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OSTEOMIELITE DE ARCO COSTAL: UMA COMPLICAÇÃO RARA DE VARICELA

RESUMO

Objetivo:

Descrever um caso de varicela complicada de osteomielite aguda a fim de alertar para a complicação rara e potencialmente grave de uma doença muito frequente em idade pediátrica.

Descrição do caso:

Lactente de três meses, previamente saudável, internada por um quadro de febre, prostração e gemido, num contexto de varicela com cerca de dez dias de evolução, com avaliação inicial compatível com sepse de etiologia bacteriana. No terceiro dia de internação, observou-se uma tumefação na sétima costela esquerda. A avaliação ecográfica e cintilográfica mostraram alterações sugestivas de osteomielite de arco costal. As hemoculturas foram negativas. Recebeu antibioticoterapia por seis semanas e evoluiu favoravelmente do ponto de vista clínico, laboratorial e ecográfico.

Comentários:

A varicela é uma das doenças exantemáticas mais frequentes da infância, sendo habitualmente autolimitada. A complicação mais frequente é a infecção bacteriana secundária das lesões cutâneas, sendo raras as complicações osteoarticulares. O arcabouço costal é uma localização excepcional de osteomielite, descrita em menos de 1% dos casos. A principal via de disseminação é a hematogênica, e o agente mais frequente, o Staphylococcus aureus. O prognóstico é geralmente bom, quando a antibioticoterapia se institui precocemente.

Palavras-chave:
Varicela; Osteomielite; Criança

ABSTRACT

Objective:

To report a case of varicella complicated by acute osteomyelitis in order to remind of a rare and potentially serious complication of a very common pediatric disease.

Case description:

A previously healthy 3-month-old female infant with 10-day history of varicella was admitted to the hospital for fever, groan and prostration. The initial laboratorial evaluation was compatible with bacterial sepsis. By the third day after admission, a swelling of the seventh left rib had developed. The ultrasound and scintigraphy evaluation suggested rib osteomyelitis. Blood cultures were negative. The patient completed six weeks of antibiotics with favorable clinical, laboratorial and imaging evolution.

Comments:

Varicella is one of the most frequent exanthematic diseases of childhood and it is usually self-limited. The most frequent complication is bacterial infection of cutaneous lesions. Osteoarticular complications are rare, and rib osteomyelitis is described in less than 1% of cases. The main route of dissemination is hematogenic, and the most frequent etiological agent is Staphylococcus aureus. The prognosis is generally good and depends on early detection and antibiotic initiation.

Keywords:
Chickenpox; Osteomyelitis; Child

INTRODUÇÃO

A varicela é uma infecção provocada pelo vírus varicela-zóster, muito frequente em idade pediátrica, ocorrendo na primeira década de vida em 90% dos casos.11. Kliegman RM, Stanton BF, St Geme JW, Schor NF, Behrman RE. Nelson textbook of Pediatrics. 20th ed. Philadelphia: Elsevier; 2016.

Tem curso habitualmente benigno e a maioria dos doentes recupera-se sem sequelas. Todavia, existem grupos mais vulneráveis em idade pediátrica, como os lactentes jovens e as crianças imunodeprimidas.22. Çakan M, Ayaz NA, Yildirim T, Genç HS, Er A, Keskindemirci G. A case of chickenpox complicated with subacute osteomyelitis. Marmara Med J. 2016;29:110-3.

A infecção da pele e dos tecidos moles é comum e ocorre em 2-5% dos casos. A bacteremia/sepse, a pneumonia, a ataxia cerebelosa, a encefalite, a hepatite, a pancreatite, a miocardite, a nefrite e a trombocitopenia são complicações menos frequentes, e as complicações musculoesqueléticas (artrite séptica, osteomielite aguda, piomiosite e fasceíte necrosante) ocorrem raramente.33. Ziebold C, von Kries R, Lang R, Weigl J, Schmitt HJ. Severe complications of varicella in previously healthy children in Germany: a 1-year survey. Pediatrics. 2001;108:e79. A osteomielite constitui 0,02% das complicações secundárias à varicela.44. Mason L, Carpenter E, Morris E, Davies J. Varicella Zoster associated Osteomyelitis. The Internet J Orthop Surg. 2008;11:1-6.

