara dos Deputados, mais especificamente nas audiências públicas realizadas pelas comissões permanentes, há um conjunto de atores presentes e atuantes. Por meio desse espaço, torna-se possível estabelecer interações com outros atores, a citar deputados e representantes de outros interesses organizados. Dessa forma, “como parte do mesmo ambiente político, grupos de interesse possuem relações de cooperação ou competição entre si. Formam, assim, uma ampla rede” (Cesário, 2016Cesário, P. (2016) Redes de influência no Congresso Nacional: como se articulam os principais grupos de interesse. Revista de Sociologia e Política, 24(59), pp. 109-127. doi
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, p. 109). A abordagem analítica proposta direciona sua atenção para o que denomina redes de interesses organizados, as quais são estruturas que se formam entre grupos de interesse por meio da atuação em audiências públicas das comissões permanentes da Câmara dos Deputados.

O conceito de redes de interesses organizados aqui apresentado assume que o acesso a essas redes está associado a oportunidades de participação no processo decisório e, por conseguinte, a oportunidades de trocar recursos e informações, e de constituir acordos coletivos e coalizões. A informação, portanto, além de ser o principal mecanismo de sinalização utilizado pelos grupos de interesse no espaço das comissões, é um elemento relacional das redes de interesses organizados. Dessa forma, a expectativa é que, dada a possibilidade de presença e atuação nessas arenas, atores mais inseridos nas referidas redes tenham maiores oportunidades de contar com recursos e informações, diferentemente daqueles atores que possuem restrições de acesso.

Cesário (2016, p. 109), ao analisar a participação de grupos de interesse em audiências públicas e seminários do Congresso Nacional, afirma que “existe um subconjunto de grupos de interesses que possui relações mais intensas entre si e com os demais que pode ser chamado de núcleo e pode, portanto, ser identificado como aqueles de maior influência” . A partir de uma sutil diferença frente a essa perspectiva, acredita-se que o acesso às redes de interesses organizados e a ocupação de posições centrais nessas estruturas estão relacionados à ampliação da oportunidade de participar do processo decisório, o que pode, por conseguinte, ampliar também a capacidade do grupo de influenciar a tomada de decisão. Em outras palavras, o conjunto de atores mais centrais não é identificado como aquele de maior influência, mas sim como aquele que conta com um melhor acesso aos decisores, junto aos quais são defendidos os interesses representados. Dessa forma, o acesso é essencial para se alcançar as demandas defendidas, entretanto, isso não implica que as preferências apresentadas sejam traduzidas em resultados políticos (Chalmers, 2011). Certamente, a posição de um grupo de interesse na rede que emerge das participações na arena legislativa é uma variável importante para se pensar a influência, entretanto, existem outras.

A análise de Cesário (2016) não se limita a uma arena específica do Legislativo, retratando as participações ocorridas em audiências públicas e seminários realizados por todas as comissões do Congresso Nacional nos anos de 2011 e 2012. Além disso, o autor opta pela retirada de grupos de interesse estatais e de especialistas. A abordagem aqui proposta se difere em alguns aspectos, considerando ser essencial: 1) incluir todos os atores que tiveram presenças registradas nas audiências públicas e 2) tomar também como objeto as redes de diferentes comissões permanentes da Câmara dos Deputados. Sobre o primeiro ponto, deve-se assinalar que é difícil “desconsiderar os impactos da presença da burocracia estatal na competição por influência entre interesses, assim como nos resultados políticos que emergem do Legislativo” (Santos, 2014Santos, M. (2014) Representação de interesses na arena legislativa: os grupos de pressão na Câmara dos Deputados (1983-2012). Texto para Discussão n. 1975. [online] Brasília: Ipea. Disponível em: <http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/3140/1/TD_1975.pdf>. Acesso em: 02 de mai. 2022.
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, p. 27). Mancuso e Gozetto (2012)Mancuso, W. & Gozetto, A. (2012) Lobby e políticas públicas no Brasil. Colóquio Internacional Analyser les Politiques Publiques Brésiliennes. Paris: Editora FGV. destacam, ainda, que há, na esfera estatal, atores e organizações que empreendem ações de lobbying ao longo do processo de produção de políticas públicas.

Acerca do segundo aspecto anteriormente referido, alguns achados corroboram a escolha de direcionar o olhar para as policy arenas ou policy networks que se formam em torno de determinadas políticas, que são objetos da atividade das comissões permanentes. Nessa direção, estudos de caso têm apontado para a existência de dinâmicas de funcionamento distintas entre comissões (Vieira, 2009Vieira, R. (2009) O estudo do lobby no Legislativo: o caso de sucesso da CDU-CD. E-Legis, 2(2), pp. 45-59. doi
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). Além disso, Cesário (2016, p. 123) observa “a formação de clusters muito bem definidos ao redor de políticas públicas específicas, com muitas organizações especializadas em poucas políticas públicas”. Trata-se, segundo o autor, de uma rede altamente especializada. É importante também salientar que existem na literatura distintos conceitos de policy networks, optando-se, aqui, por empregar a conceituação mais geral proposta por Rhodes (2008). Segundo o autor, “[r]edes de políticas públicas são conjuntos de laços institucionais formais e informais entre atores governamentais e outros atores estruturados em torno do compartilhamento de crenças e interesses na formulação e implementação de políticas públicas” (Rhodes, 2008Rhodes, R. (2008) Policy network analysis. In: M. Moran; M. Rein & R. Goodin (eds) The Oxford handbook of public policy. New York: Oxford University Press, pp. 423-445., p. 426)4 4 Tradução livre de “Policy networks are sets of formal institutional and informal linkages between governmental and other actors structured around shared [...] beliefs and interests in public policy making and implementation”. .