O objetivo deste relato é apresentar um caso de varicela complicada de osteomielite aguda, a fim de alertar para a complicação rara de uma doença muito frequente em idade pediátrica.

RELATO DO CASO

Lactente de três meses, sexo feminino, institucionalizada por motivos sociais. Quarta filha de pais não consanguíneos; mãe com déficit cognitivo. Gravidez de 36 semanas, complicada por diabetes gestacional no terceiro trimestre. Parto cesáreo por distócia. Índice de Apgar=8/9; ao nascimento: peso 2.650 g (Percentil3-15), comprimento 45,5 cm (Percentil3), perímetro cefálico 33,2 cm (Percentil15). Internação nas primeiras cinco semanas de vida na unidade de cuidados intermédios neonatais por insuficiência respiratória, hipoglicemia assintomática, dificuldade alimentar e motivo social. Segunda internação aos dois meses, com duração de 48 horas, por bronquiolite aguda causada por vírus sincicial respiratório. Crescimento ponderoestatural e desenvolvimento psicomotor adequados.

Procurou o pronto-socorro pediátrico (or quadro clínico com 48 horas de evolução de febre (temperatura axilar máxima 38,5ºC), prostração e gemência, no contexto de varicela, com primeiras lesões cutâneas identificadas havia cerca de dez dias. À observação no PS, apresentava-se febril, com gemência, fontanela normalmente deprimida, pressão arterial 94/54 mmHg, frequência cardíaca 150 bpm, bem perfundida, eupneica. Havia numerosas lesões cutâneas em crosta dispersas pelo corpo, com sinais de infecção bacteriana secundária no couro cabeludo; restante do exame sem alterações. Quanto aos resultados laboratoriais (Tabela 1): hemoglobina 76 g/L, leucócitos 45,7×109/L (neutrófilos 51%), plaquetas 588×109/L; proteína C reativa (PCR) 18,8 mg/dL; glicemia, transaminases séricas e gasometria normais; duas hemoculturas negativas; exame sumário de urina sem alterações, urocultura estéril. Radiografia de tórax normal.

Tabela 1
Evolução da avaliação laboratorial.

A paciente foi admitida com hipótese diagnóstica de sepse, provavelmente secundária à varicela impetiginada. Iniciou antibioticoterapia endovenosa com ceftriaxona (100 mg/kg/dia) e tópica (ácido fusídico).

No terceiro dia de internação, surgiu uma tumefação na sétima costela esquerda, linha mamilar, de consistência dura e limites pouco definidos, aparentemente dolorosa à palpação, sem outros sinais inflamatórios locais.

No dia seguinte, repetiu a avaliação laboratorial (Tabela 1): hemoglobina 79 g/L, leucócitos 13,4×109/L (neutrófilos 15%), PCR 4,8 mg/dL, velocidade de sedimentação (VS) 80 mm/1ª hora. A radiografia de tórax não mostrou alterações nos arcos costais. Realizou ecografia das partes moles (Figura 1), que revelou aumento volumétrico da articulação costocondral, com líquido livre intra-articular e irregularidade da extremidade anterior do arco costal. A cintilografia óssea 99mTc-HMDP trifásica (Figura 2) mostrou hiperemia focal na região anterior média do arco costal esquerdo e, em imagens tardias, hipercaptação do radiofármaco em topografia correspondente ao foco de hiperemia identificado na fase de difusão sanguínea e área de hipofixação do radiofármaco na topografia da articulação costocondral respectiva, aspectos compatíveis com patologia inflamatória/infecciosa. A distribuição do radiofármaco no restante do esqueleto foi normal.

Figura 1
Ecografia de partes moles do arcabouço costal direita e esquerda, respectivamente. (A) À direita, sem alterações; (B) à esquerda, observa-se aumento volumétrico da articulação costocondral, com líquido livre intra-articular e irregularidade da extremidade anterior do arco costal.

Figura 2
Cintilografia óssea - radiofármaco 99mTC-HMDP. (A) e (B) imagens iniciais: hiperemia focal na região anterior média do arcabouço costal esquerdo; (C) e (D) imagens tardias: hipercaptação do radiofármaco em topografia correspondente ao foco de hiperemia identificado na fase de difusão e área de hipofixação do radiofármaco na topografia da articulação costocondral respectiva.

Durante a internação, manteve-se sempre hemodinamicamente estável, com apirexia desde o terceiro dia e melhora progressiva do estado geral e das lesões cutâneas. Completou dez dias de ceftriaxona, momento em que efetuou reavaliação laboratorial (Tabela 1), que documentou: hemoglobina 86 g/L, leucócitos 14,8×109/L (neutrófilos 19%), PCR 0,3 mg/dL e VS 35 mm/1ª hora. Iniciou amoxicilina-ácido clavulânico oral (70 mg/kg/dia) e cumpriu o total de seis semanas de antibioticoterapia, apresentando à data da resolução da tumefação palpável VS 10 mm/1ª hora, PCR inferior a 0,1 mg/dL (Tabela 1) e ecografia de controle com irregularidade da extremidade anterior do arco costal, embora com bordos escleróticos de forma aparentemente contínua e aspectos sugestivos de consolidação (Figura 3).

Figura 3
Ecografia de partes moles do arcabouço costal esquerdo. Observa-se irregularidade da extremidade anterior do arco costal, embora com bordos escleróticos de forma aparentemente contínua, aspecto sugestivo de consolidação.

Manteve o seguimento em consulta de Pediatria e foi realizado estudo da imunidade com determinação de imunoglobulinas, que resultou em normal. Não houve intercorrências ao longo do ano subsequente à internação hospitalar.

DISCUSSÃO

A osteomielite aguda é relativamente pouco frequente em idade pediátrica, mas constitui uma das principais infecções bacterianas invasivas que justificam hospitalização e antibioticoterapia prolongadas. Nos países desenvolvidos, a osteomielite tem incidência estimada em 8:100 mil crianças/ano, com valor consideravelmente maior nos países pouco desenvolvidos. Ocorre mais comumente no sexo masculino, numa proporção avaliada em 2:1.55. Kaplan SL. Osteomyelitis in children. Infect Dis Clin North Am. 2005;19:787-97.,66. Riise ØR, Kirkhus E, Handeland KS, Flatø B, Reiseter T, Cvancarova M, et al. Childhood osteomyelitis-incidence and differentiation from other acute onset musculoskeletal features in a population-based study. BMC Pediatr. 2008;8:45.,77. Grammatico-Guillon L, Maakaroun Vermesse Z, Baron S, Gettner S, Rusch E, Bernard L. Paediatric bone and joint infections are more common in boys and toddlers: a national epidemiology study. Acta Paediatr. 2013;102:e120-5.

O Staphylococcus aureus é o agente etiológico mais recorrente, seguido do Streptococcus pyogenes e do Streptococcus pneumoniae. A infeção por Salmonella é comum nos países em desenvolvimento e nos doentes com anemia de células falciformes. A Kingella kingae vem assumindo importância crescente, particularmente nas crianças com idade inferior a quatro anos. As etiologias tuberculosa e fúngica adquirem mais expressão em países menos desenvolvidos, frequentemente em contextos de doentes imunodeprimidos, com doença disseminada e multissistêmica. Nos casos de osteomielite associada à varicela, as diversas casuísticas publicadas apontam o S. pyogenes como a bactéria mais frequentemente implicada, seguida pelo S. aureus.88. Peltola H, Pääkkönen M. Acute Osteomyelitis in Children. N Engl J Med. 2014;370:352-60.,99. Gamaletsou MN, Kontoyiannis DP, Sipsas NV, Moriyama B, Alexander E, Roilides E, et al. Candida osteomyelitis: analysis of 207 pediatric and adult cases (1970-2011). Clin Infect Dis. 2012;55:1338-51.

Na criança, a via hematogênica é a mais comum, mas o agente infecioso, quase sempre bacteriano, pode também atingir o osso por inoculação direta na evolução de uma lesão traumática, ou por disseminação local por meio de uma infecção contígua (celulite, empiema, pneumonia ou artrite séptica). Nos casos associados à varicela, a infecção bacteriana secundária ocorre após a ruptura da barreira protetora, provocada pela lesão cutânea vesiculosa e pelas lesões decorrentes de coceira, que podem determinar uma bacteremia e, admite-se, por alterações das funções imunitárias induzidas pelo vírus. Na infecção secundária por S. pyogenes, as enzimas hialuronidase e estreptolisina, produzidas por aquela estirpe bacteriana, parecem ser facilitadoras da penetração da bactéria nos tecidos mais profundos.99. Gamaletsou MN, Kontoyiannis DP, Sipsas NV, Moriyama B, Alexander E, Roilides E, et al. Candida osteomyelitis: analysis of 207 pediatric and adult cases (1970-2011). Clin Infect Dis. 2012;55:1338-51.,1010. Krogstad P. Osteomyelitis. In: Feigin RD, Cherry J, Demmler-Harrison GJ, Kaplan SL, editors. Pediatric infectious diseases. 6th ed. Philadelphia: Saunders; 2009. p.725-42.