Acerca da utilização da abordagem de análise de redes, é importante registrar outras aplicações. Realizando um amplo levantamento concernente aos avanços na literatura sobre lobbying, Figueiredo & Richter (2014)Figueiredo, J. & Richter, B. (2014) Advancing the empirical research on lobbying. Annual Review of Political Science, 17, pp. 163-185. doi
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ressaltam o uso de registros de lobistas em diversas pesquisas, destacando a construção de mapas que permitem identificar redes de lobbying, com ênfase em medidas de conectividade, proximidade e centralidade de lobistas e grupos de interesse. Um dos trabalhos citados pelos autores é de LaPira, Thomas III e Baumgartner (2014)LaPira, T., Thomas III, H. & Baumgartner, F. (2014) The two worlds of lobbying: Washington lobbyists in the core and on the periphery. Interest Groups & Advocacy, 3, pp. 219-245. doi
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, no qual, diante de um amplo conjunto de dados gerados a partir de relatórios do Lobbying Disclosure Act (LDA), o sistema de grupos de interesse atuando em Washington é concebido como uma complexa rede de lobistas. Ademais, uma literatura crescente tem associado padrões de inserção na rede de relacionamentos à influência de agentes sociais (Pappi & Henning, 1998Pappi, F. & Henning, C. (1998) Policy networks: more than a metaphor? Journal of Theoretical Politics, 10(4), pp. 196-207. doi
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). Há, ainda, trabalhos que utilizam a estrutura e a posição dos nós de uma rede como sinalizadores de desempenho (Borgatti et al., 2009Borgatti, S., Mehra, A., Brass, D. & Labianca, G. (2009) Network analysis in the social sciences. Science, 323(5916), pp. 892-895. doi
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) e que ressaltam a relação entre a reputação de influência do grupo e sua posição estrutural na rede de interesses organizados (Heaney, 2014Heaney, M. (2014) Multiplex networks and interest group influence reputation: an exponential random graph model. Social Networks, 36, pp. 66-81. doi
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).

Considerando a discussão até agora empreendida, ao se tomar o aspecto informacional da atuação dos interesses organizados, a participação e a não participação de determinados atores no debate certamente pode influenciar os rumos do processo decisório. Grupos cujos interesses estão presentes na agenda de uma comissão e que não conseguem a oportunidade de acessar essa arena decisória - por exemplo, pela via das audiências públicas - veem-se prejudicados acerca da capacidade de defender seus interesses e procurar influenciar as decisões. Não há, portanto, oportunidade para todos os grupos interessados participarem politicamente do processo decisório.

III. Materiais e métodos

Na análise da rede de interesses organizados presentes nas audiências públicas da Câmara dos Deputados, foram desconsideradas cinco das 25 comissões permanentes por terem sido criadas no transcorrer ou após o período analisado, ou foram desmembradas durante o referido período alterando o escopo de suas jurisdições. São elas: Comissões de Defesa dos Direitos da Mulher; de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa; de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência; de Cultura; e de Esporte.

O processo percorrido até a análise dos dados empregados incluiu, dentre outras tarefas: desagregar as informações relativas às audiências públicas constantes em única célula do banco de dados recebido via Lei de Acesso à Informação, o que se deu de maneira automatizada por meio do software R; conferir os dados, em um primeiro momento, comparando o banco original enviado pelo corpo técnico da Câmara dos Deputados e o banco organizado para atender os fins da presente pesquisa, e, em um segundo momento, diante da ausência de padrão na apresentação das informações, utilizando os relatórios anuais de atividades das comissões permanentes; padronizar os nomes das organizações/instituições, uma vez que distintas eram as grafias constantes para uma mesma organização.

A partir disso, construiu-se, a princípio, uma rede com configuração two-mode, sendo formada por dois tipos de entidades: atores5 5 Para a elaboração das redes constantes neste trabalho não foram incluídas as participações para as quais não há o registro da organização/instituição representada. Isso representa 491 observações em um total de 13.725 participações registradas. e eventos (audiências públicas). Adiante, essa rede foi transformada em uma rede one-mode, constituída por um único conjunto de entidades: organizações/instituições, ou seja, atores representantes de interesses organizados. Para essa conversão, parte-se do pressuposto de que a presença em uma mesma audiência pública é a ocasião para a formação de laços entre os atores, significando, para os representantes de interesses organizados, uma oportunidade de trocar recursos e informações e de constituir acordos coletivos e coalizões. Em outras palavras, na rede em questão, atores e audiências são os nós/vértices e a presença desses atores nestas são as arestas/laços. A conversão implica a supressão dos nós do segundo tipo, conectando diretamente os nós remanescentes, do primeiro tipo6 6 Essa conversão foi realizada por meio do software R. .

Com essa configuração, a rede realça as relações existentes entre todos os atores atuantes nas audiências públicas das comissões permanentes. Assim, seguindo uma estratégia semelhante à empregada por Cesário (2016), que trabalha com dados de audiências públicas e seminários realizados por todas as comissões do Congresso Nacional nos anos de 2011 e 2012, torna-se possível analisar a importância de cada um dos nós. É preciso pontuar, entretanto, a existência de algumas distinções entre o desenho de pesquisa proposto pelo referido autor e o que é aqui desenvolvido. No primeiro,

[a] rede foi desenhada de forma que cada grupo de interesse seja um nó e as ligações entre eles foi estabelecida pela ação em uma mesma política pública. Para isso, de cada audiência pública e evento foi registrado seus participantes e a política pública em discussão. Todos os grupos de interesse que buscaram influência na mesma política pública foram ligados entre si (Cesário, 2016Cesário, P. (2016) Redes de influência no Congresso Nacional: como se articulam os principais grupos de interesse. Revista de Sociologia e Política, 24(59), pp. 109-127. doi
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, p. 112).

Já neste trabalho, cada organização/instituição representante de interesses organizados é um nó da rede. No entanto, a relação estabelecida se dá por meio da participação em uma mesma audiência pública. Isso significa que as audiências públicas não foram classificadas em um conjunto de políticas públicas, como faz Cesário (2016), para, então, construir-se a rede one-mode. De toda forma, é fundamental destacar os principais resultados encontrados pelo autor, especialmente no que se refere às propriedades da rede:

[...] de uma forma geral, a rede de grupos de interesse pode ser caracterizada como robusta, de baixa densidade, marcada por uma alta especialização em torno de políticas públicas específicas. Mesmo assim, trata-se de um jogo entre conhecidos ou de conhecidos de conhecidos, já que a distância média entre grupos é de 2,5 e a distância máxima é 6 (Cesário, 2016Cesário, P. (2016) Redes de influência no Congresso Nacional: como se articulam os principais grupos de interesse. Revista de Sociologia e Política, 24(59), pp. 109-127. doi
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, p. 117).

Com relação à importância dos atores, ao elencar os dez primeiros grupos de interesse em cada uma das medidas de centralidade empregadas7 7 O autor trabalha com as centralidades de grau, de proximidade e de intermediação. Essas medidas são apresentadas adiante. , o autor aponta que

[o]s resultados indicam que apenas três organizações figuraram nas três medidas como importantes, por conta de seu prestígio e conexões, por exercerem um papel de referência e também por atuarem como intermediárias relevantes: NCST [Nova Central Sindical de Trabalhadores], CNA [Confederação Nacional da Agricultura] e CNI [Confederação Nacional da Indústria]. Nota-se, ademais, uma diversidade relevante que combina principalmente centrais sindicais de trabalhadores, organizações empresariais, sindicatos de funcionários públicos, órgãos de classe e organizações de defesa do consumidor (Cesário, 2016Cesário, P. (2016) Redes de influência no Congresso Nacional: como se articulam os principais grupos de interesse. Revista de Sociologia e Política, 24(59), pp. 109-127. doi
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, p. 122).

Para se discutir as propriedades relacionadas aos interesses organizados presentes nas redes é aplicada a noção de centralidade, segundo a qual “um ator é muito central quando se encontra engajado em muitas relações” (Lazega & Higgins, 2014Lazega, E. & Higgins, S. (2014) Redes sociais e estruturas relacionais. Belo Horizonte: Fino Traço., p. 43). São empregadas as seguintes medidas: 1) centralidade de grau (degree), calculada pelo número de laços, ou seja, pelo tamanho da rede de determinado ator; 2) centralidade de proximidade (closeness), que se refere ao número mínimo de passos necessários para um ator entrar em contato com os demais atores do sistema (Lazega & Higgins, 2014Lazega, E. & Higgins, S. (2014) Redes sociais e estruturas relacionais. Belo Horizonte: Fino Traço.); e 3) centralidade de intermediação (betweeness), “que é a quantidade de geodésias ou caminhos mais curtos entre vértices que passam por um determinado nó, representando a capacidade de um ator colocar-se nos caminhos mais curtos entre os demais” (Junckes et al., 2019Junckes, I., Horochovski, R., Camargo, N., Silva, E. & Chimin, A. (2019) Poder e democracia: uma análise da rede de financiamento eleitoral em 2014 no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 34(100), pp. 1-22. doi
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, p. 7).

IV. Rede de interesses organizados e seus atores centrais

Destacados os aspectos metodológicos, vale observar a Figura 1, que caracteriza a rede dos representantes de interesses organizados presentes nas audiências públicas das comissões permanentes da Câmara dos Deputados nas 53ª e 54ª legislaturas. É possível perceber, inicialmente, a existência de relações mais intensas no centro da rede e de um conjunto de atores isolados nas extremidades. Há um componente de maior tamanho (com 3.564 nós) e outros 57 componentes menores (com a presença de 6 atores a 1 ator).