A osteomielite é unifocal na maior parte dos casos, mas pode ser multifocal em qualquer idade, sobretudo em recém-nascidos.1010. Krogstad P. Osteomyelitis. In: Feigin RD, Cherry J, Demmler-Harrison GJ, Kaplan SL, editors. Pediatric infectious diseases. 6th ed. Philadelphia: Saunders; 2009. p.725-42. Ocorre principalmente na metáfise de ossos longos, nomeadamente no fémur, na tíbia e no úmero. O arcabouço costal é uma localização rara, estando descrita em menos de 1% dos casos. Na sequência da disseminação hematogênica, a localização óssea preferencial da infecção ocorre nas áreas de maior suprimento vascular, em que o osso é metabolicamente mais ativo. No caso do arcabouço costal, corresponde na maioria das vezes à junção costocondral (anteriormente) e ao ângulo costovertebral (posteriormente).1111. Nascimento M, Oliveira E, Soares S, Almeida R, Espada F. Rib osteomyelitis in a pediatric patient case report and literature review. Pediatr Infect Dis J. 2012;31:1190-4.

A descrição do primeiro caso de osteomielite costal, efetuada por Chauvenet et al., data de 1885. Recentemente, foi publicada uma revisão da literatura com a descrição de 57 casos de osteomielite do arcabouço costal em idade pediátrica, correspondente a um período de 48 anos (1963-2011). A idade média foi de 6,6 anos, sem predomínio de sexo; a febre foi descrita em 36% dos casos; o envolvimento multifocal ocorreu em 9%; o agente etiológico predominante foi o S. aureus (36%); as vias hematogênica e disseminação contígua foram admitidas em 52 e 42% dos casos, respectivamente; efetuaram-se drenagem em 94% dos doentes e resseção óssea em 75% deles.1111. Nascimento M, Oliveira E, Soares S, Almeida R, Espada F. Rib osteomyelitis in a pediatric patient case report and literature review. Pediatr Infect Dis J. 2012;31:1190-4.

A apresentação clínica de uma osteomielite é quase sempre aguda, podendo cursar com febre, impotência funcional, dor e presença de outros sinais inflamatórios da área envolvida. Todavia, o seu início, a sua tradução e o seu curso podem ser mais insidiosos, o que condicionará um atraso importante no diagnóstico. A osteomielite é classificada como aguda quando a duração da doença no momento do diagnóstico for inferior a duas semanas, subaguda nos casos de duração entre duas semanas e três meses e crônica nos períodos mais prolongados.88. Peltola H, Pääkkönen M. Acute Osteomyelitis in Children. N Engl J Med. 2014;370:352-60.

O diagnóstico diferencial das lesões líticas adquiridas em arcos costais deve incluir traumatismo, alterações metabólicas (nomeadamente raquitismo e hiperparatiroidismo), iatrogenia (no contexto de utilização de prostaglandinas) e doença neoplásica, hipóteses excluídas pela anamnese, exame objetivo, evolução clínica, analítica e ecográfica.1212. Glass RB, Norton KI, Mitre SA, Kang E. Pediatric Ribs: a spectrum of abnormalities. Radiographics. 2002;22:87-104.

A PCR, a procalcitonina e a velocidade de hemossedimentação são parâmetros inflamatórios que apresentam elevada sensibilidade e são úteis no seguimento, nomeadamente na avaliação da resposta à terapêutica e na deteção de eventuais complicações.1313. Butbul-Aviel Y, Koren A, Halevy R, Sakran W. Procalcitonin as a diagnostic aid in osteomyelitis and septic arthritis. Pediatr Emerg Care. 2005;21:828-32.,1414. Pääkkönen M, Kallio MJ, Kallio PE, Peltola H. Sensitivity of erythrocyte sedimentation rate and C-reactive protein in childhood bone and joint infections. Clin Orthop Relat Res. 2010;468:861-6.,1515. Arnold JC, Cannavino CR, Ross MK, Westley B, Miller TC, Riffenburgh RH, et al. Acute bacterial osteoarticular infections: eight-year analysis of C-reactive protein for oral step-down therapy. Pediatrics. 2012;130:e821-8. Nesse caso, registraram-se valores inicialmente elevados de PCR e velocidade de hemossedimentação, mas a sua evolução foi rapidamente favorável.