Figura 1
Representação de rede dos interesses organizados participantes das audiências públicas das comissões permanentes

Trata-se de uma rede com densidade extremamente baixa: 0,003, em um índice que varia de 0, situação na qual inexistem ligações, a 1, quando todos os atores da rede estabelecem ligações com todos os demais atores. Essa medida oferece uma noção de completude, sendo calculada como a proporção dos laços existentes em relação a todos os laços possíveis na rede, ou seja, é uma proporção entre o que existe e o que é potencial, indicando um valor relacional médio de todas as díades que compõem a rede. Pode-se dizer, portanto, que são poucas as ligações existentes entre as organizações e as instituições da rede comparando-se a um cenário potencial8 8 Deve-se ressaltar que a ocorrência de baixa densidade é típica de redes complexas, sendo isso uma característica estrutural. Densidades altas, por outro lado, são observadas em redes/comunidades muito fechadas, o que não é caso das audiências públicas da Câmara dos Deputados. . Esse número tão reduzido se deve à existência de uma grande quantidade de potenciais ligações, considerando-se que a rede é constituída por 3.675 nós, e ao fato de que uma ligação só ocorre diante da presença simultânea em uma mesma audiência pública. Aqui, vale registrar que 2.331 organizações/instituições participaram de um único evento.

O Quadro 1 destaca as 10 organizações/instituições com os maiores escores de centralidade, considerando as três medidas apresentadas. A centralidade na rede é assumida como um indicador de acesso, de modo que grupos em posições mais centrais contam com maiores oportunidades para tentar influenciar o processo decisório, sobretudo pela via informacional. Os resultados indicam que apenas o Ministério Público Federal (MPF), o Ministério da Saúde, o Ministério do Trabalho e Emprego e o Ministério da Educação figuram nas três medidas de centralidade como um dos 10 atores mais importantes. O MPF, inclusive, apresenta os maiores escores de centralidades de grau, de proximidade e de intermediação. Essa instituição é a sétima em número de participações nas audiências públicas, as quais somaram 174 no período de 2007 a 2015. Esse achado corrobora as afirmações de um protagonismo cada vez mais intenso dos órgãos de controle no processo político (Santos, 2014Santos, M. (2014) Representação de interesses na arena legislativa: os grupos de pressão na Câmara dos Deputados (1983-2012). Texto para Discussão n. 1975. [online] Brasília: Ipea. Disponível em: <http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/3140/1/TD_1975.pdf>. Acesso em: 02 de mai. 2022.
http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream...
), e o MPF possui interesses próprios de afirmação institucional (Arantes, 2015Arantes, R. (2015) Rendición de cuentas y pluralismo estatal en Brasil: Ministerio Público y Policía Federal. Desacatos, 49, pp. 28-47.) que não podem ser desconsiderados. É preciso também destacar a presença dos ministérios, os quais, assim como o MPF, fazem-se extremamente atuantes na arena legislativa, ocupando, por conseguinte, posições centrais no que se refere ao estabelecimento de um maior número de ligações com os demais atores da rede (degree), à capacidade de alcançar outros nós a partir de um número reduzido de intermediários (closeness) e à ocupação de uma posição que lhes permite intermediar relações entre outros interesses organizados (betweeness).

Quadro 1
Organizações/instituições mais centrais

Considerando cada uma das medidas separadamente, é possível observar que, no que se refere à centralidade de grau, além do MPF, sete ministérios ocupam as posições mais centrais: Ministério da Saúde, Ministério da Justiça, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério do Meio Ambiente, Ministério da Fazenda e Ministério da Educação. A Câmara dos Deputados e a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), única organização da sociedade constante no Quadro 1, também figuram entre os 10 atores com maiores escores de degree. A partir da abordagem relacional, é possível verificar a importância que instituições do portfólio ministerial possuem, apresentando também muitas relações com os demais interesses organizados presentes na rede. Portanto, o processo legislativo, especialmente em sua fase comissional, parece contar com um forte escrutínio de órgãos diretamente ligados ao Poder Executivo, os quais, com base na centralidade de grau, apresentam capacidade ampliada de arregimentar recursos da rede e reduzir os custos de transação (Cesário, 2016Cesário, P. (2016) Redes de influência no Congresso Nacional: como se articulam os principais grupos de interesse. Revista de Sociologia e Política, 24(59), pp. 109-127. doi
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).

Quando a atenção se dirige à centralidade de proximidade, além do MPF aparecem o Ministério da Educação, a Universidade de Brasília (UnB), a Universidade de São Paulo (USP), a Secretaria de Direitos Humanos, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o Ministério dos Transportes, o Ministério do Trabalho e Emprego, o Senado Federal e o Ministério da Saúde. Esses atores possuem uma capacidade para alcançar os demais interesses organizados presentes na rede, o que pode ocorrer sem se demandar muitos intermediários. Um dos aspectos característicos de atores nessas posições é a sua capacidade de ser ouvido. Destaca-se, nesse sentido, a atuação de duas instituições de ensino, presentes nas audiências públicas, em grande medida, por meio da participação de professores e pesquisadores especialistas em determinadas temáticas.

Por fim, acerca da centralidade de intermediação aparecem, em sequência ao MPF, vários ministérios (Ministério da Saúde, Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério da Educação, Ministério da Justiça, Ministério da Fazenda, Ministério do Meio Ambiente, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior) e a UnB. Essas instituições ocupam posições de intermediários na rede de interesses organizados, o que lhes assegura “a possibilidade [de] impor condições para que relações sejam feitas, que nós sejam isolados ou mesmo que certos contatos sejam evitados ou promovidos” (Cesário, 2016Cesário, P. (2016) Redes de influência no Congresso Nacional: como se articulam os principais grupos de interesse. Revista de Sociologia e Política, 24(59), pp. 109-127. doi
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, p. 122). Mais uma vez, aqui fica clara a importância dos órgãos de Estado, especialmente os do Poder Executivo. Além de atores com o maior número de participações, alcançando 49,2% do total, são elementos centrais na rede que emerge da atuação de interesses organizados nas audiências públicas das comissões permanentes da Câmara dos Deputados. Considerando que por essa rede circulam informações e outros recursos, não resta dúvida do escrutínio empreendido por esses órgãos, os quais são atores relevantes em um processo de disputa com vistas a influenciar as decisões legislativas.

Ademais, a análise do Quadro 1 indica que apenas uma organização da sociedade aparece entre os 10 atores mais centrais em cada uma das medidas de centralidade mobilizadas: a CNA (Confederação Nacional de Agricultura). Com esse cenário em vista, apresenta-se também uma rede apenas com os atores da sociedade participantes das audiências públicas das comissões permanentes da Câmara dos Deputados.

IV.I. Rede de interesses organizados da sociedade

O foco agora se direciona à rede de interesses organizados advindos da sociedade, em uma estratégia analítica que se aproxima daquela encontrada em Cesário (2016), que opta pela retirada de grupos de interesse estatais. Procura-se, assim, identificar quais são as organizações mais centrais da referida estrutura relacional. Para tanto, foram excluídas as observações de organizações/instituições classificadas como Estado e Outros9 9 A classificação aqui empregada é uma adaptação da utilizada por Santos (2014) para analisar as organizações do cadastro da Primeira-Secretaria da Câmara dos Deputados. Existem, na literatura, outras possibilidades de classificação que enfrentam essa difícil tarefa e são marcadas por limitações. Certamente, tais limitações também se encontram presentes na proposta desenvolvida neste trabalho. . Trata-se, então, de uma rede distinta daquela que foi anteriormente discutida, incluindo-se, aqui, apenas as observações classificadas como Sociedade. A Figura 2 destaca essa representação de rede, que conta com um componente de maior tamanho (com 1.565 nós) e outros 294 componentes menores (com a presença de 18 atores a 1 ator).

Figura 2
Representação de rede dos interesses organizados da sociedade participantes das audiências públicas das comissões permanentes

Observa-se, também aqui, uma rede com densidade extremamente baixa: 0,003. Pode-se dizer que são poucas as ligações existentes entre as organizações e as instituições da rede comparando-se a um cenário potencial. Esse número tão reduzido se deve à existência de uma grande quantidade de potenciais ligações, considerando-se que a rede é composta por 2.064 nós, ou seja, atores da sociedade representantes de interesses organizados. É possível observar um conjunto de nós não conectados ao centro da rede, indicando que essas organizações não estabeleceram relações com outros atores da sociedade, ou seja, participaram de eventos nos quais não se registrou a presença de outros atores sociais. O Quadro 2 apresenta as 10 organizações com os maiores escores de centralidade, considerando as centralidades de grau (degree), de proximidade (closeness) e de intermediação (betweenness).

Quadro 2
Organizações mais centrais na rede de interesses organizados da sociedade

Seis atores figuram nas três medidas, entre as 10 organizações mais centrais: a CNA, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a Confederação Nacional de Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Confederação Nacional de Trabalhadores na Agricultura (Contag). No que se refere à centralidade de grau, CNA, OAB, CNI, CNC, CUT, Contag, Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST), União Geral dos Trabalhadores (UGT), Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) e Conselho Federal de Medicina (CFM) são, nessa ordem, os atores mais centrais. Eles apresentam, portanto, um maior número de relações com os demais interesses organizados da sociedade presentes na rede. Com relação à centralidade de proximidade, os atores mais centrais são, nessa ordem: OAB, CNC, CUT, Contag, Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), CNA, CNI, Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Coletivo Brasil de Comunicação Social (Intervozes) e Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Na rede de interesses organizados da sociedade, são essas as organizações em melhores condições de alcançar outros atores da rede, requerendo, para tal, o menor número de intermediários. Por fim, sobre a centralidade de intermediação, as organizações mais centrais são a OAB, a CNA, a CNI, a Contag, a CNC, a CUT, o Conselho Federal de Psicologia (CFP), o CFM, a Febraban e a CNBB.

Considerando, então, a rede de interesses organizados advindos apenas da sociedade, verifica-se a presença, entre os atores mais centrais, de três organizações de representação profissional (OAB, CFM e CFP). Destacam-se, ainda, organizações de representação sindical, especialmente as organizações de representação empresarial (CNA, CNI, CNC e Febraban) e as centrais sindicais (CUT, NCST, UGT e CTB). Além disso, há uma confederação representante de trabalhadores (Contag), o Diap, o Intervozes e a CNBB. Esses resultados deixam claro a centralidade que possuem as organizações do sistema corporativo, o que deve ser considerado em quaisquer análises do sistema de representação de interesses brasileiro.

A observação das organizações encontradas por Cesário (2016) como as mais centrais da rede de participações em audiências públicas e seminários das comissões do Congresso Nacional em 2011 e 2012 mostra que, dos atores aqui elencados, a CNC, o CFP, a Febraban, o Diap, o Intervozes e a CNBB não aparecem na lista reportada pelo autor, na qual constam as 10 organizações mais centrais de acordo com cada uma das medidas de centralidade.