As alterações de imagem identificadas nas crianças com osteomielite associadas à varicela são sobreponíveis às observadas em outros casos de osteomielite bacteriana.1616. Borgen L, Haakonsen MO, Gudmundsen TE, Solheim D, Stensvold K. Acute osteomyelitis as a complication of varicella. Acta Radiol. 2005;46:652-6. Aspectos radiológicos inequivocamente patológicos de reação cortical e de destruição óssea não são habitualmente identificados nas duas primeiras semanas de sintomatologia, motivo pelo qual uma radiografia de tórax no momento da admissão hospitalar é a regra (como observado no caso relatado aqui), porém não se deve por isso excluir o diagnóstico de osteomielite, mas tem o valor adicional de excluir uma fratura ou um tumor ósseo.88. Peltola H, Pääkkönen M. Acute Osteomyelitis in Children. N Engl J Med. 2014;370:352-60.

A cintilografia óssea, necessariamente com estudo multifásico, apresenta alterações muito precocemente (24-48 horas), tem elevada sensibilidade e a enorme vantagem de a criança não necessitar de sedação, aspecto que foi levado em consideração nessa criança.1616. Borgen L, Haakonsen MO, Gudmundsen TE, Solheim D, Stensvold K. Acute osteomyelitis as a complication of varicella. Acta Radiol. 2005;46:652-6. No caso descrito, além do habitual aumento precoce da atividade do radiofármaco no local ósseo afetado, incrementado na fase tardia do exame, documentou-se uma área de hipocaptação, o chamado cold scan, que, segundo alguns autores, pode constituir um sinal de alarme e indicar uma doença mais agressiva, com redução da perfusão e até necrose óssea.1717. Elgazzar AH, Abdel-Dayem HM, Clark JD, Maxon HR. Multimodality imaging of osteomyelitis. Eur J Nucl Med. 1995;22:1043-63.

A ressonância magnética é, todavia, o exame de eleição, o mais sensível e específico para o diagnóstico de osteomielite, permitindo identificar muito precocemente (24-48 horas) alterações como o edema medular, que surge nas fases iniciais da infecção metafisária. A extensão do envolvimento e a atividade da doença nos casos subagudos ou crônicos são outros contributos importantes da ressonância magnética.1818. Conrad DA. Acute hematogenous osteomyelitis. Pediatr Rev. 2010;31:464-71.,1919. Idrissa S, Tazi M, Cherrabi H, Souley A, Mahmoudi A, Elmadi A, et al. Multifocal rib osteomyelitis in children: a case report and literature review. J Surg Case Rep. 2017;7:rjx142.

A ultrassonografia pode ser muito informativa, particularmente nos lactentes, ao revelar muito cedo (48 horas de doença) espessamento periósteo, presença de líquido/abcesso subperiósteo, alterações dos tecidos moles adjacentes, o que permite, como demonstrado nesse caso, monitorização da evolução, com a vantagem de ser um exame não invasivo.2020. Long G, Gibbon WW. Ultrasonography in the diagnosis of chickenpox-related osteomyelitis. J Ultrasound Med. 1998;17:29-32.

O diagnóstico etiológico só é possível em casos de positividade da hemocultura (o que ocorre apenas em cerca de 40% dos casos) ou do exame microbiológico do aspirado da metáfise ou do pus subperiósteo, nos casos de osteomielite costal.88. Peltola H, Pääkkönen M. Acute Osteomyelitis in Children. N Engl J Med. 2014;370:352-60.,1111. Nascimento M, Oliveira E, Soares S, Almeida R, Espada F. Rib osteomyelitis in a pediatric patient case report and literature review. Pediatr Infect Dis J. 2012;31:1190-4. No nosso doente, as hemoculturas revelaram-se negativas, e a boa evolução clínica, analítica e de imagem tornou desnecessária qualquer intervenção cirúrgica de aspiração/drenagem, pelo que a etiologia não foi identificada.