Outro aspecto fundamental a se observar refere-se às policy networks que se formam em torno de determinadas políticas, que são objetos da atividade das comissões permanentes da Câmara dos Deputados. Alguns achados corroboram a escolha de direcionar o olhar também para essas redes, o que é objeto da próxima seção.

V. Comissões permanentes e seus atores centrais

Estudos de caso têm apontado para a existência de dinâmicas de funcionamento distintas entre comissões (Vieira, 2009Vieira, R. (2009) O estudo do lobby no Legislativo: o caso de sucesso da CDU-CD. E-Legis, 2(2), pp. 45-59. doi
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). Além disso, Cesário (2016, p. 123) observou “a formação de clusters muito bem definidos ao redor de políticas públicas específicas, com muitas organizações especializadas em poucas políticas públicas”. Trata-se, segundo o autor, de uma rede altamente especializada. Nesse sentido, analisa-se também as redes de interesses organizados que se formam devido à participação de organizações e instituições em audiências públicas de cada comissão permanente10 10 Para a construção da rede de cada comissão permanente são consideradas as participações em audiências realizadas em seu âmbito e nos eventos conjuntos dos quais a referida comissão participou. , chamando a atenção para seus atores mais centrais.

Todas as redes reconstituídas possuem configuração one-mode, tendo sido transformadas a partir de redes com configuração two-mode (atores e eventos). O Quadro 3 elenca as 5 organizações/instituições mais centrais em cada comissão permanente, considerando-se as três principais medidas de centralidade.

Quadro 3
Organizações/instituições mais centrais na rede de cada comissão permanente

Para simplificar, opta-se por apresentar apenas a discussão concernente àquelas organizações/instituições que figuram nas relações das três medidas de centralidade11 11 O debate sobre especificidades de cada medida e como operam nas comissões é muito relevante, entretanto, não é tema desta seção, que apresenta uma visão ampliada dos interesses organizados em cada comissão permanente. , o que possibilita verificar quais atores ocupam posições privilegiadas nessas policy networks, ampliando, por conseguinte, suas oportunidades de influenciar o processo decisório. Esses atores são, portanto, extremamente relevantes em uma estrutura pela qual circulam importantes recursos, como informações.

Na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CAPADR), quatro organizações/instituições fizeram-se constantes dentre as cinco mais centrais e nas três medidas, sendo duas do âmbito estatal e duas da sociedade. As primeiras foram o ministério e a empresa pública mais diretamente relacionados às áreas de atividade e aos campos temáticos da comissão: o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), respectivamente. As segundas foram as confederações empresarial e de trabalhadores que têm como área de atuação a agricultura: CNA e Contag, respectivamente. Na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), comissão responsável por se posicionar acerca da constitucionalidade das matérias, as cinco organizações elencadas repetiram-se nas três medidas, alterando-se apenas a ordem em cada medida de centralidade. São elas: OAB, Associação de Magistrados Brasileiros (AMB), CNI, MPF e Ministério da Justiça.

A Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) registrou a presença de interesses organizados da sociedade entre seus atores mais centrais. No entanto, apenas o ministério e a agência reguladora mais ligados à jurisdição da comissão figuraram como centrais considerando-se os cálculos de grau, proximidade e intermediação. Ministério da Ciência e Tecnologia e Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) são, portanto, atores muito importantes nessa policy network. Na Comissão de Defesa do Consumidor (CDC), os interesses organizados que emergiram como os mais centrais também estão fortemente relacionados ao escopo da comissão, constando nas três medidas de centralidade o Ministério da Justiça, a Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor do Estado de São Paulo (Procon-SP) e o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). Com relação aos interesses organizados mais centrais na rede da Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços (CDEICS), dois ministérios apareceram nas três medidas, além de uma confederação empresarial. Nesse sentido, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, o Ministério da Fazenda e a CNI foram importantes atores nas relações que se estabeleceram em torno das políticas de desenvolvimento econômico, indústria, comércio e serviços.

Na Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM), apenas a Secretaria de Direitos Humanos e o MPF figuraram entre os cinco atores mais centrais nas três medidas. Chama a atenção que, na comissão destinada a debater questões concernentes aos direitos humanos e as minorias, são poucas as organizações da sociedade a figurar entre as mais centrais. Apareceram apenas a CNBB, como o quarto ator mais central na medida de proximidade, e a OAB, como o quinto ator na medida de intermediação. Na Comissão de Desenvolvimento Urbano (CDU), por sua vez, três foram as organizações constantes entre as mais centrais em todas as medidas de centralidade: Ministério das Cidades, Ministério do Meio Ambiente e Confederação Nacional de Municípios (CNM). A Comissão de Educação (CE) registrou, entre seus atores mais centrais, três que constaram em todas as medidas de centralidade mobilizadas: o Ministério da Educação, a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e a UnB. Na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle (CFFC), por sua vez, uma única instituição figurou entre as mais centrais em termos de grau, de proximidade e de intermediação, qual seja, o Tribunal de Contas da União (TCU), que foi o primeiro ator em todas as medidas. Dessa forma, a instituição responsável pela fiscalização das contas da União foi ator extremamente relevante nas relações que se estabeleceram na arena que se debruça sobre a fiscalização financeira e orçamentária.