O tratamento inicial da osteomielite aguda é empírico, com antibioticoterapia necessariamente adequada à cobertura do S. aureus e de, pelo menos, outros agentes gram-positivos. Nesse caso, a evidência ao terceiro dia de internação de um quadro clínico sugestivo de osteomielite costal pós-varicela, com hemocultura negativa e boa resposta da curva térmica, resultou na manutenção da terapêutica inicial com ceftriaxona endovenosa. A subsequente evolução, clínica e laboratorial, permitiu a passagem à via oral, com amoxicilina e ácido clavulânico, no 11º dia de tratamento. Alguns autores preconizam duração de antibioticoterapia endovenosa ainda mais curta para os casos de osteomielite aguda não complicada.2121. Jagodzinski NA, Kanwar R, Graham K, Bache CE. Prospective evaluation of a shortened regimen of treatment for acute osteomyelitis and septic arthritis in children. J Pediatr Orthop. 2009;29:518-25.,2222. Peltola H, Pääkkönen M, Kallio P, Kallio MJ, Osteomyelitis-Septic Arthritis Study Group. Short- versus long-term antimicrobial treatment for acute hematogenous osteomyelitis of childhood: prospective, randomized trial on 131 culture-positive cases. Pediatr Infect Dis J. 2010;29:1123-8. A terapêutica totalizou seis semanas, de acordo com as recomendações da literatura, que sugerem duração entre quatro e seis semanas.2323. Laxer RM, Lindsey CB. Arthritis related to infection. In: Cassidy JT, Petty RE, Laxer RM, Lindsey CB, editors. Textbook of Pediatric Rheumatology. 6th ed. Philadelphia: Saunders; 2011. p.559-78. Alguns autores preconizam esquemas terapêuticos de menor duração, realçando a sua eficácia, menor custo e redução do risco de resistência bacteriana.88. Peltola H, Pääkkönen M. Acute Osteomyelitis in Children. N Engl J Med. 2014;370:352-60.

Nos casos de diagnóstico precoce, o que ocorreu em nosso doente, o tratamento médico conservador da osteomielite aguda da criança é eficaz em cerca de 90% dos casos.2424. Vaughan PA, Newman NM, Rosman MA. Acute hematogenous osteomyelitis in children. J Pediatr Orthop. 1987;7:652-5. Curiosamente, na revisão da literatura, a porcentagem de intervenções nos casos de osteomielite da costela foi extremamente elevada.1111. Nascimento M, Oliveira E, Soares S, Almeida R, Espada F. Rib osteomyelitis in a pediatric patient case report and literature review. Pediatr Infect Dis J. 2012;31:1190-4. Nos casos agudos com abcesso associado e nos casos de abcesso intraósseo da osteomielite subaguda ou crônica (abcessos de Brodie), a drenagem cirúrgica é imperativa.88. Peltola H, Pääkkönen M. Acute Osteomyelitis in Children. N Engl J Med. 2014;370:352-60.

Na atualidade, a osteomielite é raramente fatal nos países desenvolvidos, e o prognóstico funcional é geralmente favorável, particularmente quando o acesso a cuidados de saúde, o diagnóstico, a hospitalização e a antibioticoterapia são precoces.77. Grammatico-Guillon L, Maakaroun Vermesse Z, Baron S, Gettner S, Rusch E, Bernard L. Paediatric bone and joint infections are more common in boys and toddlers: a national epidemiology study. Acta Paediatr. 2013;102:e120-5.,2222. Peltola H, Pääkkönen M, Kallio P, Kallio MJ, Osteomyelitis-Septic Arthritis Study Group. Short- versus long-term antimicrobial treatment for acute hematogenous osteomyelitis of childhood: prospective, randomized trial on 131 culture-positive cases. Pediatr Infect Dis J. 2010;29:1123-8.

O caso descrito corresponde a uma complicação rara de varicela, com localização excepcional. O rápido diagnóstico e a instituição imediata de terapêutica foram determinantes para a boa evolução clínica.

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Financiamento

  • O estudo não recebeu financiamento.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Jul 2019
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    10 Jan 2018
  • Aceito
    29 Abr 2018
  • Publicado
    17 Jun 2019
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