Na Comissão de Finanças e Tributação (CFT), comissão que se atém à análise da adequação financeira e orçamentária das proposições, o Ministério da Fazenda figurou como uma instituição central nas três medidas, o que também ocorreu com duas confederações empresariais: CNI e CNC. Na Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia (CINDRA), apenas o Ministério do Meio Ambiente e o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) figuraram entre as cinco organizações/instituições mais centrais em todas as medidas de centralidade. Esse é o mesmo cenário verificado na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS), destacando-se, novamente, o ministério e o instituto mais ligados às questões ambientais. Na Comissão de Legislação Participativa (CLP), arena que possui como foco a participação da sociedade civil no processo legislativo, por sua vez, houve uma única organização constante entre as mais centrais nas três medidas de centralidade: a OAB. Na Comissão de Minas e Energia (CME), apenas o ministério e a agência reguladora mais ligados ao campo temático da comissão figuraram como centrais considerando-se grau, proximidade e intermediação. Ministério de Minas e Energia e Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) são, portanto, atores muito importantes nessa policy network.

A Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional (CREDN) registrou uma única instituição comum nos três grupos de atores mais centrais: o Ministério das Relações Exteriores, que é aquele mais diretamente relacionado às áreas de atividade e aos campos temáticos da comissão. Algo semelhante é verificado na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF), na qual o Ministério da Saúde foi a única instituição comum. Na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado (CSPCCO), são três as instituições que figuraram entre as cinco mais centrais considerando-se as três medidas de centralidade: Ministério da Justiça, Polícia Federal e MPF. Na Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público (CTASP), apesar de um sindicato, uma federação, uma confederação e uma central sindical aparecerem entre os atores mais centrais, somente o Ministério do Trabalho e Emprego e o Ministério Público do Trabalho (MPT) fizeram-se constantes nos três conjuntos de organizações/instituições mais centrais.

Na Comissão de Turismo (CTUR), apenas dois ministérios figuraram entre os atores mais centrais nas três medidas: Ministério do Turismo e Ministério do Esporte. A centralidade desse último se deve, especialmente, ao fato de que questões relativas ao desporto permaneceram no escopo de tal comissão durante grande parte do período considerado neste estudo. Nesse sentido, até 2014, a denominação era Comissão de Turismo e Desporto. Por fim, na Comissão de Viação e Transportes (CVT), o Ministério dos Transportes e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) foram os únicos atores entre os cinco mais centrais nas três medidas de centralidade mobilizadas.

Diante da descrição apresentada e considerando os atores mais centrais em cada rede do sistema comissional, é possível observar algumas características comuns em determinadas comissões. Destacam-se arenas com grande relevância para a atividade econômica, caso de CAPADR, CDEICS e CFT, as quais registraram protagonismo de grupos empresariais. Na primeira, a Contag, entidade representativa de trabalhadores, ainda aparece juntamente com a CNA; nas outras duas comissões, CNI e CNC concentram a centralidade. Ambiente distinto é verificado em arenas como a CTASP, na qual se sobressaem organizações que representam trabalhadores, a citar a CUT e duas entidades representativas de servidores públicos (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho e Federação Nacional dos Auditores Fiscais da Previdência Social).

Há, ainda, comissões marcadas por uma maior centralidade de órgãos estatais, quase sem a presença de entidades da sociedade civil entre os atores mais centrais. Isso é visualizado, por exemplo, nas arenas voltadas ao debate ambiental, como a CINDRA, a CMADS e a CME. Nessas comissões, observa-se apenas a presença do Greenpeace na CMADS e da empresa Centro Brasileiro de Infraestrutura na CME. O cenário é semelhante nas redes da CFFC e da CREDN, com atuação destacada de ministérios e agências reguladoras.

VI. Conclusões

O enfoque deste trabalho recaiu sobre o estudo do acesso de representantes de interesses organizados na Câmara dos Deputados com o objetivo de identificar quais atores ocuparam posições centrais nas redes de interesses organizados que permearam o sistema de comissões permanentes nas 53ª e 54ª legislaturas. A discussão empreendida procurou demostrar que, no Brasil, as comissões permanentes da Câmara dos Deputados são arenas relevantes para as atividades de lobbying e que, nessas arenas, as audiências públicas constituem um espaço importante para a defesa de demandas de grupos de pressão.

A abordagem de análise de redes foi empregada visando lançar luz sobre as redes de interesses organizados. Assume-se que, atuando em um mesmo ambiente político, grupos estabelecem inúmeras relações entre si, a partir das quais emerge uma ampla rede (Cesário, 2016Cesário, P. (2016) Redes de influência no Congresso Nacional: como se articulam os principais grupos de interesse. Revista de Sociologia e Política, 24(59), pp. 109-127. doi
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). A atenção foi dirigida a ela tomando-se a informação como o principal recurso que circula por meio das referidas relações. A expectativa é que atores mais inseridos em redes de interesses organizados tenham maiores oportunidades de contar com recursos e informações, diferentemente daqueles atores que possuem restrições de acesso. Os resultados indicaram que apenas o MPF, o Ministério da Saúde, o Ministério do Trabalho e Emprego e o Ministério da Educação figuraram nas três medidas de centralidade como um dos dez atores mais importantes. O MPF, inclusive, apresentou os maiores escores de centralidades de grau, de proximidade e de intermediação, o que corrobora as afirmações de um protagonismo cada vez mais intenso dos órgãos de controle no processo político (Santos, 2014Santos, M. (2014) Representação de interesses na arena legislativa: os grupos de pressão na Câmara dos Deputados (1983-2012). Texto para Discussão n. 1975. [online] Brasília: Ipea. Disponível em: <http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/3140/1/TD_1975.pdf>. Acesso em: 02 de mai. 2022.
http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream...
). É preciso também destacar a importante atuação dos ministérios na arena legislativa. Eles ocupam posições centrais no que se refere ao estabelecimento de um maior número de ligações com os demais atores da rede (degree), à capacidade de alcançar outros nós a partir de um número reduzido de intermediários (closeness) e à ocupação de uma posição que lhes permite intermediar relações entre outros interesses organizados (betweeness). Considerando a rede de interesses organizados advindos apenas da sociedade, verificou-se a centralidade de organizações do sistema corporativo, ou seja, de organizações de representação profissional e de representação sindical, especialmente as de representação empresarial e as centrais sindicais.

Outro aspecto para o qual se chamou a atenção refere-se à observação de policy networks que se formam em torno de determinadas políticas, objetos da atividade das comissões permanentes da Câmara dos Deputados. A apresentação das organizações e das instituições mais centrais em cada arena do sistema comissional indicou uma convergência muito clara entre os atores e o escopo temático das arenas nas quais atuam preponderantemente. Isso significa, em outras palavras, que organizações/instituições atuam onde se discute mais intensamente o que lhes interessa, mobilizando seus recursos para esses espaços. Nesse sentido, cada política pública ou cada conjunto de temas é capaz de fazer emergir relações entre inúmeros atores, tanto do setor público quanto da sociedade.

Como se procurou demonstrar, eventos como as audiências públicas oferecem a oportunidade de participação no processo decisório a alguns grupos interessados. Identificar esses grupos é algo fundamental e foi o que o presente trabalho procurou fazer. Assim como aponta Przeworski (2011)Przeworski, A. (2011) Money, politics, and democracy. New York: New York University., a igualdade de direitos de participação não é suficiente para assegurar a igualdade de influência política. Nesse sentido, notou-se que as audiências públicas das comissões permanentes da Câmara dos Deputados durante as 53ª e 54ª legislaturas contaram com alguns atores centrais, que tiveram maior acesso a essas arenas. O mapeamento aqui apresentado lança luz sobre uma agenda de pesquisa relacionada à forma pela qual as redes exprimem ações dos atores envolvidos para conversão de seus interesses em políticas, especialmente via processo legislativo. No entanto, é preciso avaliar outras características dos atores atuantes, como o grau de profissionalização e os recursos com os quais contam para as atividades de pressão, bem como em que medida suas posições privilegiadas nas policy networks estão associadas aos resultados políticos que emergem do sistema comissional. Ao avançar por esses desafios, acredita-se que será possível compreender mais claramente como opera a influência de interesses organizados em uma arena cada vez mais relevante no sistema político brasileiro.

  • 1
    Agradeço aos comentários e sugestões dos pareceristas anônimos da Revista de Sociologia e Política. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
  • 2
    É preciso reconhecer a existência de conexões entre influência política e práticas ilícitas. Há na literatura argumentos que advogam que o poder econômico captura as instituições de Estado e domina a política, entretanto, a relação entre público e privado, em sua faceta legal, oferece espaço para a investigação acadêmica, o qual é ainda pouco explorado (Mancuso, 2007Mancuso, W. (2007) O lobby da indústria no Congresso Nacional: empresariado e política no Brasil contemporâneo. São Paulo: Humanitas.).
  • 3
    Tradução livre de “are careful to use the term ‘organized interests’ because they want to include organizations such as corporations, hospitals, and others that do not have members, as well as membership organizations”.
  • 4
    Tradução livre de “Policy networks are sets of formal institutional and informal linkages between governmental and other actors structured around shared [...] beliefs and interests in public policy making and implementation”.
  • 5
    Para a elaboração das redes constantes neste trabalho não foram incluídas as participações para as quais não há o registro da organização/instituição representada. Isso representa 491 observações em um total de 13.725 participações registradas.
  • 6
    Essa conversão foi realizada por meio do software R.
  • 7
    O autor trabalha com as centralidades de grau, de proximidade e de intermediação. Essas medidas são apresentadas adiante.
  • 8
    Deve-se ressaltar que a ocorrência de baixa densidade é típica de redes complexas, sendo isso uma característica estrutural. Densidades altas, por outro lado, são observadas em redes/comunidades muito fechadas, o que não é caso das audiências públicas da Câmara dos Deputados.
  • 9
    A classificação aqui empregada é uma adaptação da utilizada por Santos (2014) para analisar as organizações do cadastro da Primeira-Secretaria da Câmara dos Deputados. Existem, na literatura, outras possibilidades de classificação que enfrentam essa difícil tarefa e são marcadas por limitações. Certamente, tais limitações também se encontram presentes na proposta desenvolvida neste trabalho.
  • 10
    Para a construção da rede de cada comissão permanente são consideradas as participações em audiências realizadas em seu âmbito e nos eventos conjuntos dos quais a referida comissão participou.
  • 11
    O debate sobre especificidades de cada medida e como operam nas comissões é muito relevante, entretanto, não é tema desta seção, que apresenta uma visão ampliada dos interesses organizados em cada comissão permanente.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    08 Jul 2019
  • Aceito
    15 Jul 2021
  • Revisado
    22 Nov 2021
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